RESUMO: Este artigo trata do Furto Famélico no Ordenamento Jurídico Brasileiro, analisando os conceitos de furto famélico de acordo com renomados doutrinadores, os requisitos, a consequência, bem como uma breve análise da jurisprudencial atual, a qual, majoritariamente, quando acolhe a excludente de ilicitude aplica o princípio da insignificância, embora exista a possibilidade de incidir três possíveis teses; estado de necessidade, excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa e princípio da insignidicância. Por fim, verifica-se a posição atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Palavras-chave: direito penal; furto; famélico; insignificância;
ABSTRACT: This article deals with the theft peckish in Brazilian Legal System, analyzing the concepts of theft peckish according to renowned scholars, the requirements, the result, as well as a brief analysis of current case law, which, mostly, when accommodating the exclusionary illegality applies the principle of insignificance, although it is possible to focus three possible theses, state of necessity, exclusive of guilt by unenforceability of conduct diverse and principle of insignidicância. Finally, there is the current position of the Supreme Court and the Superior Court of Justice on the subject.
Keywords: penal law; theft; peckish; insignificance
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO . 1 POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE O FURTO FAMÉLICO 2 NATUREZA JURÍDICA 3 FURTO DE UM POTE DE MANTEIGA 4. DA JURISPRUDÊNCIA 4.1 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 4.2 O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Cada vez é mais grave o problema do furto famélico, em decorrência dos efeitos negativos do capitalismo e da globalização, surgindo a miséria para milhões de pessoas.
A função do direito penal é agir em ultima ratio, quando não houver outra solução plausível no caso concreto.
Em síntese, aborda-se os conceitos de furto famélico de acordo com renomados doutrinadores, os requisitos, a consequência, bem como uma breve análise jurisprudencial.
Demonstra-se a importância do reconhecimento de excludentes desse crime seja por estado de necessidade, inexigibilidade de conduta diversa, ou aplicação do princípio da insignificância.
Apresenta como resultado, casos concretos do STF e do STJ, e como forma de elucidação da não aplicação de excludente a um caso de roubo de um pote de manteiga.
Assim, a jurisprudência tem aceito a aplicação do princípio da insignificância, com a finalidade de mitigar penas desnecessárias.
1.POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS SOBRE O FURTO FAMÉLICO
Furto necessitado – A não-punibilidade do furto famélico vem sendo reconhecida desde a Idade Média, por influência do direito canônico. [1] Há relato sobre furto, quando incita “saqueai a prata, saqueai o ouro, porque não tem termo o provimento, abastança há de todo gênero de móveis apetecíveis” [2]
Do ponto de vista psicológico:
O furto famélico é, em tese, decorrência última da desesperadora expropriação do homem em relação aos meios de sua sobrevivência: em um sistema social que se configura como um universo de mercadorias em expansão, condicionado pela acumulação ilimitada, o furto por estado irredutível de necessidade parece não somente ser esperado como tolerado.[3]
O Código Penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro absteve-se de constar qualquer disposição sobre o furto famélico, restando a solução na parte geral. Com essa ausência de previsão legal, existem inúmeros processos judiciais desnecessários, posto que no julgamento são absolvidos sumariamente por uma das três teses possíveis de acordo com cada caso concreto.
Atualmente, a excludente da antijuridicidade faz parte da generalidade das legislações. No Brasil, o Projeto Sá Pereira, inspirado no Projeto Stoos para Suiça, no seu art. 186, par. 3º estabeleceu: Quando o objeto do furto forem coisas de pequeno valor destinadas à alimentação, não se procederá de ofício, e tal seja a situação do inculpado, poderá o juiz se abster de qualquer pena, ou substituí-la pela medida de segurança que as circunstâncias indicarem. [4]
Na legislação estrangeira, tem-se que:
Furto famélico é o praticado por quem, em situação de extrema penúria, é compelido pela fome, por uma necessidade urgente e inadiável de se alimentar (propter necessitatis vim), como está especialmente previsto no art. 626, n2, do CP italiano, verbis: Se o fato é praticado de coisa de pequeno valor, para satisfazer uma grave e urgente necessidade”. [...] A Constitutio Criminalis Carolina, sancionada em 1523 por Carlos V expressamente isentava de pena o agente que praticava um furto premido pela necessidade de alimentar a si próprio ou a sua família.[...] Na França, o tema foi reconhecido em famosa decisão do Tribunal de Chateau-Thierry, com fundamentação de que “ a fome é suscetível de privar parcialmente a todo ser humano do livre-arbítrio e reduzir nele, em grande parte, a noção do bem e do mal.[5]
2. NATUREZA JURÍDICA
Para Luis Flávio Gomes o tema: Desempregado e furto famélico. Como se sabe, a característica essencial do estado de necessidade reside na existência de um conflito entre dois ou mais bens jurídicos protegidos (pelo Direito) diante de uma situação de perigo.[6]
[...] trata-se de um poder de sacrificar bens alheios, quando não há outra forma de evitar o perigo. O fundamento do estado de necessidade reside no princípio do interesse preponderante. O exemplo clássico é o dos náufragos: duas ou mais pessoas em alto mar disputam um único objeto (“salva-vidas”). Aqui se justifica que alguém sacrifique a vida de outrem para salvar a sua. Quanto ao furto famélico há jurisprudência no sentido de justificar o fato praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome e pela necessidade de se alimentar ou alimentar a sua família.[7]
O Código Penal prevê o estado de necessidade, uma excludente de ilicitude, àquele que pratica fato para salvar de perigo atual, que não o provocou cujo sacrifício é inexigido.
