RESUMO: O presente estudo abordará em linhas gerais e com ótica no direito Empresarial, a recuperação judicial da Parmalat no que concernem os direitos trabalhistas dos empregados que ali exerciam atividade laborativa tutelados pela CLT; a possibilidade ou não da sucessão trabalhista, os fatos que levaram a falência, bem como os aspectos e objetivos sociais da recuperação judicial serão estudados de forma a tentar melhor compreender esse instituto como também a importância que pode ter no cenário sócio-empresarial.
PALAVRAS-CHAVE: Falência; Recuperação Judicial; Parmalat; Trabalho; Sociedade.
INTRODUÇÃO
Vários motivos podem levar a uma grande empresa a entrar com o pedido de falência e dentre os mais comuns estão à má administração, como a ausência de um plano de negócios e de controle dos custos; a falta de controle financeiro de um modo geral é fator preponderante para que uma empresa, mesmo de grande porte, perca o equilíbrio econômico de forma a não mais conseguir se recuperar sem a fundamental ajuda da lei. Nesse diapasão, a própria lei de falências, lei nº 11.101/05, trouxe consigo um mecanismo do qual muitas empresas se utilizam na tentativa de recuperar-se, satisfazendo os direitos de seus credores e trabalhadores, mas principalmente mantendo viva a função social da empresa que é circulação de riquezas que tantos benefícios trazem para a sociedade como um todo.
Dentre motivos específicos como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e fraudes contábeis, um grande escândalo financeiro no ano de 2003 culminou no pedido de recuperação judicial pela Parmalat Brasil, que foi prontamente homologado pela Primeira Vara de Recuperação e Falências de Empresas do Tribunal de Justiça de São Paulo em 04/07/2005. A decisão, embora não tenha gerado surpresas no ramo empresarial devido à má administração e contração de dividas pela empresa de laticínios, acabou gerando certa polêmica por conta de o plano ter sido homologado sem a apresentação da certidão negativa dos débitos fiscais, uma exigência da nova lei de falências.
Em sua decisão, o juiz afastou o óbice que se fazia imperioso no art. 57 da lei nº 11.101/05, tendo em vista as razões apresentadas pela empresa e as orientações jurisprudenciais como se verifica no caso da Varig, no Rio de janeiro. O Ministério Público também foi favorável a não incidência do art.57 da nova lei de falências, pugnando assim pela pronta concessão do plano de Recuperação Judicial, fundamentando sua decisão entre outros motivos no princípio da proporcionalidade e que a aplicação do art.57 da lei não passa de sanção política aplicada pelos tribunais em sede de jurisprudência. A luz do art.191-A do CTN que cuida dos créditos tributários, o administrador judicial, Marcus Elias, foi favorável a concessão do plano haja vista não haver sido editada lei especial para cuidar desses créditos, sendo dispensada, portanto sua aplicação.
Diante desse quadro se pode verificar a importância do instituto da Recuperação Judicial não só no cenário empresarial onde se visualiza a possibilidade da empresa adimplir suas obrigações tributárias e creditícias de um modo geral, mas sobre tudo no cenário social tendo em vista que essa alternativa prevista em lei ajuda a sociedade empresária a dar continuidade ao desenvolvimento social com a manutenção dos vínculos trabalhistas, que por consequencia continuará gerando riquezas para o país, mantendo viva a função social da empresa. Nesse escopo não se pode imaginar uma atividade empresarial restrita apenas aos fatores intrínsecos da mesma.
Em artigo publicado, o professor Maurício Moreira Mendonça de Menezes reforça com brilhantismo o posicionamento supra.
Sendo a empresa uma organização complexa, consubstanciada na coordenação dos fatores humanos e materiais de produção, para o oferecimento de bens ou serviços ao mercado, com constates implicações nas esferas patrimonial e existencial de terceiros, bem se vê que é concentradora de amplo rol de interesses, internos e externos a organização. (MENEZES. 2009, p.12)
O plano de recuperação judicial apresentado pela Parmalat aos credores logo surtiu efeito; segundo a Gazeta Mercantil de 09/06/2008, em junho de 2006 a empresa foi adquirida pela LAEP, com lançamento de nova linha de produtos e participação estável no mercado na estimativa de 12% e notável crescimento inclusive com aquisição de unidades de Poços de Caldas da Francesa Danone, mostrando assim que o objetivo da recuperação judicial está sendo alcançado, ou seja, manutenção dos empregos e circulação de riquezas que beneficiam todo o corpo social.
