Na instrução dos processos administrativos para apuração de infrações contra o meio-ambiente constata-se, com freqüência, a tese apresentada por infratores advogando a impossibilidade da aplicação de sanções administrativas pecuniárias com arrimo em disposições referentes a crime, vez que as multas impostas pelos agentes de fiscalização ambiental são de natureza penal, somente podendo ser aplicadas por juiz criminal.
Embora não haja, ontologicamente, diferenças entre ilícito administrativo e penal, é inegável que um mesmo fato pode configurar, a um só tempo, crime e infração administrativa (como também ilícito civil). Obviamente que habitam semelhanças e distinções entre as sanções de natureza penal e administrativa, vez que cada uma, por seu turno, se sujeita a princípios e normas imanentes a cada um de seus ritos e instâncias em que serão processadas e aplicadas.
Nessa senda, verifica-se que subsistem perfeitamente dois sistemas de normas punitivas aplicáveis pelo Estado: 1) o penal, aplicado segundo esse ramo do direito, através do due process of law, sob a regência de seus princípios peculiares, no juízo criminal; e 2) o administrativo, também singular em seus caracteres, executado segundo as regras e os preceitos fundamentais próprios desse direito público, pelas autoridades administrativas.
As diferenças sobressaem bem notáveis quanto se tem em mira à competência legislativa para criação das respectivas sanções. As penalidades administrativas podem ser elaboradas pela União, Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências constitucionais. Já as sanções penais, de outra banda, somente podem ser originadas de leis federais, de competência legislativa privativa da União, conforme o art. 22 da Constituição Federal.
No tocante ao ponto de vista axiológico conferido ao bem jurídico pelo legislador, verifica-se ímpar distinção valorativa. Somente as ações ou omissões violadoras da paz social e segurança jurídica podem ser alvo da tutela de normas penais. É da natureza fragmentária da proteção dos bens jurídicos característica do Direito Penal.
O direito penal só deve se ocupar com os bens jurídicos mais importantes e necessários à vida em sociedade, razão pela qual um dos seus princípios fundamentais, o da intervenção mínima, preconiza a tutela de situações mais relevantes ao convívio social, como ultima ratio, somente quando os demais bens jurídicos não puderem ser protegidos e regulados, comprovadamente, pelos outros ramos do direito de forma eficaz e menos gravosa.
Segundo Ruy Cirne Lima as sanções criminais são incomunicáveis, enquanto que as administrativas, sob a forma de multa, podem ser reclamadas dos sucessores do infrator. Nos delitos, a responsabilidade do réu advém da prática do fato delituoso, nas infrações administrativas, a responsabilidade é presumida, podendo responder o infrator por ato de outrem, como p. ex., por seu preposto. No Direito Penal não se admite a reformatio in pejus, mas ela pode ocorrer na seara administrativa. Enquanto as sanções penais visam exclusivamente à punição, as administrativas cumulam punição e reparação do dano[i].
“Coube a Zanobini, posteriormente, em sua obra Sanções administrativas, trazer importante contribuição à matéria, procurando estabelecer uma distinção entre ilícitos penais, administrativos e civis. Enquanto os ilícitos penais traduzem turbação da ordem pública e social – substractum do Estado soberano –, os ilícitos administrativos implicam a violação dos deveres de colaboração com a Administração Pública. Assim sendo, a diversidade das respectivas sanções decorreria da variedade dos respectivos preceitos, relacionados com a competência ou com o procedimento.”[ii]
Feitas estas considerações sobre a natureza distinta das sanções penais e administrativa, importa salientar que os órgãos ambientais nunca confundiram as respectivas esferas de responsabilização, cuja autonomia de instâncias é expressamente declarada pela Constituição Federal (art. 225, § 3º), ipsis litteris:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
§ 3° As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Conforme a dicção do § 3° do art. 225 da Constituição Federal, acima transcrito, a prática de um ilícito ambiental redunda na responsabilização penal, administrativa e civil. A multa aplicada pelos agentes de fiscalização ambiental é de natureza estritamente administrativa, encontrando supedâneo legal nos arts. 70 e 72, II, da Lei nº 9.605/98 e no art. 3º, II, do Decreto nº 6.514/2008, não havendo, pois, que se falar em usurpação de competência sancionatória.
