SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. DA DESISTÊNCIA DA AÇÃO 3. DA RENÚNCIA AO DIREITO 4. A DESISTÊNCIA DA AÇÃO PEDIDA PELO AUTOR EM PROCESSOS EM FACE DA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES E EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS 5. CONCLUSÃO 6. REFERÊNCIAS.
RESUMO: O presente estudo aborda as facetas da desistência de um processo e da renúncia de um direito no processo civil, com as respectivas implicações jurídicas de cada instituto. Com relação a renúncia e a desistência em processos judiciais propostos em face da Fazenda Pública, o presente artigo busca demonstrar a legalidade e a legitimidade da exigência do art. 3º da Lei n°. 9.469/97, segundo o qual, o representante judicial do ente público federal não deverá concordar com o simples pedido de desistência formulado pelo autor da ação em que o ente figure como réu sem que o autor renuncie expressamente ao direito sobre que se funda a ação, dado o interesse público envolvido na lide.
1. INTRODUÇÃO
Desistir de uma ação é diferente de renunciar ao direito sobre que se funda a ação. São institutos jurídicos distintos que geram diferentes efeitos e conseqüências. Enquanto a desistência relaciona-se ao processo, a renúncia fulmina o próprio direito material que a parte alega ter.
O problema a ser investigado pelo presente artigo consiste em saber a diferenciação entre desistência de uma ação e renúncia ao direito com as implicações jurídicas de cada instituto, abordando ainda a peculiaridade dos entes públicos federais quanto à impossibilidade de aceitar a simples desistência de um processo formulada pelo autor sem que o mesmo renuncie expressamente ao direito sobre que se funda a ação.
A relevância do presente artigo situa-se em demonstrar a legalidade e a legitimidade da exigência do art. 3º da Lei n°. 9.469/97, segundo o qual, o representante judicial do ente público federal não deverá concordar com o simples pedido de desistência formulado pelo autor da ação em que o ente figure como réu sem que o autor renuncie expressamente ao direito sobre que se funda a ação, dado o interesse público envolvido na lide.
O presente artigo traz o posicionamento da maioria da doutrina e da jurisprudência dominante dos Tribunais pátrios que consideram a oposição à desistência da ação, fundamentada no art. 3º da Lei nº. 9.469/97, ser motivo suficiente para obstar a homologação do pedido de desistência.
2. DA DESISTÊNCIA DA AÇÃO
O art. 267, inciso VIII do Código de Processo Civil estipula como uma das causas em que o processo deve ser extinto sem resolução de mérito quando “o autor desistir da ação”.
Alguns autores criticam a terminologia utilizada pelo Legislador, uma vez que, “tecnicamente, não se trata de desistência da ação, como afirma o inciso VIII do art. 267; é sim, desistência do prosseguimento do processo” (DIDIER JR, 2012, vol. 1, pág. 582).
A desistência consubstancia-se em um ato unilateral do autor, uma vez que, em regra, não precisa da aquiescência do réu, salvo após o prazo para contestação, como se verá adiante.
Assim, ocorrendo a desistência da ação pelo autor, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, surgindo uma sentença terminativa. Nesse caso, o autor desiste da ação naquele processo, nada impedindo que volte ao Poder Judiciário com a mesma demanda. Nesse aspecto, a desistência difere da renúncia, uma vez que renúncia diz respeito ao próprio direito em que se funda a ação, de forma a impedir que o autor retorne ao Poder Judiciário com a mesma demanda.
Portanto, desistência e renúncia são dois institutos distintos, visto que a desistência afeta apenas o processo, ocasionando a extinção sem julgamento do mérito nos termos do art. 267, inciso VIII do Código de Processo Civil. Por outro lado, a renúncia extingue o próprio direito do autor e, consequentemente, a ação que o assegurava, devendo o processo ser extinto com resolução do mérito nos termos do art. 269, inciso V do Código de Processo Civil.
