RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre a possibilidade de se denunciar à lide o agente público faltoso nas ações indenizatórias manejadas em face da Administração Pública. Por meio de uma pesquisa pura, de abordagem qualitativa e objetivo exploratório, o porquê das várias interpretações sobre o tema é explicitado. Pelo método hipotético-dedutivo, com delineamento bibliográfico e documental, são compulsadas todas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema e apresentadas as justificativas e os fundamentos jurídicos e fáticos de cada uma das vertentes. Explana, também, o porquê que a celeuma agrega insegurança jurídica ao ordenamento, informa o posicionamento que, aparentemente, vem demonstrando predominância sobre os demais e suscita uma possível forma de se por fim a controvérsia.
Palavras - chave: Denunciação da lide. Responsabilidade civil do Estado. Direito Público.
1. INTRODUÇÃO
A denunciação da lide é um instituto jurídico processual previsto no Código de Processo Civil e é uma das formas de intervenção de terceiros no processo. Com ela, há uma modificação da relação processual antecedente, agregando-se uma nova parte ao processo – o litisdenunciado. Quando da propositura da ação, este já possuía uma relação jurídica com aquele que o denunciou à lide – o denunciante.
Essa intervenção tem como fundamento, entre outros, a economia processual. Visa-se inserir no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno do direito de garantia ou de regresso que um pretende exercer contra o outro. Evita-se que seja proposta nova demanda ao Poder Judiciário, que deverá pôr fim a duas lides em um único julgamento.
Apesar da simplicidade do instituto, existe uma grande celeuma na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade de se denunciar à lide o agente público causador de dano nas ações indenizatórias movidas em face da Administração Pública.
Os administrativistas e os processualistas pátrios se dividem em três correntes. O primeiro posicionamento entende que a denunciação da lide é obrigatória e, caso não seja intentada, perecerá o direito de regresso, o que, por conseguinte, inviabiliza a ação regressiva estatal. A segunda corrente, na contramão da primeira, esposa a opinião de que, nesse caso, a denunciação da lide é inadmissível. Por fim, a terceira vertente manifesta-se em prol da facultatividade da denunciação da lide do servidor ou responsável na ação indenizatória. Com base nesta última, caso haja a denunciação, o agente público ingressará na lide como litisconsorte facultativo.
Com essa controvérsia, surge a seguinte questão: é cabível ou não a denunciação à lide do agente público responsável pelo dano nas demandas indenizatórias movidas em face da Administração Pública? A resposta a tal questionamento é de extrema importância para o Direito. A falta de consenso é nociva aos jurisdicionados, que ficam em uma zona de incerteza, sem saber qual será o posicionamento judicial em um caso concreto, e traduz-se em explícita insegurança jurídica.
2. A DENUNCIAÇÃO DA LIDE E A RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL
No Direito, quando tratamos de responsabilidade, pensamos sempre no fato de que alguma pessoa, o responsável, deve responder perante algum lesado em virtude de um dano que lhe foi causado. Indiretamente, o termo responsabilidade jurídica também remete a alguma seara do direito, de acordo com o tipo de norma ou bem que foi ferido. O direito pátrio contempla, por exemplo, a responsabilidade penal, civil e administrativa. Se determinado agente infringir um dispositivo legal de natureza criminal, deverá responder penalmente pelo ilícito. Sendo que a mesma lógica serve para a responsabilidade civil e administrativa.
Além dessa distinção, impõe diferenciar a responsabilidade contratual e a extracontratual do Estado. Nesse sentido, Carvalho Filho (2011, p.500) preleciona
para o exame do tema, é importante distinguir essas duas modalidades de responsabilidade. A contratual é estudada na parte relativa aos contratos celebrados pela Administração, tema que já examinamos anteriormente. A extracontratual é aquela que deriva das várias atividades estatais sem qualquer conotação pactual.
No presente artigo, impende salientar que o campo de argumentação limita-se a responsabilidade civil extracontratual do Estado. A responsabilidade contratual estatal situa-se na esfera dos contratos administrativos e é regida por outros princípios, fundamentos e normas que fogem ao objeto deste estudo.
Além de delimitar o campo argumentativo, é de capital importância esclarecer quem são as pessoas que compõem o fato jurídico que poderá ensejar a responsabilidade do Estado. Para tanto, a lição de que o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível é fundamental (CARVALHO FILHO, 2011). De fato, o Estado faz valer suas vontades por meio de pessoas que atuam como verdadeiros prepostos estatais. Estes elementos são denominados pela doutrina administrativa como agentes públicos, expressão de conteúdo essencialmente amplo. Um possível conceito de tal termo é apresentado por Alexandrino e Paulo (2010, p.124):
considera-se agente público toda pessoa física que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública.
