RESUMO: Este artigo trata da inimputabilidade penal trazendo os critérios existentes para sua definição, demonstrando aqueles que são adotados no Brasil e ressaltando principalmente a inimputabilidade dos menores de 18 anos, com a ressalva de que este fator não corresponde de forma alguma à impunidade dos mesmos. Traz ainda as medidas definidas no Estatuto da Criança e do Adolescente e aplicadas aos agentes de atos infracionais, nome dado aos crimes e contravenções penais quando praticados por menores. É abordada a necessidade dessa legislação especial para aqueles que estão em desenvolvimento, de modo que da melhor forma estes possam tomar consciência de seus erros e ser o mais rapidamente reintegrados à sociedade. Desenvolve-se, portanto uma crítica à redução da maioridade penal que acabaria por trazer somente consequências negativas, dificultando o tão importante processo de ressocialização desses jovens.
Palavras-chave: Inimputabilidade penal. Maioridade penal. Medidas sócio-educativas. Redução da maioridade penal.
1 INTRODUÇÃO
A questão da inimputabilidade dos menores de 18 anos vem a ser um assunto bastante polêmico e que gera muitas controvérsias, principalmente no que diz respeito à redução da maioridade penal podendo se perceber assim a grande importância desse tema.
Inicialmente será tratado o conceito de inimputabilidade dentro da legislação brasileira, de modo a definir quem são os considerados inimputáveis com especial atenção aos menores que se encontram também dentro dessa classificação, sendo abordada assim a legislação especial que regula o tratamento destes em vista do cometimento de infrações penais.
A especificação de cada medida de aplicação aos adolescentes infratores será posteriormente analisada sendo demonstrada dessa forma que a retribuição perante os atos infracionais cometidos por eles ocorre de forma específica e planejada. Por fim o questionamento a respeito da redução da idade mínima para determinação da imputabilidade penal merece destaque devido à grande repercussão que gera em torno da eficácia da justiça brasileira no combate à criminalidade e consequente manutenção da segurança dos cidadãos, questionando-se assim se essa redução seria ou não sinônimo de justiça.
2 A INIMPUTABILIDADE PENAL DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Adotando-se a culpabilidade como elemento constituinte do crime, que corresponde dessa forma a um fato típico, ilícito e culpável; a ausência da mesma leva a consequente ausência do crime, sendo este o caso dos inimputáveis.
A questão da inimputabilidade pode ser relacionada ao princípio da igualdade, que segundo Rui Barbosa (2003) apud Rodrigo Aiache Cordeiro (2010, s.p) “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade”. Dessa forma pode-se concluir a necessidade de um respeito às desigualdades, às diferenças e adaptação das leis a elas, como com relação à inimputabilidade penal em que considerando determinadas condições do agente não se aplica uma pena que é comum aos tidos como imputáveis, mas este sofre uma consequência específica que corresponde à medida de segurança nos casos previstos no artigo 26 do Código Penal e às medidas de proteção ou as sócio-educativas no caso dos menores de 18 anos, estas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pode-se considerar basicamente três critérios para a definição da inimputabilidade penal. O primeiro é o critério biológico em que se considera inimputável aquele que possui anomalia mental ou imaturidade, como o caso dos menores de 18 anos, não havendo a preocupação em se essa característica afetou a capacidade do indivíduo no momento da prática do fato típico e ilícito; existe também o critério psicológico, que leva em conta as condições mentais do agente no momento da prática do ato, e o biopsicológico, que associa os outros dois critérios e é característico do ordenamento jurídico brasileiro, que traz no Artigo 26, caput, do Código Penal:
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, no tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.
Também como descrito no Art. 28, § 1º do Código Penal:
É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Existe, porém, uma exceção no que diz respeito à menoridade penal, pois este caso além de se enquadrar na hipótese de desenvolvimento mental incompleto, corresponde à adoção do critério biológico, sendo definido no Artigo 27 do Código Penal: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Logo os menores de 18 anos, limite de idade já estabelecido pelo Código Penal de 1940 e incorporado pela Constituição Federal de 1988, ao cometer um ato infracional, que correspondem aos crimes e contravenções penais quando praticados por estes, eram inicialmente submetidos ao Código de Menores que em 1990 foi revogado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/90), no qual está previsto um tratamento especial a esses infratores ao se estabelecer medidas de reprovação diferenciadas.
