Resumo: A presente obra tem como objetivo principal a análise da responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública Indireta. Para tanto, abordaremos as diferentes correntes doutrinárias acerca da possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, bem como o entendimento jurisprudencial sobre o tema. Explicaremos, ainda, os requisitos para a referida responsabilização penal e o entendimento majoritário difundido na doutrina e nos Tribunais a respeito do Sistema da Dupla Imputação ou de Imputações Paralelas, em que se defende a responsabilização penal da pessoa jurídica em conjunto com a pessoa física. Apresentaremos os entendimentos doutrinários sobre a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica de direito público componentes da administração pública direta, que, desde já, entendemos não ser possível; nada obstante, será possível a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público integrantes da administração pública indireta, ainda que sejam prestadoras de serviço público, por serem submetidas a regime eminentemente público. Será também abordado no presente trabalho, não obstante apresentarmos entendimentos doutrinários em sentido contrário, que há possibilidade da pessoa jurídica responder por crime ambiental na forma culposa, portanto, mitigando-se a comentada Teoria da Dupla Imputação ou de Imputações Paralelas, teoria esta amplamente difundida no Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais e na doutrina, concluindo-se, por conseguinte, que, a mera indicação na denúncia e a consequente responsabilização penal da pessoa física vinculada à pessoa jurídica é inconstitucional por ensejar uma verdadeira responsabilidade penal objetiva. Com isso, defenderemos que a pessoa física só deverá responder juntamente com o ente moral quando atuar com dolo direto ou eventual, caso em que será obrigatória a denúncia contra ambos, aplicando-se, neste caso, a Teoria da Dupla Imputação; por outro lado, a pessoa jurídica é plenamente passível de responder por crime ambiental na forma culposa, repita-se, independentemente da pessoa física. Por fim, avançaremos sobre as penas aplicáveis às pessoas jurídicas e as formas de exclusão da responsabilidade penal da pessoa jurídica quando a pessoa física atuar com finalidade de prejudicar a empresa, sem representar interesses ou benefícios ao ente moral.
Palavras-chave: Direito Ambiental; responsabilidade penal ambiental; pessoa jurídica de direito público; pessoa jurídica; Administração Pública Indireta.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NO BRASIL; 3 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA; 4 AS PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS JURÍDICAS; 5 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a preocupação do homem com a proteção do meio ambiente não é recente, de modo que as primeiras normas que esboçaram tutelar o meio ambiente que se tem registro nos remete a 1605, quando surgiu a primeira lei de cunho ambiental no nosso país: o Regimento do Pau-Brasil, voltado à proteção das florestas. Este dado, além da ordem cronológica que veremos em seguida foi fornecido pelo STJ[1] através do seu sítio oficial.
Nada obstante a remota data em que surgida a primeira lei nacional que tratou, de alguma forma, tutelar o meio ambiente natural, a evolução sobre o tema foi visto no século XX, quando surgiram a maioria das leis no país.
Em 1797 a Carta Régia afirma a necessidade de proteção dos rios, nascentes e encostas, que passam a ser propriedades da Coroa. Em 1799 foi criado o Regimento de Cortes de Madeiras, cujo teor estabelece rigorosas regras para a derrubada de árvores.
Em 1850, promulgou-se a Lei n° 601/1850, primeira Lei de Terras do Brasil. Ela disciplinava a ocupação do solo e estabelece sanções para atividades predatórias.
Em 1911 foi expedido o Decreto nº 8.843, que cria a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo Território do Acre. Em 1916 surge o Código Civil Brasileiro, que elenca várias disposições de natureza ecológica. A maioria delas, no entanto, reflete uma visão patrimonial, de cunho individualista. Em 1934 foram sancionados o Código Florestal, que impõe limites ao exercício do direito de propriedade, e o Código de Águas. Eles contêm o embrião do que viria a constituir, décadas depois, a atual legislação ambiental brasileira. Em 1964 foi promulgada a Lei 4.504, que trata do Estatuto da Terra. A lei surge como resposta a reivindicações de movimentos sociais, que exigiam mudanças estruturais na propriedade e no uso da terra no Brasil.
Em 1965 passou a vigorar uma nova versão do Código Florestal, ampliando políticas de proteção e conservação da flora. Inovador, estabelece a proteção das áreas de preservação permanente. Em 1967 foram editados os Códigos de Caça, de Pesca e de Mineração, bem como a Lei de Proteção à Fauna. Uma nova Constituição atribui à União competência para legislar sobre jazidas, florestas, caça, pesca e águas, cabendo aos Estados tratar de matéria florestal.
Em 1975 deu-se início ao controle da poluição provocada por atividades industriais. Por meio do Decreto-Lei 1.413, empresas poluidoras ficam obrigadas a prevenir e corrigir os prejuízos da contaminação do meio ambiente. Em 1977 foi promulgada a Lei 6.453, que estabelece a responsabilidade civil em casos de danos provenientes de atividades nucleares.
Em 1981 foi editada a Lei 6.938, que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente. A lei inova ao apresentar o meio ambiente como objeto específico de proteção. Em 1985 foi editada a Lei 7.347, que disciplina a ação civil pública como instrumento processual específico para a defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Em 1988 foi promulgada a Constituição de 1988, a primeira a dedicar capítulo específico ao meio ambiente. Avançada, impõe ao Poder Público e à coletividade, em seu art. 225, o dever de defender e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
Em 1991 o Brasil passa a dispor da Lei de Política Agrícola (Lei 8.171). Com um capítulo especialmente dedicado à proteção ambiental, o texto obriga o proprietário rural a recompor sua propriedade com reserva florestal obrigatória. Em 1998 foi publicada a Lei 9.605, que dispõe sobre crimes ambientais. A lei prevê sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Em 2000 surgiu a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/00), que prevê mecanismos para a defesa dos ecossistemas naturais e de preservação dos recursos naturais neles contidos. Por fim, em 2001 foi sancionado o Estatuto das Cidades (Lei 10.257), que dota o ente municipal de mecanismos visando permitir que seu desenvolvimento não ocorra em detrimento do meio ambiente.
Note-se que apenas com a promulgação da CF/88 o meio ambiente ganhou uma proteção devida e mais ampla, de modo que foi reservado capítulo específico no texto constitucional sobre o tema. A Carta Magna tratou de definir expressamente que o meio ambiente é bem comum de todos, ou seja, é um bem da coletividade, bem difuso, que não tem uma titularidade definida. Por isso que a proteção deve se dar de forma mais ampla possível, cabendo tanto ao Poder Público, quanto aos particulares manterem o seu equilíbrio, preservando-o às presentes e futuras gerações.
