Cumprindo mandamento constitucional que impôs ao poder público o dever de fixar espaços ambientalmente protegidos, o legislador, há muito, criou a Reserva Legal, ao lado de outras espécies de espaços protegidos.
Eis seu atual conceito dado pelo art. 3°, III, do novo CFlo (lei 12.651/12):
Reserva Legal: Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
A Reserva Legal foi, de certa forma, repaginada pelo novo código florestal, destacando-se suas duas alterações comparadas à legislação anterior: a. foi prevista expressamente sua função assegurar o uso econômico de modo sustentável. b. Ficou afiançada a possiblidade de incluir em seu cômpito as APPs – Áreas de Preservação Permanentes[1] existentes na propriedade ou posse, eis que suprimida a exclusão de tais áreas contida no antigo código. Seus percentuais mínimos são definidos no art. 12 do novo CFlo, e sua localização na propriedade deve ser estipulada pelo órgão ambiental competente.
Com viés nitidamente extrafiscal, eis que destinada a estimular a proteção do meio ambiente, tanto no sentido de premiar os proprietários que contam com reserva legal devidamente identificada e conservada, como de motivar a regularização por parte daqueles que estão em situação irregular, a Lei 9.393/96, em seu artigo 10, parágrafo 1º, inciso II, dispõe que a Reserva Legal será excluída da área tributável do ITR- Imposto sobre a propriedade territorial rural.
Por outro lado, a lei de registros públicos, lei 6015/73, dispõe no art. 167, II, n° 22, que se averbará a Reserva Legal no Registro de Imóveis. Já o novo CFlo, em seu art. 18, aponta a necessidade e o dever de se inscrever a reserva legal no Cadastro Ambiental Rural, banco de dados de âmbito nacional contento informações sobre as propriedades rurais do país, criado pelo art. 29 do novel código florestal.
Pergunta-se: a isenção do ITR pressupõe a realização dos atos oficiais mencionados no parágrafo acima ?
Em 2011, portanto, antes do novo código, o STJ pacificou o assunto através do REsp 1.027.051, no que toca a necessidade de averbação no registro de imóveis:
(...)
Desta forma, a imposição da averbação para fins de concessão do beneficio fiscal deve funcionar a favor do meio ambiente, ou seja, como mecanismo de incentivo a? averbação e, via transversa, impedimento a? degradação ambiental. Em outras palavras: condicionando a isenção a? averbação atingir-se-ia o escopo fundamental dos arts. 16, § 2o, do Código Florestal e 10, inc. II, alínea "a", da Lei n. 9.393/96.
(...) grifo nosso.
Desta feita, os ministros exortaram, acertadamente, em nosso entender, pela necessidade de certificação estatal do ato como medida necessária para a fruição do benefício fiscal. O entendimento coaduna-se com a proteção ao meio ambiente e confere segurança jurídica.
Recentemente o mesmo entendimento foi aplicado novamente, já na vigência do novo CFlo, ao julgar dos agravos regimentais em tramite na Segunda Turma do STJ (AgRg no REsp 1313058 / PE; AgRg no REsp 1407688 / PB)
Eis a notícia no sitio do STJ:
(...)
Conforme analisou Benedito Gonçalves, “a isenção do ITR, na hipótese, apresenta inequívoca e louvável finalidade de estímulo à proteção do meio ambiente, tanto no sentido de premiar os proprietários que contam com reserva legal devidamente identificada e conservada, como de incentivar a regularização por parte daqueles que estão em situação irregular”.
(...)
Conforme explicou Benedito Gonçalves, o ato de especificação pode ser feito tanto à margem da inscrição da matrícula do imóvel, como administrativamente, nos termos da sistemática instituída pelo novo Código Florestal (artigo 18 da Lei 12.651/12). [2]
Percebe-se que a Corte continua promovendo a devida interpretação extrafiscal da renúncia de receita e impinge exigência que exorta o meio ambiente protegido e estimula a regularização ambiental das propriedades rurais. É, pois, imprescindível a formalização oficial da reserva legal para gozo da isenção.
No entanto, com a devida vênia, discordamos da afirmação divulgada na notícia constante no site do STJ e alhures transcrita, ao apontar a alternatividade da especificação: “tanto à margem da escritura (...) quanto administrativamente “.
O novo CFLo impõe o dever de registro da Reserva Legal no CAR. A sua ausência, tornando optativo o lançamento no CAR tornaria o cadastro um tanto quanto prejudicado, dada sua incompletude. Outrossim, a ausência de registro no CAR impõe restrições ao produtor rural, como vedação a linhas de financiamento, etc. ao contrário da averbação no registro de imóveis, onde sanção alguma é imposta.
