RESUMO: Em um Estado Democrático de Direito, onde se quer aplicar cada vez mais a verdade que ascende do conceito de justiça, exigindo tratamento isonômico entre as partes, defende-se uma relação processual de igualdade entre o particular e o Estado. Neste artigo científico, entretanto, analisar-se-á até que ponto a defesa desta hipótese se sustenta. Antes de tudo, faz-se necessário esclarecer que quando o Estado está em Juízo, através de uma pessoa jurídica de direito público, constituindo uma relação jurídico-processual, tem-se o que se denomina de A Fazenda Pública em Juízo. A presença da Fazenda Pública em Juízo determina, por vezes, uma relação de desigualdade justificada pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado: este será mais um ponto enfrentado no presente trabalho. Diante deste quadro, a demonstração seguinte é a de que a busca pela igualdade material dá ensejo a um tratamento diferenciado ao ente estatal quando presente em juízo, seja como autor ou como réu. Aqui, para alguns, surgem os chamados privilégios, excessos que não se compatibilizam com a relação processual de igualdade. Já para outros, não há falar em vantagens desarrazoadas, mas na defesa do interesse da coletividade, representada por prerrogativas na pessoa do Estado. Desta feita, o princípio constitucional da isonomia parece justificar o tratamento diferenciado dado ao Estado. Entretanto, para se chagar a tal conclusão, faz-se necessário enfrentar a dissertação de alguns temas, como por exemplo, isonomia, interesse público, prerrogativas processuais.
PALAVRAS-CHAVE: PODER PÚBLICO EM JUÍZO; PRERROGATIVAS PROCESSUAIS; RESPEITO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Prerrogativas da Fazenda Pública; 2.1. O Princípio da Isonomia e as Prerrogativas processuais da Fazenda Pública; 2.1.1. Teoria dos Princípios; 2.1.2. Princípio da Isonomia; 2.1.3. Prerrogativas ou Privilégios? 2.1.4. Justificativas à Desigualdade; 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal traz no caput do artigo 5º que “todos são iguais perante a lei”, ou seja, tem-se o princípio da igualdade como orientador de um conjunto aberto de direitos fundamentais, constituinte de um Estado Democrático de Direito. Esta igualdade não deve ser lida literalmente, de forma a exigir um tratamento uniforme entre as pessoas, mas, antes disso, há de se observar que as pessoas são desiguais, exigindo-se então um tratamento diferenciado às diversas categorias de pessoas.
Aqui, a Constituição não distingue pessoas físicas de pessoas jurídicas, valendo a regra de que o princípio da isonomia se aplica aos entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e suas respectivas autarquias e fundações públicas, pessoas jurídicas de direito público interno que são.
O direito, ao solucionar os conflitos sociais, através da resolução de lides, dá às partes, por meio de um processo, a satisfação do bem da vida. Uma dessas partes do processo pode ser a Fazenda Pública. E assim se faz necessário delinear, inicialmente, o conceito de processo, bem como o conceito de Fazenda Pública como parte de um processo, seja na condição de autora ou na condição de ré. Isto culmina com a constatação de que a presença desta parte, pela peculiaridade que lhe é inerente, exige regras processuais próprias, aplicando-se-lhe um direito processual “público”, e não o direito processual “civil”.
Como não há no Brasil a aplicação de um direito próprio para as Fazendas Públicas, como ocorre com o sistema do contencioso administrativo francês, o tratamento diferenciado que se lhes dispensa ocorre por conta da supremacia do interesse público, notado quando o Estado se faz presentado em juízo. Observar-se-á que o interesse público que enseja tratamento próprio ao Estado é o interesse da coletividade, o interesse público geral, e não o interesse secundário da Fazenda Pública, de resguardo de seus próprios bens e vantagens.
Aqui, delinear-se-á o que se entende por prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública em juízo, diferenciando-as de privilégios. Entretanto, para se justificar a existência de tais prerrogativas é necessário sustentar uma argumentação fulcrada na teoria dos princípios, que, diferentemente das regras, comporta juízo de ponderação. E isto é demonstrável com o princípio da isonomia, justificador das diferenças constatadas quando uma das partes é desigual na relação processual que travaram. Há, então, diversos motivos que não foram despercebidos pelo legislador e então se cristalizaram nas normas ensejadoras das conhecidas prerrogativas processuais da Fazenda Pública em juízo.
Tudo isto servindo, pois, a uma tentativa de se alcançar o objetivo geral deste trabalho: demonstrar que a presença da Fazenda Pública em Juízo, gozando de prerrogativas processuais que lhes são próprias, não ofende o princípio constitucional da isonomia, base fundante do Estado Democrático de Direito.
2 A PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA
Diversas são as justificativas que conferem ao Estado, enquanto parte em um processo, tratamento diferenciado em face do particular. Isto leva, por vezes, ao questionamento se tal tratamento não seria uma ofensa ao princípio constitucional da isonomia.
2.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA E AS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Diante do império natural das diferenças que ocorrem no mundo fático, o direito busca aproximar as categorias de coisas e pessoas, dando-lhes tratamento diferenciado, aplicando, pois, o princípio da isonomia. Esse princípio abre o rol dos direitos fundamentais da Constituição Federal quando o caput do artigo 5º diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
É certo que a Constituição Federal é a pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro e que todo o sistema busca fundamento em sua existência. Neste contexto, surgem os princípios constitucionais que não são dirigidos apenas ao legislador no momento de produção da norma, mas também ao aplicador da norma. É nesta medida que o princípio da isonomia tem reflexos no direito processual, razão pela qual o artigo 125 do Código de Processo Civil prevê que compete ao juiz “assegurar às partes igualdade de tratamento”.
Uma destas partes pode ser a Fazenda Pública, e estando esta em juízo, conceder-se-á tratamento diferenciado, distinguindo-a do particular. É neste momento que se indaga até que ponto o princípio constitucional da isonomia — transportado para o direito processual — é observado.
As leis do processo não devem infringir as leis constitucionais, mas ao contrário, é limitada pelos próprios preceitos da Constituição. Com efeito, assevera José Roberto dos Santos Bedaque:
Exatamente por isso, o sistema processual deve ser construído a partir de regras constitucionais em que estão consubstanciados seus princípios fundamentais. Constitui método equivocado de interpretação das regras instrumentais considerá-las independentemente do modelo processual constitucional e somente depois verificar a existência de compatibilidade (2003, p.64).
