A praxe relativa às licitações revela algumas deficiências do pregão eletrônico, entre elas a aquisição de bens e serviços de baixa qualidade.
A insuficiência da especificação técnica do objeto a ser licitado pode levar o órgão da Administração Pública Federal a realizar uma má compra.
Como o pregão eletrônico é uma modalidade de licitação por menor preço, imperioso é o detalhamento na descrição do objeto, a fim de afastar a compra de produtos e/ou serviços de baixa qualidade.
Algumas aquisições merecem um detalhamento ainda mais específico. A compra de materiais e equipamentos hospitalares é um exemplo.
Rodrigo Barella e Luiz Barella[1] abordam muito bem esse assunto ao afirmarem que existem grandes diferenças entre marcas e produtos científicos e, em decorrência disso, a Administração Pública pode comprar produtos de qualidade inferior, comprometendo, assim, vidas e a qualidade dos resultados nas pesquisas.
O que acontece na prática é que, em certos casos, por mais que o requisitante especifique o objeto a ser adquirido, as empresas adjudicatárias tentam violar as normas atinentes ao certame, encaminhando o produto/serviço fora do quanto solicitado.
Também, durante o pregão eletrônico, constata-se que muitas empresas, usando de má-fé, ofertam valores que estão muito abaixo da estimativa de preços, somente com o intuito de eliminar os seus concorrentes e, consequentemente, adjudicar o objeto licitado. Após a licitação, percebendo que não tem condições de oferecer o produto/serviço de acordo com o quanto ofertado, solicitam revisão de preços.
Hely Lopes Meirelles, em sua obra “Licitação e Contrato Administrativo”[2] , leciona que os atos e fatos ensejadores da revisão de preços seriam “as chamadas interferências imprevistas, além do caso fortuito, da força maior, do fato do príncipe e do fato da administração”. Nenhuma dessas, no entanto, reflete a situação anteriormente descrita.
Um outro problema, além da especificação do objeto, é a questão da exigibilidade de amostras. Alguns doutrinadores asseveram que não caberia a exigência de amostras nos pregões eletrônicos, uma vez que realizados pela internet.
A preferência de marca seguindo o princípio da padronização é mais um problema a ser abordado.
A Lei 8.666/93 refere-se à vedação da escolha de marca em seus arts. 7º, § 5º e art. 15, § 7º. Porém, no mesmo art. 15, inciso I, o diploma legal dá preferência ao princípio da padronização.
Dora Maria de Oliveira Ramos, na obra Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos[3], diz que, padronizado o material utilizado pelo órgão público, a partir de procedimento específico, as aquisições supervenientes só serão viáveis se houver a indicação da marca padronizada, sem que, nessa hipótese, qualquer ilegalidade seja cometida.
É sobre essa problemática que iremos nos aprofundar, desde já salientando a importância do controle interno, ao assumir a sua função fiscalizatória, e da assessoria jurídica dos órgãos públicos, a qual possui fundamental importância no auxilio do pregoeiro, da equipe de apoio e do requisitante da licitação.
2. NOÇÕES GERAIS SOBRE O PREGÃO ELETRÔNICO.
2.1. BREVE HISTÓRICO.
O pregão, como nova modalidade licitatória, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro por meio da edição da Lei Federal nº 9.472, de 1997, denominada Lei Geral de Telecomunicações.
O supracitado diploma legal, que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações e a criação e funcionamento da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, restringiu, no entanto, a utilização do pregão a esta autarquia especial, que, nos termos do art. 54, poderia utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão, nos contratos que não se referissem às obras e serviços de engenharia civil, as quais estariam sujeitas ao procedimento das licitações previsto em lei geral para a Administração Pública.
O bom desempenho decorrente da adoção do pregão na aquisição de bens e serviços comuns pela ANATEL despertou o interesse das autoridades federais, que fizeram editar a Medida Provisória nº 2.026, de 2000, instituindo a nova modalidade licitatória, no âmbito da União, com fundamento no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
A constitucionalidade da Medida Provisória aludida foi duramente contestada, pois, no momento da sua edição, não se encontravam presentes os motivos da relevância e urgência exigidos pelo art. 62 da Lei Maior.
O debate que circunscreveu o tema da validade da norma, todavia, não impediu que a Administração Pública Federal utilizasse o pregão, que, não obstante ter sido previsto apenas para esta esfera administrativa, passou a ser adotado também por Estados e Municípios em razões dos benefícios vislumbrados.
Na vigência da MP nº 2.026, foram aprovados os Decretos Federais nos 3.555 e 3.697, ambos de 2000, que, respectivamente, regulamentaram os pregões presencial e eletrônico, tendo sido o segundo expressamente revogado pelo Decreto Federal nº 5.450/2005.
Com a edição da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, toda a controvérsia a respeito da constitucionalidade da instituição do pregão perdeu objeto, uma vez que, agora, encontrava-se regulado por um diploma nacional que veiculava normas gerais sobre licitações, aplicáveis indistintamente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Assim, conforme os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Melo, o pregão que nascera inconstitucional, foi convalidado pela Lei nº 10.520, de 17.7.2002, sendo hoje amplamente utilizado pela maioria dos entes da Administração Pública.
É oportuno ressaltar que a Lei nº 8.666/93 não foi revogada com a edição da denominada Lei do Pregão.
A primeira apresenta-se como norma geral em relação à segunda. Assim, as normas previstas naquela somente não se aplicarão aos casos concretos quando houver disciplina específica contida nesta ou se caracterizar incompatibilidade derivada da natureza dos institutos.
2.2. CONCEITO JURÍDICO.
A Lei nº 10.520/02 não conceitua o pregão, apenas dispõe que poderá ser adotado para a aquisição de bens e serviços comuns.
Na linguagem corriqueira, pregão significa anúncio proferido em voz alta, ato de apregoar, proclamação pública, ato pelo qual os porteiros dos auditórios, os corretores de bolsas ou os leiloeiros apregoam as coisas.
