O Col. Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de examinar a interessante questão, consistente na competência do juiz estatal para apreciação medidas cautelares após a instauração de procedimento arbitral e a constituição do painel arbitral. No Recurso Especial nº 1297974, a relatora Min. NANCY ANDRIGHI zelou pela jurisdição arbitral.
Com efeito, naquele caso, cuidou-se de ação cautelar, proposta por Participações em Complexos Bioenergéticos S.A. – PCBIOS contra Itarumã Participações S.A, objetivando a suspensão de todos direitos e obrigações de Itarumã Participações S.A. como acionista da sociedade CBIO. Neste sentido, tratou-se de procedimento preparatório, visando a assegurar a eficácia de sentença a ser proferida no procedimento arbitral futuramente instaurado. Os pedidos iniciais foram julgados improcedentes pelo MM. Juízo de 1ª Instância. Para a reforma da decisão, Participações em Complexos Bioenergéticos S.A. – PCBIOS interpôs recurso de apelação.
Sucede que durante o processamento de tal recurso foi constituída a arbitragem entre as partes. Por essa razão, em sede de contrarrazões ao recurso, Itarumã Participações S.A. suscitou a incompetência superveniente da justiça estatal para decidir os fatos em questão. O E. Tribunal carioca, entretanto, deu provimento ao apelo, porque “a cláusula compromissória constante no acordo de acionistas, instituindo o juízo arbitral para a solução de conflitos, é relativa em relação às medidas de caráter urgente por vontade das próprias partes, não retirando dos contratantes, portanto, a faculdade de buscar a solução dessas questões pela via judicial, sob pena de violação do pacta sunt servanda e do acesso ao Poder Judiciário” (trecho do julgado).
Em decorrência do teor do V. acórdão prolatado pelo E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Itarumã Participações S.A. interpôs recurso especial contra o V. aresto, recurso ao qual o Col. Superior Tribunal de Justiça deu provimento, para anular o V. acórdão e determinar a remessa dos autos do processo ao juízo arbitral, por ter a competência para julgar a tutela cautelar.
O Col. Superior Tribunal de Justiça decidiu que:
“1. O Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte /em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium.
2. Na pendência da constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem.
3. Superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação, e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão.
4. Em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatendem-se provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar.”[1]
De fato, tal posicionamento coaduna-se com grande parte das lições doutrinárias a respeito do tema. Há o entendimento de que o árbitro é quem detém poderes para antecipar a tutela. E havendo necessidade de medidas coercitivas, a parte interessada deverá dirigir-se ao árbitro, e esse, por sua vez, deverá solicitá-las ao juiz togado.
Conforme o art. 22, § 4º: “Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.” A comunicação entre árbitro e juiz, nesse caso, se dará por meio de ofício. Já em consonância com o regulamento da The London Court of International Arbitration, em situações de urgência, a parte poderá pedir que o tribunal arbitral seja formado com antecedência.
ALEXANDRE FREITAS CÂMARA afirma que “cabe ao árbitro conceder a medida cautelar, devendo ser solicitada ao juízo competente, tão somente, a atuação da mesma, já que o árbitro não pode usar a força para fazer cumprir suas decisões”.[2]
De outro lado, alguns juristas entendem ser o árbitro mero interlocutor de uma demanda cautelar junto ao juiz togado. PAULO FURTADO comenta que “não pode o árbitro, ou o tribunal, decretar medidas coercitivas, ou processar e julgar ações cautelares”.[3] Porém, essa concepção parece absurda, pois reduziria o árbitro a um substituto processual da parte, requerendo, em nome próprio, a tutela de um pretenso direito do litigante. Noutro ângulo ainda, para PAULO CEZAR PINHEIRO CARNEIRO, o árbitro só poderá conceder medidas cautelares se houver disposição nesse sentido na convenção de arbitragem.[4]
Cumpre dizer que para CARLOS ALBERTO CARMONA o árbitro possui competência, sobretudo pela ligação natural entre a demanda principal e a cautelar (esta com objetivo de assegurar o resultado útil daquela), levando a concessão “ao órgão julgador que proferirá a decisão sobre a demanda principal a competência para detectar a necessidade ou não de tutela cautelar”.[5] Portanto, de forma análoga à regra do art. 800 do Código de Processo Civil, é do árbitro a competência para decidir demanda cautelar envolvendo matérias sujeitas à decisão arbitral, independentemente de poderes expressos na convenção arbitral para tanto.