A saída jurídica para tal hipótese é excluir a antijuridicidade do fato por estar encoberto pelo estado de necessidade. Sem o requisito da antijuridicidade não há que se falar em delito.[...] O tema do furto famélico (assim como o do roubo famélico) nos conduz a um dilema que consiste no uso do Direito penal contra a miséria. Um miserável, na maioria das vezes, o que precisa é de emprego, moradia e alimentação, não de Direito penal. Cuidando-se efetivamente de um furto famélico (furto de bens alimentícios para saciar a fome), não há dúvida que deve ser aplicado o instituto do estado de necessidade.[8]
Em relação à culpabilidade; composta por potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade, isto é, capacidade de sofrer sanção, caso não seja exigível do mísero que suporte passar fome, em tese, ele preencherá um dos requisitos para não cumprir pena, embora, neste caso, cometa crime.
Por outro lado, o irrelevante penal, bagatela, ou insignificância, não é crime, pois não lesa bem jurídico tutelado, em razão de sua ínfima conduta.
Sobre o tema, Rogério Sanches Cunha elucida o conceito de furto famélico abordando seus requisitos.
O furto famélico (para saciar a fome) é crime? A jurisprudência tem reconhecido o estado de necessidade (art. 24 do CP), desde que presentes os seguintes requisitos (ônus da defesa): a) que o fato seja praticado para mitigar a fome; b) que seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do comportamento lesivo); c) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência; d) a insuficiência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a impossibilidade de trabalhar.[9]
De acordo com Cunha, o ônus da defesa abrange quatros requisitos cumulativos.
Rogério Greco aborda o assunto de forma mais ampla:
A palavra famélico traduz, segundo o vernáculo, a situação daquele que tem fome, que está faminto. [...]Em tese, o fato praticado pelo agente seria típico. Entretanto a ilicitude seria afastada em virtude da existência do chamado estado de necessidade. [...] o furto famélico amolda-se às condições necessárias ao reconhecimento do estado de necessidade, uma vez que, de um lado, podemos visualizar o patrimônio da vítima e, do outro, a vida ou a saúde do agente, que corre risco em virtude da ausência de alimentação necessária para a sua subsistência.[10]
Neste ponto, de acordo com Greco, a irrelevância da conduta atrela-se ao baixo custo do alimento saciador da fome.
Assim, aquele que, no interior de um supermercado, podendo subtrair um saco de feijão , seleciona uma peça de bacalhau, por mais que tenha necessidade de se alimentar, não poderá ser beneficiado com o raciocínio do estado de necessidade, pois a escolha do bem a ser subtraído deve recair sobre aquele que traga menor prejuízo à vítima.[11]
De acordo com Greco, o alimento base (feijão) sacia a fome do agente, enquanto que o alimento (bacalhau), prato principal, satisfaz o paladar mais refinado, embora também sacie a fome do agente.
Do ponto de vista da vítima de um furto de bacalhau acarreta-se um prejuízo maior que o feijão. Daí falar-se-ia numa desproporção entre a satisfação da fome do agente e o prejuízo sofrido pela vítima, bem como retiraria o valor ínfimo do bem subtraído, caso entende-se pela incidência do princípio da insignificância.
