INTRODUÇÃO
A discussão acerca do direito de ação teve início ainda na Grécia Antiga; nesta época o Direito de ação, umbilicalmente ligado ao Direito material, não tinha qualquer autonomia conquanto ramo do Direito e era visto sob a ótica puramente civilista, pois, como dito, era totalmente dependente do direito material eventualmente buscado, o que durou até meados do século XIX.
Desde então este instituto tem se desenvolvido e evoluído com o surgimento de diversas teorias acerca do direito de ação, discutindo-se, ao longo dessa evolução, entre outras, se a ação tem autonomia ou se está apenas ligada ao direito material eventualmente buscado judicialmente.
Nas linha seguintes procuraremos traçar breves considerações acerca dos conceitos de ação e sua evolução.
DESENVOLVIMENTO
Ação. Teorias
Teoria Imanentista, de Savigny.
A partir do século XIX o direito de ação começou a ser estudado de forma mais sistemática, surgindo a primeira teoria acerca deste instituto - Teoria Imanentista, de Savigny.
Essa primeira teoria - a Teoria Imanentista da Ação, criada por Savigny -, afirmava que o Direito de Ação seria parte do Direito Material, tratando-se apenas de uma de suas características externadas após a violação deste direito.
Acerca do assunto, CÂMARA (p.115) aduz que o Direito Processual seria mero “apêndice” do Direito Material, sendo a forma como este se manifestava após sofrer uma violação. Por sua vez, CINTRA et al (p. 268) afirma que os conceitos de “ação” e “processo” seriam apenas capítulos do direito substancial, sendo a ação uma qualidade adquirida em reação a uma violação sofrida.
Para melhor visualização desta teoria, poder-se-ia imaginar um caso de violação do direito à imagem cometida por um agente da imprensa ao divulgar nota falsa e comprometedora referente à determinada figura pública. Nestes termos, surgiria, para o ofendido, a ação, inerente ao seu direito de imagem, de buscar a indenização pela vulneração do seu direito a imagem.
Esta teoria, seguida no Brasil por João Monteiro e Clóvis Beviláqua, influenciou a criação do disposto no artigo 75 do Código Civil de 1916 (A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura).
No entanto, tal teoria não foi capaz de justificar os casos referentes à ação declaratória negativa e às ações improcedentes, visto que nestas ações não há um direito material correspondente. No primeiro caso, busca-se, em verdade, a declaração de inexistência de uma relação jurídica de direito material e, no caso das ações improcedentes, constata-se que a parte autora não possuía o direito por ela pleiteado. Mesmo assim, tal teoria teve grande adesão até meados do século XIX, quando surgiram os debates relativos a Teoria Concreta da Ação.
Teoria Concreta da Ação
Em meados do século XIX, em meio aos debates travados entre Windscheid e Muther, surgiu a ideia de distinção entre Direito de Ação e o Direito Material, gerando, como reflexo, várias teorias que consideravam o direito de agir como direito autônomo, dentre elas a Teoria Concreta da Ação.
Acerca desta teoria, CINTRA (p. 268-269) assevera:
A ação é um direito autônomo, não pressupondo necessariamente o direito subjetivo material violado ou ameaçado, como demonstram as ações meramente declaratórias (em que o autor pode pretender uma simples declaração de inexistência de uma relação jurídica). Dirige-se contra o Estado, pois configura o direito de exigir a proteção jurídica, mas também contra o adversário, do qual se exige a sujeição. Entretanto, como a existência de tutela jurisdicional só pode ser satisfeita através da proteção concreta, o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável. Consequentemente, a ação seria um direito público e concreto (ou seja, um direito existente nos casos concretos em que existisse direito subjetivo).
Desse modo, percebe-se que os concretistas defendiam que o Direito de Ação dependia da existência do Direito Material, embora constituíssem figuras distintas.
Por sua vez, com base na Teoria Concreta da Ação, Giuseppe Chiovenda formulou, em 1903, a Teoria do Direito Potestativo de Agir, verdadeira ramificação da Teoria Concreta da Ação.