Ato contínuo para identificar outro sujeito desse cenário é lembrar o pressuposto para que uma responsabilidade civil ocorra: o dano. Só há o que se falar em responsabilizar alguém se houver dano a outrem. Sem prejuízo moral ou material, não há responsabilidade. O dano é exatamente um elo entre o seu agente causador, no presente caso o Estado ou quem lhe faça às vezes, e o lesado, que pode ser pessoa física ou jurídica. Percebe-se, por conseguinte, a presença de três sujeitos que irão nortear todo o estudo: o Estado, o lesado e o agente público.
Identificados os sujeitos da relação fática existente, importa analisar a forma como o Estado responderá perante terceiros para, posteriormente, adentrar no estudo da relação processual que poderá nascer. Para tanto, merecem destaque os principais dispositivos legais que regulamentam a matéria. Entre eles, cita-se o artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988 e o artigo 43 do Código Civil de 2002, respectivamente:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (www.planalto.gov.br)
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (www.planalto.gov.br)
Ambos os trechos legais deixam transparecer, primeiramente, que o Estado responderá objetivamente perante os lesados e, consecutivamente, que os agentes públicos responderão subjetivamente perante o ente estatal ao qual se vinculam, vale dizer, somente se houver conduta dolosa ou culposa. Isso significa que caso o prejudicado demande a Administração no Judiciário, ele não precisará provar que houve culpa por parte do agente público. O fator culpa fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva (CARVALHO FILHO, 2011).
Excluída a culpa, verifica-se que a parte de conhecimento da ação proposta fica esvaziada, ou melhor, simplificada. Compete ao lesado, portanto, provar que sofreu um dano e que foi uma conduta da Administração que causou esse dano. Muito mais complexo seria se o prejudicado tivesse que provar que houve culpa por parte do agente estatal, o que, sem sombra de dúvida, agregaria às demandas indenizatórias movidas em face do Estado uma delonga processual insatisfatória.
Sobre os fundamentos justificadores da responsabilidade objetiva do Estado, Alexandrino e Paulo (2010, p. 725) lecionam:
a nosso ver, a fundamentação da responsabilidade estatal reside na busca de uma repartição isonômica, equânime, do ônus proveniente de atos ou dos efeitos oriundos das atividades da Administração. Evita-se, com a repartição, entre todos os cidadãos, do ônus financeiro da indenização, que somente alguns suportem os prejuízos ocorridos por causa de uma atividade desempenhada pelo Estado no interesse de todos.
Ademais, apesar do lesado não precisar provar culpa, a Administração, caso queira imputar responsabilidade ao agente público a ela vinculado, deverá provar, necessariamente, dolo ou culpa, como se infere do dispositivo constitucional citado. Daí a se falar que a responsabilidade do agente é subjetiva perante o Estado. Tanto o Código Civil quanto a Carta Magna mencionam o direito regressivo estatal. Este direito, como bem salienta Carvalho Filho (2011, p. 533), “é o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quando se tenha este agido com culpa ou dolo”.
Importante salientar também que o ônus da prova da culpa do agente público é do Estado. Não só por ser o ente estatal a parte hiperssuficiente da relação, mas também por força de expressa dicção legal. O artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil dispõe que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito. Dúvida não há de que o elemento culpa é fato constitutivo do direito regressivo da Administração, pois sem culpa não há o que se falar em ação de regresso. Pode-se suscitar que caso não haja culpa ou dolo por parte do agente público, a Administração carecerá de interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido em relação à demanda regressiva.
Deveras relevante a previsão constitucional do direito regressivo estatal, pois transparece um caminho lógico a ser trilhado após a eventual sucumbência do Estado na ação indenizatória na qual era réu. Como bem salienta Cahali (2007, p.213):
a sentença que julga procedente a ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública e declara a responsabilidade do denunciado pelas perdas e danos da condenação vale como título executivo contra o agente faltoso, exercendo-se, assim, o direito de regresso nos próprios autos do processo original.
O entendimento do direito de regresso é importante para o presente estudo, pois é a partir dele que surgirá a possibilidade de denunciação da lide. Afinal, todas as hipóteses de denunciação são associadas ao direito de regresso, sendo essa uma característica fundamental da denunciação da lide (GONÇALVES, 2011).