A doutrina, diante da ausência de um conceito legal, vem desenvolvendo o conceito técnico dessa nova modalidade licitatória, ensinando Jair Eduardo Santana que “o pregão é a modalidade de licitação que se realiza presencial ou eletronicamente, na qual há disputa para se ofertar à Administração Pública o melhor preço entre os licitantes, verbalmente ou não, visando a contratação de bens e serviços comuns”[4].
Celso Antônio Bandeira de Melo leciona que o pregão:
“[...] pode ser entendido com a modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública[5]”.
Em verdade, o pregão nada mais é do que um meio de contratação, uma sexta modalidade licitatória, que se soma àquelas outras previstas de forma expressa na Lei nº 8.666/95 (Lei Geral das Licitações), quais sejam: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.
Marçal Justen Filho menciona que:
“uma modalidade de licitação consiste em um procedimento ordenado segundo certos princípios e finalidades. O que diferencia uma modalidade da outra é a estruturação procedimental, a forma de elaboração de propostas e o universo de possíveis participantes. Sob esse enforque, pregão é modalidade licitatória inconfundível com aquelas constantes na Lei nº 8.666[6]”.
O pregão é modalidade de licitação autônoma porque se desenvolve mediante procedimento mais ágil, célere e racional, com fases invertidas em relação ao procedimento tradicional – primeiramente decide-se sobre a proposta comercial para só depois avaliar os aspectos relativos à habilitação do concorrente. Também, entre outras peculiaridades, adstringe-se às aquisições de bens e serviços considerados comuns, não existindo limite em relação ao valor do ajuste a ser firmado.
O art. 2º do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 3.555/2000, dispõe que o pregão presencial é espécie de pregão em que “a disputa pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços comuns é feita em sessão pública, por meio de propostas de preços escritas e lances verbais nela formalmente apresentados”.
O pregão eletrônico, por sua vez, objeto específico do presente trabalho científico, é conceituado por Diógenes Gasparini, que o define:
“Como a espécie de pregão em que a disputa pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços comuns à Administração Pública é feita à distância, em tempo real e em sessão pública, por meio de propostas de preços e lances visando melhorá-las, apresentados pela Internet[7]“.
O art. 6o do Decreto nº 5.450/05 dispõe que a licitação na modalidade de pregão na forma eletrônica não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.
O pregão presencial ou comum, regulado pelo Decreto nº 3.555/2000 se aproxima das modalidades tradicionais de licitação porque a etapa de recebimento das propostas e julgamento do certame ocorre com a presença física dos licitantes em sessão pública. O eletrônico, regimento pelo Decreto nº 5.450/05, particulariza-se pela participação virtual dos concorrentes na etapa relativa ao recebimento e julgamento das propostas.
Delineado o conceito do pregão, partiremos, agora, para o estudo das suas finalidades.
2.3. FINALIDADES DO PREGÃO.
As modalidades licitatórias previstas na Lei nº 8.666/93, em diversas situações, não conseguem imprimir a desejável celeridade à atividade administrativa voltada ao processo de escolha dos futuros e eventuais contratantes.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho:
“As grandes reclamações oriundas de órgão administrativos não tinham como alvo os contratos de grande vulto e de maior complexidade. Ao contrário, centravam-se nos contratos menores ou de mais rápida conclusão, prejudicados pela excessiva burocracia do processo regulamentar de licitação”. Pag. 288.
Assim, conforme já anunciado, surgiu a Lei nº 10.520/2002, instituindo o pregão como nova modalidade de licitação, a ser utilizado para a rápida aquisição de bens e serviços comuns, nos termos do seu art. 1º.
Percebe-se que, enquanto o critério determinante para o uso das outras modalidades de licitação faz-se em função do valor estimado da futura contratação, cujos respectivos limites estão expressamente consignados na Lei nº 8.666/93, o pregão é determinado pela natureza comum do objeto desejado pela Administração Pública, em nada interferindo o valor do contrato.
O parágrafo único do art. 1º do supramencionado diploma legal tenta revelar quais seriam os bens e serviços considerados comuns para os fins da utilização do pregão, estabelecendo que são aqueles “cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.
A conceituação legislativa, no entanto, não é suficiente, devendo, por isso, a norma do mencionado parágrafo único ser interpretada com cautela.
Isso porque a Administração, ao licitar qualquer objeto, tem a obrigação de fazer constar no instrumento convocatório a descrição objetiva deste. Esta obrigatoriedade, saliente-se, é aplicável até mesmo em bens ou serviços de natureza incomum, especial, singular.
Verifica-se, desta forma, que a identificação de bens e serviços comuns não se dá pela possibilidade de serem estabelecidos critérios objetivos de avaliação.
Marçal Justen Filho leciona que “o núcleo do conceito de bem ou serviço comum reside nas características da prestação a ser executada em prol da Administração Pública[8]”.
Sob esta vertente, conclui que o bem ou serviço comum seria “aquele que se apresenta sob a identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, em um mercado próprio[9]”.
Extrai-se desse conceito que duas são as características dos bens e serviços comuns: a padronização e a disponibilidade no mercado.
Será comum o bem ou serviço sempre que a Administração puder obtê-lo tal como disponível no mercado, sem qualquer dificuldade ou exigências específicas.
Mercado, para a delimitação do conceito que ora buscamos, não equivale à abrangência do conceito de iniciativa privada, mas à existência de uma atividade empresarial estável e habitual sobre o objeto da licitação.
Os bens e serviços a serem consumidos pela Administração devem ser usualmente negociados.
A segunda característica, a da padronização, complementa a primeira.
Será comum sempre que um bem ou serviço possua qualidade e atributos predeterminados, com características invariáveis ou sujeitas a variações mínimas e irrelevantes.
A padronização pode decorrer de regras técnicas formalmente adotadas por entidades especializadas – v.g. ABNT –, de procedimentos internos à própria Administração – que estabelece padrões de identidades de determinados objetos aptos à satisfação das necessidades estatais – ou da própria evolução natural do mercado.
