O MERCOSUL é um bloco econômico de natureza intergovernamental, em estágio de união aduaneira, desde 1995, ainda que imperfeita. Vale dizer que o bloco econômico sequer consolidou o estágio de zona de livre comércio e, mesmo assim, avançou para o estágio de união aduaneira. Para que seja classificado como união aduaneira é necessária a existência de um tarifa externa comum, bem como uma política comercial externa comum.
O mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul passou por 3 fases distintas até chegar a configuração atual: a) o anexo III do Tratado de Assunção; b) o Protocolo de Brasília; e d) o Protocolo de Olivos.
No Mercosul, o Tratado de Assunção só previa a negociação diplomática. Somente no Protocolo de Brasilia surge o Tribunal Arbitral Ad Hoc. Com o Protocolo de Olivos é criado o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) com o objetivo de garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do MERCOSUL de forma consistente e sistemática.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) surgiu em 1995, como desdobramento das regras do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). A OMC, hoje composta por 153 membros, é um fórum de negociação comercial global, atuando na resolução de disputas comerciais. É uma organização internacional investida de poderes e funções para promover e regular o comércio internacional em nível global.
Ensina Herinque Weil Afonso[1] que sob a ótica da fragmentação do Direito Internacional, pode-se dizer que a OMC possui uma racionalidade própria, marcadamente técnica e instrumental. Sua atuação é pautada, acima de tudo, por critérios econômicos, o que justificaria sua autonomia face às demais instâncias fragmentadas do Direito Internacional.
O sistema de solução de controvérsias da OMC, ensina Phelippe Sands[2], é o elemento central da segurança e previsibilidade do sistema de comércio multilateral. Os membros reconhecem que o sistema serve para preservar aos direitos e obrigações dos membros sob pálio dos acordos firmados e esclarecer suas provisões de acordo com os costumes e normas de interpretação do Direito Internacional. Já no primeiro caso o Corpo de Apelação da OMC confirmou que as normas do comércio não devem ser lidas isoladamente do Direito Internacioanl Público.
Antes de realizar a análise comparada dos sistemas de solução de controvérsias da OMC e do Mercosul, insta registrar que somente serão mencionadas as semelhanças e diferencas que interessam para o deslinde do presente artigo.
Ambos os sistemas são de jurisdição obrigatória, ou seja, a partir do momento em que o Estado celebra o respectivo tratado ele já aceita como obrigatória a referida jurisdição. No entanto, deve-se registrar que a jurisdição não é impositiva, pois são os Estados soberanos que, por meio da celebração de um tratado, aceitam a jurisdição como obrigatória.
Na OMC a jurisdição é exclusiva. No Mercosul, o art. 1º, n. 2, do Protocolo de Olivos prevê que a parte pode escolher outro foro[3]. Esta, a propósito, é uma das inovações do Protocolo de Olivos.
Entretanto, uma vez feita a escolha, em tese, não é possível recorrer a outro foro para resolver a mesma demanda.
Diz-se em tese porque a OMC, por exemplo, não dispõe de qualquer regra de prevenção de foro, ou de impedimento de conhecer controvérsia que já esteja sendo submetida, ou tenha sido submetida, a um outro mecanismo regional de solução de controvérsias. Isto pode criar, inclusive, uma situação jurídica complexa, em que uma determinada medida nacional pode ser considerada legal por um tribunal regional, e, posteriormente, ser considerada incompatível com os acordos da OMC.
No Mercosul, atualmente, o procedimento é o seguinte: quando houver questões controversas, os Estados-Partes devem tratar a questão negociando diretamente, procurando resolvê-la. Na OMC, o procedimento também se inicia assim. Aliás, em ambos os sitemas grande parte dos litígios se resolve nesta fase.
A fase de consultas tem, inclusive, ganhado relevância em termos processuais. O membro reclamante não poder suscitar, posteriormente, diante do painel ou do tribunal arbitral, questões que não tenham sido previamente examinadas nesta fase. Somente quando não solucionada a questão por esta via é que é convocado o Tribunal Arbitral Ad Hoc no Mercosul, ou o Painel de Experts na OMC.