Outro aspecto a merecer destaque e que é objeto do presente trabalho remete a amplitude da responsabilização daquele que causar danos ao meio ambiente, pois prevê o § 3º, do art. 225 do texto constitucional que a sua proteção se dará em âmbito civil, administrativo e criminal, podendo haver a responsabilização cumulativa nas três esferas sem que reste configurado o bis in idem, já que estas são consideradas independentes e autônomas, cada uma tutelando o seu objeto específico. Posteriormente, a parte penal do dispositivo foi regulamentada pela Lei 9.605/98, o que rendeu acirrados debates e muita controvérsia na doutrina e jurisprudência até os dias atuais quanto a responsabilização penal do ente moral, especialmente pelo fato de o legislador ter omitido quanto a natureza jurídica da pessoa jurídica que poderia ser condenada criminalmente, se de direito privado ou de direito público.
2 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS NO BRASIL
2.1 As divergências doutrinárias pátrias
Existem no Direito brasileiro três correntes doutrinárias que se manifestaram acerca da possibilidade ou não da responsabilização penal da pessoa jurídica.
Uma primeira corrente, liderada por Luiz Régis Prado, Miguel Reale Júnior e Cesar Roberto Bitencourt sustentam que a CF/88, em verdade, não prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois através de uma interpretação do §3º do art. 225 do texto constitucional, conclui-se que as expressões “condutas e sanções penais” se referem às pessoas físicas e “atividades e sanções administrativas” se referem às pessoas jurídicas, conforme a ordem textual do dispositivo. Assim, referido dispositivo denotaria que as pessoas físicas praticam condutas e sofrem sanções penais; por outro lado, as pessoas jurídicas exercem atividades e sofrem sanções administrativas; sendo que ambas estão sujeitas à responsabilidade civil. Outro argumento dessa corrente reside em que o art. 5º, XLV da CF/88 proíbe que a responsabilidade penal ultrapasse a pessoa do infrator (Princípio da Pessoalidade da Pena ou da Intranscendência da Pena ou da Incomunicabilidade da Pena), ou seja, que a responsabilidade penal da pessoa física não pode ser transferida para a pessoa jurídica. Sob a ótica dessa doutrina entende-se que o art. 3º da Lei 9.605/98 é inconstitucional por ofender o art. 225, §3º e art. 5º, XLV da Carta Magna. Para Cezar Roberto Bitencourt[2]:
“Os dois principais fundamentos para não se conhecer a capacidade penal desses entes abstratos são: a falta de capacidade “natural” de ação e a carência de capacidade de culpabilidade.
(...)
Dessa previsão pode-se tirar as seguintes conclusões: 1ª) a responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confundem com a responsabilidade da pessoa jurídica; 2ª) a Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza”.
Uma segunda corrente doutrinária entende também que a pessoa jurídica não comete crime (“societas delinquere non potest”), não pode ser sujeito ativo de crime, tendo como pressuposto a Teoria da Ficção Jurídica de Savigny e Feuerbach. Para essa doutrina, as pessoas jurídicas não são entes reais, mas sim puras ficções jurídicas, meras abstrações legais, ou seja, são entes irreais, fictícios, desprovidos de vontades próprias, de consciência e finalidade. Assim, partindo desse pressuposto, defendem que a pessoa jurídica não tem capacidade de conduta penal, não atuando com dolo ou culpa. Por isso é que, em tese, punir a pessoa jurídica significaria a responsabilidade penal objetiva. Outro argumento lançado por essa corrente é que o ente moral não tem culpabilidade, tendo é vista que é desprovido de seus elementos, como: imputabilidade (capacidade mental de entender), potencial consciência da ilicitude (de saber se a conduta é proibida) e, por fim, não poder exigir da pessoa jurídica conduta diversa (já que ela não pratica conduta penal). Portanto, como a pessoa jurídica não tem culpabilidade, não terá capacidade de pena, pois a culpabilidade é pressuposto desta. Tal corrente é defendida, entre outros, por Zaffaroni, Mirabette, Rogério Greco e Luis Flávio Gomes.
Por fim, uma terceira doutrina entende que pessoa jurídica pode cometer crime (“societas delinquere potest”), podendo ser sujeito ativo de crime ambiental, tendo como base a Teoria da Realidade Jurídica ou da Personalidade Real. Para essa corrente, a pessoa jurídica são entes reais, não são meras ficções jurídicas ou meras abstrações legais, tendo capacidade e vontade próprias e independentes da pessoa física que as compõem, tratando-se, portanto, de pessoas com “realidades independentes”. Neste sentido, as pessoas jurídicas têm capacidade de conduta, têm vontade não no sentido humano, mas no sentido pragmático-sociológico (pratica ação delituosa institucional), conforme entende Schecaira[3]. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a pessoa jurídica tem capacidade de culpabilidade e culpabilidade como responsabilidade social[4], a empresa é um centro autônomo de emanação de decisões, embora não tenha a culpabilidade individual clássica do finalismo. Portanto, a pessoa jurídica tem capacidade de pena, de sofrer pena de multa, restritivas de direitos, de prestação de serviços à comunidade e de sofrer liquidação forçada. Por fim, entendem que o art. 225, §3º da CF/88 e o art. 3º da Lei 9.605/98, inegavelmente preveem expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não havendo como deixar de responsabilizá-la criminalmente. São adeptos dessa corrente, por exemplo, Fernando Capez, Nucci, Schecaira, Edis Millaré e Herman Benjamin. Com maestria, a doutrina de Edis Millaré[5] nos ensina que:
“Seguindo tendência do Direito Penal moderno de superar o caráter meramente individual da responsabilidade penal até então vigente, e cumprindo promessa do art. 225, § 3º da CF, o legislador brasileiro erigiu a pessoa jurídica à condição de sujeito ativo da relação processual penal, dispondo, no art. 3º da Lei 9.605/98, que ‘as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade’.
O intento do legislador, como se vê, foi punir o criminoso certo e não apenas o mais humilde – ou o ‘pé de chinelo’ do jargão popular. Sim, porque, via de regra, o verdadeiro delinqüente ecológico não é a pessoa física – o quitandeiro da esquina, p.ex. -, mas a pessoa jurídica que quase sempre busca o lucro como finalidade precípua, e para a qual pouco interessam os prejuízos a curto e longo prazos causados à coletividade, assim como a quem pouco importa se a saúde da população venha a sofrer com a poluição. É o que ocorre geralmente com os grandes grupos econômicos, os imponentes conglomerados industriais, e por vezes – por que não dizer? – com o próprio Estado, tido este como um dos maiores poluidores por decorrência de serviços e obras públicas sem controle.
(...)
O que importa frisar é que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no nosso ordenamento jurídico, a qual, paulatinamente, vem sendo reconhecida por nossos Tribunais”.
