Civilização: palavra utilizada pela primeira vez em 1757, pelo marquês de Mirabeau (veja Svampa: 2006, p. 17). Consiste no processo crescente de refinamento dos costumes. Mas no final do século XVIII, na Europa, tinha dois significados, que confluíam no binômio Civilização-Progresso: (a) processo contínuo de aperfeiçoamento individual e coletivo (essa ideia provém de Rousseau, que defendia a perfectibilidade do humano para o distinguir dos animais - veja 2005: p. 173-174); (b) o fato estático relacionado a certas sociedades europeias (sociedades civilizadas).
O humano se distingue do animal (dizia Rousseau: 2005, p. 172 e ss.) por dois motivos: (a) ele tem liberdade de escolha (capacidade de escolher) e (b) ele pode se aperfeiçoar (perfectibilidade, que é a capacidade de se aperfeiçoar ao longo da vida). O animal, por sua vez, é guiado exclusivamente pelo seu instinto. Os animais nascem prontos para a vida, enquanto o humano vai moldando suas capacidades e habilidades (de falar, de conhecer, de aprender, de dialogar etc.). O animal é conduzido por um instinto infalível, comum à sua espécie, como por uma norma intangível, uma espécie de software que nunca pode desviar-se (Luc Ferry). Os animais já nascem com suas ações programadas, não se afastando desse "instinto", salvo raríssimos casos de uma ou outra evolução (como, por exemplo, a capacidade de reconhecer objetos). Bem explicou Rousseau: "um pombo morreria de fome perto de uma vasilha repleta das melhores carnes, e um gato, diante de uma porção de frutos ou de grãos, embora tanto um quanto o outro pudesse perfeitamente se nutrir com o alimento que desdenha, se ousasse experimentá-lo (mas não nasceu programado para isso).
Com o ser humano é diferente, ele não nasce com uma programação intelectual prévia, ele pode se aperfeiçoar ao longo da vida, evoluir, tem liberdade, ou seja, o instinto não o freia, em regra (como ocorre com os animais), tanto assim que o homem é capaz de cometer até mesmo excessos que o levam à morte, como por exemplo: fumar, beber excessivamente etc. O animal não tem a liberdade de fazer nada além do que foi programado antes de nascer, apenas obedece a essa natureza, ao passo que o homem domina a liberdade de decidir o que fazer (benéfica ou maleficamente).
Outra distinção marcante entre o animal e o ser humano é a capacidade do último de ser diabólico, de ser cruel e vingativo (ou seja: bárbaro). Somente o humano é capaz de fazer uso do mal como projeto. Chega ao extremo de "banalizar o mal" (Hannah Arendt), ou seja, de internalizar o mal como algo normal, corriqueiro (assim nos comportamos barbaramente no nosso país em relação às prisões). Somente o ser humano tortura. Mas os animais não comem outros animais, não mutilam outros animais? Sim, mas tudo por programação natural e, ademais, fazem isso em geral pela sobrevivência (não por prazer, por satisfação). Não o fazem por crueldade ou por prazer em torturar, mas sim pela necessidade de desenvolver a habilidade da caça (ou para não morrer de fome). O ser humano, distintamente, "é capaz de se organizar conscientemente para fazer o mal a seu próximo. É, aliás, o que a teologia tradicional denomina de maldade, como o próprio demoníaco em nós" (Luc Ferry). O ser humano, em síntese, tanto é capaz de fazer o bem como fazer o mal. Daí a necessidade de aprimorar, constantemente, seu conhecimento ético, entendendo a ética como a arte de viver bem humanamente (Savater), ou seja, respeitando os outros seres humanos (a natureza, os animais e o bom uso da tecnologia). Ser humano significa se relacionar com outros seres humanos. Ninguém, por isso mesmo, pode querer viver sozinho no mundo, nem tampouco pode querer as coisas desconsiderando a existência das outras pessoas. A boa vida humana é boa vida entre seres humanos. Não podemos pretender ser bichos (animais) nem nos comportarmos como eles, porque sempre queremos ser tratados como seres humanos. Nas sociedades civilizadas, até mesmo o humano que negou a existência do seu semelhante deve ser tratado como ser humano. Assim recomenda a Ética.
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