Os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio-Ambiente (SISNAMA) encontram fundamento para seu poder de polícia nos incisos do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, que estabelece:
“Art. 225. (...)
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Apesar dos enunciados dos tipos administrativos infracionais muito se assemelharem à redação das normas penais constantes da Lei n.º 9.605/98, as sanções aplicadas pelos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA encontram, como dito, esteio nas disposições contidas nos arts. 70 e 72 da Lei n.º 9.605/98, verbis:
“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
(...)
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.”
A necessária distinção da natureza jurídica existente entre multa administrativa e multa penal é realçada pelos Tribunais. Verifique-se, a propósito, a evolução do entendimento jurisprudencial nos fragmentos abaixo colacionados:
ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. CONTRAVENÇÃO.
1. A delegação de competência prevista no Decreto-Lei nº 289/67 perdeu a eficácia jurídica com a edição da Emenda Constitucional nº 11/78 (art. 3º), não tendo sido recepcionada pelo art. 25 do ADCT da Constituição de 1988.
2. A Portaria nº 267/88 - IBDF viola o princípio da reserva legal, por isso que somente a lei pode descrever infração e impor penalidade.
3. A aplicação de multa decorrente de contravenção penal cabe ao Poder Judiciário.
(TRF 1ª Região. REO nº 1997.39.00.011371-8/PA, Rel. Juiz MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, DJ de 16/03/01, p. 138.)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. PORTARIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LEI 9605/98. REGULAMENTAÇÃO.
1. Viola o princípio da legalidade a aplicação de penalidade instituída através de portaria. Somente a Lei pode descrever infrações e cominar penas.
2. Tipificada a conduta como contravenção penal, compete apenas ao Juiz, e não ao IBAMA, aplicar as penalidades cabíveis.
3. Havendo previsão expressa na Lei, como no caso do art. 75 da 9.605/98, de regulamentação pelo Poder Executivo, a eficácia do dispositivo fica suspensa até a expedição do respectivo ato.
4. Precedentes do Tribunal e do STJ.
5. Remessa e apelação improvidas.
(TRF 1ª Região. AMS nº 1999.01.00.093191-5/PA, Rel. Desembargadora Federal MARIA DO CARMO CARDOSO; DJ de 23.08.2002, p. 606)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA IMPOSTA POR ARMAZENAR MADEIRA SEM COBERTURA DE ATPF FORNECIDA PELO IBAMA. ARTS. 39 e 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/98, C/C O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 32 DO DECRETO FEDERAL Nº 3.179/99. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. CAPITULAÇÃO.
1. A competência para a aplicação de multa por infração do caput do art. 46 da Lei nº 9.605/98 é privativa do Poder Judiciário, por se tratar, no caso, de matéria de natureza penal.
2. Contudo, os arts. 70 e 72 da Lei nº 9.605/98, c/c o parágrafo único do art. 32 do Decreto nº 3.179/99, que a regulamenta, definem como infração administrativa ambiental, sujeita a multa simples, a conduta de armazenar produto florestal sem licença outorgada pela autoridade competente e válida até o beneficiamento final do produto.
3. O conjunto probatório dos autos não comprova as alegações do autor de aquisição da madeira lícita e de estar o desmatamento de área de reserva permanente autorizado pela autoridade competente.
4. Apelação do IBAMA e remessa oficial providas. Apelo do autor prejudicado.
(TRF 1ª Região. Apelação Cível 2001.34.00.030407-1/DF. Rel. Desembargador Federal ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA. Decisão: 11/06/2007. DJ 31.08.2007)
ADMINISTRATIVO. IBAMA. MULTA IMPOSTA POR TRANSPORTAR MADEIRA SEM COBERTURA DE ATPF FORNECIDA PELO IBAMA, COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.605/98, C/C O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 32 DO DECRETO FEDERAL Nº 3.179/99.
1. A competência para a aplicação de multa por infração do caput do art. 46 da Lei nº 9.605/98 é privativa do Poder Judiciário, por se tratar, no caso, de matéria de natureza penal.
