Eis que se aproxima o recebimento do carnê de IPTU em nossas residências... As perguntas são: viola o princípio da legalidade a correção monetária da base de cálculo do IPTU feita por ato infralegal? Tal atualização deve obediência ao princípio da anterioridade?
Rápidos comentários sobre os referidos princípios: em matéria tributária a CF/88 nos garante que nenhum tributo pode ser instituído ou majorado sem lei que o estabeleça. Já a anterioridade ou não surpresa pretende fornecer segurança aos contribuintes, de modo que uma lei que aumente ou institua determinada exação somente produza efeitos no outro ano, contado da sua publicação. Estas são as regras gerais sobre tais princípios e nos bastam para análise aqui efetuada.
O art. 97 do CTN, recepcionado pela CF/88 segundo o STF, enumera em seus incisos uma série de matérias que devem obediência a legalidade estrita (falamos em lei ordinária/medida provisória ou lei complementar).
Vejamos:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Interpretando este artigo a contrario sensu, a Suprema Corte já teve oportunidade de concluir que as matérias ali não constantes não estão abrangidas pelo princípio, ou seja, podem ser reguladas por decreto executivo. No entanto, situações delicadas exsurgem desta regra e recebem críticas doutrinárias das mais diversas.
Os casos de exceções mais relevantes e controvertidas, em que pese o reconhecimento de suas constitucionalidades pelo STF (dentre outros RE172.394/SP) refere-se a fixação do prazo de recolhimento dos tributos e a atualização monetária da base de cálculo, esta ultima excepcionada pelo próprio § 2° do art. 97 do CTN.
Vide o seguinte julgado elucidativo:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFICIÊNCIA NO TRASLADO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. UFESP. LEGALIDADE. 1. Deficiência no traslado: ausência da petição do recurso de apelação. Peça essencial para a compreensão da controvérsia e para se aferir o oportuno prequestionamento da matéria constitucional. Inadmissibilidade da irresignação. 2. UFESP. Legalidade declarada pelo Plenário desta Corte, quando firmou-se o entendimento de que o Estado-membro tem competência concorrente para legislar sobre Direito Tributário, Financeiro e Econômico, sem violação ao sistema monetário nacional. 3. Não se compreende no campo reservado à lei, pelo Texto Constitucional, a definição do vencimento e do modo pelo qual se procederá à atualização monetária das obrigações tributárias. 4.Inocorre violação ao princípio da não-cumulatividade o fato de vir a ser recolhido, por valor corrigido, o imposto apurado, na época própria, pela diferença entre créditos e débitos efetuados pelos respectivos valores singelos, já que correção monetária do tributo não resulta acréscimo, mas simples atualização. Agravo regimental improvido. (AI-AgR 178723, MAURÍCIO CORRÊA, STF.) grifo nosso.
A correção monetária, como o próprio nome sugere, se presta a corrigir distorções do valor da moeda corroída pelo fenômeno inflacionário. Assim, eventual decreto do prefeito não estaria a aumentar a base de cálculo do IPTU e sim impedindo que artificiosamente ela seja diminuída.
Da mesma forma que é exceção ao princípio da legalidade, é exceção ao principio da anterioridade, eis que de majoração não se trata. O entendimento é pacífico no STF (STF 2° T. RE-AgR 200.844/PR)
Ocorre que precisamos estar atentos para a linha tênue que separa uma mera correção de um aumento tributário disfarçado e apresentaremos as conclusões a que chegaram as cortes superiores em relação ao tema:
A possibilidade em si da incidência de correção monetária sobre o tributo é sem sombra de dúvida matéria sujeita à reserva de lei, ou seja, para corrigir monetariamente um tributo sua lei instituidora ou outra posterior deve assim garantir.
Não há necessidade, entretanto, de que a lei defina o indexador, tampouco que seja feita por lei a atualização de tabelas indicativas para apuração da base de cálculo de tributos como o IPTU. Logo, em se tratando de atualização monetária, deve ter ela, obrigatoriamente base legal, mas tal reserva de lei não é absoluta, na medida em que a atualização não implica remodelamento da hipótese de incidência, não constituindo instituição ou majoração de tributo, mas, pelo contrário, a manutenção de seu conteúdo econômico.
Contudo, se, a pretexto de atualizar monetariamente a base de cálculo, a municipalidade determinar a aplicação de índice que supera a inflação real, estará majorando indiretamente o tributo, o que não poderá ser admitido.
Registre-se enfática e contundente posição do STJ sobre o tema. A corte restringe ainda mais a gana arrecadatória, pois, impede que o poder público municipal utilize-se de índice de atualização superior ao fixado pela União, em que pese a matéria (direito financeiro) estar no âmbito da legislação concorrente. (art. 24, I CF/88) Súmula nº 160 do STJ - É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.
Desta feita, fiquemos atentos para os índices aplicados de forma a proteger nosso patrimônio e resguardar nossas caras garantias constitucionais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário Brasileiro. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed., São Paulo-SP: Saraiva, 2007.
COELHO, Sacha Calmon Navarro Coelho. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed., Rio de Janeiro-RJ: Forense, 2007.
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