No entanto, “as regras de competência podem ser desprezadas se houver algum obstáculo que impeça que a parte necessitada de tutela emergencial de ter acesso ao juízo originariamente competente”.[6] No caso de a demanda cautelar ser anterior à instauração da arbitragem, poderá ser proposta perante o juízo estatal.
PEDRO BATISTA MARTINS explica que: "inobstante o fato de que a medida cautelar deva ser pleiteada ao juízo arbitral (afinal, os julgadores foram espontaneamente nomeados para 'dizer o direito'), há momentos em que esse caminho não é factível, como nos casos de urgência em que o órgão ainda não foi instalado. (...) Sendo certo que a instalação do órgão privado pode demandar algum tempo, precioso na salvaguarda de interesses lícitos das partes, é razoável não se obstar o exercício, em juízo, da tutela jurisdicional”.[7]
Segundo SELMA FERREIRA LEMES: "Pode ocorrer que essa medida cautelar de urgência precise ser adotada na fase prévia da arbitragem, quando ainda não foi solicitada a instauração do processo ou quando o tribunal arbitral ainda não esteja constituído. Neste caso, a parte interessada encaminhará solicitação diretamente ao juiz estatal, que poderá apreciar a solicitação e o seu deferimento. Em seguida, notando que a lei determina a propositura da ação principal no prazo de 30 dias, deverá, em consequência, propor a demanda arbitral. A solicitação prévia da medida cautelar não representará renúncia à arbitragem nem é incompatível com ela".[8]
Nesse sentido, CARLOS AUGUSTO DA SILVEIRA LOBO e RAFAEL DE MOURA RANGEL NEY: "Inicialmente, discutiu-se a possibilidade de o juiz conceder, em sede cautelar, anteriormente à instauração do juízo arbitral, provimento liminar sobre uma disputa submetida consensualmente à arbitragem. Formou-se o entendimento de que, nesta hipótese, é facultado à parte requerente endereçar a medida cautelar ao órgão do Poder Judiciário, ao qual deveria a causa ser distribuída originalmente se convenção arbitral não houvesse. De fato, a demora na instauração do tribunal arbitral com vistas à apreciação do pedido cautelar poderia levar ao indesejável perecimento do direito em discussão, justificando-se, assim, a adoção de tal procedimento, 'inspirado no princípio quando est periculum in mora incompetentia non attenditur’”.[9]
O Arbitration Act de 96 autoriza a prolação de medidas de urgências pelos juízes estatais. Preceituam os itens 3 e 5 da regra 44 do estatuto legal inglês:"(3) If the case is one of urgency, the Court may, on the application of a party or proposed party to the arbitral proceedings, make such orders as it thinks necessary for the purpose of preserving evidence or assets. (…) (5) In any case the Court shall act only if or to the extent that the tribunal, and any arbitral or other institution or person vested by the parties with power in that regard, has no power or is unable for the time being to act effectively".
Note-se que a UNCITRAL - Model Law on International Commercial Arbitration - admite a utilização da cautelar prévia ao procedimento arbitral também, em seu art. 9.º, que assim dispõe: "Article 9. Arbitration agreement and interim measures by court. It is not incompatible with an arbitration agreement for a party to request, before or during arbitral proceedings, from a court an interim measure of protection and for a court to grant such measure".
Uma vez instituída a arbitragem, os autos serão remetidos aos árbitros, que inclusive poderão manter ou não a medida cautelar concedida. Nessa linha, CARLOS ALBERTO CARMONA assevera que “instituída a arbitragem, os autos do processo cautelar devem ser enviados ao árbitro (não haverá, obviamente, ação principal judicial, eis que a ação cautelar é antecedente em relação à demanda arbitral!), que poderá manter ou não a medida cautelar concedida, eis que é dele, árbitro, o juízo acerca da tutela cautelar”.[10] É do juízo arbitral a competência originária para conhecer da causa, inteiramente.
