Resumo: No presente trabalho pretende-se analisar as razões da manutenção no novo código de processo civil, Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010, dos prazos processuais diferenciados, para contestar e recorrer, conferidos à Fazenda Pública na sua atuação perante o Poder Judiciário.
Palavras-Chave: Fazenda Pública. Prazos Diferenciados. Prerrogativa. Supremacia do Interesse Público. Isonomia. Novo CPC.
Introdução
Com os debates acerca do Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010 (novo CPC), no presente trabalho pretende-se analisar as razões da manutenção dos prazos processuais diferenciados conferidos à Fazenda Pública na sua atuação perante o Poder Judiciário, especialmente os prazos para contestar e recorrer.
Visando facilitar a abordagem do tema, dividiremos os apontamentos em três tópicos: I) Os prazos processuais diferenciados conferidos a Fazenda Pública – Art. 188 do atual CPC (Lei n.º 5.869/73) e o Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010; II) Supremacia do interesse público e Isonomia; III) A necessidade prática dos prazos diferenciados, e, ao final, a Conclusão.
Contudo, antes de adentrar no cerne da questão, necessário firmar algumas premissas quanto o conceito de Fazenda Pública. A expressão Fazenda Pública representa, no processo, a presença de uma pessoa jurídica de direito público em um dos polos da demanda. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles[1] destaca que: “A Administração Pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações públicas ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda.”.
Assim, no contexto da presente questão, o referido termo não está relacionado finanças estatais ou gestão de finanças.
Firmada a premissa, parece ser mais acertada a corrente que defende que os prazos processuais diferenciados conferidos à Fazenda Pública na sua atuação em juízo são prerrogativa e não privilégios, e por essa razão tem-se por justificada a necessidade da sua manutenção no próximo diploma processual brasileiro.
I) Os prazos processuais diferenciados conferidos a Fazenda Pública – Art. 188 do atual CPC (Lei n.º 5.869/73) e o Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010
A redação do art. 188 do atual Código de Processo Civil (Lei n.º 5.869/73) prevê prazo em quadruplo para contestar e em dobro para a Fazenda Pública recorrer, na seguinte forma: “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”.
Na última redação do substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei no 8.046-A de 2010 do Senado Federal (PLS No 166/10 na Casa de origem), “Código de Processo Civil”, encaminhado ao Senado em 09/04/2014, os prazos diferenciados para a Fazenda Pública foram mantidos, conforme redação do art. 184 do referido substitutivo:
Art. 184. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito publico gozara?o de prazo em dobro para todas as suas manifestac?o?es processuais, cuja contagem tera? ini?cio a partir da intimac?a?o pessoal.
§ 1o A intimac?a?o pessoal far-se-a? por carga, remessa ou meio eletro?nico.
§ 2o Na?o se aplica o benefi?cio da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo pro?prio para o ente pu?blico. (grifamos)
Como se observa, o prazo da Fazenda Pública para contestar foi reduzido em relação à redação do art. 188 do atual CPC, deixou de ser em quadruplo passando a ser em dobro. Em uma primeira leitura, poderíamos pensar em prejuízo à defesa da Fazenda Pública, contudo, o projeto do novo CPC prevê que na contagem de prazos processuais somente serão computados dias úteis. Vejamos a redação do art. 219 do referido substitutivo:
Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-a?o somente os u?teis.
Para?grafo u?nico. O disposto neste artigo aplica- se somente aos prazos processuais. (grifamos)
Dessa forma, apesar da diminuição no prazo, a alteração na sistemática da sua contagem prevista no projeto do novo CPC traz uma compensação, o que não gerará um prejuízo na atuação processual da Fazenda Pública.
Demais disso, o projeto do novo CPC traz outra inovação em favor Fazenda Pública que é o prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais. Significa dizer que os prazos para a réplica, contrarrazões e contraminutas, que hoje são contados de forma simples, também serão abarcadas pelo prazo diferenciado, o que denota que a alteração legislativa não prejudicará a Fazenda Pública em juízo.