Ainda no aspecto econômico-social, questão que gera polêmica e apresenta controvérsias é em relação às sociedades empresárias que compram empresas em processo de recuperação judicial, nesse caso o que se discute e o que tem resultado em decisões discrepantes é se a empresa que adquire empreendimento ou, a chamada unidade produtiva, de grupo econômico em recuperação judicial herdaria as dívidas trabalhistas dos empregados dessa unidade.
A Parmalat tem sido ponto de referência nessa discussão, haja vista ter sido uma das primeiras, junto com a Varig, a pedir Recuperação Judicial, e terem unidades vendidas para terceiros; segundo a fonte Valor econômico em matéria publicada em março de 2009 podemos citar o exemplo da Hipermarcas que comprou a Etti de propriedade da Parmalat em março de 2006 e hoje enfrenta dezenas de ações de ex-empregados da Etti, na Justiça do Trabalho, com pedidos de indenização que giram em torno de R$ 25 mil e R$ 30 mil.
Ainda segundo a Valor Econômico, a Parmalat comunicou através de sua assessoria de imprensa que a venda da Etti para o grupo Hypermarcas ocorreu antes que a LAEP assumisse o controle da companhia. Por isso, a companhia considera não estar envolvida nesses processos e, por isso, não se manifesta sobre temas anteriores à aquisição da empresa.
Para o advogado da Hipermarcas, se esta tivesse exigido da Parmalat a rescisão contratual dos empregados que passou a gerir e os recontratasse, essas ações seriam ajuizadas apenas contra a Parmalat, como reza o § 2º do art.141 da nova lei de falências, estando assim livre de qualquer ônus em face dos empregados remanescentes. Está claro que o dispositivo em comento, veio proteger a empresa, ocorre que não poderá adentrar em esfera jurídica estranha a sua competência, indo assim de encontro ao que tutela a CLT, que notavelmente se destacou por seu caráter protecionista em face do empregado que por sua vez, sempre foi e sempre será a parte hipossuficiente da relação.
Ante a este posicionamento, verifica-se um claro e gritante conflito de normas, quando da análise de alguns dispositivos atinentes a sucessão trabalhista constantes na lei nº 11.101/05 em seus artigos 60 parágrafo único e 141, inciso II e na CLT em seus artigos 10 e 448. Contudo, embora a nova lei de falências seja uma lei especial, deve-se entender por coerente e principalmente em respeito à segurança jurídica, que o princípio da especialidade, “Lex specialis derogat legi generali” nos casos em que envolver direitos constitucionalmente protegidos, como se visualiza no art. 7º, incisos I e IV da Constituição da República, deverá ser afastado, prevalecendo assim perante esse conflito à aplicação dos artigos 10 e 448 da CLT.
Dessa forma o julgador deverá lançar mão dos os princípios que regem o ordenamento, como o da norma mais favorável ao empregado, contido nos artigos 10 e 448 da CLT, e em contraponto ao §2º da lei nº 11.101/05, que fala da admissão dos empregados do devedor mediante novos contratos, deverá prevalecer o disposto no princípio da continuidade do contrato de trabalho.
Nessa ótica, a jurisprudência tem-se inclinado no sentido de acolher a sucessão em atenção aos direitos dos trabalhadores, que vale ressaltar é de ordem alimentar, ou seja, imprescindíveis a sua sobrevivência e ascensão social. Segundo matéria da Valor Econômico, 83,9% dos juízes trabalhistas do país são favoráveis à sucessão das obrigações trabalhistas; a coleta dos dados ocorreu entre julho e setembro de 2008. Do total, responderam à pesquisa 792 magistrados, considerando todas as instâncias judiciais e regiões do país.
Essa pesquisa foi feita pelo Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho (Cesit), da Unicamp, em parceria com a Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para demonstrar como pensa o juiz do trabalho no Brasil. Segundo o presidente da Anamatra Claudio José Montesso, como o passivo não acompanha os ativos vendidos, os empregados acabam ficando sem cobertura no pagamento dos seus créditos, mesmo os constituídos em ações próprias. “A sucessão é um meio de garantir o cumprimento de direitos trabalhistas”, diz.