2. Contudo, os arts. 70 e 72 da Lei nº 9.605/98, c/c o parágrafo único do art. 32 do Decreto nº 3.179/99, que a regulamenta, definem como infração administrativa ambiental, sujeita a multa simples, a conduta de transportar madeira sem licença outorgada pela autoridade competente e válida até o beneficiamento final do produto.
53. Apelo da impetrante não provido.”
(TRF 1ª Região. Apelação Cível 2001.34.00.011267-9/MT. Rel. Desembargador Federal ANTÔNIO EZEQUIEL DA SILVA. Decisão: 18/12/2006. DJ 09.03.2006)
Na esteira da mesma interpretação, confiram-se os excertos abaixo, nos quais a inteligência aqui reportada também restou albergada pelo Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRANSPORTE COLETIVO E INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. TAXI. PENALIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA.
1. A aplicação de penalidades está sujeita ao princípio da legalidade estrita. Mesmo no âmbito do poder de polícia, a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei. Não é legítima a aplicação a motoristas de táxi, modalidade de transporte individual, de penalidades estabelecidas para infrações no âmbito do transporte coletivo de passageiros. No âmbito do poder estatal sancionador, penal ou administrativo, não se admite tipificação ou penalização por analogia.
2. Recurso ordinário provido.
(STJ, RMS 21922, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ 21/06/2007, p. 273)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DE MADEIRA SERRADA, SEM LICENÇA DO IBAMA. ART. 70 DA LEI 9.605/98. PENA DE MULTA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PLENA OBSERVÂNCIA.
1. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não viola o art. 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia.
2. Ainda que por fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, que: (a) somente o juiz criminal, após regular processo penal, pode impor penalidades pela prática de crime cometido contra o meio ambiente; (b) é ilegal a tipificação de infrações administrativas por meio de decreto.
3. A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa.
4. Hipótese em que o auto de infração foi lavrado com fundamento no art. 46 da Lei 9.605/98, pelo fato de a impetrante, ora recorrida, ter recebido 180 m³ de madeira serrada em prancha, sem licença do órgão ambiental competente.
5. Considera-se infração administrativa ambiental, conforme o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
6. O art. 46 do mesmo diploma legal, por seu turno, classifica como crime ambiental o recebimento, para fins comerciais ou industriais, de madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até final beneficiamento.
7. Conquanto se refira a um tipo penal, a norma em comento, combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, anteriormente mencionado, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita.
8. Recurso especial provido, para denegar a segurança anteriormente concedida.
(STJ, Resp 1091486, Relatora Min. DENISE ARRUDA, Primeira Turma, Julgamento 02/04/2009, Publicação DJe 06/05/2009)
AMBIENTAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL SEMLICENÇA. MULTA. PODER DE POLÍCIA COM RESPALDO LEGAL. CAMPO DE APLICAÇÃO DA LEI 9.605/98.
1. Cuidam os autos de Ação Ordinária movida com o fito de afastar autuação consubstanciada em transporte irregular de 415 m3 de carvão vegetal e, conseqüentemente, a multa aplicada. O juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, porém o Tribunal regional reformou a sentença e declarou nulo o auto de infração.
2. No campo das infrações administrativas, exige-se do legislador ordinário apenas que estabeleça as condutas genéricas (ou tipo genérico) consideradas ilegais, bem como o rol e limites das sanções previstas, deixando o detalhamento daquelas e destas para a regulamentação por meio de Decreto.
3. Sanção administrativa, como a própria expressão já o indica, deve ser imposta pela Administração, e não pelo Poder Judiciário, porquanto difere dos crimes e contravenções.
4. A multa decorrente do auto de infração lavrado contra transporte irregular de carvão vegetal é autônoma e distinta das sanções criminais cominadas à mesma conduta, estando respaldada no poder de polícia ambiental.
5. A Lei 9.605/1998, embora conhecida popular e imprecisamente por Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, a rigor trata, de maneira simultânea e em partes diferentes do seu texto, de infrações penais e infrações administrativas.
6. De forma legalmente adequada e não conceitual, o art. 70 da Lei 9.605/1998 prevê, como infração administrativa ambiental, "toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente".
7. O transporte de carvão vegetal sem prévia licença da autoridade competente caracteriza, a um só tempo, crime ambiental (art. 46 da Lei 9.605/1998) e infração administrativa, nos termos do art. 70 d Lei 9.605/1998 c/c o art. 32, parágrafo único, do Decreto 3.179/1999, revogado pelo Decreto 6.514/2008, que contém dispositivo semelhante.