Daniel Amorim Assumpção Neves (NEVES, 2013, pág. 511) em seu Manual de Processo Civil nos fornece a seguinte lição quando discorre acerca da diferença entre desistência e renúncia:
Desistir da ação é diferente de renunciar ao direito material alegado; enquanto a desistência diz respeito somente ao processo em que ocorre, o que permite ao autor voltar ao Poder Judiciário com idêntica demanda, a renúncia concerne ao direito material alegado, de forma que não se admitirá ao autor retomar ao Poder Judiciário com demanda fundada em direito material que já foi objeto de renúncia. Não por outra razão a sentença fundada em desistência é terminativa, pois não resolve o mérito (art. 267, VIII, do CPC), enquanto a sentença que homologa a renúncia é definitiva, resolvendo o mérito da demanda e fazendo coisa julgada material (art. 269, V, do CPC).
Aspecto importante concernente a desistência da ação diz respeito à necessidade de consentimento do réu após o pedido feito pelo autor. Essa anuência do réu está prevista no art. 267, § do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº. 11.232, de 2005)
(...)
VIII - quando o autor desistir da ação;
(...)
§ 4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.
O autor poderá desistir da ação em qualquer tempo até que ocorra a prolação da sentença, uma vez que não há mais do que desistir após a entrega da prestação jurisdicional buscada com o processo. Entretanto, após iniciado o prazo para resposta do réu, o pedido de desistência do autor deverá ter a anuência do réu.
Essa necessidade de anuência do réu se justifica pela bilateralidade do processo, uma vez que o réu pode ter um fundamento legítimo para não aceitar aquela desistência pleiteada pelo autor, possuindo também direito à prestação jurisdicional com a solução do conflito.
A maioria da doutrina considera a apresentação da defesa como o momento a partir do qual se faz necessária a anuência do réu, ao invés do decurso do prazo de defesa, motivo pelo qual se mostra desnecessária a intimação de réu revel para manifestação quanto ao pedido de desistência do autor. Esse foi o entendimento adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp 1036070/SP:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DESISTÊNCIA REQUERIDA APÓSDECORRIDO O PRAZO PARA A RESPOSTA. CONCORDÂNCIA TÁCITA.POSSIBILIDADE.
1.- É válida a homologação da desistência da ação requerida pelo autor, após o prazo para a resposta, na hipótese em que o réu,devidamente intimado para se manifestar a respeito do pedido de desistência formulado, deixa transcorrer in albis o prazo assinalado.
2.- Recurso Especial improvido. (REsp 1036070 / SP, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira turma, DJe 14/06/2012)
Vale ainda transcrever os ensinamentos de Fredie Didier Júnior em seu curso de Direito Processual Civil (DIDIER JR., 2012, vol. 1, págs. 583 e 584):
Se já houve oferecimento de defesa, a homologação da desistência exige o consentimento do demandado - ainda que tenha sido apresentada a contestação por curador especial (art. 9o, II, do CPC). É o oferecimento da defesa, mesmo antes do vencimento do prazo, o parâmetro para saber se há ou não necessidade de prévio consentimento, e não o simples escoamento do prazo de resposta do réu, como indica o § 4o do art. 267 do CPC. Às vezes, porém, a primeira manifestação do réu no processo é a interposição de um recurso - agravo de instrumento - contra eventual decisão liminar que lhe seja desfavorável. Neste caso, mesmo que ainda não tenha havido a apresentação da resposta, a homologação da desistência do processo exige a vênia do réu. Se houve o escoamento do prazo de defesa sem qualquer resposta (revelia), não há necessidade de consentimento do demandado.
A discordância do réu quanto ao pedido de desistência formulado pelo autor deve ser por um motivo justificável, sob pena de sua conduta ser tida como um abuso de direito. Dessa forma, se a recusa do réu se der por mera oposição sem qualquer justificativa plausível, o juiz poderá suprir sua concordância e homologar a desistência.
Com relação a mandado de segurança, entende-se que não se aplica o art. 267, § 4º do Código de Processo Civil, sendo dispensável a anuência do réu para a desistência da ação pelo Autor. Esse é o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DESISTÊNCIA. CONSENTIMENTO DA PARTE CONTRÁRIA. DESNECESSIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 267, § 4º DO CPC.
