I – INTRODUÇÃO.
O presente artigo trata da análise do empréstimo compulsório e do princípio da referibilidade, a fim de confirmar se esta espécie tributária está intimamente relacionada a uma contraprestação estatal prestada ao contribuinte ou não, eis que Constituição Federal só exigiu que houvesse despesa extraordinária (decorrente de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência) ou necessitasse realizar um investimento público (de caráter urgente e de relevante interesse nacional).
II – DESENVOLVIMENTO.
Segundo o art. 148 da Constituição Federal, a União, somente ela, mediante lei complementar, pode instituir empréstimos compulsórios nas seguintes situações:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.
Entende-se por despesas extraordinárias aqueles que não estavam dentro de nenhuma previsão e abranja apenas despesas quando tenham sido esgotados todos os fundos públicos de contingência. Neste caso, o empréstimo compulsório pode ser cobrado imediatamente após a sua instituição, sem respeitar o princípio da anterioridade.
Já por calamidade pública, tem-se todas as ocorrências que coloquem em risco o equilíbrio social, não somente as catástrofes naturais.
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.
Aqui, deve ser observado o princípio da anterioridade, eis que esta espécie tributária servirá como uma antecipação de receita. Explica melhor, nesta modalidade de empréstimo compulsório, antecipa-se a receita com a instituição deste tributo para cobrir os gastos do investimento público urgente e de relevante interesse nacional, mas depois deve ser restituído o valor do empréstimo ao contribuinte nos anos seguintes à arrecadação.
A fim de sedimentar bem esse respeito ao princípio da anterioridade somente nas hipóteses do inciso II do art. 148 da CF, a Apostila da AVM Faculdade Integrada ressalta “que na hipótese do inciso II, o empréstimo compulsório está sujeito ao princípio da anterioridade, o que não ocorre nas hipóteses do inciso I. Tal exclusão justifica-se, perfeitamente, pelo fato de que a situação de urgência decorrente de calamidade pública ou de guerra externa se contrapõe à ideia da exigência de antecipação da lei, configurando-se, mesmo como conceitos incompatíveis entre si. Vale lembrar que o fato gerador do empréstimo não é a guerra, nem a calamidade pública, nem o investimento público, embora ele só possa ser instituído à vista dessas situações. A calamidade, a guerra e o investimento, nas circunstâncias previstas, condicionam o exercício da competência tributária e direcionam a aplicação do produto da arrecadação”.
Desse modo, os empréstimos compulsórios podem ser tributos não vinculados a uma atuação estatal, quer dizer o Poder Público não precisa fazer nada em contraprestação ao particular para exigir-lhe o pagamento deste tributo; como podem ser tributos vinculados a uma atuação estatal, a depender do fato gerador que a União criará para arrecadar dinheiro por meio do empréstimo compulsório.
Expõe de forma brilhante o professor Ricardo Alexandre que “o tributo é considerado vinculado quando o Estado tem de realizar alguma atividade específica relativa ao sujeito passivo para legitimar a cobrança. A exigência não tem correlação com a destinação da arrecadação. Já a principal característica dos tributos de arrecadação vinculada é a necessidade de utilização da receita obtida, exclusivamente com determinadas atividades. Assim, os empréstimos compulsórios são tributos de arrecadação vinculada. No tocante a sua classificação como tributos vinculados ou não vinculados, não há qualquer definição prévia, nem na Constituição, nem no CTN, de forma que este aspecto só poderá ser verificado por intermédio da análise pormenorizada do fato gerador definido nas leis que os instituam”.
Assim, pode-se afirmar que o empréstimo compulsório, a depender das circunstâncias criadas como fato gerador, exige (ou não) o princípio da referibilidade, isto é, a União pode criar um fato gerador para o empréstimo compulsório que a obrigue a prestação estatal em contrapartida à arrecadação de recurso, ou não exige atuação estatal que beneficie o particular.
A título de exemplo, todos os empréstimos compulsórios até hoje criados no Brasil não exigiram qualquer atividade estatal anterior, foram eles: sobre a aquisição de combustível, de automóvel e de energia elétrica.
Ademais, o gasto dos recursos arrecadados com o empréstimo compulsório é vinculado à despesa que fundamentou sua instituição, segundo o parágrafo único do art. 148 da Constituição Federal.
Márcio Marques comenta a importância desta vinculação da despesa, in verbis:
A norma de tributação que veicula o empréstimo compulsório tem sua validade condicionada à validade de uma segunda norma jurídica, que imponha ao Estado (e ao mesmo tempo assegure ao contribuinte) o dever de destinar a receita arrecadada com o tributo ao custeio da despesa que legitimou sua cobrança. Em outras palavras, a prescrição legislativa (previsão legal) desta segunda norma jurídica (estabelecendo a destinação do produto de arrecadação) é condição de validade da norma de tributação que veicula o empréstimo compulsório.