8. Recurso Especial provido.
(STJ, Resp 1075017, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, Julgamento 25/08/2009, Publicação DJe 04/05/2011)
Destarte, a conduta do infrator que viole normas administrativas deve ser apurada pelo órgão ambiental competente, à luz dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e se, ao fim e ao cabo, restar configurada a prática da infração ambiental, com a comprovação da materialidade e respectiva autoria, deve ser devidamente sancionada nesta qualidade, à luz das disposições próprias aplicáveis à espécie.
Ainda que o auto de infração faça menção a tipo penal previsto em lei em sentido estrito, tal alusão consignada nas cártulas reveste-se, mais propriamente, de uma função certificadora da lesividade e gravidade da conduta infracional, servindo para demonstrar a necessidade do envio de notícia-crime ao Ministério Público, a fim de que este atue na esfera penal. Se a infração administrativa foi corretamente imputada, com a fidedigna descrição dos fatos vindicados em desfavor do autuado, não há qualquer vício a ser reparado.
A mera menção de preceito da Lei n.º 9.605/98 que trata de crime ambiental no auto de infração não o torna nulo. A referência não atenta contra o devido processo legal, haja vista que o infrator, tal como ocorre no processo penal, defende-se dos fatos que lhe são atribuídos e não da capitulação legal. Nesse diapasão, consignar a norma penal violada pelo infrator destaca sobremaneira sua prática, eis que a perpetração do delito serve também como base para a persecução punitiva administrativa.
Se infração administrativa é toda ação ou omissão que configure violação às regras jurídicas de bom uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente - podendo essas condutas, concomitantemente, também conformar crime ou ilícito civil, afigura-se inaceitável a tese de que a aplicação da sanção de multa seria exclusiva do Estado-juiz, haja vista que a sanção administrativa não se confunde com a multa de natureza penal.
Em reforço ao que aqui se argumenta, atente-se para a infração administrativa prevista no art. 54 da Lei nº. 9.605/98, que considera como crime causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
O art. 4º da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, preconiza, entre outros, o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais e à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, cujo cumprimento (conforme as determinações expressas constantes do art. 9º do mesmo diploma legal) deverá ser efetuado pela Administração Pública no exercício do seu poder de polícia.
Para cumprir os mandamentos legais, os órgãos ambientais concebem normas específicas, entre elas as que dispõem sobre localização, instalação, ampliação e a operação (licenciamento) de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Em conseqüência disso, o art. 61 do Regulamento (Decreto nº. 6.514/08) dispõe como sendo também infração administrativa a conduta de causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade, cominando multa no valor de R$ 5.000,00 a R$ 50.000.000,00.
Considerar sob esse prisma determinada conduta como delito alicerça, a fortiori, sua responsabilização no campo administrativo. Afinal de contas, sem embargo da independência das instâncias, a infração administrativa prevista no art. 61 do Decreto nº. 6.514/08 constitui igualmente ação ou omissão que malsina as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70 da Lei nº. 9.605/98).
A tese de que a penalidade de multa simples aplicada em razão de infração administrativa ambiental tem por fundamento hipótese legal prevista como crime não merece prosperar. Acaso tal proposição lograsse êxito, simplesmente aniquilaríamos o poder de polícia outorgado aos órgãos ambientais pela Constituição Federal.
A sanção pecuniária de multa aplicada em decorrência da pretensão punitiva dos órgãos ambientais tem clara natureza administrativa, logo, subordina-se ao regime jurídico do direito administrativo, afastando o emprego de princípios e regras típicas do direito penal. As multas aplicadas pelos órgãos componentes do SISNAMA são impostas com fulcro na Lei n.º 9.605/98, regulamentada pelo Decreto n° 6.514/08.
Procurador Federal. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito do Recife/UFPE .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILBERTO DA CUNHA PEIXOTO JúNIOR, . A dessemelhança das sanções de multa nas infrações e crimes contra o meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38801/a-dessemelhanca-das-sancoes-de-multa-nas-infracoes-e-crimes-contra-o-meio-ambiente. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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