Denomina-se de neoprocessualismo esta leitura do direito processual sob a ótica da Constituição. Ensina Fredie Didier Júnior que
O estudo do Direito Processual sofreu a influência desta renovação do pensamento jurídico. O processo volta a ser estudado a partir de uma perspectiva constitucional (o que não é novidade), mas agora seguindo esse novo repertório, que exige dos sujeitos processuais uma preparação técnica que lhes permita operar cláusulas gerais, princípio da proporcionalidade, controle difuso de constitucionalidade de uma lei etc.(2009 p. 25-26)
É notória a influência, nos dias atuais, dos princípios constitucionais na esfera processualística. Neste trabalho, analisar-se-á, com minudência, a aplicabilidade do princípio da isonomia, capitulado na Constituição Federal no rol de direitos fundamentais, frente às prerrogativas concedidas à Fazenda Pública em juízo.
O princípio da isonomia requer uma leitura sob duas óticas: a formal e a material. Enquanto a isonomia formal está prevista no caput do artigo 5º, impedindo tratamento desigual das pessoas perante a lei, a isonomia material (substancial) anseia pelo tratamento dos iguais de forma igual e dos desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades. E à medida que o constitucionalismo moderno se afasta do sentido de isonomia puramente formal, clama, concomitantemente, pela busca da aplicabilidade objetiva e concreta de tratar os desiguais de maneira desigual. É, em outras palavras, o que assevera Alexandre Freitas Câmara em sua obra denominada Lições de direito processual civil
Não se pode ver, porém, neste princípio da igualdade uma garantia meramente formal. A falsa ideia de que todos são iguais e, por isso, merecem o mesmo tratamento é contrária à adequada aplicação do princípio da isonomia. As diversidades existentes entre todas as pessoas devem ser respeitadas para que a garantia da igualdade, mais do que meramente formal, seja uma garantia substancial. Assim é que, mais do que nunca, deve-se obedecer aqui à regra que determina tratamento igual às pessoas iguais, e tratamento desigual às pessoas desiguais. (2002, p. 37).
Então, falar do princípio da isonomia pressupõe tratar os diferentes de modo diferente. E não há afirmar que o particular, como parte em um processo, seja igual à Fazenda Pública (personificação do Estado em juízo). Certo também é que o principio da isonomia restaria sem conteúdo caso fosse interpretado o artigo 125 do Código de processo Civil em sua literalidade. Neste diapasão, absorve-se a antiga lição de Aristóteles ao dizer que os iguais devem receber tratamento igual e o desigual tratamento desigual na medida de sua desigualdade.
Falar da Fazenda Publica em juízo pressupõe falar em tratamento diferenciado: não será a lei, neste contexto, fonte de privilégios, mas de prerrogativas concedidas àquele que já é desigual por natureza frente aos cidadãos, o Estado, representante de uma coletividade. Ou seja, não há como tratar o todo e as partes como se iguais fossem.
No entanto, esta assertiva não é de todo pacífica na doutrina e jurisprudência do país. Há uma corrente em sentido contrario, afirmando que o tratamento concedido à Fazenda Pública é desproporcional, não constituindo medidas de desigualdade para alcançar a igualdade material, mas ensejando a própria desigualdade ao arrepio da Constituição Federal.
Noutro giro, conclui-se que o tema A Fazenda Pública em Juízo parece ser recorrente na literatura nacional, ensejando, pois, discussões diversas sobre a manutenção ou fim das prerrogativas concedidas à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e às suas respectivas autarquias e fundações. O que se tentará demonstrar no presente trabalho é que tais prerrogativas constituem fator de discriminação para alcançar a isonomia material, não se falando em “privilégios”.
Pois na medida em que se se detém numa acepção meramente literal, sem proporcionalidade, do princípio da isonomia (que “todos são iguais perante a lei”), de fato, poder-se-ia chegar, de forma equivocada, à inadmissibilidade do tratamento desigual em favor da Fazenda Pública (DE LEMOS, 2005, p.153, grifos nos originais).
Em conformidade com a ordem constitucional da contemporaneidade, imiscuir-se-á na teoria dos princípios como suporte à sustentação argumentativa de que tratar os desiguais de maneira desigual equivale à garantia da aplicação do princípio da isonomia.
2.1.1 Teoria dos Princípios
A ousada tarefa de fazer um trabalho acadêmico sob o olhar da teoria dos princípios se alinha à época em que vive o direito contemporâneo. A esta época se denomina de pós-positivismo. Aqui, o termo “pós” separa o anterior positivismo calcado na teoria kelseniana do atual estágio jurídico. Para Hans Kelsen, não se devia questionar se uma norma era justa ou injusta, mas apenas se era válida ou inválida. Ou seja, o formalismo advindo da teoria kelseniana não possibilitava a discussão sobre o conteúdo da norma, apenas o seu cumprimento, caso fosse ela uma norma válida. Período este denominado de positivismo kelseniano. Destaca, então, George Marmelstein que:
Foi diante desse “desencadeamento” em torno da teoria pura que os juristas desenvolveram uma nova corrente jusfilosófica que está sendo chamada de pós-positivismo, que poderia muito bem ser chamado de positivismo ético, já que o seu propósito principal é inserir na ciência jurídica os valores éticos indispensáveis para a proteção da dignidade humana. Percebeu-se que, se não houver na atividade jurídica um forte conteúdo humanitário, o direito pode servir para justificar a barbárie praticada em nome da lei. (2008, p. 11-12).
Agora já se fala em um pós- positivismo, marcado por leis carregadas de valores e princípios. Então completa Marmelstein:
O pós-positivismo se caracteriza justamente por aceitar que os princípios constitucionais devem ser tratados como verdadeiras normas jurídicas, por mais abstratos que sejam os seus textos, bem como por exigir que a norma jurídica, para se legitimar, deve tratar todos os seres humanos com igual consideração, respeito e dignidade. Neste sentido, o jurista alemão Robert Alexy, um dos principais expoentes desse novo movimento jusfilosófico, disse que o direito necessariamente deve ter uma “pretensão de correção”, no sentido de se aproximar da ideia de justiça. E essa “pretensão de correção” se manifesta precisamente através dos direitos fundamentais: nenhum ato será conforme ao direito se for incompatível com os direitos fundamentais. (2008, p.12-13).
A observância destes princípios não é facultativa, mas obrigatória como ocorre em relação às regras e leis. Esta premissa já responde a uma pergunta: princípios se confundem com regras? Certamente não. Não há falar em princípio sem antes mencionar a Teoria dos Direitos Fundamentais do alemão Robert Alexy. Em um processo hermenêutico de negação às regras, define-se então princípios como mandamentos de otimização (proibições e permissões):
Que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2008, p.90).