2.1 Tratamento dispensado aos menores
É garantia dos menores diante da prática de um ato infracional a existência do devido processo legal, considerado um dos legados deixados pela Carta Magna de 1215, e somente após todo o processo com direito a ampla defesa e ao contraditório é que havendo a condenação do agente será determinada a medida mais adequada de puní-lo de forma pedagógica, de modo que na definição da medida a ser aplicada esse caráter educativo, pedagógico tem demasiada relevância com relação ao caráter punitivo, sancionatório exatamente pelo menor ser considerado de certo modo incapaz de definir, pensar e medir as consequências de seus atos.
As crianças, assim definidos aqueles que possuem até 12 anos incompletos, ao cometer uma infração penal devem ser encaminhadas imediatamente ao Conselho Tutelar ou à autoridade judiciária que será responsável pela aplicação de uma das medidas mencionadas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art.101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I- encaminhamento aos pais ou responsável,mediante termo de responsabilidade;
II- orientação,apoio e acompanhamento temporários;
III- matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,à criança e ao adolescente;
V- requisição de tratamento médico,psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII- acolhimento institucional;
VIII- inclusão em programas de acolhimento familiar;
IX- colocação em família substituta.
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
Enquanto que aos adolescentes infratores, possuindo entre 12 e 18 anos, cabe a aplicação das medidas previstas no artigo 112 do referido Estatuto:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I- advertência;
II- obrigação de reparar o dano;
III- prestação de serviços à comunidade;
IV- liberdade assistida;
V- inserção em regime de semiliberdade;
VI- internação em estabelecimento educacional;
VII- qualquer uma das previstas no art. 101,I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Será priorizado nesse estudo o tratamento dispensado ao adolescente, em que também estão incluídas a maior parte das medidas presentes no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A aplicação das medidas sócio-educativas deve ser feita de acordo com a gravidade do ato praticado pelo adolescente e também de acordo com uma análise das condições do agente, como determinado no § 1º do art.112, para que se tenha os efeitos desejados de reprovação da conduta e reintegração social do indivíduo de forma a respeitar o processo de desenvolvimento em que o mesmo se encontra.
Ao se fazer uma análise das medidas que podem vir a ser aplicadas tem-se inicialmente a medida de advertência que cabe aos crimes menos graves e àqueles jovens que não apresentam histórico criminal. Em segundo lugar está a obrigação de reparar o dano que se restringe a infrações que tenham reflexos patrimoniais podendo assim o jovem ser obrigado a restituir, fazer o ressarcimento ou compensar o dano que causou; sua aplicação é definida nessa ordem, ou seja, caso não possa haver a devolução do que foi objeto de privação, subtração, esbulho ou usurpação, deve ser feito um acordo entre as partes (o menor e a vítima) para definição de uma quantia em dinheiro que substitua o dano e caso isso também não seja possível existe a possibilidade de se chegar a outro acordo para que haja essa devida compensação. Outra medida corresponde à prestação de serviços à comunidade, vindo priorizar ainda mais a reintegração social do jovem ao passo que ele se envolve de forma direta com a comunidade e acaba por beneficiá-la também com o seu trabalho. Essa é uma medida que está presente como proposta no Código Penal de alternativa à pena privativa de liberdade, o que demonstra a importância e o resultado satisfatório que possui.
Com relação à medida de liberdade assistida pode-se destacar que se baseia no acompanhamento, auxílio e orientação do adolescente para que ele mantenha assim uma conduta correta perante a lei de modo que ele se encontra obrigado a ter um comportamento compatível com a ordem judicial. A inserção em regime de semiliberdade corresponde a uma medida que priva parcialmente a liberdade do agente, podendo ela ser aplicada como inicial medida de punição ao jovem infrator ou corresponder ao progresso do regime de internação. Por fim, é definida a internação em estabelecimento educacional, que de acordo com o art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente “A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, da excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”, assim conforme definido no artigo 122 da Legislação Especial:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I- Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II- Por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III- Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será a aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
Pode-se perceber que essa medida apenas deve ser aplicada quando não se encontrar em outra medida o mesmo efeito satisfatório e por um tempo definido de no máximo de três anos, devido ao caráter de maior gravidade que possui.
2.1.1 Redução da maioridade penal
A definição do menor de 18 anos como inimputável gera diversas opiniões contrárias que defendem que com uma idade inferior o adolescente já tem a capacidade de entender o ato que pratica, devendo assim assumir as mesmas consequências que aqueles considerados imputáveis, pois assim seria. Contudo, não se considera o fato de que este apesar de poder na maioria das vezes ter plena consciência de suas ações, acaba sendo influenciado por todas as mudanças que sofre enquanto nessa fase de transição e desenvolvimento que é a adolescência. Segundo Maria Auxiliadora Minahim (1992, p. 60) “A verdade é que muitas das atitudes e posicionamentos do jovem, frequentemente vistos como opção voluntária e consciente de agressão e transgressão de normas e valores, não passam de etapas normais de crescimento do ser humano, que se caracteriza por um movimento constante de descobertas e necessidade consequente de auto-afirmação.”