É necessário também vislumbrar que existem duas relações jurídicas na situação em comento: uma entre o lesado e o Estado e outra entre este e o agente público faltoso. A denunciação da lide é um instituto jurídico processual previsto no Código de Processo Civil que permitirá uma modificação da relação processual antecedente. Antes, havia uma ação indenizatória proposta pelo prejudicado em face da Administração Pública, ou seja, a relação processual tinha apenas dois polos. Com a denunciação, agrega-se uma nova parte ao processo: o litisdenunciado, que é o agente público causador do dano.
Por conseguinte, é inevitável a conclusão de que a denunciação da lide é uma demanda, exercício do direito de ação. Desta forma, ao promover a denunciação da lide, o denunciante agrega ao processo pedido novo, ampliando seu objeto litigioso. O processo terá duas demandas: a principal e a incidental (DIDIER JR., 2011).
A denunciação, um tipo de intervenção de terceiro no processo, tem como fundamento, entre outros, a economia processual. Visa-se inserir no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno do direito de regresso que um pretende exercer contra o outro. Evita-se, por conseguinte, que seja proposta nova ação perante o Poder Judiciário, que deverá pôr fim a duas lides em um único julgamento.
O embasamento legal de tal instituto processual são os artigos 70 a 76 do Código de Processo Civil. Merecendo destaque o artigo 70, inciso III do CPC, que prevê:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. (www.planalto.gov.br)
Como se verifica, o objetivo dessa criação do legislador é bem claro: possibilitar que o responsável final pela indenização componha a relação jurídico processual em prol da celeridade e economia do processo. Apesar da clareza do Código Processual, existe uma grande polêmica na doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade de se denunciar à lide o agente público faltoso nas ações indenizatórias movidas em face da Administração Pública.
Alguns doutrinadores manifestam a crença de que a denunciação da lide, nesse caso, deve ser obrigatória. O principal fundamento dessa posição é exatamente o inciso III do artigo 70 do Código de Processo Civil. Percebe-se que o codex dispõe que a denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
A referida previsão, quando conjugada com o citado dispositivo constitucional, que prevê a existência de responsabilidade civil objetiva por parte do Estado e subjetiva por parte do agente público faltoso, bem como salienta a existência de direito de regresso do primeiro sujeito em relação ao segundo, leva a crer que não há outra opção aos procuradores públicos a não ser denunciar à lide o agente público.
Motta (2004, p.306) cita como expoentes dessa corrente que prega a obrigatoriedade de denunciação, sob pena, inclusive, do perecimento do direito de regresso, os doutrinadores Rui Stoco e Antonio de Pádua Ferraz Nogueira. No entanto, apesar da opinião dos referidos estudiosos ter fundamento legal, não é demais salientar que processualistas civis de renome refutam essa posição com uma justificativa que se relaciona à natureza da denunciação. Nesse sentido, Didier Jr. (2011, p.374) sustenta:
o caput do art. 70 do CPC afirma que a denunciação da lide é obrigatória. O que significa isso? Inicialmente, para responder a essa pergunta, levantemos algumas premissas. Não se pode falar de obrigatoriedade, ao menos em sentido técnico. Eis a primeira premissa. A denunciação é exercício do direito de ação, portanto não é um dever: não há um dever de exercitar um direito de ação. É, na verdade, um ônus processual: conquanto diga a lei que a denunciação da lide é obrigatória, na verdade ela é facultativa.
Uma segunda corrente doutrinária e jurisprudencial entende que a denunciação da lide não é cabível. Um dos fundamentos para sustentar essa posição é previsão contida no artigo 122 da Lei nº 8.112/90, regime jurídico dos servidores públicos, de que “Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva”. Observa-se que a lei menciona explicitamente que o servidor responderá, necessariamente, mediante ação regressiva, não deixando, em tese, margem para outro tipo de interpretação.
Ademais, outro fundamento muito utilizado é o de que não é razoável agregar a cognição de verificar a culpa do agente público em uma demanda que, inicialmente, se referia única e exclusivamente à responsabilidade objetiva. Argumenta-se que o particular que sofreu o dano seria desarrazoadamente prejudicado com a denunciação. Nessa esteira, Carvalho Filho (2011, p.532) esclarece:
o pedido do lesado escora-se na teoria da responsabilidade objetiva do Estado, ao passo que o pedido deste contra seu agente é calcado na responsabilidade subjetiva. Por fim, não teria cabimento desfazer indiretamente o benefício que a Constituição outorgou ao lesado: se foi ele dispensado de provar a culpa do agente, não teria cabimento que, no mesmo processo, fosse obrigado a aguardar o conflito entre Estado e seu agente, fundado exatamente na culpa.