Segundo Humberto Ávila, a definição de princípios trazidas por Karl Larenz é a de que:
Princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento. (2009, p. 35-36).
Diz Alexy que os princípios não determinam uma consequência normativa como fazem as regras, mas, ao contrário, possuem uma dimensão de peso, exigindo um sopesamento no momento de sua aplicação - é o que se denomina de juízo de ponderação. A aplicação e o sopesamento de um principio no mundo jurídico não quer significar um esvaziamento do conteúdo da norma; então quando se fala que todos são iguais perante a lei, torna-se necessária a utilização de princípios ao caso concreto para que tal norma tenha efetividade. No dizer de Alexy, “princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas.” (2008, p. 117).
A díade entre princípios e regras surge como justificativa para contrapor a própria ideia de sistema calcado no cumprimento de normas válidas (positivismo) em contraposição ao sistema aberto de normas preenchidas por princípios (pós-positivismo). Mas adverte o próprio Alexy que
Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas normas. (2008, p.87)
No caminho à definição de sua teoria dos princípios, o alemão Robert Alexy vai distinguindo princípios de regras. Então conclui: “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.” (2008, p.90, grifos no original). E continua:
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio. (2008, p.91)
Para Canaris, em conclusão que chega Humberto Ávila, tem-se:
Duas características afastariam os princípios das regras. Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de complementação e limitação. (2009, p. 36).
Vê-se que esta última distinção entre princípios e regras já traz embutida a ideia de oposição à distinção trazida por Alexy. Contudo, carece o conceito trazido por Canaris, de uma verdade que arrebata a atual sistemática jurídica: a força que têm os princípios, carregados de efetividade, como verdadeiras normas que não se limitam a meros comandos descritivos, mas comandos de força normativa.
Na mesma linha de pensamento de Canaris, contrapondo-se à ideia de Robert Alexy, tem-se a teorização trazida por Ronald Dworkin de que
A diferença entre princípios jurídicos e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou é inválida, e neste caso em nada contribui para a decisão. (2002, p. 39).
Mas, diante deste quadro argumentativo de contraposição à efetivação dos princípios, como normas que são, Alexy chega à conceituação de sua teoria dos princípios afirmando que,
Já se deu a entender que há uma conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade. Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. [...] Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de sopesamento, decorrente da relativização em face das possibilidades jurídicas. ( 2008, p. 116-117, grifos nos originais).
Não se aplicando a regra do tudo-ou-nada, os princípios são comandos normativos abertos que comportam aplicabilidade, no caso concreto, em mais de uma hipótese. Ou mesmo, um só fenômeno do mundo fático comporta a incidência de mais de um princípio. Neste contexto, surge aplicação da ponderação que em determinada situação reclamará opção ora por um princípio jurídico ora por outro. Assinala George Marmelstein:
Esse fenômeno — a colisão de direito fundamentais — decorre da natureza principiológica dos direitos fundamentais, que são enunciados quase sempre através de princípios. Como se sabe, os princípios, ao contrário das regras, em vez de emitirem comandos definitivos, na base do “tudo ou nada”, estabelecem diversas obrigações (dever de respeito, proteção e promoção) que são cumpridas em diferentes graus. Logo, não são absolutos, pois o seu grau de aplicabilidade dependerá das possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem concretamente, conforme assinalou o jurista alemão Robert Alexy. (2008, p. 367).
A diferença entre princípios e regras trazida por Willis Santiago Guerra Filho é de precisa síntese que vale a pena ser mencionada:
Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras e princípios, pode ser concebida como formada por normas que se situam em distintos patamares, conforme o seu maior ou menor grau de abstração ou concreção. No patamar mais inferior, com maior grau de concreção, estariam aquelas normas ditas individuais, como a sentença, que incidem sobre situação jurídica determinada, à qual se reporta a decisão judicial. O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração. (1994/1995, p. 18, ipsis litteris)
A conclusão que se chega da teoria de Alexy é justamente de que, à luz do caso concreto, deve-se sopesar um princípio, resultando em sua aplicabilidade ou não. Ou ainda, no “conflito” entre dois princípios, por exemplo, um se mostra procedente em face do outro, não sendo outra coisa esta ponderação que não o sopesamento de normas.
É neste contexto teórico que se justifica o próximo tópico a ser analisado neste artigo. Observando-se, pois, que ao tratar do princípio da isonomia, cerne deste trabalho, imprescindível será o juízo de ponderação que no caso concreto — a igualdade de tratamento concedida às partes em juízo — resultará na indagação de que, as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública correspondem à violação do princípio da isonomia? Ou ao contrário, tal tratamento dado ao ente estatal veste-se do comando constitucional de tratar os desiguais de maneira desigual? É o que se responderá adiante.
2.1.2 Princípio da Isonomia
O direito ao tentar aproximar as categorias de coisas e pessoas, que por sua natureza não alcançariam o mesmo nível de tratamento, cria uma ficção que resulta no que se denomina de justiça. Perfeitas são as palavras de Montaigne, trazidas por Jacques Derrida: “... nosso próprio direito tem, ao que dizem, ficções legítimas sobre as quais ele funda a verdade de sua justiça”. (2007, p.22, grifou-se).
Eis que surge o princípio da isonomia, de tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na justa medida de suas desigualdades, correspondendo a uma ficção jurídica onde se aplica o princípio da isonomia. Destaca José Afonso da Silva:
Em essência, como seres humanos, não se vê como deixar de reconhecer a igualdade entre os homens. Não fosse assim, não seriam seres da mesma espécie. A igualdade aqui se revela na própria identidade de essência dos membros da espécie. (2003, p.212)
Inicialmente, definir o conceito de isonomia não é uma das tarefas mais fáceis. Pelo grau de abertura que alberga os princípios, uma definição aqui adotada não exclui tantas outras. Também há de se presumir que o conceito de isonomia não se limita ao mundo jurídico, havendo diversas contribuições de outras áreas das ciências humanas.
Falar de isonomia, por exemplo, é sinônimo de remissão à analise da estrutura do dever de igualdade e o conflito entre igualdade jurídica e igualdade fática, o que revela ser impossível uma argumentação alinhada apenas ao mundo hermético do direito, mas antes disso, ligada ao diálogo de fontes com o que dá origem às normas jurídicas.