Por ser bastante elucidativo, importa transcrever o exemplo citado pelo supracitado doutrinador:
“Um programa de computador pode ser um bem comum, quando se tratar de um software de prateleira. Suponha-se que a Administração resolva adquirir um aplicativo para processamento de texto, reconhecendo a ausência de necessidade de qualquer especificação determinada.Existem diversos produtos no mercado, que podem ser fornecidos à Administração sem qualquer inovação ou modificação. A hipótese configura um bem comum.
Imagine-se, no entanto, que a Administração necessite o desenvolvimento de programa destinado a fins especiais, tal como um gerenciador de banco de dados para aposentados. Deverá produzir-se a contratação de serviços especializados, cujo resultado poderá ser único – mas que envolverá uma prestação sob medida para a Administração. Esse não será um serviço licitável por meio do pregão[10]”.
Para bem delimitar os possíveis objetos do pregão, cumpre ressaltar que o adjetivo “comum” não é um atributo interno do bem, mas uma qualidade circunstancial, externa a este, que não poderá ser qualificado como comum a partir de seu próprio exame.
Há de ser analisado o mercado correspondente, a fim de verificar-se se o objeto encontra-se ou não disponível. Se afirmativo, ele será um bem comum.
3. OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS DO PREGÃO.
É cediço que os princípios jurídicos são de extrema importância em qualquer área do Direito, pois são deles que emanam as normas, cuja interpretação também por eles deve ser guiada. São, assim, a “alma” da lei.
A Lei nº 10.520/02, que instituiu, conforme já enunciado, o pregão no âmbito de todas as esferas da Administração Pública, não previu, de forma expressa, os princípios aplicáveis a esta modalidade licitatória.
Os Decretos nº 3.555/00 e 5.450/05, todavia, em seus artigos 4º e 5º, respectivamente, especificaram os princípios regentes do pregão, mencionando que este instituto deve ser juridicamente condicionado aos princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, bem assim aos princípios correlatos da celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, competitividade, justo preço, seletividade e comparação objetiva das propostas.
Afirma Jair Eduardo Santana que:
“A determinação explícita dos princípios que regem o pregão pelos regulamentos constitui-se demonstração de zelo por parte do legislador, mas a ausência de especificação destes pela Lei nº 10.520/02 não significa falha, defeito ou mesmo inaplicabilidade dos princípios mencionados pelos regulamentos ao pregão, até mesmo porque todos esses vetores principiológicos impactadores da atividade administrativa são encontráveis na Constituição Federal de modo explícito ou implícito[11]”.
A falta de menção aos princípios aplicáveis a dada norma não implica inaplicabilidade deles, porquanto a norma fora criada com fundamento no conteúdo daqueles preceitos.
Desta maneira, regem o pregão, além dos princípios citados pelos regulamentos, todos os outros inerentes à licitação.
A própria Lei nº 10.520/02, em seu art. 9º, permite a invocação dos princípios previstos no art. 3º da Lei nº 8.666/03 – Lei geral das Licitações –, que, após alteração introduzida pela Lei nº 12.349, de 2010, enuncia:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Feita essa breve introdução, passa-se ao estudo dos princípios específicos do pregão
3.1. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PREGÃO.
3.1.1. Princípio do Justo Preço.
Expressamente previsto no art. 4º do Decreto nº 3.555/00, o princípio do justo preço impõe que a Administração realize a aquisição dos bens e serviços comuns por preços módicos, dentro daqueles praticados pelo mercado para produtos de qualidade satisfatória.
Este princípio não impõe que se busque pelo pregão tão-somente o menor preço, mas o menor melhor preço. Explica-se: deve-se buscar o menor preço dentre aquelas propostas que ofereçam os produtos de qualidade satisfatória.
Assim, deve ser descartada a oferta daqueles produtos/serviços de qualidade duvidosa, que poderão ocasionar o descumprimento parcial ou total do contrato administrativo firmado pelo Poder Público com particular.
3.1.2. Princípio da Celeridade.
Também mencionado expressamente pelo Decreto acima aludido, no mesmo art. 4º, o princípio da celeridade, decorrente do princípio da eficiência, obriga que o procedimento licitatório (pregão) seja desenvolvido da forma mais célere possível para que a Administração obtenha o produto ou serviço comum prontamente.
3.1.3. Princípio da Oralidade.
A modalidade do pregão possui uma particularidade especial consistente na adoção parcial do princípio da oralidade.
Enquanto nas outras modalidades licitatórias a manifestação de vontade dos proponentes é realizada através de documentos escritos, no pregão podem os participantes oferecer verbalmente outras propostas na sessão pública destinada à escolha.
5. O PREGÃO ELETRÔNICO E A PROBLEMÁTICA DAS COMPRAS DE BAIXA QUALIDADE.
O conceito da “nova Administração Pública”, surgido a partir das práticas liberais instituídas na economia a partir da década de 80, consagra a idéia de que para a realização de uma boa gestão é imprescindível que se busque a eficiência.
A análise da eficiência na Administração Pública, deste modo, adquiriu uma grande valoração para a sociedade, tornando-se um valor cristalizado como princípio jurídico constitucional, previsto expressamente no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Alexandre Moraes, ao discorrer sobre a reforma administrativa proporcionada pela emenda constitucional nº 19/98, conceitua o mencionado preceito, dispondo que:
"[...] princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social[12]”.
As implicações decorrentes da aplicação desse princípio são diversas, impondo aos administradores públicos a implantação de uma atividade gerencial.
Jair Eduardo Santana salienta que:
Não mais se concebe um atuar onde não se saiba de onde se parte e aonde se quer chegar. É preciso traçar metas, fazer o cálculo dos custos, verificar a capacidade de realização e atingimento das metas, tudo isso dentro de um prazo igualmente pesquisado e entendido como possível. Não se trabalha ao acaso: isso traduz efetividade. Este é o futuro inafastável da Administração Pública; a gestão responsável[13].
O princípio da eficiência, conforme já anunciado, evidencia-se bastante marcante no pregão.
É por meio dessa modalidade licitatória que se tem auferido os melhores resultados, obtendo-se economia considerável na aquisição de produtos e serviços pela administração pública, em tempo célere.
