INTRODUÇÃO
Versa o presente estudo sobre a possibilidade de pagamento de serviços efetivamente prestados por empresas contratadas pela Administração Pública que encontram-se em situação de irregularidade no CAUC.
DESENVOLVIMENTO
O CAUC – Cadastro Único de Convênio, criado pela Instrução Normativa nº 01, de 04 de maio de 2001, sucedida pela Instrução Normativa nº 01, de 17 de outubro de 2005, da Secretaria do Tesouro Nacional, consiste num subsistema desenvolvido dentro do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), disponibilizado em rede a todas as unidades do Governo Federal e, na internet, no sítio da Secretaria do Tesouro Nacional, que tem como objetivo simplificar a verificação, pelo gestor público do órgão ou entidade concedente, do atendimento, pelos convenentes e entes federativos beneficiários de transferência voluntária de recursos da União, das exigências estabelecidas pela Constituição Federal, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e legislação aplicável.
Vejamos o que a referida IN nº 01/2005/STN prescreve a respeito da necessidade de consulta ao CAUC para a realização de transferências voluntárias por parte da Administração Pública:
Art. 2º A celebração de convênio, bem como a entrega dos valores envolvidos, fica condicionada à verificação da situação de adimplência do ente federativo beneficiário da transferência voluntária, em prazo antecedente não-superior a 48 (quarenta e oito) horas à assinatura ou liberação de cada parcela dos recursos.
Parágrafo Único. Para fins da verificação de que trata o “caput” deste artigo, o concedente poderá consultar o Cadastro Único de Convênio (Cauc), subsistema do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
No mesmo sentido é o teor da Lei nº 11.768/2008, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da Lei Orçamentária de 2009, verbis:
Art. 41. A demonstração, por parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios, do cumprimento das exigências para a realização de transferência voluntária deverá ser feita por meio de apresentação, ao órgão concedente, de documentação comprobatória da regularidade ou, a critério do beneficiário, de extrato emitido pelo subsistema Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias para Estados e Municípios - CAUC do SIAFI.
(...)
Art. 42. Nenhuma liberação de recursos nos termos desta Seção poderá ser efetuada sem a prévia observância da regularidade de que trata o caput do art. 41 desta Lei, sem prejuízo do disposto no § 3o do art. 25 da Lei Complementar no 101, de 2000.
(original sem grifos).
Por sua vez, a Lei nº 10.522/2002, que regulamenta o cadastro informativo dos créditos não quitados de Órgãos e Entidades Federais, prevê, como regra, a vedação de transferências de recursos federais em decorrência de inadimplência no CADIN e no SIAFI, e como exceção, a liberação de tais repasses:
Art. 26. Fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais e ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objeto de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - Siafi.
Já o art. 5º, caput e inc. I da IN/STN nº 1/97 estabelece que é vedada a transferência de recursos mediante convênio a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, ou para qualquer órgão ou entidade, de direito público ou privado, que esteja em mora, inadimplente com outros convênios ou não esteja em situação de regularidade para com a União ou com entidade da Administração Pública Federal Indireta.
Art. 5º É vedado:
I - celebrar convênio, efetuar transferência, ou conceder benefícios sob qualquer modalidade, destinado a órgão ou entidade da Administração Pública Federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, ou para qualquer órgão ou entidade, de direito público ou privado, que esteja em mora, inadimplente com outros convênios ou não esteja em situação de regularidade para com a União ou com entidade da Administração Pública Federal Indireta;
Seguindo essa mesma linha de entendimento, a Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de 2008, que versa sobre a transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, firmada pelos Excelentíssimos Ministros de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e do Controle e da Transparência, veda o recebimento de recursos ao convenente ou contratado em situação de irregularidade, vejamos:
Art. 24. São condições para a celebração de convênios e contratos de repasse, a serem cumpridas pelos convenentes ou contratados,conforme previsto na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na legislação federal:
(...)
IV - a inexistência de pendências pecuniárias registradas no CADIN, de acordo com o art.6°, da Lei nº 10.522, de 2002;
(...)
VI - a inexistência de pendências ou irregularidades nas prestações de contas no SIAFI e no SICONV de recursos anteriormente recebidos da União, conforme dispõe o art. 84 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e o art. 70, parágrafo único, da Constituição. (alterado pela Port. n° 342, de 05/11/2008);
(...)
Art. 43. Para recebimento de cada parcela dos recursos, o convenente ou contratado deverá:
I - manter as mesmas condições para celebração de convênios ou contratos de repasse exigidas nos arts. 24 e 25;
Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), ao definir o conceito de transferência voluntária, impõe como condição para a liberação de recursos o dever do beneficiário em comprovar a regularidade quanto a tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao concedente, verbis:
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
§ 1o São exigências para a realização de transferência voluntária, além das estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias:
I - existência de dotação específica;
II - (VETADO)
III - observância do disposto no inciso X do art. 167 da Constituição;
IV - comprovação, por parte do beneficiário, de que se acha em dia quanto ao pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, bem como quanto à prestação de contas de recursos anteriormente dele recebidos;
(...)