Na verdade, no Mercosul, hoje, a única etapa obrigatória antes de se recorrer ao Tribunal Permanete de Revisão, o TPR, é a negociação direta, pois o Protocolo de Olivos, a partir de um fracasso na primeira fase, permite recorrer direto ao TPR. Se optar por esta via, acesso direto ao TPR, o laudo arbitral será obrigatório para as partes, não sendo mais passível de qualquer revisão. Na OMC não há essa possibilidade de julgamento per saltum, mas os membros envolvidos em uma controvérsia podem acordar em submetê-la diretamente à arbitragem, desde que identificadas claramente as questões conflitantes e haja concordância em obedecer ao laudo arbitral. Contudo, esta prerrogativa raramente é utilizada pelos membros da OMC.
Os laudos deverão ser cumpridos na forma e com o alcance com que foram emitidos. A adoção de medidas compensatórias nos termos do Protocolo de Olivos não exime o Estado parte de sua obrigação de cumprir o laudo.
Se um Estado-Parte na controvérsia não cumprir o laudo do Tribunal Arbitral, a outra parte terá a faculdade de iniciar a aplicação de medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras obrigações equivalentes, com vistas a obter o cumprimento do laudo. Na OMC é semelhante.
Na verdade, os sistemas jurídicos internacionais não contam com o monopólio sobre o uso da força e dispõem, de modo geral, de poucos meios coercitivos que permitam induzir o cumprimento de suas decisões.
Também em ambos sistemas a decisão não tem caráter reparatório, retributivo, compensatório, nem de penalização do membro que eventualmente tenha transgredido as normas da OMC e do Mercosul por meio de uma medida nacional. O objetivo fundamental da fase de implementação e da eventual suspensão de vantagens é forçar o membro a cumprir a decisão, tornando sua legislação interna compatível com as obrigação que assumiu no âmbito da OMC ou do Mercosul.
Cabe aqui uma observação sobre o caráter dos relatórios dos painéis e do órgão de apelação da OMC. A norma que regula o seu sistema de solução de controvérsias não confere de forma expressa caráter vinculante para os futuros julgamentos, ou seja, não há o stare decisis.
Na prática, entretanto, os painéis e o órgão de apelação fazem constantes remissões aos relatórios passados. Estas remissões são invocadas não como precedente vinculante, mas como interpretação jurisprudencial. No Mercosul, por haver poucos casos fica difícil afirmar que haja um sistema de precedentes, muito embora um julgado costume mencionar os anteriores.
O órgão de apelação da OMC tem manifestado de forma explícita que os informes anteriores do órgão de apelação tem um efeito de precedente pelo menos com relação aos grupos especiais.
Em relação aos gastos oriundos do processo, estes serão cobertos pelo orçamento da OMC, sejam eles originados pelos painéis ou pelos órgãos de apelação instituídos. Esta é uma vantagem em relação ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul, já que neste sistema quem arca com os custos são as partes envolvidas no processo de forma igualitária[4].
Mas o Mercosul, tem uma vantagem processual importante em relação ao mecanismo concorrente da OMC, que é a possibilidade de que se apliquem medidas provisórias ou cautelares a pedido do demandante, para evitar um dano irreparável a sua economia. Portanto em casos nos quais sejam necessárias medidas provisórias, o Estado tenderá a optar pelo sistema regido pelo Protocolo de Olivos.
Na OMC, no máximo, há a possibilidade de acelerar o procedimento, que já é bastante célere. Mas, no Mercosul, o procedimento também é expedito.
Seja como parte reclamante ou reclamada, seja como terceiro interessado, a capacidade postulatória na OMC centra-se na figura dos Estados soberanos e territórios aduaneiros. No Mercosul, centra-se apenas em seus Estados-Membros.