Acerca do conceito de Direito Potestativo, CÂMARA (p. 117) esclarece que este “não corresponde nenhum dever jurídico, mas tão-somente uma situação de sujeição de outro sujeito da relação jurídica”. Sendo assim, segundo esta Teoria, a ação é um direito autônomo e concreto (apesar de não constituir direito subjetivo), exercida em face do adversário, sujeitando-o.
A maior crítica realizada em face da Teoria Concreta da Ação refere-se à impossibilidade de explicação acerca das ações julgadas improcedentes, bem como quando decisão equivocada acolhe pleito manifestamente infundado do autor. Nestas hipóteses, verifica-se que não existe Direito Material em proveito do autor, mas este, mesmo assim, exerce o Direito de Ação.
1.3 Teoria Abstrata da Ação, de Degenkolb.
Dentre as demais teorias surgidas no século XIX, baseadas na distinção entre Direito de Ação e o Direito Material, encontra-se a Teoria Abstrata da Ação, criada por Degenkolb, em 1877, na Alemanha.
Sobre esta doutrina, CINTRA (p. 270) tece os seguintes comentários:
Segundo esta linha de pensamento, o direito de ação independe da existência efetiva do direito material invocado: não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega a pretensão do autor, ou quando uma sentença injusta acolhe sem que exista na realidade o direito subjetivo material. A demanda ajuizada pode ser até mesmo temerária, sendo suficiente, para caracterizar o direito de ação, que o autor mencione um interesse seu, protegido em abstrato pelo direito. É com referência a esse direito que o Estado está obrigado a exercer a função jurisdicional, proferindo uma decisão, que tanto poderá ser favorável como desfavorável. Sendo a ação dirigida ao Estado, é este o sujeito passivo de tal direito.
Diante desse contexto, conclui-se que a Teoria Abstrata surgiu em oposição à Teoria Concreta, solucionando, por sua vez, todos os problemas apontados por suas críticas. Em resumo, para os acolhedores desta doutrina, tem-se como ação um direito a um provimento jurisdicional, seja ele favorável ou não.
Nesse diapasão, CÂMARA (p. 119) complementa afirmando que este seria um direito inerente à personalidade, considerando que todas as pessoas teriam o direito de provocar o Poder Judiciário, a fim de que se exerça a função jurisdicional.
Desse modo, constata-se que, nos termos desta Teoria, há total independência entre o Direito de Ação e o Direito Material, sendo este exercido livremente por seus titulares, sem imposição de nenhuma condição ou limite, pois se trata apenas de um direito à provocação do Estado-Juiz.
Teoria Eclética da Ação
A última das principais Teorias da Ação e a atualmente adotada em nosso sistema processual pátrio é a Teoria Eclética da Ação, criada no Século XX pelo jurista italiano Enrico Tullio Liebman.
Aos olhos desta doutrina, o Direito de Ação é um direito subjetivo e abstrato, ou seja, que pode ser exercido por seu titular independentemente da existência do Direito Material. Contudo, esta teoria difere da Teoria Abstrata da Ação, pois, para os ecléticos, o Direito de Ação não é exercido de modo absolutamente livre por seus titulares.
Nesse contexto, surgem condições para que se efetive o exercício do direito de ação, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido; interesse processual; e legitimidade das partes. Vislumbra-se, portanto, que o Direito de Ação não é exercido em total independência, visto que precisam estar presentes as condições da ação, elementos distintos e estranhos ao mérito da causa.
O acolhimento desta doutrina pelo sistema processual brasileiro é tão verdade que tais condições foram externadas em nosso Código de Processo Civil, em seu artigo 267, VI, a seguir transcrito:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
[...]
Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.
Conclui-se, nesta primeira parte, portanto, que esta última teoria assume posição peculiar entre as teorias que reconhecem a distinção entre o Direito Material e o Direito de Ação. Difere, primeiramente, da Teoria Concreta por entender que o Direito de Ação independe da existência do Direito Material correlato. Distingue-se, ainda, da Teoria Abstrata por exigir a coexistência das condições da ação.