Esse argumento assemelha-se à lógica que é prevista na legislação relativa a direito do consumidor, na qual a denunciação da lide não é possível, pois objetiva-se proteger a parte hipossuficiente da relação processual (o consumidor). Essa proteção evita que sejam agregadas novas discussões e partes à ação proposta pelo consumidor.
Um terceiro argumento dessa segunda corrente sustenta que o disposto no Código de Processo Civil não se aplica a responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, já que esta foi regulamentada em dispositivo legal próprio, qual seja: o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Esse entendimento é compartilhado por grandes doutrinadores pátrios, como, por exemplo, Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino e José dos Santos Carvalho Filho, bem como por parte da jurisprudência. Esta representada inclusive por súmula editada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo verbete assim enuncia: “Em ação de indenização ajuizada em face de pessoa jurídica de Direito Público, não se admite a denunciação da lide ao seu agente ou a terceiro (art. 37, parágrafo 6º, CF 88)”.
Demais, verifica-se também a existência de uma terceira corrente doutrinária que se manifesta em prol da facultatividade da denunciação da lide. Para tanto, sustenta-se que apesar do Código de Processo Civil prever, explicitamente, que a denunciação é obrigatória, ela, na verdade, é facultativa, e como tal deve ser entendida. Isso porque a denunciação da lide é o exercício de um direito de ação, um verdadeiro encargo atribuído à parte e jamais uma obrigação. Sendo uma decorrência lógica desse entendimento a conclusão de que a não denunciação não acarreta a perda da pretensão material de regresso (DIDIER JR., 2011). Nessa exata toada, Theodoro Júnior (2007, p. 144) sustenta:
há quem, na doutrina e jurisprudência, defenda a tese de que não pode haver denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil contra o Estado, porque este responde objetivamente, e o direito regressivo contra o funcionário depende do elemento subjetivo culpa. A denunciação, na hipótese, para que o Estado exercite a ação regressiva contra o funcionário faltoso, realmente não é obrigatória. Mas, uma vez exercitada, não pode ser recusada pelo juiz. O entendimento de que o fundamento da responsabilidade do Estado é o nexo objetivo do dano, enquanto o da responsabilidade regressiva do denunciado é a culpa, data venia, não impede o exercício da denunciação da lide.
Essa manifestação, a favor da facultatividade da denunciação, é a que parece ser a predominante entre os tribunais. Reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça já transparecem isso. A denunciação da lide é entendida não como um chamamento ao processo de cunho obrigatório, mas facultativo; o que denota, sem dúvida, que se a denunciação não for feita, o processo é válido e eficaz (CARVALHO FILHO, 2011). Cabe, portanto, à procuradoria pública que estiver litigando decidir pela conveniência e oportunidade de denunciar e, caso não denuncie, não terá prejuízo algum a sua pretensão regressiva.
Aliás, verifica-se na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça julgados que, inclusive, classificam a denunciação da lide, nesse caso, não só como cabível, mas também como recomendável. É o que se infere do voto do ministro Garcia Vieira:
PROCESSUAL CIVIL - DENUNCIAÇÃO A LIDE - PROCEDIMENTO SUMARISSIMO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA. EMBORA CABIVEL E ATE MESMO RECOMENDAVEL A DENUNCIAÇÃO A LIDE DO SERVIDOR PÚBLICO CAUSADOR DO DANO, UMA VEZ INDEFERIDO TAL PEDIDO, INJUSTIFICAVEL SE TORNA, NESTA OPORTUNIDADE, A ANULAÇÃO DO PROCESSO PARA REFERIDA PROVIDENCIA, EM ATENÇÃO AOS PRINCIPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. RECURSO IMPROVIDO.
(16024 DF 1991/0021858-8, Relator: Ministro GARCIA VIEIRA, Data de Julgamento: 17/05/1993, T1 - PRIMEIRA TURMA. Data de Publicação: DJ 28.06.1993 p. 12858RSTJ vol. 48 p. 213) (www.jusbrasil.com.br)
Em que pese já poder ser identificado, na jurisprudência, um posicionamento que vem ganhando preeminência sobre os demais, a controvérsia está longe de uma fim. Como se sabe, mesmo que determinado posicionamento jurisprudencial seja explicitamente majoritário, ele não vincula os magistrados, a não ser que seja contemplado por súmula vinculante. Além do mais, o propósito de uma súmula é exatamente fornecer um norte interpretativo para orientar julgadores, uniformizando a jurisprudência, e explicitar a jurisprudência majoritária para os operadores do direito.