Para Fernando Capez, furto famélico é sinônimo de furto necessitado:
FURTO FAMÉLICO OU NECESSITADO. É aquele cometido por quem se encontra em situação de extrema miserabilidade, necessitando de alimento para saciar a sua fome e/ou de sua família. Não se configura, na hipótese, o crime, pois o estado de necessidade exclui a ilicitude do crime. Dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria, por si sós, não caracterizam essa descriminante, do contrário estarim legalizadas todas as subtrações eventualmente praticadas por quem não estiver exercendo atividade laborativa.[12]
O furto deve ser um recurso inevitável, uma ação in extremis. Se o agente tinha plenas condições de exercer trabalho honesto ou se a conduta recair sobre bens supérfluos, não será o caso de furto famélico.[13]
Capez, reafirma os requisitos cumulativos, ressaltando que dificuldade financeira e desprego, por si só, não caracterizam o furto famélico.
3.FURTO DE UM POTE DE MANTEIGA, CASO OCORRIDO EM SÃO PAULO.
Angélica Teodoro, dezoito anos, mãe de um filho de dois anos, desempregada, primária e de bons antecedentes, ficou presa 128 dias porque teria tentado “roubar” um pote de 200 gramas de manteiga [...] Não houve ameaça com arma de fogo ou mesmo com arma branca. Cinco pedidos de liberdade provisória foram denegados [...] Coube ao STJ conceder para ela a liberdade provisória. Partindo-se da premissa que teria havido ameaça, o caso que acaba de ser narrado não está regido pelo princípio da insignificância, sim, constitui uma típica infração bagatelar imprópria [...] Infração bagatelar imprópria é a que nasce relevante para o Direito penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalemente desnecessária [...] Ao “furto” de um pote de manteiga deve ser aplicado o princípio da insignificância (porque o fato nasce irrelevante). [...].[14]
O caso em tela narrado por Luiz Flávio Gomes referente a uma moça jovem, primária e de bons antecedentes que foi presa por mais de 4 meses, por um crime tentado. A jovem com filho pequeno para criar, desempregada tentou subtrair um pote de manteiga. A pena para ela seria desproporcional.
Porém, nesse caso, o caso foi de roubo famélico, por ter havido violência ou grave ameaça. Não seria o caso de estado de necessidade, nem tampouco de inexigibilidade de conduta diversa, mas sim da bagatela imprópria, também denomidada como insignificância imprópria.
Cabe à autoridade judiciária a análise no caso concreto das circunstâncias que levaram o agente a cometer o fato. Corroboram para a absolvição sumária a incidência do princípio da insignificância amparada pelo direito penal mínimo cuja ofensividade ao bem jurídico não tenha sido atingida, como no caso da manetiga roubada pela jovem Angélica Teodoro.
Há um notável voto vencedor proferido pelo Juiz José Percival Albano Nogueira, quando de sua atuação no TACrimSP: “Muito fácil se torna a alguém, na frieza do papel dos autos, sentir que a fome de outrem é insuscetível de conduzi-lo a um ato anti-social. Cercado de todas as comodidades que a vida moderna propicia aos mais favorecidos, vendo seus filhos bem alimentados e saudáveis, é difícil ao indivíduo bem situado na sociedade entender o estado de necessidade dos miseráveis. Mas se conseguir transpor-se, mentalmente, à situação dos menos favorecidos, dos doentes, dos desempregados, ainda que com muito esforço, conseguirá transpor-se, mentalmente à situação dos menos favorecidos, dos doentes, dos desempregados, ainda que com muito esforço, conseguirá sentir que um jovem e primário, quando desempregado, não consegue os meios de subsistência e, impelido pela fome, vem a furtar, age em estado de necessidade.” [15]
4. DA JURISPRUDÊNCIA
A jurisprudência brasileira é restrita, não abrangendo todos os preceitos doutrinários, permitindo tão somente a incidência do princípio da insignificância.
4.1 O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Atualmente, o posicionamento que prevalece nos casos de furto famélico é a incidência do princípio da insignificância. Desse modo, há exclusão da tipicidade material do crime de furto famélico.
De acordo com o Ministro Luiz Fux, na decisão proferida no Habeas Corpus 112262/MG:
Bens avaliados em R$ 91,74. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade, não obstante o ínfimo valor da res furtiva: Réu reincidente e com extensa ficha criminal constando delitos contra o patrimônio. Liminar indeferida.[...] Ostentando o paciente a condição de reincidente e possuindo extensa ficha criminal revelando delitos contra o patrimônio, não cabe a aplicação do princípio da insignificância. [16]
Neste julgado, assim definiu-se furto famélico:
O furto famélico subsiste com o princípio da insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. É possível que o reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. Deveras, a insignificância destacada do estado de necessidade impõe a análise de outros fatores para a sua incidência. É cediço que a) O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada; b) a aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais.[17]
Para o STF, deve-se aplicar o princípio da insignificância ao delito famélico, observando todos os quatros requisitos desse princípio.