Os benefícios proporcionados pelo uso do pregão, no entanto, para que sejam plenamente alcançados, demandam atividade cuidadosa e diligente dos administradores públicos, sob pena de realizações de más compras, consubstanciadas na aquisição de bens e serviços de baixa qualidade.
5.1. NECESSIDADE DE ESPECIFICAÇÃO MINUCIOSA DO BEM A SER LICITADO.
Um dos fatores primordiais para o sucesso do pregão eletrônico é a boa comunicação entre o requisitante, o pregoeiro e a equipe de apoio.
O usuário do produto, antes de requisitá-lo ao setor competente, deve saber identificar o que de fato precisa adquirir, o que realmente será necessário para atender plenamente à sua necessidade. A identificação desta é o primeiro passo para a realização de uma compra correta.
Com base nessa solicitação é que o órgão licitante deverá especificar o item a ser adquirido. É de fundamental importância para o sucesso da licitação que este item esteja suficientemente descrito, a fim de se evitar dúvidas por parte dos pretensos fornecedores e, também, dos responsáveis pelo processo licitatório.
A dificuldade dessa especificação, no âmbito da Administração Pública, acentua-se pelo fato de que, geralmente, os usuários dos produtos/serviços licitados ou os gestores dos contratos são pessoas diversas daquelas responsáveis pela licitação. Daí é que devem os órgãos públicos desenvolver uma rotina específica voltada para a facilitação de troca de informações entre os requisitantes e o pregoeiro e sua equipe de apoio.
A partir da adequada especificação, cai por terra a falaciosa idéia de que há compra ruim quando o critério é o menor preço.
Para elucidar o quanto aqui se defende, relevante citar exemplo retirado de um trabalho científico de autoria de Ivan Marinovic Brscan:
“Digamos que um órgão deseja adquirir pasta arquivo e para isso descreve o item da seguinte forma: Pasta Arquivo registrador tipo AZ, tamanho memorando, dimensões 250 mm x 280 mm x 85 mm. No momento da licitação, vários fornecedores apresentaram propostas e em alguns casos oferecendo material de qualidade superior ao exigido, mas também com preços maiores, porém o Fornecedor B que ofereceu o menor preço apresentou um produto que condizia perfeitamente com a descrição, consequentemente sendo declarado vencedor do certame. Em momento seguinte, quando o usuário do item recebeu o material para utilização se queixou que o produto era de baixa qualidade e que não iria atender plenamente sua necessidade, pois o papel utilizado na confecção da pasta era muito fino e que só te atenderia se fosse confeccionado em papelão prensado.
Analisando o caso acima, seria muito comum afirmar que se comprou um item de baixa qualidade porque se optou pela proposta de menor preço, em detrimento de outras mais caras, porém de melhor qualidade. Contudo, esta análise é errônea, pois se comprou mal porque a especificação não trazia todas as informações relevantes, caso houvesse a previsão do papelão prensado, o Fornecedor B deveria ser desclassificado do certame, independentemente do preço ofertado[14]”.
O que se observa, então, é que, em verdade, compra-se mal quando há especificação insuficiente.
O menor preço, assim, deve ser aquele referente à proposta que atendeu às especificações exigidas.
Saliente-se que a imposição da feitura de uma minuciosa descrição do bem a ser adquirido é uma exigência legal, constante no art. 14 da Lei Geral das Licitações – Lei nº 8.666/93, que dispõe:
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa (grifo nosso).
Vale ressaltar que a especificação do bem não pode servir para que o procedimento licitatório seja direcionado a um único fornecedor. As exigências constantes do instrumento convocatório não podem ultrapassar o necessário para o atingimento da finalidade administrativa.
É proibida, pois, a escolha imotivada de marca, uma vez que a Administração Pública, agindo assim, estará infringindo o princípio da igualdade.
Esta regra, no entanto, prevista nos arts. 7º, § 5º e 15, § 7º da Lei nº 8.666/93, não é absoluta. Sempre que houver uma justificativa técnica para a preferência da marca, uma justa causa, será possível fazê-la.
Dora Maria de Oliveira Ramos, ao abordar o assunto, invocando o princípio da padronização, diz que:
“[...] embora o legislador vede a indicação de marca nas compras, impõe que a Administração dê preferência ao princípio da padronização (art. 15, inc. I). Ora, padronizado o material utilizado pelo órgão público, a partir de procedimento específico, as aquisições supervenientes só serão viáveis se houver a indicação de marca padronizada, sem que, nessa hipótese, qualquer ilegalidade seja cometida[15]”.
Verifica-se, dessa maneira, que a regra proibitiva atinge a escolha imotivada de marca, porquanto, nessa situação, o agente público estará transgredindo o direito de todos que se encontrem em iguais condições de atender a uma necessidade da Administração.
Assim, a justificativa para a preferência de marca deve ser técnica, comprovando, o órgão licitante, que somente aquela atende ao objeto do edital e, consequentemente, o fim público, e que a compra de bens de outra marca resultaria, inevitavelmente, em uma má aquisição.
É de bom alvitre ressaltar que são inválidas justificativas genéricas como: “é a que melhor atende aos interesses da administração”, “por ser de melhor qualidade”, “por preservar a qualidade do serviço”. É necessário que seja demonstrado, tecnicamente, que somente aquela marca determinada atende às necessidades específicas do órgão licitante.
A autora supracitada apresenta em sua obra “Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos” um exemplo bastante claro:
“Imagine-se a seguinte hipótese: para desenvolver uma dada pesquisa, foi adquirida uma determinada matéria-prima, um reagente químico específico. Se para a continuidade da pesquisa for necessária nova aquisição, poder-se-ia fazer a indicação da marca desejada na hipótese de outra marca qualquer, similar à inicialmente adquirida, implicar possibilidade de desvio do resultado já obtido inicialmente. Nessa hipótese, se o fato estiver justificado nos autos, legal será a opção de marca pela Administração, posto que apenas um determinado produto reúne condições de atender a contento a necessidade específica do órgão público.”
Não existindo justificativa técnica para a escolha, não poderá a Administração usar de subterfúgios para dar aparente legalidade ao procedimento licitatório, direcionando-o a fornecedor determinado.