Em face disto, utilizar-se-á a obra do economista indiano, Amartya Kumar Sen, ganhador do prêmio Nobel de Economia, em 1998, “por sua contribuição à economia do bem-estar” como suporte teórico ao conceito de igualdade aqui trazido. Em sua obra Desigualdade Reexaminada, ele assegura que
Somos profundamente diversos em nossas características internas (tais como idade, sexo, habilidades gerais, talentos particulares, propensão à doença, e assim por diante) bem como nas circunstâncias externas (tais como patrimônios disponíveis, ambientes sociais, problemas graves do meio ambiente, e assim por diante). É precisamente devido a tal diversidade que a ênfase no igualitarismo em um campo exige a rejeição do igualitarismo em outro. (2001, p.23).
Não menos importantes são as palavras do jurista alemão Robert Alexy:
[...] É também claro que o enunciado da igualdade não pode exigir a igualdade de todas as características naturais e de todas as condições fáticas nas quais o indivíduo se encontre. Diferenças em relação à saúde, à inteligência e à beleza podem ser talvez um pouco relativizadas, mas sua eliminação se depara com limites naturais. A isso se soma o fato de que a igualização de todos, em todos os aspectos, seria, mesmo que possível, indesejável. A igualização de todos, em todos, faria com que todos quisessem fazer sempre a mesma coisa. Mas, se todos fazem a mesma coisa, somente é possível atingir um nível intelectual, cultural e econômico muito limitado. Portanto, o enunciado geral da igualdade, dirigido ao legislador, não pode exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos. Por outro lado, para ter algum conteúdo, ele não pode permitir toda e qualquer diferenciação e toda e qualquer distinção. É necessário questionar se e como é possível encontrar um meio-termo entre esses dois extremos. Um ponto de partida para esse meio-termo é a fórmula clássica: “O igual deve ser tratado igualmente, o desigual desigualmente [...]”. (2008, p. 397, grifos nos originais).
Notória a diversidade humana, não se furta o direito a corrigi-la por meio do princípio da isonomia — anunciado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, servindo de “porta de entrada” às garantias constitucionais de direitos fundamentais
Observando a necessidade de compensar tais desigualdades, Sen destaca:
A poderosa retórica da “igualdade dos homens” tende frequentemente a desviar a atenção destas diferenças. Ainda que tal retórica (p. ex., “todos os homens nascem iguais”) seja em geral considerada parte essencial do igualitarismo, o efeito de ignorar-se as variações interpessoais pode ser, na verdade, profundamente não igualitário, ao esconder o fato de que igual consideração de todos pode demandar um tratamento bastante desigual em favor dos que estão em desvantagem. As exigências de igualdade substantiva podem ser especialmente rigorosas e complexas quando existe uma boa dose anterior de desigualdade a ser enfrentada. (2001, p. 29-30, grifos nos originais).
À importante conclusão chega Alexy, ao extrai da máxima da igualdade duas premissas: a) “se não houver razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento igual, então, é obrigatório um tratamento desigual.”; b) “se houver uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório.” (ALEXY, 2008, p. 409-410).
Em outras palavras, quando se fala que deve o juiz, observando a lei, dar tratamento igual às partes e na pratica concede-se um tratamento desigual a uma destas partes — no caso Fazenda Pública —, mas observando o comando legal para tanto, tem-se o que se denomina de fator discriminante que compense a desigualdade entre estas partes. É o que Celso Antônio Bandeira de Mello chama de fator de discriminação:
a) a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singulariza no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar;
b) o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para sujeitá-las a regimes diferentes. (2010, p. 23, grifos nos originais).
O que Celso Antonio denomina de fator de discriminação, meio para se chegar à aplicação do princípio da isonomia, o economista Amartya Kumar Sen denomina de variável focal, dizendo que
A igualdade é julgada comparando-se algum aspecto específico de uma pessoa (tal como a renda, ou riqueza, ou felicidade, ou liberdade, ou oportunidades, ou direitos, ou satisfação de necessidades) com o mesmo aspecto de outra pessoa. Por isso o julgamento e a medição da desigualdade são completamente dependentes da escolha da variável (renda, riqueza, felicidade etc.) em cujos termos são feitas as comparações. Eu a denominarei “variável focal”— a variável que a análise focaliza ao comparar pessoas diferentes. (2001, p.30, grifos nos originais).
Em uma eloquente indagação que percorre toda sua obra, Sen questiona como se daria esta compensação de desigualdade e acaba respondendo: “a diversidade generalizada dos seres humanos acentua a necessidade de lidar com a diversidade de foco na avaliação da igualdade.” (SEN, 2001, p. 31).
Em apertada síntese, o que se vislumbra do princípio da isonomia é o descrito nas conclusões de Celso Antônio Bandeira de Mello, na sua obra O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade:
A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia. (2010, p.39).
Vê-se, portanto, que os fatores de discriminação almejam a aplicabilidade do próprio princípio da isonomia, pois, do contrario, o que se teriam eram motivos desarrazoados que infringiriam o próprio princípio constitucional da igualdade.
Como fatores de equalização, vez que a isonomia que se almeja é a material (substancial), surgem as chamadas prerrogativas processuais concedidas ao Estado quando este de encontra em litígio com um particular.
Já se disse que as desigualdades podem ser jurídicas ou naturais, como exemplo, tem-se que o Estado, representante de uma coletividade, no resguardo do interesse público, ocupa uma posição presumível de desigualdade: seus procuradores, muita vez, não têm conhecimento dos fatos narrados nas alegações dos particulares; a estrutura burocrática da administração reclama maior tempo para colheita de prova à sustentação de defesa; o dinheiro público corre permanente risco de dilapidação à medida que a demanda requer maiores gastos com as próprias estruturas estatais etc. Por tudo isso, diz-se que fatores de discriminação não constituem uma afronta ao princípio da isonomia, mas ao contrário, quer significar a garantia da supremacia do interesse público alinhada à própria garantia da aplicabilidade deste princípio vetor do sistema constitucional, da igualdade material, ascendendo do próprio conceito de justiça.
