INTRODUÇÃO
A apresentação de garantia nos certames licitatórios encontra regulamentação legal na Lei nº 8.666/93. O tema desperta grande interesse pela discussão acerca dos limites de vinculação e discricionariedade facultados ao gestor público e, com a edição da Lei nº 12.462/2011, que instituiu o RDC, passou a ensejar novos debates, em razão das particularidades dessa nova modalidade licitatória, os quais serão mencionados no presente estudo.
DESENVOLVIMENTO
A possibilidade de apresentação de garantia pelo licitante está prevista no artigo 31, III, da Lei Geral de Licitações e Contratos, vejamos:
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
(...)
III - garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no "caput" e § 1o do art. 56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação. (original sem destaque).
Trata-se, portanto, de previsão legal que permite ao Órgão Licitante exigir do proponente interessado garantia limitada a 1% do valor estimado do objeto da contratação. O procedimento de garantia da proposta será aquele mesmo utilizado para a apresentação de garantia nas contratações públicas, nos termos do art. 56 da Lei de Licitações, que dispõe nos seguintes termos:
Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras.
§ 2o A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
A transcrição dos artigos que regulamentam a matéria faz-se necessária, uma vez que o cerne da questão debatida no presente estudo é de interpretação dos referidos dispositivos.
Com efeito, o caput do artigo 56 da Lei nº 8.666/93 é categórico ao estabelecer que a prestação de garantia se dará a critério da autoridade competente, e desde que prevista no instrumento convocatório.
Dito isso, pode-se concluir que a expressão “a critério da autoridade competente” atribui certa discricionariedade ao administrador no que se refere ao procedimento através do qual ocorrerá o depósito do valor que garantirá a participação do interessado.
Nesse sentido, a prestação de garantia prevista em editais de legislação guarda pertinência com o comando legal desde que não viole outros dispositivos legais e regulamentares que versem sobre o tema.
Melhor dizendo, como regra, os critérios para a apresentação de garantia são um ato administrativo discricionário, haja vista que a Lei de Licitações atribuiu ao administrador a faculdade de estabelecer os elementos relativos a esta fase do procedimento, segundo avaliação subjetiva de oportunidade e conveniência, que melhor atenda ao interesse público.
Sobre outro aspecto, não há que argumentar que o estabelecimento de critérios não previstos em lei afronta o Princípio da Legalidade Restrita, que impõe ao administrador o dever de fazer somente o que a lei expressamente determina. Isso porque, conforme já relatado, a atuação nesse sentido se dá em cumprimento ao princípio constitucional em referência, posto que orienta-se em consonância com a previsão expressa da lei, que confere à autoridade competente a faculdade para o desempenho desse mister.
Em que pese o argumento exposto, a discricionariedade da Administração vai até aonde a lei permite. Vale dizer, em outras palavras, até se esbarrar em algum dispositivo legal que preveja uma condita a ser vinculadamente adotada pelo administrador.
Nesse sentido, o inciso III do art. 31 estabelece o limite das garantia licitatória, no montante máximo de 1% do valor estimado da contratação.
Ocorre que essa regra, válida para uma licitação regida pela Lei 8.666/93, não se aplica a um RDC, especialmente aquele feito sob o regime de contratação integrada. Com efeito, para afastar o risco de uma análise equivocada dos RDCs, é imperioso romper com o hábito de se pensar em licitação nos moldes da Lei nº 8.666/93, visto que as especificidades dessa nova modalidade licitatória exigem um tratamento diferenciado, inclusive no que tange à apresentação de garantias.
Na arquitetura traçada pela Lei nº 12.462/11, em especial nas contratações integradas, os licitantes assumem os riscos da imprecisão na definição do objeto e do orçamento – inclusive porque a efetiva composição de custos será realizada pelo próprio contratado, quando da elaboração do projeto básico.
Como regra, findo o procedimento licitatório, são aplicados aos contratos licitados com fulcro na Lei 12.462/11 os dispositivos da Lei 8.666/93. É neste sentido o art. 39 da Lei do RDC:
Art. 39. Os contratos administrativos celebrados com base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das regras específicas previstas nesta Lei.
Destarte, o valor percentual da garantia a ser ofertada pelo licitante vencedor do RDC seria aquele estabelecido nos arst. 31 e 56 da Lei de Licitações, inclusive quanto ao limite neles.
Todavia, o RDC trouxe inovação que indubitavelmente altera o panorama que se tinha com a Lei nº 8.666/93: a contratação integrada. Ao se transferir para o particular a elaboração dos projetos básico e executivo da obra a ser por ele executada, é razoável que se eleve, para o contratante público, a necessidade de garantia, em caso de eventual falha no adimplemento do ajuste.
Naturalmente, o novo cenário, não antevisto pelo antigo legislador, exige novas regras. Por isso, entendeu o Tribunal de Contas da União que o limite de garantias (antes fixado em 5% do valor do contrato) poderia ser superado, quando motivado e proporcional aos riscos assumidos. Neste sentido, temos o Acórdão nº 2.745/2013-Plenário:
(...)
Existe nas contratações integradas um tripé de coerência na concepção dos empreendimentos. A matriz de riscos, os elementos de anteprojeto e os seguros devem ser idealizados de forma integrada; elaborados em um planejamento cuidadoso, de forma a, em conjunto, diminuírem os riscos da contratação. Quanto maior a liberdade conferida para o particular inovar e assumir riscos, menor será, em tese, a necessidade de detalhamento do anteprojeto e maior deverá ser a cobertura de seguros, para contrapor o potencial inadimplemento.
Em um modo de pensar, para as parcelas do empreendimento mais simples, em que a Administração tem meios de melhor detalhar a solução em anteprojeto (por absoluta simplicidade e pequeníssima vantagem de os particulares competirem em termos de metodologia construtiva), mais conveniente detalhá-los no anteprojeto e exigir a identidade em sua feitura. Os riscos dessa parcela, por conseguinte, serão da Administração.
Ao contrário, para aquelas frações mais complexas, tanto se libere as contratadas para propor, cada qual, a sua metodologia, quanto, por consequência, se transfira os respectivos riscos para o particular. No que se refere à viabilidade da cobertura de seguros, deve existir uma exigência contratual de seguro para mitigar essa potencial insegurança. É um imperativo que tanto confere maior estabilidade ao contrato (em termos de certeza no seu adimplemento), como viabiliza a própria precificação do risco. Mais que isso, os seguros proporcionais aos riscos são elementos indissociáveis para a segurança da oferta da melhor proposta.
Acredito, pelo que expus, que a contratação integrada tenha criado um novo cenário factual e mercadológico, então não coberto pelas possibilidades então previstas pelo art. 56 da Lei de Licitações, em seu rol de garantias. Desde que devidamente motivado e proporcional aos riscos assumidos, pode-se superar aqueles limites. Nesse ponto, entendo não haver reprimendas ao instrumento editalício criticado.
(sem destaque no original)
CONCLUSÃO
Portanto, considerando as argumentações expostas no presente estudo, bem como o posicionamento do Tribunal de Contas da União a respeito do tema, conclui-se que a faculdade concedida ao gestor publico para o estabelecimento de critérios para o oferecimento de garantia vai até os limites vinculantes estabelecidos pela própria lei, como, por exemplo os limites de valor das garantias.
No entanto, os limites estabelecidos nos artigos 31 e 56 da Lei nº 8.666/93 não se aplicam ao RDC, em razão de suas particularidades.
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