Seja qual for a teoria que melhor se amolda à legislação pátria vigente, certo é que a diferença prática entre os modelos de responsabilização do ente coletivo, direta ou indiretamente, pode ser resumida a basicamente dois aspectos: de um lado, a dificuldade em se adaptar os elementos formadores da teoria tradicional do delito às peculiaridades da pessoa jurídica, com a criação de novos conceitos que atendam à exigência de responsabilização do ente coletivo; e, de outro, sobrelevando a visão clássica de vinculação da conduta humana à prática do delito, exige sempre que se aponte a pessoa física que executa a conduta ilícita para verificação do liame entre o agente do fato e a pessoa jurídica.
A análise do tratamento dado ao tema na Lei nº 9.605/98 auxiliará na determinação da estrutura de responsabilização que melhor se encaixa ao perfil normativo brasileiro.
2.2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica na lei de crimes ambientais
Da análise detida da lei de crimes ambientais, que regulamenta o art. 225, §3º da CF/88, é possível verificar que ambos os textos normativos expressam a possibilidade de prática de crime ambiental pela pessoa jurídica, o que parece ser um fato incontroverso. Entendimento este que se coaduna e que é considerado pacífico e superado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[6] no sentido de reconhecer a possibilidade da imputação de delitos ambientais à pessoa jurídica:
“Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal”
Note-se, no entanto, que apesar da estrutura dos tipos previstos na lei 9.605/98 seguirem a forma tradicional de tipificação encontrada nas demais leis penais, com a previsão de uma conduta proibida com a cominação, em seguida, de pena privativa de liberdade, isso, por si só, não nos permite afirmar que a escolha do legislador afasta a possibilidade de se considerar a responsabilidade direta da pessoa jurídica, ante a consideração de que o ato praticado pela pessoa física em nome do ente coletivo se traduz na realidade em um ato próprio do ente moral. Tampouco que a previsão de penas privativas de liberdade teria o condão de afastar a responsabilização da pessoa jurídica, tendo em vista que a própria lei prevê as penas específicas que lhes são aplicáveis.
No que se refere às penas da pessoa jurídica, tratou a legislação referida de elencar nos artigos 21 a 23 aquelas aplicáveis ao ente moral, quais sejam: multa, restritiva de direitos e a prestação de serviços à comunidade, penas estas estritamente compatíveis com a possibilidade sancionatória da pessoa jurídica. Há ainda a previsão de uma pena específica no art. 24 de liquidação forçada, caso a pessoa jurídica seja constituída ou utilizada, preponderantemente, para permitir, facilitar ou ocultar prática de crimes ambientais, medida que se entende salutar, diante da própria realidade que observamos cotidianamente, em que são criadas empresas com o mero intuito de praticar delitos, causando significativos e irreversíveis danos à sociedade e ao meio ambiente, em específico.
A referência à responsabilidade penal da pessoa jurídica encontra-se no art. 3º da Lei 9.605/98:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”
Observa-se que a lei ambiental estabelece apenas dois requisitos para a responsabilização penal das pessoas jurídicas: 1) que o cometimento do crime realize uma vontade que possa ser atribuível ao ente coletivo; 2) que ocorra no interesse ou benefício da pessoa jurídica.
O importante no momento é ressaltar que todos esses elementos, numa interpretação lógica do dispositivo legal supra mencionado, possibilita que a pessoa jurídica seja condenada isoladamente, independentemente de que a pessoa física que lhe representa, também o seja.
Analisando o dispositivo legal, vê-se que a intenção do legislador foi considerar que a pessoa jurídica pudesse cometer o ilícito penal somente se a conduta delituosa estivesse dentro de um contexto fático praticado durante o exercício de suas atividades (no interesse ou benefício de sua entidade) e que seja cometida por um comando, peculiar dentro das empresas (por decisão de seu representante legal ou contratual), sem que isso signifique que a decisão do seu representante esteja eivada de dolo ou má-fé, que possa conduzir a prática de um crime ambiental.
Por isso, defendemos no presente trabalho, numa interpretação teleológica do art. 3º e seu parágrafo único da Lei 9.605/98, que o legislador permitiu a prática de um crime ambiental pela pessoa jurídica de forma isolada, dissociada da pessoa física, ou seja, admitindo-se, por via transversa, a prática de delito na modalidade culposa pelo ente moral, mitigando a já comentada Teoria da Dupla Imputação tão difundida no ordenamento jurídico pátrio hodiernamente.
Por outro lado, exige-se a aplicação do comentado sistema da dupla imputação quando a intenção da pessoa física estiver eivada do dolo (ainda que se trate de dolo eventual) para a prática de um crime ambiental, de modo que serão denunciados conjuntamente, na mesma ação penal, pessoa física e jurídica.
A própria dicção do parágrafo único do art. 3º nos deixa transparecer o evidente entendimento de que a pessoa jurídica pode praticar e responder isoladamente por um crime ambiental:
“Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”. (grifos nossos)
Ora, o dispositivo supra deixa transparecer que as pessoas jurídicas poderão responder de forma individualizada por crime ambiental, porém, sem prejuízo que sejam também responsabilizadas as pessoas físicas quando estas agirem com dolo direto ou eventual de praticar os delitos, de sorte que, neste caso, haverá aplicação do sistema de imputações paralelas, respondendo ambas pelo crime praticado, repita-se.
Tais ponderações nos permitem afirmar a forte tendência em se considerar como modelo dogmático de responsabilização penal direta da pessoa jurídica, com a notável mitigação do princípio da dupla imputação tão difundido na jurisprudência pátria, porém, que já vem dando sinais de enfraquecimento, conforme recente julgado relatado pelo Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal, na decisão do RE 628582 AgR / RS, julgado em setembro de 2011, no sentido do que se defende no presente trabalho:
“(…) Ainda que assim não fosse, no que concerne à norma do § 3º do art. 225 da Carta da República, não vislumbro, na espécie, qualquer violação ao dispositivo em comento, pois a responsabilização penal da pessoa jurídica independe da responsabilização da pessoa natural”. (grifos não constam do original).
2.3 A jurisprudência pátria sobre o tema
Apesar da vigência da Lei 9.605 datar do ano de 1998, a jurisprudência sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda se mostra tímida e de certa forma controversa quanto a sua aceitação, mas que, por outro lado, sua discussão vem ganhando bastante relevância na doutrina e jurisprudência, haja vista que os temas referentes ao meio ambiente estão atualmente em pauta na mídia, no meio político, amadurecendo e ganhando força também no mundo jurídico.
Por muito tempo, mesmo após a vigência da Lei nº 9.605/98, manteve-se preponderantemente o princípio “societas deliquere non potest” nas decisões judiciais para justificar a impossibilidade de responsabilização do ente moral. Aos poucos, a questão começou a ser apreciada e difundida pelos Tribunais, abrindo espaço à discussão da responsabilização penal da pessoa jurídica.