Como este trabalho é carregado de cunho científico, inspirado no conceito de ciência próprio da contemporaneidade, não se furtará à abertura de diálogo com as fontes que refuta as próprias idéias aqui albergadas. É neste sentido que são descritas as palavras dissonantes de Gustavo Binenbojm, co-autor da obra denominada de Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público[1]:
Ocorre que todas as aludidas prerrogativas da Administração vistas como desequiparações entre o Poder Público e os particulares, não podem ser justificadas à luz de uma regra de prevalência apriorística e absoluta dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais. [...] a preservação, na maior medida possível, dos interesses individuais constitui porção do próprio interesse público. São metas gerais da sociedade política, juridicamente estabelecidas, tanto viabilizar o funcionamento da Administração Pública, mediante instituição de prerrogativas materiais e processuais, como preservar e promover, da forma mais extensa quanto possível, os direitos dos particulares. Assim, esse esforço de harmonização não se coaduna com qualquer regra absoluta de prevalência a priori dos papeis institucionais do Estado sobre os interesses individuais privados. [...] é de sublinhar que a isonomia, tal como os fins de interesse coletivo cometidos aos Poder Público, também está prevista como norma constitucional. Deste modo, as hipóteses de tratamento diferenciado conferido ao Poder Público em relação aos particulares devem obedecer aos rígidos critérios estabelecidos pela lógica do princípio constitucional da igualdade. È dizer: qualquer diferenciação deve ser instituída na lei, alem de sujeitar-se, no seu contexto específico e na sua extensão, ao teste da proporcionalidade. (2005, p.155-156, grifos nos originais).
Alega Gustavo Binenbojm que, as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo não deveriam existir por conta da infringência aos preceitos constitucionais de garantia dos direitos fundamentais individuais. Mas logo depois, Binenbojm afirma que quando fundada na lei e vestida de proporcionalidade, o tratamento diferenciado conferido ao Estado em Juízo seria aceito. Ora, o direito da contemporaneidade tem passado pelo fenômeno de sobrelevamento das garantias individuais sobre os direitos da coletividade.
No entanto, não é tal fato uma verdade absoluta que não comporte contra-argumentações. Já se disse anteriormente que é o próprio interesse público a soma de vetores de interesse de uma coletividade. Daí a eloquente indagação do Celso Antônio Bandeira de Mello: “poderá haver um interesse público que seja discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade? (2008, p.59). Imediata e intuitiva é a resposta negativa a esta pergunta.
Lembre-se ainda que as prerrogativas são os chamados meios de compensação à desigualdade que servem de parâmetro para que se chegue à igualdade material entre as pessoas, verdadeiro objetivo do constituinte originário. Mas se poderia perguntar: a igualdade prevista na Constituição não se refere às pessoas enquanto indivíduos da sociedade, consideradas pessoalmente (enquanto indivíduo único)?
A clarividência de abertura das normas constitucionais, principiológicas pois, responde que não há na Constituição uma só norma que possa ser interpretada em sua literalidade, sem a possibilidade de conexão com a realidade em que se vive. Neste mesmo sentido são as palavras de Willis Santiago Guerra Filho ao mencionar:
[...] basta que se pense estar a norma constitucional se referindo à igualdade de todas as pessoas perante a lei, isto é, de todos os que são considerados “pessoas” pelo direito, sejam pessoas físicas, sejam pessoas jurídicas, individuais ou coletivas. A Fazenda é pessoa jurídica de direito público, destinada a gerir dinheiros públicos. Enquanto tal, não seria titular de direitos fundamentais, estritamente falando, mas o ordenamento jurídico lhe investe em situação jurídica similar, que se inclui, por assim dizer, no mesmo gênero, como são as chamadas “garantias institucionais”. É o que se percebe sem dificuldade da caracterização. (1994/1995, p. 25).
É como se houvesse uma elipse na expressão “todos são iguais perante a lei”. E então, teria- se: todas as pessoas são iguais perante a lei, não se negando a inclusão de pessoas jurídica, como é a Fazenda Pública.
Linhas acima, construiu-se um adendo específico sobre as diferenças entre princípios e regras objetivando observar que a um princípio não se aplica interpretação fechada a uma determinada situação fática. Mas, aberto à aplicabilidade de situações diversas, justifica-se o princípio da isonomia conforme o caso concreto, sempre se coadunando com os ditames da proporcionalidade. E este é o pano de fundo deste artigo: verificar se constitui tratamento desproporcional (desigual) a concessão de prerrogativas à Fazenda Pública quanto presente em juízo enquanto parte.
O painel desenhado neste trabalho bem pode ser concluído em palavras de Pimenta Bueno, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello:
A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania. (2010, p. 18).
E com o pensamento conclusivo de Celso Antônio Bandeira de Mello se chega à enumeração das possibilidades que autorizam a discriminação em face do princípio da isonomia, não a negando, mas concretizando-a:
a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo;
b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados;
c) que exista, em abstrato, uma correlação entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica;
d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa — ao lume do texto constitucional — para o bem público. (2010, p. 41, grifos no original).
Quis o autor dizer que, se há consonância da discriminação com os interesses protegidos na Constituição, então as discriminações são aceitáveis, pois se estaria, em verdade, almejando o próprio princípio da isonomia. Neste passo, emerge a questão de saber se tais discriminações em favor da Fazenda Pública constituem, de fato, prerrogativas ou privilégios injustificáveis, o que será visto na sequência.
2.1.3 Prerrogativas ou privilégios?
Quando se fala de prerrogativas é comum dizer que o ente público não está fazendo uso de uma previsão legal “justa”, mas de um desmando ao seu arbítrio, constituindo privilégios, e não prerrogativas. Com maestria, ensina Leonardo José Carneiro da Cunha:
Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas, por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes -os privilégios- consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma discriminação, com situações de desvantagens. As “vantagens” processuais conferidas á Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual (2010, p. 35, grifos nos originais).
Segundo pensa o precitado autor, a categoria de privilégios não se coaduna com o princípio da isonomia. Willis Santiago Guerra Filho conceitua, sob uma ótica jurídica, o que se conhece por “privilégios”:
A definição jurídica do que seja “privilégio”, tal como nos foi legada já pela tradição, que remonta ao Direito Romano, é de se considerar como o que emana de preceito que dispõe sobre situação individual, seja para punir ou beneficiar, desconsiderando, assim, a generalidade, que já a filosofia grega apontava como essência das leis.
O império da lei, em um Estado de Direito, requer, portanto, que se reconheça esse caráter de generalidade das leis e, logo, de que todos sejam iguais perante elas, igualdade essa que é decorrente da própria circunstância de haverem leis, normas jurídicas dignas de assim serem designadas. A ideia de lei, por conseguinte, como assevera HAURIOU, necessariamente, incorpora e repele a ideia de privilégios.
[...]