Em ambos os sistemas, a única opção dos particulares é auxiliar seus respectivos governos a preparar a reclamação. Nao há norma de Direito Internacional que obrigue os Estados a assumirem causas de seus nacionais perante tribunais internacionais, o que se denomina proteção diplomática. Em regra, portanto, os Estados-Membros da OMC e Mercosul exercerão a sua discricionariedade quanto a apresentar ou não a reclamação sugerida por um particular, seguindo seus próprios critérios de conveniência política.
No Mercosul, há as opinões consultivas, criadas pelo Protocolo de Olivos, com o escopo de contribuir para a interpretação e a aplicação correta e uniforme das normas do Mercosul, trazendo mais previsibilidade e certeza ao bloco, ainda que não tenham efeito vinculante e obrigatório. Terão como alcance exclusivamente a interpretação juridical do Tratado de Assunção, do Protocolo de Outro Preto, de protocolos, acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção, das decisões do Conselho de Mercado Comum, das resoluções do Grupo Mercado Comum, e das diretivas da Comissão de Comércio do Mercosul. A dúvida deve ocorrer no bojo de um processo judicial quando for proveniente de tribunal de Estado-Parte. Na OMC, segundo ensina Phelippe Sands[5], os painéis apenas têm jurisdição contenciosa, não possuindo, portanto, competência consultiva.
[1] WEIL AFONSO,Henrique. Unidade e fragmentação do direito internacional: o papel dos Direitos Humanos como element unificador. Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume4/arquivos_pdf/sumario/art_v4_III.pdf P. 25.
[2] SANDS, Philippe. Manual on International Courts and Tribunals. Butterworths. 1999, p. 73.
[3] art. 1. 2: “As controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do presente Protocolo que possam também ser submetidas ao sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam parte individualmente os Estados Partes do Mercosul poderão submeter-se a um ou outro foro, à escolha da parte demandante. Sem prejuízo disso, as partes na controvérsia poderão, de comum acordo, definir o foro.
Uma vez iniciado um procedimento de solução de controvérsias de acordo com o parágrafo anterior, nenhuma das partes poderá recorrer a mecanismos de solução de controvérsias estabelecidos nos outros foros com relação a um mesmo objeto, definido nos termos do artigo 14 deste Protocolo.
Não obstante, no marco do estabelecido neste numeral, o Conselho do Mercado Comum regulamentará os aspectos relativos à opção de foro.”
[4] Art. 36 do Protocolo de Olivos: “ 1. Os gastos e honorários ocasionados pela atividade dos árbitros serão custeados pelo país que os designe e os gastos e honorários do Presidente do Tribunal Arbitral Ad Hoc serão custeados em partes iguais pelos Estados partes na controvérsia, a menos que o Tribunal decida distribuí-los em proporção distinta. ??2. Os gastos e honorários ocasionados pela atividade dos árbitros do Tribunal Permanente de Revisão serão custeados em partes iguais pelos Estados partes na controvérsia, a menos que o Tribunal decida distribuí-los em proporção distinta. ??3. Os gastos a que se referem os incisos anteriores poderão ser pagos por intermédio da Secretaria Administrativa do Mercosul. Os pagamentos poderão ser realizados por intermédio de um Fundo Especial que poderá ser criado pelos Estados Partes ao depositar as contribuições relativas ao orçamento da Secretaria Administrativa do Mercosul, conforme o artigo 45 do Protocolo de Ouro Preto, ou no momento de iniciar os procedimentos previstos nos Capítulos VI ou VII do presente Protocolo. O Fundo será administrado pela Secretaria Administrativa do Mercosul, a qual deverá anualmente prestar contas aos Estados Partes sobre sua utilização.”
[5] SANDS, Philippe. Manual on International Courts and Tribunals. Butterworths. 1999, p.77.
Procuradora Federal. Graduada pela Universidade de Brasília - UNB. Mestranda pela Universidade de Lisboa;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Camila Dias. Afinidades e diferenças entre os sistemas de solução de controvérsias da OMC e do MERCOSUL Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38093/afinidades-e-diferencas-entre-os-sistemas-de-solucao-de-controversias-da-omc-e-do-mercosul. Acesso em: 22 nov 2024.
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