Nos Tribunais, o marco relevante de abandono à vedação da responsabilidade penal coletiva na nossa jurisprudência ocorreu no julgamento do Recurso Especial nº 564960/SC[7], relatado pelo Ministro Gilson Dipp, no qual se afirmou a superação das barreiras dogmáticas impostas pela teoria clássica do delito, em favor da realização do preceito constitucional insculpido no art. 225, § 3º, conforme se extrai abaixo de um trecho do julgado:
“É incabível, de fato, a aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa jurídica, o que não pode ser considerado um obstáculo à sua responsabilização, pois o direito é uma ciência dinâmica, cujos conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo e não naturalístico”
Firmou-se nesse mesmo precedente a idéia de responsabilização indireta do ente coletivo, ao se defender a tese da dupla imputação obrigatória da pessoa jurídica e pessoa física, como a seguir demonstrado:
“É certo que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa) [...] Disso decorre que a pessoa jurídica, repita-se, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral, conforme o art. 3º da Lei 9.605/98”[8]
O precedente acima citado serviu de base à estabilização da jurisprudência sobre o tema na esfera do STJ, dando suporte à responsabilização indireta da pessoa jurídica por crimes ambientais praticados pelos seus integrantes, tendo como consequência a necessidade de se apontar o elemento humano que executa a conduta típica, consubstanciando o que a doutrina resolveu chamar de Sistema da Dupla Imputação ou Sistema de Imputações Paralelas, que, em verdade, se tornou uma verdadeira condição para se chegar a condenação de uma pessoa jurídica, pois, frise-se que o próprio STJ[9] considera inepta a ação penal ajuizada contra o ente moral que não tenha em conjunto no pólo passivo a pessoa física:
“3. Excluindo-se da denúncia a pessoa física, torna-se inviável o prosseguimento da ação penal, tão somente, contra a pessoa jurídica. Não é possível que haja a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.
4. Recurso ao qual se dá provimento para reconhecer a inépcia da denúncia”.
Muitos dos defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica entendem que a vedação à imputação exclusiva do feito ao ente coletivo representa um verdadeiro retrocesso na proteção ambiental, podendo tornar inviável a punição do ente moral, fazendo letra morta os dispositivos constitucionais e legais que determinam a responsabilização penal da pessoa jurídica.
Então, a teoria da responsabilidade indireta da pessoa jurídica não nos parece ser a posição mais adequada. Não podemos acolher a tese de que a pessoa jurídica só pode ser denunciada e condenada sob a condição de também ser a pessoa física que lhe representa. Isto representa uma estagnação ou mesmo um retrocesso no entendimento da matéria, além de estar-se negando vigência aos dispositivos constitucionais e legais a respeito da matéria.
Ao nosso ver, a simples imputação de conduta penal ambiental à pessoa física pelo simples fato de fazer parte ou representar a pessoa jurídica que cometera um fato delituoso, configuraria a perniciosa responsabilidade penal objetiva, o que é inaceitável em nosso ordenamento jurídico. Assim, pelo entendimento da doutrina tradicional, caso não seja viável a imputação da conduta à pessoa física, seja pelo motivo que for, obstaria a responsabilização penal do ente moral, ficando o meio ambiente sem a devida tutela criminal e os verdadeiros responsáveis isentos de condenação.
Ademais, conforme entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência brasileira, que ainda caminham no sentido da primeira interpretação da norma dada pelo STJ e que serviu para fundamentar e inspirar todos os demais julgados seguintes realizados nos Tribunais de todo o país, concretizou-se a aplicação do sistema da dupla imputação ou de imputações paralelas.
Teoria esta que entendemos parcialmente ultrapassada, tendo em vista que só deve ser aplicada quando o indivíduo atuar com dolo direto ou eventual de praticar o crime ambiental. Desta forma, haveria a possibilidade de responsabilização direta da pessoa jurídica, mostrando-se um entendimento mais moderno e condizente com o nosso ordenamento jurídico atual, adequado à interpretação que dá a devida força normativa à CF/88.
No entanto, o quadro do entendimento clássico pode estar mudando nos Tribunais Superiores, pois, no sentido do que se defende no presente trabalho, foi proferida decisão pelo STF no já citado AgR no RE nº 628.582/RS[10], demonstrando um significativo avanço a respeito do tema, no sentido de que a pessoa jurídica poderia responder por crime ambiental, independentemente de a conduta também ser imputada à pessoa física, em nítida mitigação ao princípio da dupla imputação em análise, vejamos:
“(…) Ainda que assim não fosse, no que concerne à norma do § 3º do art. 225 da Carta da República, não vislumbro, na espécie, qualquer violação ao dispositivo em comento, pois a responsabilização penal da pessoa jurídica independe da responsabilização da pessoa natural.
Aliás, da doutrina específica, a respeito do tema, colhe-se o entendimento de que “no preceito em análise, há uma espécie de autonomia punitiva entre os cometimentos ilícitos praticados pelo homem, enquanto cidadão comum, e os delitos exercidos por empresas. Ambos não se imiscuem, pois estão sujeitos a regime jurídicos diversos” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva: 2005, p. 1272).
Conforme anotado por Roberto Delmanto et al, ao colacionarem posicionamento de outros doutrinadores “segundo o parágrafo único do art. 3º da Lei 9.605/98, ‘a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das pessoas naturais’, podendo assim a denúncia ser dirigida ‘apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito’ (Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 384).
Da mesma obra suso mencionada, Roberto Delmanto et al entendem “ser inquestionável que a CR, em seu art. 225, §3º, tenha efetivamente previsto a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas (...). Com efeito, o legislador constituinte referiu-se aos ‘infratores’ como sendo as ‘pessoas físicas ou jurídicas’, colocando, ainda, a referida expressão entre vírgulas; logo em seguida, dispôs ainda que essas pessoas estarão sujeitas a sanções penais e administrativas; tais fatos, por si só, ao nosso ver, demonstram que o legislador constituinte efetivamente admitiu a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas para os delitos ambientais (cit.; p. 385)” (destaque não consta do original)
A decisão recebeu as críticas de Silvio Maciel[11], que se mostra adepto à aplicação do sistema da dupla imputação:
“A nosso ver, absolutamente equivocada a decisão do STF.
É que o art. 3º, caput da Lei 9605/98, seguindo o modelo francês, adotou a denominada responsabilidade por ricochete (por via reflexa), pela qual é impossível punir o ente moral sem a comprovação de que a pessoa física (ou pessoas físicas) responsável pela pessoa jurídica praticou o crime ou decidiu pela sua prática.
(...)
Mas conforme já dito, o STF, na decisão acima referida, entendeu possível punir a pessoa jurídica isoladamente, mesmo com a absolvição do gerente administrativo financeiro da empresa pela comprovação de que ele não foi coautor ou partícipe do delito”.
