A inversão do ônus da prova é questão relativamente nova no processo civil brasileiro e, por conseguinte, ainda envolta em uma série de questão de ordem teórica e prática, na busca de seu completo entendimento e correta aplicação dentro do sistema processual civil, com plena observância de seus princípios vetores.
Consagrada no artigo 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova subverte as regras gerais de distribuição do ônus da prova consubstanciadas no artigo 333 do Código de Processo Civil, com fundamento na verossimilhança das alegações do autor/consumidor e em sua hipossuficiência.
Não restam dúvidas sobre a relevância do instituto e de sua grande importância na defesa dos direitos do consumidor, parte extremamente fraca numa relação jurídica cada vez mais comum na moderna sociedade capitalista. Resta, no entanto, saber, entre as diversas questões que envolvem o tema, qual seria o momento adequado para que o juiz determine a inversão do ônus da prova no curso do processo, especialmente no âmbito dos Juizados Especiais, onde são solucionadas a grande maioria das lides oriundas das relações de consumo.
Seria o momento adequado o do recebimento da inicial, no curso da instrução, ou na própria sentença.
Parece-nos que a inversão do ônus da prova no momento da sentença não é adequado, uma vez que poderia representar ofensa ao princípio do devido processo legal.
Segundo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, o devido processo legal, “síntese da principiologia da tutela jurisdicional”, está relacionado à justa composição da lide, que só é alcançável dentro das normas de direito processual civil traçadas, “das quais não é dado ao Estado declinar perante nenhuma causa.”
“A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, inc. XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5º, inc. LIII), a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, inc. LV) e, ainda a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX).”
Dessa forma, não se pode falar em due process of law sem que haja observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, consagrados no artigo 5º, LV, da Constituição da Reública, bem como das outras garantias processuais mínimas à justa composição da lide.
Deve ser entendido o contraditório, de forma resumida, como ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. Nesse sentido, percebe-se, pois, que o contraditório é composto de dois momentos distintos: o primeiro é o da comunicação e acesso a informação, é o direito à ciência da existência da demanda, através da citação que completa a relação jurídica processual; assim como à ciência de todos os atos processuais, sejam da parte contrária, sejam do juízo ou de seus auxiliares.
O segundo momento é a possibilidade de manifestar-se. Portanto, não basta que a parte seja regularmente notificada, ou informada, dos atos, é indispensável que lhe seja deferida a possibilidade de manifestar-se, configurando-se em nessa possibilidade o direito à ampla defesa.
Destarte, se o ônus da prova fosse invertido apenas na sentença, ter-se-ia configurada clara ofensa ao contraditório e à ampla defesa, vez que o réu não teria sido cientificado do ato do juízo e sobre ele não poderia se manifestar, desincumbindo-se do ônus probatório.
Sendo a inversão do ônus da prova regra excepcional, é justo que o réu espere a aplicação das regras gerais do Código de Processo Civil, de tal sorte que haveria ofensa às garantias mínimas do processo e, evidentemente, ao devido processo legal.
Por outro lado, também o momento do recebimento da inicial não se afigura como adequado. Isto porque, estar-se-ia proferindo decisão não urgente, sem antes se manifestar o réu, apenas com fundamento nas alegações do autor, o que configuraria outra ofensa à ampla defesa e ao contraditório nos termos acima exposto.
Parece-nos que o momento correto para a inversão do ônus da prova, nos Juizados Especiais Cíveis, será o da Audiência de Instrução e Julgamento, isto porque, nessa oportunidade o juiz já teve contato com as alegações de ambas as partes, que puderam expor suas posições sobre a causa e sobre a própria inversão, o que garantirá a ampla defesa e o contraditório, dando plena aplicação ao princípio do devido processo legal.
Vale destacar que, ainda no sentido de garantir a observância dos princípios mencionados, tendo em vista a concentração de atos que rege os Juizados Especiais e o fato de a inversão ser regra excepcional de distribuição do ônus da prova, é essencial que na audiência de conciliação o réu seja cientificado da possibilidade de inversão do ônus da prova na Audiência de Instrução e Julgamento para que possa tomar as providências necessárias à eventuais provas que deverá produzir naquela oportunidade.
Precisa estar logado para fazer comentários.