Quanto ao aspecto material da hipótese de incidência a ser utilizado pelo legislador complementar quando da instituição do empréstimo compulsório, a Constituição Federal não o indicou expressamente, ao contrário do que fez em relação aos impostos, às taxas e à contribuição de melhoria. Ao prever o empréstimo compulsório “não se reportou o legislador constituinte a nenhum fato, seja do particular, seja do Estado”.
A despeito disso, a hipótese de incidência do empréstimo compulsório pode ser um fato do contribuinte ou do Estado, desde que seja previamente contemplado nas hipóteses constitucionais de competência da União, eis que esta espécie tributária não pode invadir as competências materiais das demais pessoas políticas da federação.
Reforça que, embora as circunstâncias fáticas ou pressupostos dispostos na CF/1988 não se confundam com o fato gerador ou a hipótese de incidência do empréstimo compulsório, são os pressupostos que autorizam a sua criação, sendo que a lei complementar ao instituir o empréstimo poderá valer-se dos fatos geradores dos tributos já existentes da União (bem, renda, patrimônio) ou então deverá dotar materialidade nova de tributação (novo fato gerador), podendo licitamente ocorrer à bitributação ou o bis in idem. (Almeida, 2012, p. 267).
Ademais, estas cifras obtidas com o tributo não integram o patrimônio público, porque são restituíveis aos contribuintes, ou seja, não há transferência de riquezas do setor privado para o poder público.
Para Carrazza, “o empréstimo compulsório é tributo, não se confundindo com outras figuras jurídicas, como o mútuo ou o empréstimo público, espécies de contrato, um civil outro administrativo. O empréstimo compulsório não surge de um acordo de vontade, mas, sim, da lei complementar instituída pela União”.
A lei complementar que instituir o empréstimo compulsório deve dispor sobre a devolução das quantias e seu prazo de resgate. Sendo que a maioria da doutrina entende que, em nome do princípio da segurança jurídica e da boa-fé, este ato normativo vincula o legislador, sob pena de novas leis serem editadas eternamente e a Administração Pública nunca devolver os valores arrecadados dos contribuintes.
Neste sentido foi o julgamento do RE 121.336 no Supremo Tribunal Federal, publicado do DJ de 26/06/1992, para afirmar que a “Constituição vinculou o legislador à essencialidade da restituição na mesma espécie, seja por força do princípio explícito do art. 110 do CTN, seja porque a identidade do objeto das prestações recíprocas e indissociável a significação jurídica e vulgar do vocábulo empregado. Portanto, não é empréstimo compulsório, mas tributo, a imposição de prestação pecuniária para receber, no futuro, quota do Fundo Nacional de Desenvolvimento”.
O professor Ricardo Alexandre comenta esse aspecto restituível do empréstimo compulsório, nos seguintes termos:
O fato de serem restituíveis levou alguns doutrinadores a sustentar que os empréstimos compulsórios não seriam tributos, vez que os recursos arrecadados não se incorporam definitivamente ao patrimônio estatal. Esse entendimento não merece prosperar, pois a exação se enquadra com perfeição na definição de tributo constante do art. 3., do CTN, que não contempla nenhum requisito relativo à definitividade do ingresso da receita tributária nos cofres públicos. Também confirma o entendimento o fato de o referido art. 148 da CF/1998, que é o fundamento constitucional para a existência de empréstimos compulsórios no ordenamento jurídico brasileiro, encontrar-se inserido na seção que trata dos princípios gerais do sistema tributário nacional. A obrigatoriedade de restituição dos recursos arrecadados serve para dar fisionomia própria ao tributo, de forma a caracterizá-lo como uma espécie tributária distinta, embora não sirva como argumento para descaracterizá-lo como tributo.
Assim, pode-se concluir que o empréstimo compulsório está sujeito a um regime constitucional específico, diferente do regime das demais espécies tributárias (imposto, taxa e contribuição de melhoria). Trata-se de espécie tributária autônoma, dadas as suas características peculiares, tais como: vinculação (ou não) a uma atuação estatal; vinculação do produto arrecadado a uma despesa específica; e restituição do valor pago ao contribuinte.
III – CONCLUSÃO.
Diante do que foi exposto acima, observa que no Brasil o empréstimo compulsório, a depender das circunstâncias criadas como fato gerador, exige (ou não) o princípio da referibilidade, isto é, a União pode criar um fato gerador para o empréstimo compulsório que a obrigue a prestação estatal em contrapartida à arrecadação de recurso, ou não exige atuação estatal que beneficie o particular.
IV – REFERÊNCIAS.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Método, 2012.
ALMEIDA, Edvaldo Nilo de. Direito Tributário. 2. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2012.
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
Apostila do Curso de Pós-Graduação na área do Direito, tema: Garantias Constitucionais e Direito Tributário, da AVM Faculdade Integrada, Brasília/DF.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limona, 2000.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Empréstimo compulsório e o princípio da referibilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39394/emprestimo-compulsorio-e-o-principio-da-referibilidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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