A despeito de críticas e posições em contrário[2], o legislador entendeu a condição diferenciada da Fazenda Pública em detrimento das demais pessoas físicas e jurídicas de direito privado ao preservar no texto do novo CPC os prazos diferenciados.
II) Supremacia do interesse público e Isonomia
É demais sabido que o Direito Público é pautado pelos princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular e da Indisponibilidade do Interesse Público. Sobre interesse público, o professor Leonardo Carneiro da Cunha[3] enfatiza que a “Fazenda Pública revela-se como fautriz do interesse público, devendo atender à finalidade da lei de consecução o bem comum, a fim de alcançar as metas de manter a boa convivência dos indivíduos que compõem a sociedade”.
A Fazenda Pública, por tutelar o interesse público, deve ostentar condição diferenciada das demais pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Essa diferença encontra fundamento na Constituição Federal no princípio da Isonomia. Aqui valem as lições de Ruy Barbosa[4] para o qual “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.”.
Nesse mesmo sentido, a advogada da União Rita de Cássia Zuffo Gregório[5] destaca que “O direito de idêntico tratamento garantido às partes consiste exatamente no tratamento desigual às partes desiguais, na medida de suas desigualdades, em decorrência do princípio constitucional da igualdade.”.
Como se observa, os prazos especiais conferidas à Fazenda Pública existem para atender à situação diferenciada dentro do processo face os particulares. Carneiro da Cunha[6] enfatiza que as “‘vantagens’ processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, José Roberto de Moraes[7] ensina que “Quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade que contribui para isso. (...) Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em última análise é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na realidade, a autoridade pública é mera administradora.”
Assim, podemos firmar que a desigualdade processual conferida a Fazenda Pública é reflexo da aplicação do princípio da Isonomia, na medida em que o interesse público tutelado pelo Estado é supremo e indisponível, e por isso, a regra do art. 184 do Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010 (novo CPC) deve ser aprovada conforme a última redação do substitutivo da Câmara dos Deputados.
III) A necessidade prática dos prazos diferenciados
Somente em razão dos princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular e da Isonomia poderíamos fundamentar a necessidade da existência dos prazos diferenciados conferidos à Fazenda Pública.
Contudo, encontramos também, na prática forense diária, justificativas para a manutenção dos prazos especiais. A defesa judicial da Fazenda Pública se mostra deveras árdua, especialmente em razão da estrutura organizacional do Estado, burocrática e complexa.
Sobre essa dificuldade prática, a advogada da União Micheline Silveira Forte Bezerra[8] destaca muito bem a desvantagem processual da Fazenda Pública: “A complexidade da Administração Pública, na maioria das vezes, a coloca em posição processual de desvantagem, pois até a defesa ser apresentada em juízo, o pedido de informações e documentações necessárias para instruí-la segue uma rotina lenta, passando por uma série de departamentos e órgãos, até chegar às mãos do procurador responsável pelo processo. E não há como negar que a Fazenda Pública lida com uma infinidade de processos, os quais tratam de diversas matérias sem que haja a menor possibilidade de escolha sobre as ações que devam ser defendidas. E como se sabe, não existe, por parte da Administração Pública, a livre faculdade de aumento e diminuição de quadros, hoje ainda escassos, de Advogados Públicos e de pessoal administrativo, considerando a quantidade de causas existentes.”
Diante delas, e apesar da modernização pela qual a administração pública vem passando e preocupação do Estado com o tema[9], é que não se pode abrir mão das prerrogativas processuais da Fazenda Pública no novo processo civil que se avizinha.
Conclusão
Percebe-se, portanto, que o fato de se conferir à Fazenda Pública prazos mais elastecidos de modo algum afronta o princípio da isonomia e da paridade de armas no processo civil brasileiro. Aliás, tal diferenciação homenageia referidos princípios, pois trata diferentemente pessoas diferentes na exata medida de suas diferenças. Esse, sim, o verdadeiro significado da isonomia!
Ademais, tem-se de ter em mente que o Estado em juízo está a tutelar, em última análise, o interesse público (especialmente o interesse público primário) que, para além de ser indisponível, se tem por superior se comparado com o interesse meramente individual de quem com o Estado litiga. Significa dizer: confere-se um prazo maior a quem defende e tutela o interesse de toda a sociedade, representada pelo Estado brasileiro.