Comporta, então, distinguir “privilégios” de uma outra categoria de discrímen, as “prerrogativas”, que definem uma situação de superioridade necessária ao exercício de uma função pública, isto é, daquela espécie de poder do Estado a mais comum, o qual se exerce “não por interesse próprio, ou exclusivamente próprio, mas por interesse de outrem ou por um interesse objetivo”.
Com isso, fica estabelecido para nós, aqui, como tarefa, detectar se e quando há, efetivamente, privilégios, processuais conferidos à Fazenda Pública, pois aí estaríamos defronte a casos de infração intolerável ao princípio constitucional da isonomia. Ou, por outro lado, se nas hipóteses legais a serem examinadas, não estaríamos diante do que vem sendo tradicionalmente consideradas, por nossa doutrina processual majoritária, como simples prerrogativas, que ao invés de ferirem a igualdade, vão é atuar no sentido de que ela se realize, efetivamente, compensando desigualdades. (1994/1995, pag.23, grifos no original)
Assim, o que em uma linguagem inapropriada se denomina de “privilégios processuais da Fazenda Pública” devem ser chamados de prerrogativas em defesa do patrimônio público.
Reafirma-se, aqui, a ideia de que não se trata de privilégios, mas de concessões feitas à Fazenda Pública. E nesta esteira de pensamento, conclui Antônio Inácio Pimentel Rodrigues de Lemos:
A justificativa que os autores, de maneira praticamente unânime, apresentam, para este tipo de tratamento, repousa no dado da complexidade de atuação da Fazenda Pública, dia a dia tão mais ampla que perdeu em celeridade.
Não obstante, é indiscutível que, por mais desagradavelmente lento que seja, seu movimento, a Fazenda Pública reúne uma série de atribuições e interesses que não são de seu interesse típico, mas da coletividade que a criou. Retomando uma velha ideia de Duguit, o Estado existe para prestar serviços públicos e só se justifica nesse momento. Então, por definição, na ideia de Fazenda Pública existe toda uma estruturação fisiológica e anatomicamente conformada para realização de tarefas e satisfação aos interesses coletivos. Isso, de alguma maneira, dá uma conotação especial para sua atividade.
Por isso a concessão de um prazo favorecido para a Fazenda Pública se defender representa, na verdade, um caminho de viabilização para que consiga, dentro de seu ritmo possível, dar uma resposta aos interesses da coletividade, quando provocados em sede judicial. (2005, p. 38).
As prerrogativas que são próprias da Fazenda Pública refletem a necessidade de um tratamento especial que lhe deve ser dado, fazendo valer o ditame constitucional da isonomia. São momentos em que se apresentam os discrímens.
Sem dúvida alguma, a mais citada e discutida das prerrogativa é a diferença de prazo para recorrer e contestar prevista no artigo 188 do CPC[2]. Outra prerrogativa ocorre em relação às despesas do processo, que nos moldes do artigo 20, §4º, Código de Processo Civil, [3] determina que o juiz fixe, quando vencida a Fazenda Pública, por juízo de equidade, os honorários advocatícios a serem pagos, como ônus de sucumbência. Alem disso, ainda é possível a dispensa de seu pagamento prévio das despesas dos atos processuais, deixando para que o vencido o efetue, ao final[4]. Dispensa-se, também, o depósito prévio de 5% do valor da causa para promover a ação rescisória[5] e o preparo de recursos[6].
Cite-se ainda a possibilidade de produção de provas independentemente de tê-lo feito na inicial (artigo 6º da Lei Federal n. 6830/1980)[7]. Há de se lembrar também que a sentença proferida contra a Fazenda Pública, bem como a que julga procedente os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública[8], sujeita-se ao duplo grau de jurisdição necessário, que nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery tem natureza jurídica de condição de eficácia da sentença:
Que embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal. Não é recurso por lhe faltar: tipicidade, voluntariedade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo, características próprias dos recursos. Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não haverá transito em julgado e, consequentemente, será ela ineficaz. (2007, p. 712).
No que se refere ao processo de execução, também se verifica a existência de prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, seja como executante ou executada. Quando ela for autora no processo de execução, aplicam-se as regras da Lei de Execução Fiscal, Lei Federal n. 6830/1980. Aqui, as intimações do representante da Fazenda Pública devem ser pessoais (art. 25 da Lei Federal n.6830/1980). Além disso, a regra geral de competência entabulada no caput do artigo 578 do CPC, indicando o foro do domicílio do réu como o local onde deve ser proposta a execução fiscal cede lugar à regra contida no parágrafo único deste mesmo artigo, pelo qual se estabelece que quando a Fazenda Pública for exeqüente, pode optar pelo foro que lhe for mais conveniente[9].
No processo executivo, há ainda a previsão da substituição de bens penhorados pela Fazenda Pública, independentemente da ordem prevista pelo executado, conforme artigos 11 e 15 da Lei Federal n. 6830/1980. Dispensando-se, ainda, a penhora para oferecer os embargos na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, na previsão do artigo 730 do CPC. Por fim, atente-se para a previsão do artigo 100 da Constituição Federal, submetendo o pagamento de dívida pelo instituto do precatório, que na conformidade do artigo 730, II do CPC, “far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito”.
Willis Santiago Guerra Filho expõe, ainda, que há prerrogativa também no processo cautelar. Segundo pensa o referido autor, “em sede de processo cautelar, o art. 816 dispensa União, Estados e Municípios — e, logo, as autoridades fazendárias dos mesmos — de prestar a caução que exige do devedor para a concessão de arresto sem justificação prévia” (1994/1995, p. 24).
Cite-se ainda ao pedido de suspensão de liminar pela Fazenda Pública, como ressalta Leonardo José Carneiro da Cunha:
O pedido de suspensão de liminar ou de segurança é conferido às pessoas jurídicas de direito público por leis extravagantes sempre que houver lesão a um dos interesses públicos relevantes. Assim, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, permite-se o ajuizamento de requerimento dirigido ao presidente do respectivo tribunal, a fim de que seja suspensa a execução ou o cumprimento liminar.
Objetiva-se, com o pedido de suspensão, sobrestar o cumprimento da liminar ou da ordem concedida, subtraindo seus efeitos, com o que se desobriga a Fazenda Pública do cumprimento da medida. Sendo a liminar ou a sentença de procedência concedida em mandado de segurança, o pedido de suspensão tem fundamento no art. 15 da Lei 12.016/2009 [...]. (2010, p. 548, grifos nos originais).