No caso em tela, não foi aplicado, pois o réu era reincidente e possuia extensa ficha criminal e agiu em concurso.
4.2 POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
[...]o impetrante sustenta que a conduta da ré não se subsume ao tipo do art. 155 do Estatuto Repressor, em face do pequeno valor econômico das mercadorias por ela subtraídos, atraindo a incidência do princípio da insignificância.[...]
As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal.
A res furtiva considerada - alimentos e fraldas descartáveis-, caracteriza a hipótese de furto famélico.
Deve ser concedida a ordem para anular a decisão condenatória e trancar a ação penal por falta de justa causa.[...]
Notas: Princípio da insignificância: aplicado ao furto de 2 kg de arroz, 1 kg de feijão, 1 pacote de fraldas descartáveis, 1 kg de açúcar, 1 pacote de coco ralado e 1 kg de laranjas.[18]
Este caso contemplou como bens os alimentos e as fraldas. Assim, verificou-se que mesmo não se tratando de alimentos as fraldas foram inseridas no contexto famélico. Por outro lado, afirmou-se furto famélico no sentido dos bens furtados, porém não houve aplicação da excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, oriunda da fome, pois, foi concedida a ordem com base no princípio da insignificância.
Neste ponto, verifica-se que o STJ adota um posicionamento mais benéfico em relação ao STF.
o recorrente sustenta que a conduta da ré não se subsume ao tipo do art. 155 do Estatuto Repressor, em face do pequeno valor econômico das mercadorias que ela teria tentado subtrair, atraindo a incidência do princípio da insignificância.
[...] tal conduta não teria afetado de forma relevante o patrimônio das vítimas, pois as mercadorias teriam sido avaliadas em valor aproximado de R$ 30,00, atraindo, portanto, a incidência do princípio da insignificância, excludente da tipicidade.[...]
Deve ser aplicado o princípio da insignificância à hipótese, cassada a sentença condenatória imposta à paciente pelo Juízo de 1º grau e anulada a ação penal contra ela instaurada.[...]
Notas: Princípio da insignificância: aplicado ao furto de 06 (seis) unidades de desodorantes, O1 (um) queijo de minas e 02 (dois) pacotes de biscoito.[19]
Neste caso, reforçou-se o posiocionamento do STJ, que aplica a insignificância mesmo quando o réu é reincidente e de maus antecedentes. Os bens subtraídos foram os seguintes: queijo, biscoito e desodorantes, denotando, novamente, um contexto famélico abrangente.
O princípio da insignificância em matéria penal deve ser aplicado excepcionalmente, nos casos em que, não obstante a conduta, a vítima não tenha sofrido prejuízo relevante em seu patrimônio, de maneira a não configurar ofensa expressiva ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Assim, para afastar a tipicidade pela aplicação do referido princípio, o desvalor do resultado ou o desvalor da ação, ou seja, a lesão ao bem jurídico ou a conduta do agente, devem ser ínfimos.
In casu, [...] o valor total dos bens furtados pelo recorrente - pacotes de biscoito, leite, pães e bolos -, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio das vítimas, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da ilicitude.[20]
Este último caso os bens eram todos alimentícios. Assim, verificou-se que o STJ em suas decisões quando mencionou furto famélico aplicou o princípio da insignificância e abrangeu outros bens no mesmo contexto, não necessariamente alimentícios, como as fraldas e os desodorantes.
Ao analisar as decisões do Superior Tribunal de Justiça, no que tange ao furto famélico, verifica-se a incidência do princípio da insignificância.
A despeito do exposto, nota-se julgados que consideraram as circunstâncias desfavoráveis ao agente, a reincidência e/ou os maus antecedentes, em julgados do Supremo Tribunal Federal, de forma a afastar a incidência do princípio da insignificância em furtos famélicos.
Por outro lado, nota-se que o Superior Tribunal de Justiça em suas decisões aplicou o princípio da insignificância no furtos famélicos, independentemente, de haver circunstâncias desfavoráveis ao agente.
Por fim, posiciono-me na corrente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, considerando que a condenação deve ser utilizado como a última ratio e somente em casos excepcionais, pois no ordenamento jurídico brasileiro a lei é de aplicação isonômica, porém há de se considerar que a condição de miséria e fome existente no país existe por todo o território nacional, seja em áreas isoladas, urbanas e rurais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve o intuito de pesquisar o furto famélico no ordenamento jurídico brasileiro.