Para nós, a comentada decisão do STF, ainda que de forma acanhada, configura um significativo avanço no entendimento da matéria, pois toma como premissa a desvinculação da imputação penal ambiental da pessoa jurídica somente se em conjunto com a imputação da pessoa física que a representa. Em verdade, o sistema de imputações paralelas só terá sentido quando ficar comprovado que a pessoa física atuou com dolo direto ou eventual de praticar o crime ambiental, caso contrário o sistema da dupla imputação deverá ser mitigado, de sorte que a pessoa jurídica possa ser condenada de forma isolada pela infração penal ambiental causada.
Assim, desde logo, afirma-se que entendemos e adotamos o posicionamento de ser plenamente possível a prática de crime ambiental, ainda que na modalidade culposa, pela pessoa jurídica de forma isolada, sem qualquer tipo de vinculação ou condicionamento à imputação e responsabilização da pessoa física.
3 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA
Desde já, faz-se mister deixar claro que a presente obra não se filia à corrente doutrinária que defende ser possível a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público que integrem a administração pública direta – composta pelo ente políticos – por motivos plausíveis e significantes, apesar de haver na doutrina brasileira posicionamentos divergentes a respeito.
Diversos são os motivos que se amoldam a entender desta forma. A um, que é inconcebível cogitar qual seria o órgão competente para denunciar a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal pela prática de um delito, por exemplo. Pelas particularidades dos bens difusos que compõem o meio ambiente e, em razão disso, as ações penais serem públicas incondicionadas aos que cometem crimes tipificados na lei 9.605/98, não caberia ao Ministério Público, que atua representando o próprio Estado, promover a competente demanda para buscar a condenação criminal de um ente público federativo. Seria inconcebível que o Estado se auto-denunciasse. No que tange à responsabilização penal desses entes, não há que se cogitar, inclusive, na existência de hierarquia entre eles, tanto para fins de denúncia ou mesmo para fins de processo e julgamento pela prática de qualquer tipo de crime, sob pena de violação do pacto federativo previsto no texto constitucional. Por exemplo, não poderia o Ministério Público da União denunciar um Estado-Membro ou um Município, já que não há hierarquia entre eles, tampouco há previsão desta competência. A dois, porque os entes públicos têm competência constitucional para legislar e, principalmente, porque apenas perseguem fins lícitos e legais, portanto, caso haja o descumprimento de uma norma penal ambiental, necessariamente haverá de recair a conduta na pessoa física que a representa, pois, apesar de esta também ter o dever de obedecer ao princípio da legalidade, por outro lado, como ser humano, tem a capacidade de desviar suas condutas e burlar as leis, o que não demonstra ser compatível com os entes públicos federativos, que, apenas e tão somente, estão adstritos ao quanto disposto na legislação vigente. A três, porque a condenação do ente público pela prática de crime ambiental, conforme as penas previstas e que lhe são peculiares, não surtiriam qualquer efeito prático, sobretudo a pena pecuniária de multa, que, em verdade, seria suportada por todos os cidadãos.
A divergência jurídica surgiu na doutrina e jurisprudência partindo-se da omissão no texto constitucional e na lei de crimes ambientais, que não se referiram a que tipo de “pessoa jurídica” seria possível a responsabilização penal. Numa interpretação lógico-sistemática das normas aludidas, entende-se que não seria possível a responsabilização penal dos entes políticos, mas apenas daquelas que compõem a administração pública indireta, sejam elas submetidas ao regime jurídico de direito público ou de direito privado, ainda que prestadoras de serviços públicos (de regime jurídico eminentemente público), conforme os fundamentos já esposados anteriormente.
No entanto, necessário que se destaque as duas correntes doutrinárias pátrias a respeito da responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, dando destaque aos seus fundamentos.
Uma primeira corrente, lideradas por Nucci, Paulo Afonso Leme Machado e Walter Cláudio Rothenburg, entendem que a pessoa jurídica de direito público podem ser responsabilizadas penalmente por crimes ambientais, sob os argumentos de que as pessoas jurídicas têm autonomia e personalidade distintas das pessoas físicas que as compõem, tal como ocorre com as pessoas jurídicas de direito privado. Outro argumento reside em que a CF/88 e a Lei 9.605/98 não fizeram nenhuma distinção entre a pessoa jurídica de direito público da pessoa jurídica de direito privado, não cabendo ao intérprete fazê-lo. Nas lições de Paulo Afonso Leme Machado[12]:
“Poderão ser incriminadas penalmente tanto a pessoa jurídica de Direito Privado como a de Direito Público. No campo das pessoas jurídicas de Direito Privado estão, também, as associações, fundações e sindicatos.
A Administração Pública direta como a Administração indireta podem ser responsabilizadas penalmente. A lei brasileira não colocou nenhuma exceção. Assim, a União, os Estados e os Municípios, como as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as agências e as fundações de Direito Público, poderão ser incriminados penalmente”.
Em contrapartida, uma segunda corrente liderada por Edir Millaré e Gilberto Passos de Freitas, mais convincente, a qual adotamos no presente trabalho, entende não ser possível a responsabilização penal de determinadas pessoas jurídicas de direito público, pois, como o Estado é o titular do direito de punir, não poderá punir a si mesmo. Outro fundamento é que os entes públicos só podem perseguir fins lícitos que alcancem o interesse público, logo, se algum desvio houver, tal conduta deverá ser imputada a pessoa física que a representa. E por fim, argumentam que as penas que lhe forem impostas serão de todo inúteis, já que a pena de multa seria suportada pelos próprios cidadãos, pois pagos com dinheiro público, assim como que as penas restritivas de direitos também seriam inviáveis, tendo em vista que já é da própria finalidade de tais entes federativos perseguir o interesse público, prestar serviços sociais, entre outros deveres que, da mesma forma, não poderiam ser limitados. Válido citar novamente a lição de Édis Milaré[13] a respeito, em concordância com a doutrina especializada:
“Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas também sustentam que somente as pessoas jurídicas de direito privado podem ser criminalmente responsabilizadas. Isso porque, aduzem os eméritos juristas, ‘a pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações públicas) não podem cometer ilícito penal no seu interesse ou benefício. Elas, ao contrário das pessoas de natureza privada, só podem perseguir fins que alcancem o interesse público. Quando isso não acontece é porque o administrador público agiu com desvio de poder. Em tal hipótese só a pessoa natural pode ser responsabilizada penalmente. A norma legal não foi expressa a respeito. Além disso, eventual punição não teria sentido. Imagine-se um município condenado à pena de multa: ela acabaria recaindo sobre os munícipes que recolhem tributos à pessoa jurídica. Idem restrição de direitos – por exemplo, a pena restritiva de prestação de serviços à comunidade (art. 9º) seria inviável, já que cabe ao Poder Público prestar tais serviços. Seria redundância”.