Ao analisarmos a ementa do EREsp 1027051/SC, da Relatoria do Min. Benedito Gonçalves, citado como precedente nos dois Agravos Regimentais e mencionado na notícia do site, não inferimos a alternatividade apontada. Cremo que ficou consignado pelo eminente Ministro Gonçalves não a alterativa ao empreendedor e sim a coexistência de regimes nos julgamentos, a depender da data dos fatos a que se refere o processo analisado, ou da mesma forma, a facultatividade do produtor em fazer a averbação no Cartório, mas sempre inscrito no CAR. Interpretação outra, salvo melhor juízo, seria equivocada ao inutilizar o cadastro de uso do SISNAMA.
Vejamos o julgado em comento:
TRIBUTA?RIO. EMBARGOS DE DIVERGE?NCIA NO RECURSO ESPECIAL. ITR. ISENC?A?O. ART. 10, § 1o, II, a, DA LEI 9.393/96. AVERBAC?A?O DA A?REA DA RESERVA LEGAL NO REGISTRO DE IMO?VEIS. NECESSIDADE. ART. 16, § 8o, DA LEI 4.771/65.
1. Discute-se nestes embargos de divergência se a isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) concernente a? Reserva Legal, prevista no art. 10, § 1o, II, a, da Lei 9.393/96, esta?, ou não, condicionada a? prévia averbação de tal espaço no registro do imóvel. O acordão embargado, da Segunda Turma e relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, entendeu pela imprescindibilidade da averbação.
2. Nos termos da Lei de Registros Públicos, e? obrigatória a averbação “da reserva legal” (Lei 6.015/73, art. 167, inciso II, n° 22).
3. A isenção do ITR, na hipótese, apresenta inequívoca e louvável finalidade de estimulo a? proteção do meio ambiente, tanto no sentido de premiar os proprietários que contam com Reserva Legal devidamente identificada e conservada, como de incentivar a regularização por parte daqueles que estão em situação irregular.
4. Diversamente do que ocorre com as Áreas de Preservação Permanente, cuja localização se da? mediante referencias topográficas e a olho nu (margens de rios, terrenos com inclinação acima de quarenta e cinco graus ou com altitude superior a 1.800 metros), a fixação do perímetro da Reserva Legal carece de previa delimitação pelo proprietário, pois, em tese, pode ser situada em qualquer ponto do imóvel. O ato de especificação faz-se tanto a? margem da inscrição da matricula do imóvel, como administrativamente, nos termos da sistemática instituída pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012, art. 18).
5. Inexistindo o registro, que tem por escopo a identificação do perímetro da Reserva Legal, não se pode cogitar de regularidade da área protegida e, por conseguinte, de direito a? isenção tributaria correspondente. Precedentes: REsp 1027051/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.5.2011; Resp. 1125632/PR, Rel. Min. Benedito Goncalves, Primeira Turma, DJe 31.8.2009; AgRg no REsp 1.310.871/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14/09/2012.
6. Embargos de divergência não providos.
(EREsp 1027051/SC, Rel. Min. Benedito Goncalves, Primeira Seção, DJe 21.10.2013). Grifo nosso
No mesmo sentido que aqui defendemos, aponta AMADO (2012, p. 256):
Contudo, este tema ganhou novos contornos, pois, o registro no Cadastro Ambiental Rural dispensa a averbação da reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, consoante inovação do novo CFlo, entendendo-se que, na mesma linha de raciocínio, a inscrição no CAR é necessária para o gozo da isenção.
As disposições trazidas pelo novo CFLo, tem por finalidade a identificação do perímetro da reserva legal em cadastro nacional, possuindo a mesma função da averbação no registro de imóveis, com a vantagem de o CAR ser operado pelos órgãos do SISNAMA, com toda atividade voltada para a teleologia extrafiscal da norma de renúncia - proteção ambiental. Entendemos, pois, que atualmente não há necessidade de qualquer procedimento no Cartório de Registro de Imóveis com a relação à averbação da Reserva Legal para o gozo do benefício fiscal relativo ao ITR.
BIBLIOGRAFIA:
AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado, São Paulo. Método. 2012.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009.
[1] As APP são espaços definidos previamente pela legislação pelas suas caracterizas naturais especiais. cuja localização se dá mediante referências topográficas e a olho nu: Art. 3°, II do CFlo: - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
[2] http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=113510 , noticia do dia 06/03/2014
Procurador- AGU/PGF. Pós-graduação em Advocacia Pública (2015) - Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Coimbra. Pós-Graduação em Direito Processual Civil (2009) - PUC/SP. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia- UNAMA (2002). Atuação profissional na área cível, em direito público, com destaque para Direito Ambiental, Tributário, Administrativo, Constitucional.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NORAT, Ygor Villas. A isenção do ITR nas áreas de reserva legal à luz do novo Código Florestal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38650/a-isencao-do-itr-nas-areas-de-reserva-legal-a-luz-do-novo-codigo-florestal. Acesso em: 25 nov 2024.
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