Desta forma, são numerosas as situações processuais em que se concede tratamento diferenciado à Fazenda Pública, mas, no presente trabalho, optou-se pela análise da mais comum e questionada das prerrogativas: a concessão de prazo especial para contestar e recorrer, prevista no artigo 188, do Código de Processo Civil. O termo “comum” não quer dizer menos importante, mas a prerrogativa mais utilizada pelos entes públicos e que simboliza todo o tratamento diferenciado dispensado à Fazenda Pública.
Ou quem sabe, é a concessão do prazo especial a demonstração mais visível de que o legislador ordinário, obedecendo ao preceito constitucional da isonomia, albergou a verdade aristotélica de que aos iguais deve ser dado tratamento igual e aos desiguais deve ser dado tratamento desigual, compensando-se a desigualdade pelo o que Celso Antonio Bandeira de Mello chama de fator de discrímen.
Por tudo isso, não há falar em desvantagens concedidas à Fazenda Pública. Não se trata de legitimar desmandos ao alvedrio do administrador público, mas de justificar concessões fulcradas no princípio da razoabilidade, constituindo verdadeiras prerrogativas em favor do interesse público, sem que isso constitua meros privilégios em favor do interesse público secundário da Fazenda Pública.
2.1.4 Justificativas à desigualdade
Já foi dito antes que o direito, ao criar mecanismos de compensação à falta de igualdade, cria meios de elevar – ao menos tenta fazê-lo – categorias de coisas e pessoas ao mesmo nível de tratamento. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, são os chamados fatores de discrímen:
O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. [...]. Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados em vistas deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia. (2010, p. 37, grifos nos originais).
Ou seja, é necessária a prévia análise quanto à natureza do traço discriminatório realizado. Afirmada a desigualdade, logo em seguida deve ser analisada a proporcionalidade do fator discriminante à aplicação do princípio da isonomia. Parece razoável, de antemão, que haja um tratamento especial às partes de um processo quando presente em juízo e, concomitantemente, reclame prerrogativas ao seu favor para que então lhe seja dado tratamento isonômico frente à outra parte. Pois se isto não fosse feito, materialmente, não se poderia falar de isonomia.
Deste modo, está-se garantindo a aplicabilidade do princípio da isonomia. Não se pode imaginar, por exemplo, que só exista a aplicabilidade deste princípio quando presente em juízo dois iguais (ou dois particulares ou dois entes públicos). Mas ao contrário, a razão de ser do instituto dá-se justamente por haver pessoas distintas em juízo. Do contrário, estaria agredida a própria isonomia:
É agredida a igualdade quanto o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arrecadamento do gravame imposto. (MELLO, 2010, p. 38).
A alegação, por exemplo, de que os procuradores da Fazenda Pública teriam melhores condições de estar em juízo, desfrutando de informações privilegiadas e aparelhamento compatível com a engenharia processual, é um engano. É muito mais difícil para um advogado público requerer informações relacionadas à matéria fática do que o particular e o seu respectivo advogado. Como bem disse José Roberto de Moraes, “quando a advocacia é pública, o verdadeiro cliente é o povo” (2000, p. 36). Pois, enquanto o particular já trás as informações necessárias ao ajuizamento de uma ação, o representante público tem de buscar tais informações na complexa estrutura burocrática que é a administração pública. Acrescente-se ainda o volume de trabalho dos procuradores públicos, como bem destaca José Roberto de Moraes:
Chega-se a duas mil ou a três mil ações [...]. Atualmente, existem advogados na Procuradoria do Estado de São Paulo que acompanham doze mil ações em dezessete comarcas diferentes [...] Situações similares ocorrem nas diversas Prefeituras, na União e nas procuradorias dos demais Estados. (2000, p.70).
A máquina pública é complexa e para que um procurador da Fazenda Pública conteste ou recorra, por exemplo, necessitará de um tratamento diferenciado. Daí se justificar a extensão prazal, conforme o art. 188 do Código de Processo Civil. Ora, diante de tudo isto, do que se estar tratando a não ser de proporcionalidade? Completa Leonardo José Carneiro da Cunha: “as diferenças previstas em lei devem, portanto, decorrer de razões justificáveis, devendo, enfim, ter supedâneo no princípio da razoabilidade.”(2010, p. 31). Em outras palavras, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:
A discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia. (2010. p.39).
Malgrado o caso concreto reclame tratamento desigual entre as partes processuais que se mostrem desigualadas, a justificativa plausível à desigualdade deve ser de fácil percepção. Do contrário, não há falar em princípio da isonomia.
O grau de generalização das assertivas, até aqui realizado, reclama cautela. Não há dizer que todas as prerrogativas concedidas à Fazenda Pública em juízo sejam razoáveis e vestidas de fatores de discriminações proporcionais para que se almeje a igualdade material entre as partes. Não, pois é preciso um mínimo de senso crítico para defende irrestrita das prerrogativas da Fazenda Pública. E como em linhas atrás se mencionou, a generalidade localizada nos princípios, diferentemente das regras, enseja a análise do caso concreto. Narrada a situação fática e preexistente uma lei que anteriormente preveja a prerrogativa concedida à fazenda pública, transparente a proporcionalidade de tal medida, fala-se na ocorrência de tratamento diferenciado constitucional, pautado no princípio da isonomia.
Daí se afirmar que as justificativas às desigualdades devem estar pautadas no princípio da proporcionalidade — corolário do princípio da isonomia — conforme afirma Willis Santiago Guerra Filho:
Daí termos acima referido a esse princípio como “princípio dos princípios”, verdadeiro principium ordenador do direito. A circunstância de ele não estar previsto expressamente na Constituição de nosso País não impede que o reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no § 2º do art. 5º.: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados etc.”. Aqui cabe indagar se o princípio da proporcionalidade corresponderia a um direito ou garantia fundamental, podendo a mesma questão ser colocada em face do princípio da isonomia. Ambos os princípios, aliás, acham-se estreitamente associados, sendo possível, inclusive, que se entenda a proporcionalidade como incrustada na isonomia, pois como se encontra assente em nossa doutrina, com grande autoridade, o princípio da isonomia traduz a ideia aristotélica – ou, antes “pitagórica”, como prefere DEL VECCHIO – de” igualdade proporcional”, própria da “justiça distributiva”, “geométrica”, que acrescente àquela “comutativa”, “aritmética”, meramente formal – aqui, igualdade de bens; ali, igualdade de relações. (1994/1995, p.20, grifos nos originais).