Em síntese, a regra geral estabelecida nos mencionados dispositivos é no sentido de que é vedada a transferência voluntária de recursos públicos à beneficiários que se encontram em situação de inadimplência para com a Administração Pública, com vistas a resguardar o Erário Público e a correta execução dos acordos firmados.
Não obstante, o legislador ordinário deu nova roupagem ao instituto da transferência voluntária ao editar a Lei nº 11.945, de 04 de junho de 2009. De acordo com o novo instrumento legal, permanece a vedação de transferência voluntária a entes da Administração que encontram-se em situação de inadimplência, nos exatos termos preconizados na Lei de Responsabilidade Fiscal.
No entanto, o art. 10 da nova Lei dispõe sobre o momento em que se é realizado o ato da transferência voluntária, normatização que não encontra correspondência na Lei de Responsabilidade Fiscal, que nada diz a respeito. Confira-se, atentamente, o que estabelece o dispositivo:
Art. 10. O ato de entrega de recursos correntes e de capital a outro ente da Federação, a título de transferência voluntária, nos termos do art. 25 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, é caracterizado no momento da assinatura do respectivo convênio ou contrato de repasse, bem como na assinatura dos correspondentes aditamentos, e não se confunde com as liberações financeiras de recurso, que devem obedecer ao cronograma de desembolso previsto no convênio ou contrato de repasse.
Art. 11. As liberações financeiras das transferências voluntárias decorrentes do disposto no art. 10 desta Lei não se submetem a quaisquer outras exigências previstas na legislação, exceto aquelas intrínsecas ao cumprimento do objeto do contrato ou convênio e respectiva prestação de contas e aquelas previstas na alínea a do inciso VI do art. 73 da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Note-se que o caput do artigo 25, da LRF é categórico ao dispor que transferência voluntária é a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da federação, sem, contudo, estabelecer expressamente em que momento se dá a referida entrega de recursos.
Desse modo, a nova lei em nada altera a vedação de transferência voluntária a entes inadimplentes com a Administração Pública, tal como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. O que ocorre é apenas a definição do conceito temporal de transferência voluntária, que não mais ocorre no momento da liberação financeira de recursos, mas apenas no ato da assinatura do convênio ou contrato de repasse, bem como na assinatura dos aditivos correspondentes.
Portanto, ao contrário do que possa parecer, a nova Lei 11.945/2009 não revogou o artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas apenas acrescentou ao seu comando a definição da ocasião em que ocorre a transferência voluntária. Registre-se, em tempo, que, em momento algum, a Lei de Responsabilidade fiscal veda liberação de parcelas referentes a convênios para entes da federação que estejam em situação de irregularidade, mas sim veda a transferência voluntária a tais órgãos e entidades, sem estabelecer expressamente o momento em que isso ocorre.
Desse modo, não há que falar em revogação do art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que a Lei nº 11.945/2009 apenas especificou conceito definido no referido dispositivo, o que, nos termos do § 2º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, mais conhecido como Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro, não é causa de revogação de lei anterior, que continua com sua aplicabilidade plena.
Interpretar de modo contrário conduziria ao grave erro de que uma lei ordinária poderia, em tese, revogar disposição prevista em lei complementar o que, como se sabe, em regra, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, a Constituição Federal estabelece os temas cujo regramento deve ocorrer, obrigatoriamente, por meio de lei complementar. Assim, no seu campo específico de atuação, delineado pelo constituinte, as matérias regulamentadas por lei complementar, em regra, somente podem ser revogadas por instrumento que obedeça ao mesmo procedimento legislativo, em obediência ao princípio da similaridade das formas, até porque seu quorum de aprovação se dá por maioria absoluta, ao passo que a lei ordinária é aprovada por maioria simples ou relativa.
Assim, não é demais repetir que, no que tange ao artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a transferência voluntária a entes inadimplentes com a administração, não houve revogação, devendo referido dispositivo coexistir e ser aplicado conjuntamente com a Lei nº 11.945/2009, que em nada contraria a normatização anterior.
Significa dizer, portanto, que a disposição prevista na Lei nº 11.945/2009 tem aplicabilidade plena e imediata, devendo ser cumprida em todos os seus termos, valendo, no caso, a presunção de que o legislador agiu em plena consonância com a Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Feita essa abordagem a respeito das regras vigentes, conclui-se que com o advento da Lei nº 11.945/2009, passou-se a definir o momento da ocorrência da transferência voluntária que, passou a ser caracterizada no momento da assinatura do respectivo convênio ou contrato de repasse, bem como na assinatura dos correspondentes aditamentos, e não no ato das liberações financeiras.
Procurador-Chefe Nacional do DNIT. Pós-graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Tiago Coutinho de. Possibilidade de repasse de valores a Entes Federativos cadastrados em Órgãos de Inadimplência e definição temporal do ato de transferência voluntária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39090/possibilidade-de-repasse-de-valores-a-entes-federativos-cadastrados-em-orgaos-de-inadimplencia-e-definicao-temporal-do-ato-de-transferencia-voluntaria. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.