Assim, não há como punir um ente público federativo, de onde emanam as leis, sob pena de se considerar possível o descumprimento da norma que foi por si próprio elaborada/criada. Note-se, que, apesar de as Autarquias e as Fundações Públicas terem regime jurídico público, estas não têm competência para dizer o Direito, não criam leis, portanto, também estarão submetidas, assim como todas as demais pessoas jurídicas que integram a administração pública indireta, à observância do império legal, sobretudo a lei de crimes ambientais, que, caso violada, serão considerados sujeito ativo do delito.
Talvez tenha sido essa a razão da omissão do legislador no art. 3º da Lei 9.605/98 em não especificar quais as “pessoas jurídicas” que estariam sujeitas às condutas típicas previstas na norma. Isto porque, caso estivesse expresso no texto legal que apenas poderiam cometer crime ambiental a “pessoa jurídica de direito privado”, pela literalidade, estariam automaticamente excluídas todas as demais pessoas jurídicas de direito público, já que no âmbito do direito penal não cabe ao intérprete ampliar o entendimento da norma de forma a prejudicar pessoas que ali não estariam referidas.
Assim, pela intelecção do dispositivo, cabe aos operadores do Direito analisá-la, sobretudo numa interpretação conforme a Constituição, que a norma penal ambiental se mostra inaplicável apenas quanto aos entes públicos federativos, mas que, por outro lado, deve ser aplicada a todas as demais pessoas jurídicas que compõem a administração pública indireta, estejam elas submetidas essencialmente ao regime jurídico de direito público ou de direito privado, prestadoras de serviços públicos ou exploradoras de atividade econômica.
A distinção de regime jurídico (público ou privado) das pessoas que compõem a administra pública indireta tem maior razão no que tange aos regramentos específicos aplicáveis ao Direito Administrativo, em razão das peculiaridades que se referem à contratação de pessoal, submissão às regras licitatórias e de contratação, de tutela/supervisão estatal ou mesmo da submissão ao controle do tribunal de contas, tendo em vista que nesta seara envolve a observância dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Diferente ocorre quando se trata do campo relacionado ao Direito Ambiental, onde o meio ambiente tem um tratamento diferenciado, na medida em que a sua proteção deve ser observada pelo maior número de pessoas possíveis, tendo a maior abrangência possível, seja no âmbito civil, administrativo ou penal, desde que dentro dos limites, direitos e garantias previstas no texto constitucional.
Em suma, mostra-se incompatível que os entes políticos sejam sujeitos ativos de crime ambiental, mas todas as demais pessoas jurídicas de direito público ou privado, que integram a administração pública indireta, deverão responder pela prática das condutas tipificadas na Lei 9.605/98.
Mesmo porque, os entes públicos federativos, de fato, não exercem as atividades em si, pois ainda que se trate de uma atividade de sua competência, em verdade, estas são exercidas por outras pessoas jurídicas que compõem a administração pública indireta, recebendo o ofício através de outorga ou mesmo por outras empresas privadas, por delegação, através de concessão.
Discorrendo sobre a possibilidade do cometimento de infrações penais pelas pessoas jurídicas de direito público, Frederico Augusto di Trindade Amado[14], citando Paulo Affonso Leme Machado, destaca:
“Questão polêmica é saber se as pessoas jurídicas de direito público também poderão ser responsabilizadas criminalmente na esfera ambiental, entendendo PAULO AFFONDO LEME MACHADO (2003, p.668) que é plenamente possível, uma vez que a Lei 9.605/98, muito menos a Constituição Federal, restringiu o alcance da tutela penal, devendo-se aplicar apenas as sanções compatíveis com a sua condição”.
A questão, no nosso entendimento, ao contrário da doutrina suso transcrita, não é entender a amplitude da criminalização da pessoa jurídica de direito público e justificá-la pela mera omissão dos dispositivos constitucionais e legais, por não ter especificado o tipo de pessoa jurídica que poderia cometer crime ambiental. Ao nosso entender, devemos interpretar o texto constitucional sob o ponto de vista lógico de seus dispositivos, bem como da interpretação sistemática do texto constitucional.
Interessante posicionamento, lembra Pedro Krebs[15] a doutrina estrangeira sobre o tema, ressaltando a lição de Silvina Bacigalupo que destaca: "Estas questiones ponen de manifesto la necessidad de poder imponer sanciones, por ejemplo referidas a los delitos contra el medio ambiente, también a ciertas personas jurídicas de Derecho público."
Ora, quando a jurista espanhola se refere a certas pessoas jurídicas de direito público, denota-se que sejam excluídas da responsabilização penal aqueles entes políticos federativos por ser incompatível, conforme já mencionado. Por outro lado, possível condenar outras pessoas jurídicas de direito público tais como autarquias, fundações públicas ou mesmo empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, que se submetem ao regime jurídico essencialmente público.
4 AS PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS JURÍDICAS
O texto constitucional e a lei de crimes ambientais são claros ao dispor que a prática de infrações ambientais sujeitarão os infratores à responsabilização civil, administrativa e criminal, cujas instâncias são autônomas e independentes, não configurando qualquer tipo de argumento no sentido de que haverá bis in idem, caso haja cumulação de sanções em âmbitos diversos. Vejamos os dispositivos em comento:
“CF/88, art. 225, § 3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”
“Lei 9.605/98, art. 3º: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. (destaques nossos)
A Lei 9.605/98 estabeleceu um capítulo específico para tratar da aplicação das sanções penais. Dentre os artigos 6º e 24, estão previstas as penas para pessoas físicas e para pessoas jurídicas, dispondo sobre técnicas de aplicação, regras de substituição, atenuantes e agravantes, entre outras disposições concernentes à fixação da pena.
Necessário destacar que, no regramento geral do direito penal, a aplicação da pena pelo juiz deve seguir três etapas, quais sejam: (i) fixação inicial da quantidade da pena, com base no método trifásico estabelecido no art. 68 do Código Penal: pena-base; agravantes e atenuantes; causas de aumento e diminuição, (ii) fixação do regime inicial de cumprimento de pena de prisão, (iii) verificar a possibilidade de substituição da pena de prisão por restritivas de direito ou multa, caso não seja possível a concessão do sursis – que poderá aplicada nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.
Note-se que a segunda e a terceira etapa deverão ser atendidas tão somente quando se tratar de pena aplicável à pessoa física, pois quando a infração penal for cometida pela pessoa jurídica, caso condenada, o juiz apenas percorrerá apenas a 1ª etapa, qual seja, fixar a pena com base no método trifásico estabelecido no art. 68 do Código Penal, pois as outras etapas se mostram incompatíveis com a realidade fática do ente moral.
