1. Introdução
O presente estudo tem por objetivo a análise de relevantes temas de Direito Penal partindo da análise de decisão do Superior Tribunal de Justiça.
O acórdão do STJ, do qual trataremos, suscita diversos temas interessantes a serem discutidos. A saber: a diferença entre os crimes dos arts. 319 e 330 do Código Penal, prevaricação e desobediência, respectivamente; a possibilidade de prática do crime de desobediência por servidor público; e do crime de prevaricação.
Temas dos quais trataremos adiante, sem, infelizmente, nos aprofundarmos o tanto quanto merecem, para que possamos avaliar se é acertada a posição de um dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 2628/DF, impetrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, sendo o paciente o Superintendente Geral daquele órgão no Estado de Goiás, ementa in verbis:
HC - PENAL - FUNCIONARIO PUBLICO - ATO DE OFICIO - DESOBEDIENCIA - PREVARICAÇÃO - O CODIGO PENAL DISTINGUE (TITULO XI) CRIMES FUNCIONAIS E CRIMES COMUNS. EVIDENTE, QUANDO O FUNCIONARIO PUBLICO (CP, ART. 327) PRATICA ATO DE OFICIO, NÃO COMETE DELITO PROPRIO DE PARTICULAR. ASSIM, INVIAVEL A INFRAÇÃO PENAL - DESOBEDIENCIA (CP, ART. 330 - CRIME PRATICADO POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, TITULO XI, CAP. II). EM TESE, ADMITIR-SE-A – PREVARICAÇÃO (CP, ART. 319). URGE, NO ENTANTO, A DENUNCIA DESCREVER ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DESSA INFRAÇÃO PENAL.
Para melhor compreensão do tema é recomendável a leitura do inteiro teor do voto do Ministro Relator, que se encontra disponível no site do STJ na internet: www.stj.jus.br.
2. Dos Crimes de Desobediência e Prevaricação
2.1 Desobediência
Nos termos do art. 330 do CP, incorre no crime de desobediência qualquer pessoa capaz, inclusive funcionário público quando age como particular, que desobedece a ordem legal de funcionário público.
É clara a definição acima, tendo como sujeito passivo qualquer pessoa capaz, inclusive o funcionário público, mas é de extrema importância que em tal relação delituosa o mesmo não esteja no exercício de suas funções, isto é, até mesmo um juiz pode ser sujeito ativo desse crime, desde que não esteja no exercício de suas funções públicas.
2.2 Prevaricação
Pratica o crime de prevaricação o funcionário público que no exercício da função retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou pratica-o contra a disposição expressa da lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Há que se ressaltar a necessidade de o sujeito ativo ser funcionário público, e de compor o tipo subjetivo, além do dolo, o elemento subjetivo do tipo, expresso no especial fim de agir (“para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”), o chamado dolo específico na doutrina tradicional.
2.3 Distinção entre Desobediência e Prevaricação
Conforme definido nos itens anteriores é a prevaricação crime exclusivo de servidor público no exercício de suas atividades, mas, para sua tipificação, é requisito essencial do tipo subjetivo o especial fim de agir, além do dolo. Já a desobediência é crime que pode ser praticado por qualquer sujeito capaz, isto é, é crime comum, sendo que o tipo subjetivo é composto apenas pelo dolo.
Há que se ressaltar, ainda, que se encontram ambos no Título XI do CP, “Dos Crimes Contra a Administração Pública”, sendo que o do art. 319, situa-se no Capítulo I - “Dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração em Geral” - e o do art. 330 no Capítulo II -“Dos Crimes Praticados por Particular contra a Administração em Geral”, portanto é o primeiro crime funcional e o segundo crime comum contra a Administração Pública.
Dessa forma diferenciam-se os crimes, especialmente pelo sujeito ativo, pelo tipo subjetivo, no primeiro “dolo específico” e o segundo “dolo genérico” e por serem de natureza diferente: o primeiro crime funcional e o segundo crime comum.