1. O impetrante pode desistir do Mandado de Segurança a qualquer tempo, independente da manifestação do impetrado, máxime quando a sentença lhe é favorável, sendo, portanto, inaplicável o disposto no art. 267, § 4º, do CPC. (Precedentes: Pet n.º 4375/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Primeira Seção, publicado no DJ de 18.09.2006; AgRg no REsp 389638/PR; Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20.02.2006; AgRg no REsp 600724/PE; deste relator, DJ de 28.06.2004; RESP 373619/MG, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 15.12.2003; RESP 440019/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 24/02/2003; AROMS 12394/MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 25/02/2002 e REsp 61244/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 14/04/1997.
2. "O pedido de desistência de Mandado de Segurança independe da aquiescência das autoridades apontadas como coatoras, eis que se revela inaplicável à ação de Mandado de Segurança a norma inscrita no CPC 267, § 4º." (STF, MS 22129-1-DF)
3. Recurso especial conhecido e desprovido. (Resp 930952/RJ, Relator Ministro José Delgado, Relator para Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma do STJ, DJe 17/06/2009)
Uma consequência prática do pedido de desistência do autor é que, caso homologado, o juízo que a homologou torna prevento para julgar a demanda se ela for reproposta, conforme o art. 263, inciso II do Código de Processo Civil.
Portanto, a desistência da ação, conforme preconizado pelo art. 267 do Código de Processo Civil, ou como preferem alguns doutrinadores, desistência de prosseguimento no processo, diz respeito a possibilidade do autor desistir daquele processo específico, sem afetar o seu direito a propor novamente a demanda em outra oportunidade, sendo necessário, caso tenha ocorrido a resposta do réu, a sua anuência para que haja a homologação pelo juízo, que vai redundar numa decisão terminativa, sem julgamento de mérito.
3. DA RENÚNCIA AO DIREITO
A renúncia ao direito sobre que se funda a ação é um instituto jurídico em que ocorre a extinção do próprio direito do autor e, consequentemente, a ação que o assegurava. Ocorre extinção do processo com resolução do mérito quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação, nos termos do art. 269, inciso V do Código de Processo Civil.
Daniel Amorim Assumpção Neves conceitua a “renúncia como um ato unilateral de vontade do autor consubstanciado na disposição de um direito material que alega ter, sendo irrelevante no caso concreto a efetiva existência de tal direito” (NEVES, 2013, página 516).
Já Fredie Didier Júnior considera a renúncia e a transação como hipóteses de conciliação, nos fornecendo a seguinte definição para renúncia:
Renúncia ao direito sobre o que se funda a demanda é o ato abdicativo pelo qual o demandante reconhece não possuir o direito alegado; o reconhecimento da procedência do pedido é a conduta do demandado que admite a procedência do pedido que lhe foi dirigido (submissão). (DIDIER JR., 2012, pág. 590)
Ao contrário do que ocorre com a desistência, a renúncia é uma liberalidade do autor, não sendo necessária a anuência do réu. Ao juiz caberá avaliar se o direito renunciado não se enquadra em nenhuma das hipóteses de direito irrenunciável para proceder a homologação do pedido, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inciso V do Código de Processo Civil.
No caso de renúncia ao direito pelo autor, não deve haver preocupação do juízo quanto a existência ou não do direito, bastando a homologação judicial do ato de vontade do autor.
Levando-se em conta que a renúncia é do próprio direito, sendo homologada por decisão com resolução do mérito, ocorre a impossibilidade do autor propor novamente a mesma demanda. Vale transcrever julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo elucidativo sobre a distinção das conseqüências jurídicas advindas da renúncia ou da desistência:
Ação. Desistência. Difere a renúncia, frontalmente, da simples desistência (Art. 267, VIII, do CPC), porque esta última afeta apenas o processo, sem que haja solução da lide. Destarte, a desistência não impede a propositura em outra oportunidade, da mesma ação; a renúncia, porém, extingue o direito e, conseqüentemente, a ação que o assegurava. A renúncia não depende do assentimento da outra parte, como sucesse com a desistência (Art. 267, § 4º), pois nenhum interesse assistirá ao réu se opor a ela, uma vez que implica em composição da lide em seu favor; tal como se a ação tivesse sido julgada improcedente. (Ap. 159.134, 13.2.84, 2ª C 2º TACSP, Rel. Juiz Moraes Salles, in JTA(RT) 89-281).