Diante desse entendimento, os tribunais tem se posicionado no sentido de resguardar os direitos decorrentes de débitos trabalhistas, sendo favoráveis a sucessão, como bem se observa no julgado infra.
Processo: Nº: 08388-2006-034-12-00-2 Ementa: RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. A diversidade de redação entre os dispositivos da recuperação judicial e da falência, na Lei nº 11.101/2005, art. 60, parágrafo único, e o art. 141, inc. II, quanto à responsabilidade sobre os créditos trabalhistas, deixa clara a interpretação de que, com relação a estes, na alienação de unidade produtiva, em sede de recuperação judicial, existe sucessão por parte do adquirente. Confrontando-se os dois dispositivos, é possível observar que, quando tratou da falência, o legislador previu, de modo expresso, a inclusão dos débitos tributários, trabalhistas e decorrentes de acidentes do trabalho entre aqueles que não seriam transferidos para o adquirente, o que não ocorreu em relação à recuperação judicial. Nesta vê-se tão-somente a referência aos débitos tributários. É forçoso concluir que o disposto no parágrafo único do art. 60 da Lei nº 11.101/2005 não impede que se apliquem os arts. 10 e 448 da CLT e se reconheça a sucessão de empregadores, oportunidade em que a arrematante assumirá o passivo trabalhista. - Juíza Lília Leonor Abreu - Publicado no TRTSC/DOE em 28-05-2009
Diante dessa hipossuficiência é que o legislador veio a tutelar superioridade jurídica ao empregado diante da superioridade econômica do empregador; dessa forma frise-se que todo e qualquer dispositivo que venha dar prevalência aos direitos dos trabalhadores deverão ser aplicados ao caso concreto, mesmo em se tratando de uma recuperação judicial. O empregado não pode ser responsabilizado ou sofrer qualquer consequência nociva decorrente da má administração de seu empregador.
Marcelo Roberto Bruno Válio aponta com clareza o problema em questão.
O que se vê claramente é que a lei de falências e de recuperação de empresas, acabou transferindo o ônus de quem assume o risco da atividade empresarial à figura do empregado, indo em contradição efetiva ao que dispõe o artigo 2o da CLT, que aponta que o empregador é "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."(VÁLIO, 2006).
O processo de recuperação judicial da Parmalat mostra que a nova lei de falências, ao inovar com a possibilidade de a sociedade empresária reerguer-se diante de grandes dificuldades financeiras, trouxe um mecanismo de suma importância não só no âmbito empresarial como social.
As grandes repercussões do caso, juntamente com as incertezas acerca do êxito no processo de recuperação judicial, deram ainda mais relevância ao caso Parmalat como se verifica nas palavras de seu administrador judicial e controlador do Grupo LAEP Marcus Elias em nota publica pelo colunista Marcelo Onaga, do site EXAME.com
A antecipação do pagamento integral da dívida da Parmalat Brasil junto aos seus credores representa o coroamento do esforço de recuperação da empresa, bem como reafirma o sucesso da Lei de Recuperação Judicial no Brasil, que está em vigor há cinco anos. (ONAGA.2010)
A maior demonstração que a recuperação judicial da Parmalat surtiu de fato efeitos positivos está na crescente de sua s ações que em 35 meses chegaram num ponto bastante significativo, sendo hoje considerada a maior companhia italiana de leite listada em bolsa. Dados esses colhidos em matéria publicada no site economia.uol.com.br em 16/03/2011 por Stefano Bernabei, que ainda dispõe dos atuais números que refletem a plena recuperação da Parmalat que deve continuar sob controle dos italianos, acabando com especulações acerca do interesse da francesa Lactelis e da brasileira LBR Lácteos.
Ainda segundo a matéria publicada, as ações da Parmalat encerraram o pregão na Bolsa de Milão com valorização de 4,2 por cento, valendo 2,48 euros. Diante desse quadro, a grande discussão do momento é de quem será o novo diretor da empresa; o presidente executivo do Intesa Sanpaolo disse que o banco possui 2,44% e apresentará lista com candidatos a assumir a diretoria da Parmalat. Segundo a matéria, o atual diretor Roberto Bondi, um dos responsáveis pela reorganização da empresa vem sendo pressionado para conseguir aquisições visando melhores retornos para o atual caixa da empresa que é de 1,4 bilhão de euros, aproximadamente 2 (dois) bilhões de dólares. A nova diretoria estará em pauta na reunião entre os acionistas que acontecerá entre os dias 12 e 14 de Abril de 2011.