5.2. DESCLASSIFICAÇÃO DAS PROPOSTAS INEXEQUÍVEIS.
É cediço que o pregão é modalidade licitatória guiada pelo critério do menor preço. Teoricamente, assim, o julgamento deverá ser guiado somente por este critério.
Ocorre que nem sempre deverá ser vencedor do certame aquele que oferecer a proposta de menor valor. Isso porque a Administração também se encontra vinculada ao princípio do interesse público, que, no âmbito das licitações, exige contratações satisfatórias.
O § 2º do art. 2º do Decreto nº 5.450/05, estabelece, in verbis, que:
2o Para o julgamento das propostas, serão fixados critérios objetivos que permitam aferir o menor preço, devendo ser considerados os prazos para a execução do contrato e do fornecimento, as especificações técnicas, os parâmetros mínimos de desempenho e de qualidade e as demais condições definidas no edital.
O art. 3º da Lei nº 8.666/93, por sua vez, também menciona que “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa...”.
A proposta mais vantajosa não consiste naquela que apresente o menor preço, mas a que atenda aos interesses da entidade licitante de forma satisfatória.
Não atende ao interesse público a proposta inexequível, que é aquela que, em razão do seu preço excessivamente baixo, não é suficiente para custear a prestação pretendida pela Administração, ocasionando, caso contratada, o inexorável inadimplemento da obrigação pelo fornecedor.
A inexequibilidade da proposta deve ser aferida na fase da análise da aceitabilidade das propostas, podendo o pregoeiro e sua equipe de apoio utilizar como parâmetro o termo de referência, que demonstra o valor de mercado do objeto licitado ainda na fase interna do pregão.
“De se ressaltar que a rejeição ao preço inexequível, embora num primeiro momento pareça lesiva ao erário, posto que se estaria rejeitando proposta mais barata, está em absoluta conformidade com o interesse público, ao impedir que a Administração venha a contratar com quem não tenha condições de cumprir integralmente a obrigação, gerando prejuízos a médio e longo prazo[16]” .
Embora o valor constante do termo de referência não possa ser tido como preço mínimo, de modo a permitir a imediata desclassificação das propostas com preços inferiores, é, indubitavelmente, o parâmetro que deverá nortear a avaliação da inexequibilidade. Para tanto, todavia, deverá a Administração definir, objetivamente, o que será considerado nessa avaliação, sendo imprescindível, também por este motivo, a minuciosa descrição do objeto.
Com fundamento na norma insculpida na Lei de Licitações, em seu art. 48, inc. II, a proposta com preço inferior aos custos estimados na fase interna do pregão deverá ter sua viabilidade demonstrada:
“através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação”.
A par disso, o § 3º do art. 44 do mesmo diploma legal estabelece que:
§ 3o Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.
A demonstração da viabilidade deve ocorrer por meio de procedimento onde seja observado o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Ao observar as regras acima expostas, estará o pregoeiro evitando uma eventual má contratação, com a compra de produtos de baixa qualidade. Afastará, ainda, a hipótese, frequente e inaceitável, de revisão contratual ao fundamento de aumento imprevisível dos insumos de produção.
A revisão de preços, que não se confunde com o reajuste – definido mediante uma cláusula móvel de preços, pactuada entre as partes, de forma a refletir a variação do custo de produção do bem, através da aplicação de um índice previamente fixado –, somente pode ser invocada quando, por fato superveniente à celebração do contrato, imprevisto e imprevisível, fique abalado o equilíbrio econômico-financeiro do ajuste, onerando, de forma excessiva, uma das partes,
Assim, não é uma simples elevação dos preços dos insumos que deve justificar a revisão do contrato, mas a ocorrência de uma situação imprevisível e de proporções comprovadamente relevantes.
A regra, portanto, é do adimplemento do acordo na forma como foi pactuado. A revisão de preços é uma exceção.
5.3. EXIGÊNCIA DE AMOSTRAS.
Uma outra maneira de evitar a aquisição de bens e serviços de baixa qualidade, é a previsão editalícia de exigência de amostras.
No tipo de licitação menor preço, como grifado acima, o licitante deverá apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital, em cujo teor deverá haver a descrição minuciosa e cautelosa do objeto do certame, visando garantir a aquisição de objetos de qualidade.
Sucede que, às vezes, por mais detalhada que seja a descrição do bem ou serviço no edital, sente a Administração Pública a necessidade de avaliar fisicamente o objeto antes de adquiri-lo. Daí surge a questão da possibilidade de exigência de apresentação das amostras no pregão eletrônico.
Alguns estudiosos do tema, a exemplo de Marcelo Rodrigues Palmieri, são contra o uso das amostras no procedimento do pregão eletrônico, ao argumento de que a mescla dos procedimentos (virtual e presencial) não se mostra benéfica à Administração, a qual deve, se decidir pela necessidade de exigência de amostras, optar pelo pregão presencial[17].
Jair Eduardo Santana, defendendo tese oposta, à qual nos filiamos, afirma que:
“o ideal seria – em se tratando de pregão – não se lançar mão deste tipo de diligenciamento. Tal proceder seria reservado para casos excepcionalíssimos. Em tais circunstâncias, no entanto, as amostras podem ser requeridas indistintamente se trate de via eletrônica ou de via presencial[18]”.