Portanto, na renúncia o autor abre mão do direito material que alegava ter, não podendo propor novamente uma ação fundada naquele direito material que foi objeto de renúncia, não havendo obrigatoriedade de ouvir o réu acerca do pedido feito pelo autor, podendo se dar a qualquer tempo.
Ademais, a sentença que reconhece a renúncia é definitiva, uma vez que extingue o processo com resolução de mérito, conforme o art. 269, inciso V do Código de Processo Civil, fazendo coisa julgada formal e material, produzindo efeitos materiais, ao passo que a sentença na desistência faz apenas coisa julgada formal produzindo efeitos meramente processuais.
4. A DESISTÊNCIA DA AÇÃO PEDIDA PELO AUTOR EM PROCESSOS EM FACE DA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES E EMPRESAS PÚBLICAS FEDERAIS
Nas ações em que figurar no pólo passivo a União, suas autarquias, fundações ou empresas públicas federais, em caso de pedido de desistência feito pelo Autor, deverá ser aplicado o art. 3º da Lei n°. 9.469/97, ficando o pedido de desistência subordinado à renúncia, pelo autor, do direito sobre que se funda a ação.
O art. 3º da Lei n.°9.469/97 foi redigido da seguinte forma:
Art. 3º As autoridades indicadas no caput do art. 1º poderão concorda com pedido de desistência da ação, nas causas de quaisquer valores desde que o autor renuncie expressamente ao direito sobre que se funda a ação (art. 269, inciso V, do Código de Processo Civil).
Parágrafo único. Quando a desistência de que trata este artigo decorrer de prévio requerimento do autor dirigido à administração pública federal para apreciação de pedido administrativo com o mesmo objeto da ação, esta não poderá negar o seu deferimento exclusivamente em razão da renúncia prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
Portanto, o art. 3º da Lei 9.469/97 permite a concordância de desistência apenas quando o Autor renuncia expressamente ao direito sobre que se funda a ação. Na verdade, não haverá desistência, e sim renúncia ao direito, devendo a homologação judicial se dar por motivo diverso ao da desistência, uma vez que ocorrerá com resolução do mérito.
Como visto anteriormente, a discordância do réu quanto ao pedido de desistência formulado pelo autor deve ser por um motivo justificável, não se aceitando a mera oposição sem qualquer justificativa plausível, sob pena de sua conduta ser tida como um abuso de direito.
Entretanto, no caso do ente público, conforme o art. 3º da Lei 9.469/97, pode condicionar a sua anuência ao pedido de desistência à renúncia expressa do autor sobre o direito em que se funda a ação. Essa imposição legal, por si só, já é justificativa suficiente para o posicionamento do réu de concordância condicional com o pedido de desistência do autor, obstando a sua homologação.
Existem motivos relevantes para o representante judicial do ente público federal não aceitar o simples pedido de desistência (art. 267, VIII do CPC), dado o interesse público envolvido na lide.