Ainda sobre essa questão Maria Auxiliadora Minahim (1992, p. 115):
“Não se discute a possibilidade do adolescente poder reconhecer o bem e o mal de suas ações, o que aliás, pode ocorrer com frequência. É de se compreender, porém que mesmo tendo esta capacidade ela não chega aos limites da reprovação social que pesa sobre um ato. Um adolescente pode, por exemplo, furtar um carro sabendo que transgride os valores, mas não percebe, muitas vezes, a intensidade da repercussão do fato na estabilidade da comunidade organizada.”
No sentido desse questionamento tem-se a proposta da Emenda Constitucional 20/99, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, que propunha a redução da maioridade penal para 16 anos. No entanto, esta e outras propostas de mudança legislativas direcionadas a essa questão acabaram por serem arquivadas, entendendo-se que a questão da idade mínima para se definir o imputável trata-se de uma cláusula pétrea, representando uma garantia individual, não podendo assim ser objeto de deliberação emenda tendente a abolir ou nesse caso diminuir essa idade já prevista legalmente.
É de extrema importância que se tenha consciência que a inimputabilidade do menor não é sinônimo de impunidade, uma vez que eles são punidos de forma mais adequada e proporcional possível à sua condição, com o objetivo de que não sejam prejudicados o seu desenvolvimento natural e em sociedade nesse momento que pode-se considerar fundamental para a definição de seu caráter futuro e sua formação como cidadão. Como dispõe Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 95) “Inimputabilidade, no entanto, não implica em impunidade, vez que o Estatuto estabelece medidas de responsabilização compatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento dos autores de ato infracional”.
3 CONCLUSÃO
É necessário se ater à relevância e importância dessa questão uma vez que falar de jovens é falar de futuro, do futuro do nosso país, assim a melhor forma é prevenir que estes entrem no mundo do crime por meio de políticas sociais direcionadas principalmente aos jovens mais carentes, priorizando sempre o acesso a educação e a inclusão social destes, mas caso acabem seguindo por este lado é extremamente necessário que sejam o mais breve possível daí retirados e responsabilizados de modo que possam se conscientizar do mal que causaram e da importância que possuem perante a sociedade. As medidas sócio-educativas têm como objetivo trazer novamente ao caminho do que é reto, justo (significado de “Directum”, que origina a palavra “Direito”) esses adolescentes então desviados, sempre respeitando as suas necessidades e seus direitos.
A discussão a respeito da maioridade penal e de sua redução ainda existe de forma que muitos não compreendem esse tratamento especial direcionado aos jovens defendendo que estes sejam punidos igualmente os demais, e se utilizando principalmente da justificativa de que o aumento da criminalidade está associado diretamente aos adolescentes, que por não receberem uma punição severa o bastante e que tenha assim algum efeito, são estimulados por esta “impunidade” a delinquir cada vez mais.
A questão é que por se encontrarem num momento considerado de certa forma decisivo para sua formação eles precisam receber um tratamento adequado e específico que respeite sua condição, pois se forem tratados como os outros criminosos certamente ao invés de sair desse mundo tão obscuro poderão acabar por adentrar ainda mais nele uma vez que esse tratamento influenciará ainda mais negativamente na sua formação. Outra consequência advinda da redução da maioridade seria o aumento da população carcerária, sendo que esta já ultrapassa os limites suportados pelos presídios, que se encontram em condições cada vez mais precárias, não sendo um ambiente adequado para a ressocialização daqueles considerados imputáveis e logo muito menos para os jovens que ali passariam uma parte crucial da sua vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal da Emoção: a inimputabilidade penal do menor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Da inimputabilidade penal em face do atual desenvolvimento da psicopatologia e da antropologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
______. Congresso nacional. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990.
Acadêmica do Curso de Direito das Faculdades Integradas "Antonio Eufrásio de Toledo" de Presidente Prudente.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Gabriela Cristina Matheus de. A inimputabilidade em face da menoridade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38768/a-inimputabilidade-em-face-da-menoridade-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: André Luís Cavalcanti Chaves
Por: Lara Pêgolo Buso
Por: Maria Guilhermina Alves Ramos de Souza
Por: Denise Bueno Vicente
Por: CARLOS ALERTO DOS SANTOS JUNIOR
Precisa estar logado para fazer comentários.