O Tribunal de Contas da União, ao julgar representação proposta pelo Ministério Público, noticiando supostas irregularidades no Pregão Presencial SRP
n.º 12/2006, realizado pelo Gabinete do Comandante do Exército, expediu orientação no sentido de que é possível pedir amostra durante a fase de julgamento, mas apenas para a empresa com a qual possivelmente se realizará o contrato. Caso a amostra da empresa não seja aprovada, chama-se a que se classificou em segundo lugar e assim por sucessivamente, até que se encontre uma proposta com amostra adequada dentre os concorrentes classificados. Vejamos:
“13. Durante a fase de julgamento das propostas, poderia ser solicitado às empresas ofertantes do menor preço a apresentação de amostras para verificação da qualidade dos produtos cotados em conformidade com as exigências do ato convocatório. Entretanto, não poderia ser exigida a apresentação de amostras antes da fase de julgamento, conforme jurisprudência deste Tribunal, que destacamos abaixo:
Acórdão 526/2005 - Plenário
‘9.3. com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei n.º 8.443/92 e art. 250, inciso III, do Regimento Interno, recomendar ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que, nas licitações futuras, quando for o caso, evite exigir amostras de todos os licitantes habilitados, exigindo apenas do que se apresenta provisoriamente em primeiro lugar e, caso sua amostra não seja aceita, do que o suceder e assim por diante até que seja classificada empresa cuja amostra atenda às exigências do edital, à luz das considerações levantadas na Decisão 1.237/2002 - Plenário - TCU;’.
Acórdão 99/2005-Plenário
‘9.5.2. limite-se a exigir a apresentação de amostras ou protótipos dos bens a serem adquiridos, na fase de classificação das propostas, apenas ao licitante provisoriamente em primeiro lugar e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada, no instrumento convocatório, nos termos dos arts. 45 e 46 da Lei n.º 8.666/1993, observados os princípios da publicidade dos atos, da transparência, do contraditório e da ampla defesa;’.
Decisão 1237/2002 - Plenário
‘8.3.2. limite-se a exigir a apresentação de amostras ou protótipos dos bens a serem adquiridos, na fase de classificação das propostas, apenas ao licitante provisoriamente em primeiro lugar e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada, no instrumento convocatório, nos termos dos arts. 45 e 46 da Lei n.º 8.666/1993, observados os princípios da publicidade dos atos, da transparência, do contraditório e da ampla defesa;’.
14. No presente caso, verificamos que a exigência de apresentação de amostras antes do julgamento das propostas comprometeu a competitividade do certame[19]’’.
A orientação do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) é que, na modalidade pregão, a exigência de amostras deve ser previamente fundamentada, disciplinada no edital e verificada por ocasião do início da fase de classificação, considerando-se as características dessa modalidade: celeridade, concentração e oralidade (TC 858.03-54 - Ata 2.253 - Sessão Ordinária).
No ano de 2009, o TCU, no Acórdão 2.739/2009, que julgou a representação de interesse da Copy Print Informática Ltda. em razão de indícios de irregularidades no Pregão Eletrônico nº 49/2009, conduzido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, para a aquisição de material de consumo (cartuchos para impressora), admitiu a possibilidade de exigência de amostras no procedimento do pregão eletrônico:
“REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO.
No pregão eletrônico, quando for necessária a apresentação de amostras no âmbito de licitações promovidas por entidade, deve ser restringida tal exigência aos licitantes provisoriamente classificados em primeiro lugar e desde que de forma previamente disciplinada e detalhada no respectivo instrumento convocatório, nos termos do art. 45 da Lei 8.666/93 c/c o art. 4º, inciso XVI, da Lei 10.520/2002 e o art. 25, §5º, do Decreto 5.450/2005[20]”.
Portanto, no pregão eletrônico, de acordo com as regras estabelecidas pelo TCU:
· as amostras deverão ser examinadas no momento da verificação das propostas, antes, pois, da análise da habilitação do detentor de menor preço;
· o prazo, as condições de recepção e os critérios de julgamento das amostras deverão estar definidos, de forma objetiva, no instrumento convocatório, o qual deverá prevê, também, como julgador indivíduo que possua capacidade para fazê-lo;
· A especificação do objeto a ser licitado deve ser a mais minuciosa possível, de modo a permitir um julgamento objetivo e transparente;
· A exigência de amostra deve ser encarada como exceção, quando não se dispuser de outra forma mais segura para a aferição do objeto licitado.
Frise-se, porque relevante, que o teste da amostra deverá ser pautado por critérios objetivos, previamente definidos na fase interna do pregão.
Caso o preço seja aceitável e aprovada a amostra oferecida pela empresa provisoriamente classificada em primeiro lugar, inicia-se a fase habilitatória do certame.
Se o preço for exequível, mas a amostra reprovada no teste, deverá ocorrer a desclassificação da proposta comercial. O pregoeiro, então, analisará a proposta subsequente, conforme previsão contida no artigo 4º da Lei nº 10.520/02.
5.4. IMPOSIÇÃO DE PENALIDADES.
O pregão, devido ao seu modo procedimental peculiar, consagra uma evolução no processo de democratização da atividade contratual do Estado. Isso porque, nas palavras de Marçal Justen Filho:
“No modelo do pregão, a Administração aceita propostas de qualquer interessado, presumindo que comparecem para participar de certame apenas os sujeitos que preenchem os requisitos de participação previstos em lei ou no ato convocatório. A Administração atua com a mais completa boa-fé em face dos particulares, partindo do princípio de que os particulares nortearão sua conduta por idêntica filosofia. Diversamente se passa quanto às modalidades de licitação da Lei nº 8.666/93. Quanto a essas, a Administração considerará apenas as propostas formuladas por licitantes cujas condições tenham sido previamente investigadas.
Acrescente-se que esse maior nível de autoritarismo da disciplina das modalidades tradicionais assegura maior controle estatal acerca de condutas inadequadas de particulares. [...] No caso do pregão, a situação é distinta, de molde que a redução do autoritarismo é acompanhada da ampliação da vulnerabilidade da Administração Pública[21]”.
A redução do autoritarismo impõe, todavia, uma ampliação do compromisso dos particulares, que devem pautar sua conduta com a mais lídima boa-fé, participando ativamente da realização do interesse público.
O particular que participa do pregão possui um dever objetivo de diligência muito mais forte. Ele deve examinar a lei, o edital e verificar se está em condições de competir, uma vez que não há uma investigação prévia acerca da sua habilitação.
É por essa razão que a avaliação da culpabilidade do concorrente do pregão é diversa da realizada no procedimento das outras modalidades licitatórias. Quem participa do pregão sem atentar-se para o preenchimento dos requisitos exigidos pelas normas regentes, age culposamente.