Isto porque “a natureza precária das medidas acautelatórias permite aos árbitros rever decisões judiciais, sendo certo que, nas hipóteses de se instaurar um conflito entre as medidas decretadas pelo Judiciário e as que o tribunal arbitral entender cabíveis, prevalecerá o entendimento dos árbitros, pois somente eles detêm a jurisdição para deliberar sobre o mérito da causa”.[11]
Igualmente, defende JOAQUIM DE PAIVA MUNIZ: “(...) after the formation of the arbitration tribunal, the arbitrators assume full competence to rule on any injunctive relief. As arbitrators may grant new injunctions formerly issued. Considering that the arbitration proceeding, the situation would be analogous to the usual case in which, due to urgency, a magistrate that would be originally incompetent issues an injunction, and the case afterwards remitted to the competent judge, to reconsider the decision”.[12]
Conforme explicação de JOSÉ ANTÔNIO FICHTNER e ANDRÉ LUÍS MONTEIRO, “as medidas urgentes possuem natureza provisória e são concedidas ou denegadas a partir de uma cognição sumária, reapreciáveis, por essa razão, a qualquer tempo. Aplica-se aqui, analogamente, a regra que permite ao novo órgão judicial, nas hipóteses de modificação de competência ou de declínio por incompetência, o pleno exame da matéria em questão, independentemente até mesmo de fato novo”.[13]
Todavia, LUIZ ROBERTO AYOUB entende que o árbitro não poderá desconstituir a decisão proferida pelo juiz estatal, revertendo-a somente quando da prolação da sentença arbitral. Assim explica: “Pode ainda haver a possibilidade de o compromisso não ter estipulado o Tribunal ou árbitro competente para dirimir o conflito. Neste caso, há uma exceção à regra, onde, uma vez concedida a liminar pelo órgão-juiz, esta prevalecerá; mesmo que a posteriori haja instituição do procedimento, este não tem poder de desconstituir medida que fora concedida antes mesmo da nomeação do árbitro ou Tribunal, fruto do que a doutrina coma de compromisso em branco, só podendo mudar esta decisão se a sentença arbitral estipular o contrário”.[14]
Destarte, no caso de a demanda cautelar ser anterior à instauração da arbitragem, poderá ser proposta perante o juízo estatal. Contudo, instaurada a arbitragem, os autos serão remetidos aos árbitros, que detêm a competência para o exame das tutelas cautelares. O Tribunal Arbitral poderá rever as medidas cautelares concedidas pelo Poder Judiciário com fundamento no princípio da provisoriedade das medidas de urgência e na circunstância de que, havida a modificação da competência, o novo órgão pode reapreciar as decisões.
[1] Recurso Especial n. 1297974/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.6.12.
[2] “Arbitragem – Lei 9.307/96”. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris,1997, p. 83-84.
[3] “Lei da Arbitragem comentada”. São Paulo: Saraiva, 1997, p.93.
[4] In “Arbitragem: a Nova Lei Brasileira (9.307/96) e a Praxe Internacional”, coord. de Paulo Borba Casella, São Paulo, 1997, p. 131-156.
[5] “Arbitragem e processo”, São Paulo: Atlas, 2009, p. 325.
[6] “Arbitragem e processo”, São Paulo: Atlas, 2009, p. 327.
[7] “Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem”. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 373.
[8] “O uso da medida cautelar no procedimento arbitral”, in Valor Econômico, 29.08.2003, ano 4, Legislação & Tributos.
[9] In “Arbitragem Interna e Internacional”, Ricardo Ramalho Almeida (coord.), Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 245.
[10] “Das boas relações entre os juízes e os árbitros”, Revista de Processo, São Paulo: RT, a.22, n.87, out./dez. de 1997, p.88.
[11] In “Arbitragem interna e internacional”, Ricardo Ramalho Almeida (coord.), Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 256.
[12] “Arbitration Law of Brazil: practice and procedure”. New York: Juris Publishing, 2006, p. 126.
[13] In “Temas de arbitragem”. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 143-144.
[14] “Arbitragem: o acesso à justiça e a efetividade do processo”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.80-84.
Graduação cursada na Faculdade de Direito da PUC/SP em 2009. Especialista em Arbitragem pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas desde 2011. Mestranda em Direito Civil pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABEL, Nathália. O juízo estatal é competente para prosseguir no processamento de medida cautelar depois que tribunal arbitral é formalmente instituído? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38160/o-juizo-estatal-e-competente-para-prosseguir-no-processamento-de-medida-cautelar-depois-que-tribunal-arbitral-e-formalmente-instituido. Acesso em: 22 nov 2024.
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