Assim é que, no presente trabalho, desconsidera-se aquelas etapas que são aplicadas tão somente às pessoas físicas, de modo que se passa a analisar apenas a aplicação da pena voltada à pessoa jurídica, que, na espécie estão previstas no art. 21 da lei de crimes ambientais:
“Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
III - prestação de serviços à comunidade”.
Conforme se denota facilmente do dispositivo suso transcrito, é possível concluir com precisão que as penas aplicáveis às pessoas jurídicas podem ser impostas na sentença condenatória de forma isolada, cumulada ou mesmo alternada, ou seja, o juiz poderá aplicar uma, as duas ou as três, combinando-as, conforme as circunstâncias apontadas no caso concreto.
Válido trazer à colação as críticas de Helena Regina Lobo da Costa e Heloisa Estellita[16] apresentadas em artigo jurídico sobre o tema, in litteris:
“Partamos de mais um ponto sobre o qual não há discussão: as penas compatíveis com a natureza da pessoa jurídica não foram cominadas nos diversos tipos legais de crimes previstos na “Parte Especial” da Lei 9.605/98 – exceção feita à pena de multa (v. infra) -, o que, por si só, já macula a validade constitucional das normas relativamente às pessoas jurídicas.
(...)
Ocorre, porém, que o legislador não estabeleceu esta correlação ou conversão na disciplina da Lei 9.605/98! Basta que se vasculhe o arcabouço normativo (art. 6º a 24) que cuida da matéria para se dar pela falta, justamente, de uma norma que determine a conversão das penas privativas de liberdade previstas nas diversas normas incriminadoras em penas de pessoas jurídicas (previstas no art. 21) quanto aos crimes por elas ‘praticados’”.
Em seguida arrematam:
“Não se pode saber, de antemão, qual pena corresponderá a qual delito; o que implica dizer que a disciplina sancionadora penal é incapaz de cumprir quer com a função preventiva, quer com a função retributiva da pena, afrontando assim, numa só penada, tanto o princípio da legalidade como o da proporcionalidade.
(...)
O princípio da legalidade determina que o legislador é o único órgão competente para, no mínimo, estabelecer a prévia cominação de pena a um determinado crime. No regime instalado com a nova lei ambiental, porém, o magistrado é senhor absoluto da escolha da espécie da pena ou das penas que aplicará aos crimes, de sua duração e intensidade. Certamente isto não se coaduna com os postulados constitucionais aplicáveis à matéria”.
Ora, apesar das críticas bem fundamentadas, tal atecnia jurídica deve ser afastada em razão de não haver violação ao princípio da legalidade, tendo em conta que a própria Lei 9.605/98 estabelece, precisamente, a forma de aplicação das penas restritivas de direitos à PJ, prevendo nos parágrafos do art. 22 os casos em que deverão ser atribuídas às penas previstas no art. 21: a suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente; a interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar; a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
Já o art. 23 tratou de especificar quais as os tipos de penas que serão aplicáveis à PJ quando condenadas à prestação de serviços à comunidade, que, entende-se tratar-se de um rol meramente exemplificativo, já que não deve o Juiz ficar restrito àquelas previstas no dispositivo, devendo levar em consideração as circunstâncias do caso concreto, para uma ampla e efetiva proteção do meio ambiente.
Frise-se, ademais, que tais cominações não poderiam estar previstas em cada tipo penal da lei de crimes ambientais, tendo em vista que tais sanções penais devem ser aplicadas, de forma proporcional, em face das circunstâncias apresentadas no caso concreto. Não há como prever em todos os tipos penais cada tipo de pena restritiva de direito ou de prestação de serviços à comunidade, sem que antes sejam apresentadas as circunstâncias do caso concreto ao Magistrado, sob pena de se violar a própria proporcionalidade. Não cabe aqui fazer uma comparação com as penas aplicáveis às pessoas físicas, tendo em vista a natureza e as peculiaridades das penas aplicáveis às pessoas jurídicas, que comportam sejam mensuradas entre um mínimo e máximo, prevendo, ainda, de modo geral, as hipóteses que permitem a substituição por restritivas de direitos.
Ora, a multa, as restritivas de direitos, as prestações de serviços à comunidade e a liquidação forçada são as únicas penas aplicáveis às pessoas jurídicas, que, não comportam previsão direta em cada tipo penal previsto na lei de crimes ambientais, pois não caberia, por exemplo, que o legislador predeterminasse a prestação de um determinado tipo de serviço à comunidade a um crime em abstrato, sem antes mesmo poder mensurar se tal sanção poderia ser gravosa ou insignificante diante do caso concreto.
Não há que se falar, do mesmo modo, de violação ao princípio da proporcionalidade, em razão da previsão de gradação de aplicação da sanção penal do art. 6º, que deverá ser compulsoriamente observado pelo magistrado no momento da fixação da pena: a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente; os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Por sua vez, não há qualquer tipo de inconstitucionalidade que possa macular a lei de crimes ambientais, pois a suposta violação do princípio da legalidade pela falta de cominação das penas em cada tipo penal não interfere na aplicação e gradação das penas aplicáveis às pessoas jurídicas em razão da sua própria previsão no texto legal do reportado art. 6º.
Preserva-se, deste modo, o constitucional direito do Estado de punir as pessoas jurídicas com as penas que lhe são peculiares previstas na lei de crimes ambientais, que buscam, sobretudo, tutelar o meio ambiente dos males causados por empresas que não se preocupam em proteger bens considerados difusos e da coletividade, essenciais à sadia qualidade de vida do próprio ser humano.
Assim é que, a dificuldade de punir criminalmente a pessoa jurídica, em razão da ultrapassada teoria da dupla imputação, torna viável, na maioria das vezes, apenas a sua responsabilização civil e administrativa, deixando de serem aplicadas as salutares sanções penais àquelas empresas reincidentes causadoras de degradação ambiental.
Por fim, considerada como mais um tipo de pena a ser aplicada à pessoa jurídica, o art. 24 da lei de crimes ambientais prevê, ainda, a liquidação forçada da pessoa jurídica, ou seja, prevê a extinção compulsória do ente moral, caso as suas atividades sejam direcionadas, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crimes ambientais, de modo que, todo o seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Neste sentido, destaque-se a passagem de um julgado do Superior Tribunal de Justiça[17]:
“IX. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.
X. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.
XI. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal”. (destacamos)
Esta punição é justa e adequada àquelas empresas que são criadas com o único intuito de delinquir e atuam tão somente no cometimento de infrações penais ambientais. A pena condiz com a intenção do texto constitucional, já que visa expurgar do meio social todas aquelas pessoas jurídicas que são constituídas apenas para degradar e poluir o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida de todos.