Saliente-se que não se quer aqui implantar uma responsabilidade do tipo objetiva. Em verdade, a infração às exigências da licitação:
“fará presumir a existência de um elemento subjetivo reprovável, consistente na ausência de previsão do evento danoso derivado da própria conduta e da omissão da adoção das cautelas imprescindíveis a sua concretização[22]”.
Assim, quando uma conduta é qualificada como ilícito administrativo, deverá ser irremediavelmente reprimida e apenada.
A omissão do agente público na punição do ilícito praticado é tão injurídica quanto a prática da própria infração administrativa. Não lhe cabe a escolha sobre realizar a punição ou não com fundamento em um juízo discricionário. Realizada a conduta, em atendimento ao princípio da legalidade, deve ser instaurado o devido processo administrativo, para que, observado o contraditório e a ampla defesa, seja aplicada a sanção.
A discricionariedade permitida é apenas quando da gradação da sanção, tendo em vista a gravidade da conduta praticada e também a magnitude da lesão verificada no bem jurídico protegido pelo ordenamento.
A possibilidade de utilização desse poder obriga a observância dos demais princípios aplicáveis ao direito administrativo punitivo, sobretudo o do devido processo legal, da ampla defesa e da motivação, a fim de que seja possível aferir o iter percorrido pela autoridade para chegar a uma sanção razoável, adequada à gravidade da infração.
No âmbito do pregão eletrônico, a lei prevê as seguintes infrações administrativas: recusa em celebrar o contrato; deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame; ensejar o retardamento da execução do objeto licitado; falhar ou fraudar na execução do contrato; agir de forma inidônea; e, finalmente, cometer fraude fiscal.
Como sanções, estabelece: o impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios pelo prazo de até cinco anos; o descredenciamento do SICAF ou de outros sistemas de cadastramentos de fornecedores pelo mesmo lapso prazal; aplicação das multas previstas nos editais e contratos e demais cominações legais.
Tais previsões encontram-se no art. 7º da Lei nº 10.520/02, repetido pelo
art. 28 do Decreto nº 5.450/05.
É válido observar que as sanções são previstas de forma cumulativa. Os artigos não deixaram margem para a aplicação de uma ou outra sanção, com exceção das multas, que dependem de expressa previsão no edital ou nos contratos firmados.
É oportuno salientar, ainda, que, embora haja posicionamentos contrários, dentre eles o de Vera Scarpinella[23], o impedimento temporário de licitar e contratar ficará restrito à entidade federativa de onde derivou a sanção. De acordo com Fabrício Motta, “o uso da conjunção alternativa “ou”, somada à referência à entidade política, parece espancar as dúvidas tocantes à eventual extensão da sanção a todas as esferas[24]”.
Marçal Justen Filho leciona que:
“A utilização da preposição “ou” indica disjunção, alternatividade. Isso significa que a punição terá efeitos na órbita interna do ente federativo que aplicar a sanção. Logo e considerando o enfoque mais tradicional adotado a propósito da sistemática da Lei nº 8.666/93, ter-se-ia de reconhecer que a sanção prevista no art. 7º da Lei do Pregão consiste em suspensão do direito de licitar e contratar. Não é uma declaração de inidoneidade. Portanto, um sujeito punido no âmbito de um Município não teria afetada sua idoneidade para participar de licitação promovida na órbita de outro ente federal[25]”.
Delineados os aspectos gerais sobre as infrações e penalidades administrativas, cumpre, neste momento, analisar a conduta daquele que, após a celebração do contrato, disponibiliza o bem ou serviço de baixa qualidade, em desacordo com as regras do instrumento convocatório e, eventualmente, com a amostra oferecida.
A aludida conduta pode se enquadrar, a depender dos contornos do caso concreto, no tipo do ilícito administrativo relativo à fraude ou falha na execução do contrato, ou, na subsidiária, atinente ao agir com inidoneidade.
A fraude deve ser entendida como “a prática maliciosa através da qual um sujeito visa a ludibriar outrem, atuando de modo reprovável para obter vantagem indevida[26]”.
Marçal Justen Filho, com maestria, ao discorrer sobre este ilícito no âmbito do Direito Administrativo, afirma que:
“Em matéria de execução de contrato administrativo, a fraude consiste na prática maliciosa destinada a ocultar o inadimplemento total ou parcial do contrato. Tal como se passa em outros casos, a fraude na execução do contrato pode exteriorizar-se através de diversas e variadas condutas. [...] Assim, o contratado pode alterar as embalagens, inserindo em todas ou em algumas produtos distintos daqueles que originariamente ali se encontravam; ou o sujeito pode substituir os insumos apropriados; ou se apresenta comprovante de origem inadequado e assim por diante[27]”.
A fraude consiste, deste modo, em uma conduta reprovável destinada a ocultar ou dissimular o inadimplemento do contrato.
Por outro lado, comete falha na execução do contrato aquele que deixa de adimplir adequadamente os deveres assumidos. A punição, todavia, não deve ser aplicada para a hipótese de toda e qualquer falha. A aplicação das sanções previstas em razão de um defeito irrelevante ofende o princípio da razoabilidade.
Só deve existir a punição na forma prevista nos artigos acima colacionados se a falha for séria e grave, com a decorrente de ausência de domínio de técnicas fundamentais à execução da prestação.
Caso não haja a submissão da conduta a ser reprimida nos tipos acima mencionados, restará ao agente público responsável pela fiscalização do contrato enquadrá-la como comportamento inidôneo, o qual exige as mesmas sanções da fraude e da falha.
A expressão “comportamento inidôneo” é um conceito jurídico indeterminado, uma fórmula genérica, que pode abranger condutas praticadas tanto durante o certame quanto durante a execução do contrato.
É, em verdade, uma “infração de reserva”, configurada quando uma determinada conduta voluntária reprovável não for passível de enquadramento nas demais infrações tipificadas.