Componente da igualdade e ao mesmo tempo “justificativa à desigualdade”, eis que surge a proporcionalidade como protagonista à existência de meios que levem a tratar desiguais de forma desigual, na justa medida de sua desigualdade (no caso em analise, as prerrogativas concedidas à fazenda pública em juízo).
O princípio da proporcionalidade, como mandamento de otimização diante de uma situação de conflito compõe-se, segundo Robert Alexy, de três subprincípios, chamados de “princípios parciais”. Então esclarece o jurista alemão:
Já se deu a entender que há uma conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade. Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza.(2008, p. 116-117, grifou-se).
Partindo-se para a análise da proporcionalidade, tendo como base o prazo especial que é dado à Fazenda Pública para contestar e recorrer (artigo 188 do Código de Processo Civil), vê-se que diante dos argumentos aqui trazidos, a dilação prazal é meio que satisfaz o direito fundamental da isonomia. Isto porque, diante da complexidade que envolve os entes públicos, não seria possível que se lhes concedesse, exemplificativamente, o prazo de 15 dias para contestar uma demanda; assim como tem os particulares.
Sabe-se que o volume de trabalho das procuradorias destes entes é extenso. Além disso, ao advogado público não cabe a escolha de qual processo defender, caindo em suas mãos os mais diversos tipos de demanda. Diante destas duas situações que envolvem a Fazenda Pública, de imediato, observa-se que caso se desse o prazo de 15 dias para que ela pudesse contestar, estar-se-ia dando tratamento igual a pessoas distintas, constituindo uma clara violação ao princípio da isonomia.
É neste diapasão que se justifica o tratamento desigual dado à Fazenda Pública quando presente em juízo.
3. CONCLUSÃO
A finalização deste Artigo não se confunde com a mera constatação de que o Estado Democrático de Direito deve ser alcançado nas mais diversas vestes que lhe institui o comando constitucional, como a veste do princípio da isonomia. Mais do que isto, o resultado deste trabalho é pela conclusão de que o cumprimento de um dever legal reclama a análise do caso concreto.
Estando presente a Fazenda Pública, suas autarquias e fundações públicas, representando o interesse de uma coletividade, o interesse público primário, há de ser aplicado o comando de otimização de tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na justa medida de sua desigualdade. Pensamento este banalizado e rebatido nos dias hodiernos, mas de fácil constatação e razão de ser quando ele ocorre pautado na proporcionalidade.
Parece que os objetivos específicos, pretendidos nesta pesquisa, foram alcançados.
Demonstrou-se que quando a Fazenda Pública está em Juízo, representado toda uma coletividade, presume-se o interesse público na demanda, justificando-se, desta forma, um tratamento diferenciado a uma das partes- a Fazenda Pública.
Ofertou-se tratamento constitucional ao princípio da isonomia sob uma perspectiva definida por Robert Alexy e sua teoria dos direitos fundamentais que, justificado na proporcionalidade, resultou no tratamento desigual dado à Fazenda Pública em Juízo.
Constatou-se que o respeito ao princípio da isonomia pressupõe a aplicação da supremacia do interesse público e este, por sua vez, não se confunde com o interesse do administrador público ou da pessoa pública em juízo, mas aquele que almeja o bem estar social.
Pautado em um fator de discriminação proporcional, alcançando a mens legis de que aos desiguais deve ser dado tratamento diferente para que se alcance a equidade, não se fala em privilégios, mas em prerrogativas: uma necessidade ao cumprimento constitucional de observância da isonomia;
Então, observada a presença da Fazenda Pública em juízo se aplicará o princípio da isonomia, dando a cada qual um tratamento respeitoso com a qualidade de desigual que ostente. Em outras palavras, aplicando a teoria da ponderação para que o princípio da igualdade se efetive, restará aceito o pensamento de Robert Alexy ao dizer que “se houver uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório” (ALEXY, 2008, p. 410).
Finalmente, são plenamente compatíveis as prerrogativas da fazenda pública quando esta for parte de um processo, não maculando o princípio da isonomia. E enquanto não houver um contencioso administrativo que trate das demandas da Fazenda Pública, como autora ou ré, há de se obedecer o ditame constitucional da isonomia. O que se restou conclusivo neste trabalho é que a mesma jurisdição que cuida dos interesses de dois particulares não satisfaz igualmente quando o Estado estar presente e enquanto não houver uma alteração no sistema de jurisdição brasileiro a existência de prerrogativas constitui uma necessidade para o alcance do tratamento igualitário que deve ser fornecido às diversas partes de um processo judicial.
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[1] Obra organizada por Daniel Sarmento, tendo como colaboradores Alexandre Santos de Aragão, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm, Humberto Ávila e Paulo Ricardo Schier. Editora Lumen Juris.
[2] CPC: Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
[3] CPC: Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
§1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido.
§ 2º As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico.
§3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo do profissional;
b) o lugar de prestação do serviço;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas da alíneas a,b, e c do parágrafo anterior.
§ 5º - Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas (Art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2º do referido Art. 602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor.
[4] CPC: Art. 27. As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.
[5] CPC: Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do Art. 282, devendo o autor: I - cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa; II - depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente. Parágrafo único - Não se aplica o disposto no nº II à União, ao Estado, ao Município e ao Ministério Público.
[6]CPC: Art.511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§ 1º - São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.
§ 2º - A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.
[7] LEI 6830/80: Art. 6º - A petição inicial indicará apenas: I - o Juiz a quem é dirigida; II - o pedido; e III - o requerimento para a citação. § 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita. § 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico. § 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na petição inicial. § 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos legais.
[8] CPC: Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
[9] Art. 578, Parágrafo único. Na execução fiscal, a Fazenda Pública poderá escolher o foro de qualquer um dos devedores, quando houver mais de um, ou o foro de qualquer dos domicílios do réu; a ação poderá ainda ser proposta no foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar.
Graduado em Direito pela UFBa (2012), pós-graduado em Direito Público (2013). Pós Graduando em Advocacia Pública pela Escola da AGU (2019). Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB (2018). É Procurador Federal (AGU) e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2018). Professor em Curso de Direito, costuma escrever sobre direito, literatura e cotidiano.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Diego. A Fazenda Pública em juízo em face do princípio da isonomia: prerrogativas ou privilégios? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38664/a-fazenda-publica-em-juizo-em-face-do-principio-da-isonomia-prerrogativas-ou-privilegios. Acesso em: 22 nov 2024.
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