Estudiosos do Processo Civil, como Fredie Didier Júnior, defendem a legitimidade da imposição do art. 3º da Lei 9.469/97, como se percebe dos seguintes ensinamentos extraídos de seu Curso de Direito Processual Civil (DIDIER JR., 2012, págs. 584 e 585):
O art. 3° da Lei Federal n. 9.469/97 determina que os representantes judiciais da União, suas autarquias e fundações, bem como das empresas públicas federais, só podem concordar com a desistência da causa se o autor renunciar ao direito sobre que se funda a demanda. Como não bastasse a desistência, o autor há de renunciar ao direito, de modo que a decisão fique acobertada pela coisa julgada material. Embora aparentemente violenta, trata-se de medida legitima, obviamente não aplicável a qualquer hipótese, como nos seguintes exemplos: a) nas ações cautelares, em que não são veiculadas pretensões materiais passíveis, pois, de renúncia; b) nas situações em que o próprio ente público, em sua peça de defesa, havia solicitado a extinção do processo sem análise do mérito.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a existência de imposição legal (art.3º da Lei nº. 9.469/97) é justificativa suficiente para o ente público concordar de forma condicional com a desistência do Autor, desde que haja renúncia ao direito em que se funda a ação. Vale colacionar os julgados do Superior Tribunal de Justiça que confirmam esse entendimento:
EMEN: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. NÃO CONSENTIMENTO DO RÉU. ART. 3º DA LEI 9.469/97. LEGITIMIDADE. 1. Segundo a dicção do art. 267, § 4º, do CPC, após o oferecimento da resposta, é defeso ao autor desistir da ação sem o consentimento do réu. Essa regra impositiva decorre da bilateralidade formada no processo, assistindo igualmente ao réu o direito de solucionar o conflito. Entretanto, a discordância da parte ré quanto à desistência postulada deverá ser fundamentada, visto que a mera oposição sem qualquer justificativa plausível importa inaceitável abuso de direito. 2. No caso em exame, o ente público recorrente condicionou sua anuência ao pedido de desistência à renúncia expressa do autor sobre o direito em que se funda a ação, com base no art. 3º da Lei 9.469/97. 3. A existência dessa imposição legal, por si só, é justificativa suficiente para o posicionamento do recorrente de concordância condicional com o pedido de desistência da parte adversária, obstando a sua homologação. 4. A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, após o oferecimento da contestação, não pode o autor desistir da ação, sem o consentimento do réu (art. 267, § 4º, do CPC), sendo que é legítima a oposição à desistência com fundamento no art. 3º da Lei 9.469/97, razão pela qual, nesse caso, a desistência é condicionada à renúncia expressa ao direito sobre o qual se funda a ação. 5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08. (RESP 201101730744, relator MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ, DJE DATA:03/08/2012 DECTRAB VOL.:00217 PG:00035) (Grifo nosso)
EMEN: PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO - DISCORDÂNCIA DA PARTE CONTRÁRIA COM FUNDAMENTO NO ART. 3º DA LEI 9.469/97 - JUSTO MOTIVO. 1. A desistência da ação é instituto de natureza eminentemente processual, que possibilita a extinção do processo, sem julgamento do mérito, até a prolação da sentença. Após a citação, o pedido somente pode ser deferido com a anuência do réu ou, a critério do magistrado, se a parte contrária deixar de anuir sem motivo justificado. 2. A falta de anuência da União com fundamento no art. 3º da Lei 9.469/97, que pressupõe a renúncia expressa do autor ao direito sobre que se funda a ação, constitui motivo suficiente para obstar a homologação do pedido de desistência. 3. Recurso especial provido. (RESP 200902473890, Relatora ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA DO STJ, DJE DATA:08/04/2010). (Grifo nosso)
EMEN: PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DA AÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE OITIVA DO RÉU. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 267, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DISCORDÂNCIA DO RÉU. ARTIGO 3º DA LEI 9.469/97. MOTIVO RELEVANTE. 1. A desistência da ação é instituto de cunho nitidamente processual, não atingindo, em regra, o direito material objeto da ação. É que a parte que desiste da ação engendra faculdade processual, deixando incólume o direito material, tanto que descompromete o Judiciário de se manifestar sobre a pretensão de direito material (Luiz Fux, Curso de Direito Processual Civil, ed. 3ª, p. 449). 2. A despeito de ser meramente processual, após o oferecimento da resposta, é defeso ao autor desistir da ação sem o consentimento do réu, nos termos do art. 267, § 4º, do CPC. (Precedentes: REsp 864432/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 27/03/2008; REsp 976861/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02.10.2007; REsp 241780/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17.02.2000, DJ 03.04.2000; REsp 115642/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 22.09.1997, DJ 13.10.1997) 3. A regra impositiva decorre da bilateralidade formada no processo, assistindo igualmente ao réu o direito a uma resolução de mérito. 4. Deveras, a oposição à desistência da ação, quando fundamentada, não configura abuso de direito. 