Na tentativa de densificar o conceito, Marçal Justen Filho afirma que:
“A inidoneidade pressupõe um substrato material, consistente em conduta objetivamente incompatível com a ordem jurídica. Mas não basta qualquer ilicitude. É necessário que a conduta apresente gravidade suficiente para fraudar um juízo estimativo acerca da ausência de condições para contratar com a Administração Pública. Este Juízo estimativo deve envolver dados objetivos, fundando-se na lógica ou na experiência, em avaliações científicas ou técnicas. Conduz-se de modo inidôneo quem atua contra a ordem jurídica. Mas isso não basta. E necessário que a infração à ordem jurídica revele conduta suficientemente séria que justifique a conclusão de que o sujeito não mais pode ser contratado pela Administração, no futuro[28]”.
Deste modo, sempre que a aquisição de produtos e serviços de baixa qualidade resultar de uma dessas condutas, imperiosa será a aplicação da reprimenda legal, de maneira a evitar que o mesmo fornecedor firme outros contratos prejudiciais ao interesse público.
A firmeza e a certeza da apenação por condutas ímprobas, resultarão, ainda, na intimidação de outros fornecedores de má-fé, que veem os órgãos estatais como meras fontes de enriquecimento ilícito.
6. CONCLUSÃO.
A Administração Pública Federal vem conseguindo, através do pregão eletrônico, a efetividade (eficiência + eficácia) quanto à aquisição de bens e serviços comuns. Está comprovado que esta modalidade de licitação destacou-se pela sua economicidade e pela ampla competitividade que ela possibilita.
A problemática das compras de baixa qualidade poderá ser minimizada a partir da maior integração entre o requisitante e o setor de licitações, composto pelos pregoeiros e pela equipe de apoio. A maior aproximação entre estes agentes públicos propiciará a supressão de eventuais falhas na especificação do objeto, impedindo, assim, uma má compra.
O que muitas vezes se percebe é uma falta de parceria entre esses setores, em que o requisitante se esquiva de analisar o objeto a ser adquirido, passando a responsabilidade de uma eventual má aquisição para o pregoeiro que, na grande maioria das vezes, não tem capacidade técnica para analisar o objeto que o órgão pretende licitar.
Também reduzirá a ocorrência de contratações de bens/serviços ruins a imediata desclassificação das propostas inexequíveis e a exigência de amostras para melhor aferição da qualidade do bem.
Por fim, convém lembrar a importância de penalizar, com os rigores da lei e do Edital, as empresas participantes que, comprovadamente, agirem de forma mal intencionadas. Agindo assim, em médio/longo prazo, a Administração Pública promovente da licitação estará fazendo uma seleção natural de empresas sérias e comprometidas em fornecer materiais e serviços de qualidade a um menor preço.
BARELLA, Rodrigo e Barella, Luiz. Problemas com o Pregão Eletrônico. Disponível em <http://www.conlicitacao.com.br/sucesso_pregao/pareceres/barella.php>.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br>.
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FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed., rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. P. 233.
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[1] Barella, Rodrigo e Barella, Luiz. Problemas com o Pregão Eletrônico. Disponível em <http://www.conlicitacao.com.br/sucesso_pregao/pareceres/barella.php>
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: RT, ed. 10, p.252.
[3] RAMOS, Dora Maria de Oliveira Ramos. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros, ed. 1, 2005, p. 68.
[4] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico: sistema de registro de preços: manual de implantação, operacionalização e controle. 3 ed., Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.35.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 15. ed.São Paulo: Malheiros, 2003. p. 514.
[6] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Rev. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 19.
[7] GASPARINI, Diogenes (Coordenador). Pregão Presencial e Eletrônico: Com destaque para microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas. 2.ed. Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p 31.
[8] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Ver. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 26.
[9] Idem, p. 30.
[10] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Ver. E atual.São Paulo: Dialética, 2005.p.26.
[11] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico: sistema de registro de preços: manual de implantação, operacionalização e controle. 3 ed., Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p..77 e 78.
[12] MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed., São Paulo : Atlas, 1999, p. 30.
[13] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico: sistema de registro de preços: manual de implantação, operacionalização e controle. 3 ed., Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.530.
[14] BRSCAN, Ivan Marinovic. O Governo compra mal porque compra pelo menor preço? Disponível em < http://www.webartigos.com/articles/29091/1/O-Governo-compra-mal-porque-compra-pelo-menor-preco/pagina1.html>.
[15] RAMOS, Dora Maria de Oliveira Ramos. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros, ed. 1, 2005.p.49.
[16] RAMOS, Dora Maria de Oliveira Ramos. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros, ed. 1, 2005.p.172.
[17] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico: sistema de registro de preços: manual de implantação, operacionalização e controle. 3 ed., Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p.283.
[18] Idem, p. 279.
[19] Acórdão 1113/2008 – Plenário. Número Interno do Documento AC-1113-22/08-P, Grupo II / Classe VII / Plenário. Processo 017.246/2006-5. Natureza: Representação. Entidade Unidade: Gabinete do Comandante do Exército/Ministério da Defesa. Interessado: Ministério Público junto ao TCU.
[20] Acórdão 2739/2009 – Plenário. Número Interno do Documento AC-2739-49/09-P, GRUPO I / CLASSE VII / Plenário, Processo 016.520/2009-5. Natureza: Representação. Entidade: Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT. Interessada: Copy Print Informática Ltda.
[21] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Rev. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 175.
[22] Idem, p. 177.
[23] SCARPINELLA, Vera. Licitação na modalidade de pregão. São Paulo: Malheiros, 2003.p.165.
[24] GASPARINI, Diogenes (Coordenador). Pregão Presencial e Eletrônico: Com destaque para microempresas, empresas de pequeno porte e cooperativas. 2.ed. Rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 131.
[25] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Rev. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 193.
[26] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Rev. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 188.
[27] Idem, p. 188.
[28] FILHO, Marçal Justen. Pregão: (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 4. ed. Rev. E atual.São Paulo: Dialética, 2005. p. 192.
Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Mariana Dattoli Gouveia. O problema das compras de baixa qualidade decorrentes da utilização do pregão eletrônico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39405/o-problema-das-compras-de-baixa-qualidade-decorrentes-da-utilizacao-do-pregao-eletronico. Acesso em: 22 nov 2024.
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