Sobretudo hoje em dia diante da sociedade mundial atual altamente globalizada, as relações entre Estados Soberanos e organismos internacionais se torna intensa e corriqueira. Damos enfoque aqui a apenas uma das inúmeras situações envolvendo as relações entre Estados estrangeiros. É possível impingir a força do poder jurisdicional em uma execução forçada que recaia sobre bens de outro Estado ?
Um tratado internacional ratificado pelo Brasil e disposições da Constituição Federal devem ser colocados em análise para a resposta da questão, que será dada a luz da recente jurisprudência da Suprema Corte.
A Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, em vigor no Brasil através do Decreto 56.435 de 08 de junho de 1965, confere imunidade aos locais de missão diplomáticas em seu artigo 22, verbis:
1. Os locais da Missão são invioláveis. Os Agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão.
2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar perturbações à tranquilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade.
3. Os locais da Missão, em mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução.
Lado outro, a CF/88 prevê expressamente a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, II e III) e da Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I) para processar e julgar demandas em que Estado ou organismo estrangeiro figure com parte.
Para solucionar a questão proposta, imperioso registrarmos que a imunidade de jurisdição é um dos princípios que regem o direito internacional. Em que pese tal princípio não estar fixado expressamente no texto da CF/88, cuida-se de um princípio implícito decorrente da soberania, fundamento da nossa República (art. 1, I da CF/88), e é regra historicamente consagrada no direito consuetudinário internacional, também fincada na igualdade entre as soberanias estatais, princípio este estabelecido no Art. 4°, V da Constituição da República.
Registramos, de forma breve, a existência de divergências doutrinarias e jurisprudenciais no que toca aos limites da imunidade. Absoluta ou Relativa? Processo de conhecimento e de execução? Quanto ao processo de conhecimento, percebemos dos julgados da Corte Suprema abertura a via jurisdicional no que toca as atividades de Estado estrangeiro não vinculadas ao "ius imperii", ou seja, atividades privadas. Já quanto aos processos de execução, o viés absoluto da imunidade tende a prevalecer.
Diante das considerações feitas acima, o Supremo Tribunal Federal sempre refutou execuções de dívida de Estado estrangeiro, sobretudo de natureza fiscal, com base na recepção pela CF/88 da convenção de Viena alhures mencionada. Ressaltamos, novamente, que a imunidade em referência refere-se a fase executiva de processos ou a execução propriamente dita, somente podendo ser afastada validamente, segundo a maioria da Corte, em caso de renúncia expressa do Estado acreditante.
Recentemente e de forma inédita, o STF enfrentou o tema em comento no que toca a jurisdição trabalhista quanto à prevalência dos tratados internacionais ou a competência constitucional da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, da CF/88. Questão deveras polêmica, inclusive no próprio TST.
O Plenário do STF, em maio de 2013, barrou a atribuição da jurisdição brasileira para executar bens de país estrangeiro, exortando que o art. 144 da CF/88, não se sobrepõe aos Decretos Legislativos n. 56.435/65 e 61.078/67, que ratificaram as Convenções de Viena de 1961 e 1963 (RE 578543/MT) e que simplesmente afastar as disposições da Convenção sem atestar sua inconstitucionalidade violaria a cláusula de reserva de plenário. (Súmula Vinculante n° 10, STF)
Eis a informação constante do Informativo de n° 706 da Corte Suprema:
A Organização das Nações Unidas - ONU e sua agência Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD possuem imunidade de jurisdição e de execução relativamente a causas trabalhistas. Essa a conclusão do Plenário que, por votação majoritária, conheceu em parte de recursos extraordinários interpostos pela ONU e pela União, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para reconhecer afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50 (“Seção 2 - A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja sua sede ou o seu detentor, gozarão da imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas”). Na espécie, a ONU/PNUD questionava julgado da justiça do trabalho que afastara a imunidade de jurisdição daquele organismo internacional, para fins de execução de sentença concessiva de direitos trabalhistas previstos na legislação pátria a brasileiro contratado pelo PNUD. A União ingressara no feito, na condição de assistente simples da ONU/PNUD, apenas na fase executiva — v. Informativo 545.
Prevaleceu o voto da Min. Ellen Gracie, relatora. Considerou, em síntese, que o acórdão recorrido ofenderia tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que conferiria interpretação extravagante ao primeiro preceito, no sentido de que ele teria o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista. De igual forma, asseverou que esse entendimento desprezaria o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que assegurariam a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux destacaram que eventuais conflitos de interesses seriam resolvidos mediante conciliação e arbitragem, nos termos do art. 29 da aludida convenção e do art. 8º do decreto que a internalizou. O Min. Teori Zavascki acrescentou que a não observância de tratados internacionais, já incorporados ao ordenamento pátrio, ofenderia a Súmula Vinculante 10 [”Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”]. Ademais, realçou que, se cláusula pertencente a sistema estabelecido em compromissos internacionais fosse reputada inconstitucional, seria indispensável, além de sua formal declaração interna de revogação ou de inconstitucionalidade, também a denúncia em foro internacional próprio. O Min. Gilmar Mendes salientou que não se trataria de concessão de bill de indenidade a esse ente e que a responsabilidade do governo brasileiro, no caso da União, seria de índole política. O Min. Dias Toffoli sublinhou que a relação firmada com o PNUD, entidade sem autonomia, não teria viés empregatício, mas configuraria convênio.
Vencidos, em parte, os Ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso da União (RE 578543/MT). A Min. Cármen Lúcia aduzia que, embora a imunidade de jurisdição da ONU pudesse ser aferida por critério objetivo concernente a existência de instrumento normativo internacional ratificado pelo Brasil, a União possuiria responsabilidade subsidiária relativamente aos direitos trabalhistas do recorrido. Enfatizava que essa obrigação decorreria de disposições firmadas no Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, promulgado pelo Decreto 59.308/96. O Min. Marco Aurélio acrescia que o pano de fundo não revelaria litígio entre a União e o PNUD, porém envolveria trabalhador. A controvérsia diria respeito a questão que teria ficado estampada em acordo formalizado e introduzido no Brasil mediante o decreto, qual seja, a assunção, pela União, da responsabilidade quanto aos ônus trabalhistas.
Desta feita, prevalece na Corte, não sem vozes discordantes, a imunidade absoluta no que toca a execução de Estados estrangeiros. Por todas as vozes discordantes no STF, relativistas, pois, ressaltamos o posicionamento do eminente ministro Celso de Mello, que aponta a exequibilidade de bens estrangeiros não afetos a atividade consular ou diplomática.
O julgado acima apresenta relevante exemplo de prevalência do direito internacional, ainda que não integrado de forma expressa ao texto da CF/88 e demonstra que, mesmo diante de dívidas trabalhistas, a Corte continua aplicando o princípio do “par in parem non habet judicium".
BIBLIOGRAFIA:
BEGALDA, Gustavo. Direito internacional público e direito internacional privado. São Paulo. Atlas, 2007.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. Salvador. JusPODIVIM, 2012.
Procurador- AGU/PGF. Pós-graduação em Advocacia Pública (2015) - Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Coimbra. Pós-Graduação em Direito Processual Civil (2009) - PUC/SP. Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia- UNAMA (2002). Atuação profissional na área cível, em direito público, com destaque para Direito Ambiental, Tributário, Administrativo, Constitucional.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NORAT, Ygor Villas. A execução de dívida de Estado estrangeiro à luz da jurisprudência do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38726/a-execucao-de-divida-de-estado-estrangeiro-a-luz-da-jurisprudencia-do-stf. Acesso em: 25 nov 2024.
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