5 CONCLUSÃO
O legislador constituinte originário da Constituição Federal de 1988 trouxe relevantes alterações ao ordenamento jurídico, sobretudo no que diz respeito ao capítulo VI reservado especificamente ao meio ambiente e destinando o art. 225, sete incisos e seis parágrafos para tutelar a matéria, tornando de relevância constitucional a sua proteção. Andou bem a CF/88, pois, como cediço, o meio ambiente é considerado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Dentre as mais significantes inovações do texto constitucional esteve a responsabilização penal da pessoa jurídica, conforme disposto no § 3º do citado dispositivo constitucional, mudando alguns paradigmas, sobretudo, do direito penal e que até os dias de hoje provocam calorosos e infindáveis debates na doutrina e jurisprudência pátrias.
Conforme visto, já está pacificamente sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como difundido nos Tribunais de todo o país a possibilidade do ente moral ser sujeito ativo de crime ambiental, no entanto, ainda condicionando o seu processo e julgamento à imputação da conduta também à pessoa física que lhe representa, concretizando o sistema que a doutrina batizou de Teoria da Dupla Imputação ou de Imputações Paralelas.
Em seguida, surgiu-se a discussão quanto à possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, ante a omissão tanto no texto constitucional, quanto na lei de crimes ambientais, a que tipo de pessoa jurídica, pública ou privada, referia-se a possibilidade de ser sujeito ativo de crime ambiental.
É neste ponto que se pretendeu explorar no presente trabalho, já que se mostra pacificado o entendimento na nossa jurisprudência quanto a possibilidade de responsabilização penal ambiental quanto às pessoas jurídicas de direito privado. Aqui se discorre, no entanto, sobre a extensão dessa responsabilização às pessoas jurídicas que compõem a administração pública indireta, sejam elas dotadas de um regime jurídico de direito público, sejam elas de direito privado prestadoras de serviço público.
Neste contexto, apresentamos argumentos que demonstram não ser possível a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público que integrem a administração pública direta, composta pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, sob os fundamentos, em suma, de que seria impossível identificar o órgão competente para denunciá-los; que os entes políticos são os próprios criadores das leis, impossibilitando-se que as descumpram; que não há hierarquia entre tais entes políticos, tendo em vista o constitucional pacto federativo; e diante da falta de efeito prático de sua condenação e punição, que, a rigor, recairia sobre a própria sociedade.
Portanto, como o bem ambiental merece a maior proteção possível, também no que se refere à tutela penal, repita-se, somos adeptos ao entendimento que apenas os entes públicos federativos não poderão ser considerados sujeitos ativos de crime ambiental, por ser totalmente incompatível com a sua realidade jurídica, ao contrário daquelas pessoas jurídicas componentes da administração pública indireta, estejam elas sob o regime jurídico de natureza pública ou de natureza privada, todas deverão estar submetidas aos regramentos da Lei 9.605/98, que, caso violadas, deverão responder também na esfera criminal.
Adotamos ainda o posicionamento de que é possível a pessoa jurídica cometer crime culposo, podendo responder penalmente de forma dissociada da pessoa física, em plena mitigação à difundida e parcialmente ultrapassada Teoria da Dupla Imputação ou de Imputações Paralelas.
Questionamos, portanto, se não for possível estabelecer o liame subjetivo ou o nexo de causalidade entre a pessoa física e a jurídica, não haveria a condenação penal ambiental pela ilícito efetivamente comprovado e causado pela empresa? Ao que parece, o condicionamento à imputação da prática criminosa à pessoa física tornaria um sério empecilho à condenação da pessoa jurídica, fazendo letra morta o quanto disposto no art. 225, § 3º da CF/88, bem como o art. 3º, parágrafo único da Lei 9.605/98, que prevêem expressamente a possibilidade de responsabilização penal ambiental do ente moral isoladamente, sem qualquer tipo de condicionante.
Devemos nos adaptar às peculiaridades das regras aplicáveis à pessoa jurídica, tendo em vista a dinamicidade do Direito, desvinculando a visão tradicional garantista aplicáveis aos indivíduos, superar certos dogmas do direito penal, enfim, devemos enfrentar uma nova realidade entre a combinação do Direito Ambiental e o Direito Penal, compatibilizando-os, de modo que se efetive o que está expressamente previsto no texto constitucional e na legislação criminal ambiental, que é a efetiva possibilidade de responsabilização penal ambiental de pessoa jurídica – incluindo algumas de natureza pública -, de forma isolada e dissociada da pessoa física que lhe integra.
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[1] Site do Superior Tribunal de Justiça, disponível em http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=97547, acessado em 11/01/2012
[2] BITENCOURT, Cezar Robert. Tradado de Direito Penal, Parte Geral I. 14ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 243 e 244.
[3] SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2.ed. São Paulo: Editora Método, 2003, p. 194
[4] Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº 610.114, Relator(a) Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 17/11/2005.
[5] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente – A gestão ambiental em foco. 7 ed. rev., atual. e reform. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 1288 e 1290
[6] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº 564960. Relator Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Data do julgamento: 13 de junho de 2005.
[7] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº 564960. Relator Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Data do julgamento: 13 de junho de 2005.
[8] Idem, Ibidem. p. 8.
[9] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Ordinario em Habeas Corpus nº 24239/ES, Relator Ministro OG FERNANDES, Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA, Data do Julgamento: 10/06/2010.
[10] Supremo Tribunal Federal - RE 628582 AgR/RS, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 06/09/2011, Órgão Julgador: Primeira Turma
[11] MACIEL, Silvio. STF admite responsabilização penal da pessoa jurídica independentemente da responsabilização da pessoa física. Disponível em <http://atualidadesdodireito.com.br/silviomaciel/2011/10/17/stf-admite-responsabilizacao-penal-da-pessoa-juridica-independentemente-da-responsabilizacao-da-pessoa-fisica/>, acessado em 03/02/2012
[12] MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 790.
[13] MILARÉ, Édis. op. cit., p.1295
[14] AMADO, Frederico Augusto di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado; ano 2011, 2ª ed.; Editora Método; p. 384.
[15] KREBS, Pedro. A (ir)responsabilidade penal dos entes públicos in Revista dos Tribunais; ano: 89; vol. 772; fev; 2000; pp. 485/495.
[16] COSTA, Helena Regina Lobo da, ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica : um caso de aplicação de pena com fundamento no princípio do porque sim. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.133, p. 7-9, dez. 2003.
[17] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial n° 610114 / RN, Relator(a) Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento 17/11/2005.
Pós-graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador (UCSal).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Bruno Machado. A possibilidade da responsabilização penal ambiental das pessoas jurídicas integrantes da administração pública indireta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39141/a-possibilidade-da-responsabilizacao-penal-ambiental-das-pessoas-juridicas-integrantes-da-administracao-publica-indireta. Acesso em: 22 nov 2024.
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