Ocorre que Liebman, a partir da terceira edição de seu Manual (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, Volume I. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., 2005) passou a considerar que a possibilidade jurídica do pedido não seria uma condição autônoma, passando a integrar o interesse processual.
O novo entendimento de Liebman, por sua vez, consta do projeto para a instituição do novo Código de Processo Civil, ainda em tramitação, conforme se verifica a partir dos artigos 16, 315, II e III, e 467, I e VI, extraídos de seu anteprojeto e abaixo transcritos:
Art. 16. Para propor a ação é necessário ter interesse e legitimidade.
[...]
Art. 315. A petição inicial será indeferida quando:
[...]
II – a parte for manifestamente ilegítima;
III – o autor carecer de interesse processual;
[...]
Art. 467. O juiz proferirá sentença sem resolução de mérito quando:
I – indeferir a petição inicial;
[...]
VI – o juiz verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual
De todo caso, nada obstante as considerações acima e as modificações propostas no projeto do novo Código de Processo civil, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, em que o direito de ação, inserido no art. 5º, inciso XXXV, adquiriu status de Direito Fundamental, o pensamento, ou melhor, o rumo que o direito de ação poderia tomar não poderia ser outro que não uma tendência publicista, uma vez que superada definitivamente qualquer resquícios dos conceitos privatistas do direito de ação que ainda poderiam existir, mormente aquela visão do direito de ação como sendo um instituto secundário ou o entendimento que não considerava qualquer autonomia sistemática deste direito.
CONLCUSÃO
Diante dessa nova ordem, não basta somente a inserção do direito de ação como amplo e irrestrito, mas, e acima de tudo, com o objetivo de proteger e de se conferir efetividade a estes direitos fundamentais do cidadão que nossa carta constitucional fez questão de privilegiar, surge a necessidade de aperfeiçoamento dessa proteção constitucional, de modo a torná-lo efetiva e eficaz.
Assim, o que se verifica é uma carga principiológica conferida ao direito de ação e, por conta dessa carga principiológica, que surge diretamente da carta constitucional, o direito de ação reclama um novo tratamento, uma vez que o princípio antecede a norma e sobre esta se sobrepõe.
Nessa toada, a proteção à sociedade, ou, mais precisamente, do cidadão, reclama uma renovação das estruturas até então existentes e que sejam aptas a superar o conceito de ação, que não basta apenas ser amplo e irrestrito, mas, juntamente com este direito amplo e irrestrito, deve surgir outro que garanta de forma efetiva e rápida o direito buscado, ou seja, juntamente com o direito de ação surge o direito à jurisdição, pois somente assim, surge uma jurisdição aberta e participativa e que, além de formalmente, seja materialmente democrática.
Neste contexto, dada a envergadura alcançada pelo do direito à Jurisdição como direito fundamental, não basta somente o direito amplo e irrestrito ao direito de ação, mas deste direito deve-se surgir um resultado de forma célere e eficaz.
Diante disso, depois de garantido o direito de ação, cuja previsão está contida no artigo 5º, inciso XXXV de nossa carta Constitucional, na direção do aqui consignado, deve-se garantir, além do direito de ação, não custa repetir, uma jurisdição célere, eficaz e exequível, daí a importância de se conferir maior relevo ao conceito de jurisdição.
Referências
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2.000.
ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Volume I. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. P. 135; 136 e 146
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 268; 269; e 270.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. P.222.
Pos-graduado em direito público pela UnB. Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Vasta experiência na advocacia privada. Foi Defensor Público no Estado do Ceará após aprovação em Concurso Público. Foi também aprovado em concurso público para o cargo de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, não tendo assumido o cargo devido a aprovação para o mesmo cargo na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Aprovado no Concurso Público para a Advocacia Geral da União para o cargo de Procurador Federal. Atualmente é Procurador Federal responsável pela coordenação de Consultoria da Procuradoria Geral Federal Especializada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/DNIT, na Cidade de Brasília/DF.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, José Alves de. Evolução do direito de ação, considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39447/evolucao-do-direito-de-acao-consideracoes. Acesso em: 24 nov 2024.
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