Ademais, outra possível forma de por fim à controvérsia seria uma modificação legislativa, de modo a tornar mais clara a questão. De qualquer forma, verifica-se que a celeuma já perdura por muito tempo, agrega insegurança ao ordenamento e demanda urgente medida pacificadora.
3. CONCLUSÃO
Pode-se afirmar que a finalidade do ordenamento jurídico é agregar à sociedade paz pública, expressão de um bem comum. Essa paz é alcançada quando o Direito é aplicado ao caso concreto. No entanto, um dos obstáculos para se alcançar esse objetivo no fato em comento é exatamente a ausência de consenso. Quando isso ocorre, idênticas situações jurídicas podem surtir reflexos diversos. Gera-se, por conseguinte, indubitável insegurança jurídica; fenômeno que deve, necessariamente, ser combatido, já que contraria o escopo do Direito.
Tal insegurança é observada no caso da denunciação da lide nas demandas indenizatórias movidas em face da Administração Pública. Se, por exemplo, um procurador federal denunciar à lide o servidor responsável pelo dano, não há como prever qual será o posicionamento judicial, dada a pluralidade de interpretações (com exposto, existem três correntes a respeito do tema). Pode-se suscitar que essa falta de harmonia deriva de uma atuação inábil do legislador, que não foi suficientemente explícito sobre o tema.
Nessa esteira, como forma de por termo a consequência gerada por essa falta de habilidade do legislador, a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que promoveu a chamada reforma do Poder Judiciário, criou o instituto da súmula vinculante. A finalidade desse mecanismo é por fim a controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos.
A princípio, verifica-se que a súmula vinculante é uma das possíveis formas de se pôr fim a polêmica da denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil estatal. Vislumbra-se também que súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema traria ao sistema a segurança jurídica que atualmente lhe carece. Apesar dos verbetes do STJ não terem efeito vinculante, não há como negar que eles servem de norte para as instâncias inferiores.
Quanto ao posicionamento que poderia ser adotado pela Corte para a edição da súmula, percebe-se que, inicialmente, pode ser excluída a primeira manifestação ventilada: a que defende a obrigatoriedade da denunciação. Isso porque o principal argumento dessa corrente, que o Código de Processo Civil manifesta que a denunciação da lide é obrigatória, já foi superado por quase a totalidade dos processualistas pátrios. O entendimento de que a denunciação não é obrigatória, e sim facultativa, para a hipótese do inciso III, artigo 70 do CPC é praticamente uníssono. Suscitar em súmula teses já superadas, com certeza, não é uma opção recomendável.
Por conseguinte, restariam as correntes em prol da facultatividade e da inadmissibilidade da denunciação. Não obstante, o posicionamento em prol da facultatividade mostra-se mais coeso. Primeiramente, porque a denunciação não foi vedada em momento algum pelo legislador, sendo que a conclusão de que ela é inadmissível deriva de uma interpretação indireta da lei. Adicionalmente, verifica-se que a aceitação da denunciação contempla os princípios constitucionais da celeridade e economia processual. Por fim, salienta-se que o autor da ação indenizatória não sofre agravo em seus deveres processuais em virtude da denunciação. No entanto, admite-se que o pólo ativo da ação sofrerá sim uma maior delonga na solução de sua lide, mas essa demora é uma decorrência natural do próprio instituto processual e não um encargo desarrazoado à parte.
Ademais, verifica-se que essa controvérsia envolvendo a denunciação da lide nas ações indenizatórias manejadas em face da Administração Pública já perdura por muito tempo. Tal fato leva a crer que, em breve, haverá a edição de súmula acerca desse assunto ou uma modificação na legislação que ponha fim à pluralidade de interpretações. Acredita-se que, dessa forma, agregar-se-á harmonia à interpretação da norma e a segurança jurídica será alcançada.
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Assessor Jurídico na 1ª Categoria da Defensoria Pública da União. Graduado em Direito pelo IESB e pós-graduado em Direito Público. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Victor Duarte Costa de. A denunciação da lide nas ações indenizatórias ajuizadas em face da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38230/a-denunciacao-da-lide-nas-acoes-indenizatorias-ajuizadas-em-face-da-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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