Noutro pórtico, não se pode desconsiderar o fato de que o volume de processos e demandas judiciais em face da Fazenda Pública é muito elevado, o que leva os seus advogados e a própria máquina administrativa à necessidade de maior prazo judicial a fim de avir, no caso concreto, uma defesa robusta, defesa esta que deve estar à altura do interesse público defendido em juízo.
Conforme exposto, concluímos que os prazos processuais diferenciados conferido à Fazenda Pública na sua atuação em juízo se trata de uma prerrogativa e não um privilégio, vez que foram instituídos com o intuito de resguardar o interesse público, devendo ser mantidos na redação do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BEZERRA, Micheline Silveira Forte. A necessidade dos Prazos especiais para a Fazenda Pública atuar em juízo. Publicações da Escola da AGU: Pós-graduação em direito público – UNB: Coletânea de artigos/Coordenação de Jefferson Carús Guedes; Juliana Sahione Mayrink Neiva. Brasília: Advocacia-Geral da União, 2010. P.257/280.
CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. Coleção Estudos de Direito de Processo – Eurico Tullio Liebman – Vol. 22. 4ª. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª. Edição, 2ª. Tiragem, atualizada por Eurico de Andrade de Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009.
MORAES, José Roberto de. Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública. Direito Processual Público: a Fazenda Pública em Juízo. Coordenação de Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. São Paulo: Malheiros, 2000.
NUNES, Allan Titonelli. As prerrogativas da Fazenda Pública e o Projeto de Lei nº 166/10 (Novo Código de Processo Civil). Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2742, 3 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18170>. Acesso em: 30 abr. 2014.
[1] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª. Edição, 2ª. Tiragem, atualizada por Eurico de Andrade de Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998. P.590
[2] Projeto de Lei n. 4.331/2001, que propo?e a revogac?a?o do artigo 188 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, de autoria do Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh - PT/SP.
[3] CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. A Fazenda Pública em Juízo. 4ª. Edição. São Paulo: Dialética, 2006. P. 32
[4] BARBOSA, Rui. Oração aos moços / Rui Barbosa; edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. – 5. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997. P. 26. Acesso em 30.04.2014: http://www.casaruibarbosa.gov.br/interna.php?ID_S=105
[5] GREGÓRIO, Rita de Cássia Zuffo. “A União como sujeito do processo”. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol (org). A União em Juízo, São Paulo: MP Editora, 2005, PP.119-132. Material da 1ª. Aula da disciplina Fazenda Pública em Juízo, ministrada no curso e especialização tele virtual em Direito Público – UNIDERP/REDE LFG.
[6] Op. Cit. P. 34.
[7] MORAES, José Roberto de. “Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública”. Direito Processual Público: a Fazenda Pública em Juízo. Coordenação de Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. São Paulo: Malheiros, 2000. P. 69.
[8] BEZERRA, Micheline Silveira Forte. A necessidade dos Prazos especiais para a Fazenda Pública atuar em juízo. Publicações da Escola da AGU: Pós-graduação em direito público – UNB: Coletânea de artigos / Coordenação de Jefferson Carús Guedes; Juliana Sahione Mayrink Neiva. Brasília: Advocacia-Geral da União, 2010. P.257/280.
[9] Na busca de modelos de gestão que contemplem, de forma mais efetiva e eficaz, as novas e crescentes demandas da sociedade brasileira, a Secretaria de Gestão Pública – SEGEP, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, revitalizou, em 2014, o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA, com a finalidade de fortalecer a gestão pública, tendo como premissa o Modelo de Excelência em Gestão Pública - MEGP. http://www.gespublica.gov.br/folder_rngp
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETO, Rodrigo Saito. Anotações sobre os prazos processuais diferenciados conferidos à Fazenda Pública na sua atuação perante o Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39317/anotacoes-sobre-os-prazos-processuais-diferenciados-conferidos-a-fazenda-publica-na-sua-atuacao-perante-o-poder-judiciario. Acesso em: 22 nov 2024.
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