A tese mais aceita pela doutrina, certamente, é a aplicação ao furto famélico do estado de necessidade, e se este não for possível, então podem ser aplicados, de acordo com o caso concreto, a inexigibilidade de conduta diversa ou irrelevante penal.
O furto famélico não deve ser visto como um crime, de forma que nenhum miserável seja privado de alimentar-se.
A jurisprudência do STJ demonstrou um caráter menos punitivista, enquanto que a do STF demonstrou um rigor maior ao não aceitar a aplicação do instituto, pelo fato de o réu ser reincidente e ter uma ficha criminal extensa.
Daí, a necessidade de, no caso concreto, o juiz analisar a situação à luz da jurisprudência do STJ, a qual permite a aplicação do furto famélico o instituto da insignificância, abrangendo, no mesmo contexto fático, outros bens que não sejam alimentos como fraldas e desodorantes.
Portanto, a natureza jurídica do furto famélico no ordenamento jurídico brasileiro pode ser considerado, do ponto de vista doutrinário, de três formas. A forma inicial é a aplicação do estado de necessidade, e as formas subsidiárias são as seguintes: inexigibilidade de conduta diversa e insignificância.
No entanto, o ponto de vista jurisprudencial só aceita o instituto da insignificância.
Assim, a posição doutrinária pela aplicação dos institutos: estado de necessidade e inexigibilidade de conduta diversa não possuem respaldo jurisprudencial.
A questão que permanece é se o furto famélico terá melhores interpretações no Supremo Tribunal Federal, e se os juízes de primeiro grau aplicarão mais o referido instituto. Para isso, a melhor solução seria a tipificação de uma norma permissiva sobre o furto famélico, pormenorizando os requisitos.
REFERÊNCIAS
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[1] PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro v.2 Parte Especial arts. 121 a 361 2ª. Ed. Revista e atualizada , ampliada e complementada. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2007. p.202
[2] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. O direito na bíblia. 7ª ed. São Paulo. Copbem gráfica e editora ltda. 2008. p. 81
[3]ROMAN, Marcelo domingues. Psicologia e adolescência encarcerada: a dimensão educativa de uma atuação em meio à barbárie. Orientadora: Marilene Proença Rebello de Souza. São Paulo. 2007. 285 págs. Tese de doutorado. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. p.24) Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-23032009-130527/pt-br.php. Acesso em 07/02/2013. p. 24
[4] PIERANGELI. Op. Cit. p. 202
[5] PIERANGELI,Op. Cit. p. 201
[6] GOMES, Luiz Flávio. Caso Angélica Teodoro: “roubo de um pote de manteiga” e princípio da irrelevância penal do fato. Disponível em: http:// www.lfg.com.br. Acesso em: 08/06/2013
[7] GOMES, Luiz Flávio. Op. Cit. P.1
[8] GOMES, Luiz Flávio.Op. cit. P.1
[9] CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial . 3. Ed. Ver., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. Coleção ciências criminais. V. 3/ coordenação Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha p. 131-132
[10] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Vol. III 10ª ed. Rio de Janeiro. Impetus. 2013. p. 18
[11] GRECO, Rogério. Op. Cit. P. 18
[12] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. Vol 2. 8ª ed. São Paulo. Saraiva. 2008. P.83
[13] CAPEZ, Fernando. Op. Cit. P.83
[14] GOMES, Luiz Flávio. Caso Angélica Teodoro: “roubo de um pote de manteiga” e princípio da irrelevância penal do fato. Disponível em: http:// www.lfg.com.br. Acesso em: 08/06/2013. p. 13-14
[15] PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro v.2 Parte Especial arts. 121 a 361 2ª. Ed. Revista e atualizada , ampliada e complementada. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2007. p.202
[16] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 112262/MG. Relator Ministro Luiz Fux. Primeira Turma. Julgamento em: 10/04/2012. Publicado no Dj 02/05/2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 06/02/2013.
[17] BRASIL, Op. Cit.
[18] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 62417/SP. Relator Ministro Gilson Dipp. Quinta Turma. Julgamento em: 19/06/2007. Publicado no Dj 19/08/2007. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 06/02/2013.
[19] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2028/SP. Relator Ministro Gilson Dipp. Quinta Turma. Julgamento em: 24/04/2007. Publicado no Dj 04/06/2007. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 06/02/2013.
[20] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 23376/MG. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Quinta Turma. Julgamento em: 28/08/2008. Publicado no Dj 20/10/2008. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 06/02/2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMATO, Raphaela Holanda Cavalcante. Furto famélico no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2014, 08:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38085/furto-famelico-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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