CONSIDERAÇÃOES FINAIS
De tudo exposto, podemos verificar que o legislador foi deveras feliz ao editar a nova lei de Falências, sobre tudo no que cinge o instituto da Recuperação Judicial e suas abrangentes. No caso da Parmalat, permitiu a antecipação do pagamento integral da dívida da filial brasileira junto aos credores, mantendo ativa a fonte de produção, sua participação estável no mercado e com crescimento gradativo no cenário nacional.
Percebe-se, portanto que o instituto da recuperação judicial, veio não só objetivando a reestruturação da empresa, evitando assim a falência, e sim como um mecanismo de combate ao colapso econômico ao qual todo grande investimento está sujeito, buscando assim manter a circulação de riquezas através de novos contratos, novas demandas e mais circulação de riquezas, que sem dúvida é a mola propulsora para um país que busca o desenvolvimento.
Dentro desse aspecto social, não se pode esquecer aqueles que com braço forte e muita dedicação, são os responsáveis diretos pela circulação dessa riqueza e consequentemente pelo desenvolvimento do país. Nesse escopo jamais poderia se imaginar que os trabalhadores se vissem desamparados perante o colapso econômico pelo qual está sujeito a empresa; dessa forma o legislador foi correto ao dar prioridade aos créditos trabalhistas, tendo em vista que os titulares desses créditos são protegidos constitucionalmente, não importando se haverá ou não sucessão desses créditos, devendo o trabalhador perceber seus direitos independente do desfecho do processo de recuperação judicial.
Por tudo isso que louvar-se-á os dispositivos e princípios legais que buscam resguardar os direitos dos trabalhadores em detrimento da disputa sucessória que acontece no cenário de recuperação judicial. Comungam-se aqui do entendimento que se deve prevalecer os dispositivos e preceitos legais que asseguram uma recuperação judicial correta e que em seu final, êxitos sejam alcançados, num processo em que todos sejam vitoriosos, a empresa em recuperação, a empresa adquirente e a sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GAZETA MERCANTIL, Disponível em: http://www.financialweb.com.br/noticias/index.asp?cod=48595. Acesso em 05 de março de 2013>
MENEZES. Maurício Moreira Mendonça de. Função Socio-econômica da Empresa em Recuperação Judicial. 2009 – Disponível em:http://www.bocater.com.br/artigos/mmm_funcao_soc_econ.pdf. Acesso em 03 de março de 2013.
MAGISTRADOS, Disponível em: <http://www.dietrich.adv.br/verNoticia.php?nid=882>. Acesso em 16 de março de 2013
MARCELO ONAGA, Disponível em: <http://exame.abril.com.br/blogs/primeiro-lugar/2010/07/27/parmalat-encerra-recuperacao-judicial/>. acesso em 16 de março de 2013
<http://www.granadeiro.adv.br/boletim-mar09/N17-050309>.php. Acesso em 15 de março de 2013
http://www.conjur.com.br/2006-fev-03/justica_homologa_plano_recuperacao_parmalat. Acesso em 15 de março de 2013
http://exame.abril.com.br/blogs/primeiro-lugar/2010/07/27/parmalat-encerra-recuperacao-judicial/. Acesso em 16 de março de 2013
STEFANO BERNABEI, Disponível em: http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2011/03/16/acao-d. jhtm Acesso em 15 de março de 2013
Processo: Nº: 08388-2006-034-12-00-2 Ementa: RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA - Juíza Lília Leonor Abreu - Publicado no TRTSC/DOE em 28-05-2009
VÁLIO, Marcelo Roberto Bruno. Da sucessão trabalhista na Lei nº 11.101/05. Teresina, ano 11, n. 1157, 1 set. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/8880> Acesso em 10/ de março de 2013
Servidor Público no Estado de Sergipe e graduando em Direito pela Faculdade AGES - Paripiranga-BA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Paulo César do Nascimento. A recuperação judicial e seus efeitos nas relações de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39058/a-recuperacao-judicial-e-seus-efeitos-nas-relacoes-de-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.