3 - Da Impossibilidade de Prática de Crime de Desobediência por Servidor Público
O servidor público não pode praticar crime de desobediência pelo simples fato de tal prática criminosa ter o particular como sujeito ativo. O agente público somente poderá perpetrá-lo na hipótese de ordem que não se refira ao exercício de suas funções, ou seja, quando ele estiver equiparado a um cidadão comum.
Destaque-se que, por sua própria topologia no Código Penal, o crime de desobediência não pode ser praticado pelo servidor público no exercício de suas funções, visto que o mesmo encontra-se epigrafado no art. 330, que por sua vez é inserido no Título IX, Capítulo II, onde estão: Os “Crimes Praticados por Particular contra a Administração em Geral”.
A relevância da observação merece nota, pois definido está o sujeito ativo da infração. Tanto assim é que a doutrina e a jurisprudência registram a seguinte distinção - repita-se: o servidor público somente pratica o delito, caso a ordem desrespeitada não seja atrelada às suas funções.
Por isso mesmo, afirma DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS que o crime de desobediência é: “Crime comum, pode ser executado por qualquer pessoa, inclusive por funcionário público, desde que o objeto da ordem não se relacione com as suas funções. Se diz respeito às suas funções, pode haver prevaricação”.
4. Do Cometimento do Crime de Prevaricação
Segundo a grande maioria da doutrina criminal, no que é seguida pela jurisprudência, o tipo subjetivo da prevaricação, que é capitulada no art. 319 do Código Penal, exige, no tipo subjetivo, a especial finalidade de agir (dolo específico), sendo necessário, pois, que a prova revele que a omissão decorreu de afeição, ódio, contemplação, ou para satisfazer interesse.
Destarte, é possível que o funcionário público, no exercício de suas funções, pratique o crime de prevaricação, e mas nunca o crime desobediência, visto que aquele é crime típico de funcionário público, podendo ser encontra do no Capítulo I do Título XI do Código Penal, “Dos Crimes Praticados por Funcionários Públicos contra a Administração em Geral”.
Todavia, é imprescindível que esteja presente em seu ato de “desobedecer” ordem de outro funcionário público, no caso em análise de juiz, o especial fim de agir, objetivado satisfazer interesse ou sentimento pessoal, nos temos do art. 319 do Código Penal, o que dever ser demonstrado por prova inequívoca, sob pena de ser atípica a conduta do servidor público.
5. Conclusão
Diante do exposto fica claro que acerta o Tribunal Superior de Justiça ao conceder por unanimidade a ordem de Hábeas Corpus.
Nos termos da decisão, tendo em vista o voto do Ministro Relator CERNICCHIARO, fica clara a distinção entre os crimes funcionais e os comuns contra a administração pública. Sendo, nesses termos, inaplicável o art. 330 ao Superintendente do INSS, pois ele age no exercício regular de suas funções, de acordo com suas atribuições, posto que a desobediência é crime comum, isto é, praticado por particular contra a administração pública.
Isso não quer dizer que pessoa que ocupe cargo público não possa ser sujeito ativo do crime do art. 330, sim, ele pode, desde que não esteja no exercício de suas funções públicas, isto é, desde que aja como particular.
Acertada, também, é o acórdão ao admitir a possibilidade de prevaricação desde que haja elementos constitutivos desse ilícito penal, nos termos do art. 319 do Código Penal.
6. Referências Bibliográficas
DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto – Código Penal Comentado – 4a ed. Renovar - São Paulo, SP - 1998.
JESUS, Damásio E. de Jesus – Direito Penal – vol. 4, Ed. Saraiva - São Paulo, SP - 1998.
MIRABETE, Júlio Fabrini – manual de Direito Penal - vol.3, Ed Atlas – São Paulo, SP – 1998.
Magalhães NORONHA, E. – Direito Penal – vol.4 Ed. Saraiva – São Paulo, SP – 1998.
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