4. A recusa do réu ao pedido de desistência deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante (Precedente: REsp 90738/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 21.09.1998). 5. A oposição à desistência da ação, fundamentada no art. 3º da Lei 9.469/97, que determina que a Fazenda Nacional somente poderá concordar com a desistência se o demandante renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, é motivo suficiente para obstar a homologação do pedido de desistência. (Precedentes: REsp 1173663/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 08/04/2010; REsp 651721/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 28/09/2006 ; REsp 460748/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/06/2006, DJ 03/08/2006) 6. Recurso especial provido. (RESP 201000422782, Relator LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA DO STJ, DJE DATA:17/11/2010). (Grifo nosso)
Algumas decisões no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª região acolhem o entendimento predominante no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a discordância do ente público com base no art. 3º da Lei 9.469/97 já é um motivo suficiente para obstar a homologação de pedido de desistência feito pelo autor, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO. DESISTÊNCIA DA AÇÃO APÓS A CITAÇÃO. DISCORDÂNCIA DA UNIÃO. ART. 3º, DA LEI 9.469/97. SENTENÇA ANULADA. I - É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a falta de anuência da União com fundamento no art. 3º da Lei 9.469?97, que pressupõe a renúncia expressa do autor ao direito sobre que se funda a ação, constitui motivo suficiente para obstar a homologação do pedido de desistência. II - Apelação da União provida, para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito. (AC 200934000173519, Relator JUIZ FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA (CONV.), SEXTA TURMA DO TRF1, e-DJF1 DATA:26/09/2011 PAGINA:73). (Grifo nosso)
Portanto, a existência dessa imposição legal (art. 3º da Lei 9.469/97), por si só, é justificativa suficiente para os representantes judiciais da União, suas autarquias e fundações, bem como das empresas públicas federais não concordarem com um simples pedido de desistência do Autor da ação.
No caso específico dos Procuradores Federais que atuam na representação judicial das autarquias e fundações públicas federais, o art. 1º da Portaria nº 305/2013 da Procuradoria-Geral Federal determina ser imprescindível que a parte autora renuncie ao direito em que se funda a ação, estabelecendo ainda a competência dos membros da Advocacia-Geral da União competentes para concordar com o pedido de desistência do autor:
Art. 1º As Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação da Procuradoria-Geral Federal ficam autorizados a concordar com pedido de desistência de ação, nas causas de valor até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), desde que o autor renuncie expressamente ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 269, inciso V, do Código de Processo Civil), observados os seguintes limites de alçada:
I - até R$ 100.000,00 (cem mil reais), mediante prévia e expressa autorização do Procurador Seccional Federal ou do Responsável pelo Escritório de Representação;
II - até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), mediante prévia e expressa autorização do Procurador-Chefe da Procuradoria Federal no Estado;
III - até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), mediante prévia e expressa autorização do Procurador Regional Federal.
Importante ressaltar que a homologação da renúncia do autor ao direito sobre que se funda a ação deverá ter como consequência a condenação do Autor em honorários sucumbenciais, como se conclui pela análise dos seguintes julgados:
EMEN: PROCESSUAL CIVIL. ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO. RENÚNCIA DA AUTORA AO DIREITO SOBRE O QUAL SE FUNDAM OS EMBARGOS OPOSTOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, NOS TERMOS DO ART. 269, V, DO CPC.CONDENAÇÃO DA RENUNCIANTE EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (ADRESP 200901308851, 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJE DATA:10/10/2011) (Grifo nosso)
EMEN: PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RENÚNCIA AO DIREITO SOBRE O QUAL SE FUNDA A AÇÃO. ART. 269, V, DO CPC. RECURSO ESPECIAL. PERDA DE OBJETO. 1. Extinto o processo com resolução de mérito em decorrência da renúncia do autor ao direito sobre o qual se funda a ação, portanto, de modo favorável à parte ré, ora agravante, não subsiste o recurso especial por ela interposto. 2. Quanto aos honorários, são devidos exclusivamente pelo autor, em razão da renúncia, nos termos do que ficou decidido na sentença, já que não impugnada a verba advocatícia ali fixada por qualquer das partes. 3. A decisão agravada não explicitou a condenação em verba honorária por entendê-la desnecessária, eis que não houve impugnação à sentença no particular. 4. Agravo regimental não provido.(AGRESP 200702846676, 2ª Turma do STJ, ministro Castro Meira, DJE DATA:01/07/201) (Grifo nosso)
Por fim, merece registro que, como abordado no tópico anterior, havendo renúncia expressa do direito sobre o qual se funda a ação, o processo deverá ser extinto com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, inciso V do Código de Processo Civil, com a sentença resolvendo o mérito e produzindo coisa julgada formal e material.
5. CONCLUSÃO
Desistência e renúncia são dois institutos distintos, visto que a desistência afeta apenas o processo, ocasionando a extinção sem julgamento do mérito nos termos do art. 267, inciso VIII do Código de Processo Civil. Por outro lado, a renúncia extingue o próprio direito do autor e, consequentemente, a ação que o assegurava, devendo o processo ser extinto com resolução do mérito nos termos do art. 269, inciso V do Código de Processo Civil.
Portanto, a desistência da ação, conforme preconizado pelo art. 267, inciso VIII do Código de Processo Civil, ou como preferem alguns doutrinadores, desistência de prosseguimento no processo, diz respeito a possibilidade do autor desistir daquele processo específico, sem afetar o seu direito a propor novamente a demanda em outra oportunidade, sendo necessário, caso tenha ocorrido a resposta do réu, a sua anuência para que haja a homologação pelo juízo, que vai redundar numa decisão terminativa, sem julgamento de mérito.
Já na renúncia, o autor abre mão do direito material que alegava ter, não podendo propor novamente uma ação fundada naquele direito material que foi objeto de renúncia, não havendo obrigatoriedade de ouvir o réu acerca do pedido feito pelo autor, podendo se dar a qualquer tempo.
Frise-se que a sentença que reconhece a renúncia é definitiva, uma vez que extingue o processo com resolução de mérito, conforme o art. 269, inciso V do Código de Processo Civil, fazendo coisa julgada formal e material, produzindo efeitos materiais, ao passo que a sentença na desistência faz apenas coisa julgada formal produzindo efeitos meramente processuais.
Com relação aos pedidos de desistência formulados por autores em ações propostas em face de entes públicos federais, viu-se que existe regramento específico (art. 3º da Lei 9.469/97) que não permite que o representante judicial do ente público concorde com o pedido de desistência sem que ocorra a renúncia do autor ao direito sobre que se funda a ação.
Ademais, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da maioria da doutrina no sentido de que a falta de anuência do representante judicial do ente público federal com fundamento no art. 3º da Lei 9.469/97, que pressupõe a renúncia expressa do autor ao direito sobre que se funda a ação, constitui motivo suficiente e legítimo para obstar a homologação do pedido de desistência formulado pelo autor.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
______. Lei nº. 9.469, de 10 de julho de 1997. Regulamenta o disposto no inciso VI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; dispõe sobre a intervenção da União nas causas em que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta; regula os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária; revoga a Lei nº 8.197, de 27 de junho de 1991, e a Lei nº 9.081, de 19 de julho de 1995, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jul 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2014.
______. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan 1973. disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2014.
______. Portaria PGF nº 305, de 15 de maio de 2013. Subdelega a competência prevista no art. 1º da Portaria AGU nº 98, de 9 de abril de 2013, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 mai 2013. disponível em <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=873006>. Acesso em: 12 de fevereiro de 2014.
DIDIER JUNIOR, Freddie. Curso de direito processual civil. 14 ed.. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. 7. ed. Rev. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 5º ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Método, 2013.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 54. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. I.
Procurador Federal, pós-graduado em direito do trabalho e pós-graduando em direito processual civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGO ALLAN COUTINHO GONçALVES, . A legitimidade da discordância do ente público federal quanto à desistência da ação sem que o autor opte pela renúncia ao direito em que se funda a ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38515/a-legitimidade-da-discordancia-do-ente-publico-federal-quanto-a-desistencia-da-acao-sem-que-o-autor-opte-pela-renuncia-ao-direito-em-que-se-funda-a-acao. Acesso em: 21 nov 2024.
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