1 - INTRODUÇÃO
Esse trabalho tem a finalidade de analisar a ineficiência do modelo de aplicação das penas privativas de liberdade atualmente adotadas pelo sistema prisional brasileiro. Ineficiência essa demonstrada pelos altos índices de reincidência entre os apenados com essa modalidade de pena.
Primeiramente, por meio de uma abordagem história, será demonstrada a evolução dos modelos de cumprimento de penas no decorrer dos anos, até a chegada ao modelo de privação da liberdade. Igualmente, será demonstrada algumas das razões da ineficiência do modelo vigente, enfocando a superpopulação carcerária, a dignidade da pessoa humana e a infecção criminal resultante de uma falta de seletividade entre os detentos.
Por fim, será dado um enfoque aos novos modelos de aplicação de penas em substituição à privação da liberdade e seus reflexos atuais na legislação pátria.
2 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE CUMPRIMENTO DE PENA
A partir da primeira metade do século XIX, começa a surgir um novo modelo de aplicação de penas, modelo esse pautado na restrição do direito constitucional de ir e vir, ou seja, na liberdade do réu. Essa nova forma de punir, em um primeiro momento, foi vista como um grande avanço no sistema prisional do mundo, pois além de permitir que o condenado, após cumprir sua dívida com a sociedade, fosse nela novamente reinserido, lhe dava condições de ressocialização, ou seja, uma segunda chance. Dessa forma, na teoria, o detento ao sair do estabelecimento prisional estaria, ao menos em tese, apto ao convívio social.
Todavia, com o decorrer dos dias, o que parecia ser a solução passou a ser mais um problema, como se evidencia em todos os cantos Brasil afora.
No Brasil atual, a pena privativa de liberdade, nos moldes em que é aplicada, se mostra cada vez mais ineficiente como política criminal ressocializadora, pois a crescente população carcerária “amontoados” em estabelecimentos prisionais inadequados, geram um ambiente com vários problemas, quais sejam: excessivo ônus para o estado, ociosidade dos detentos, perda do controle estatal dentro dos presídios, desrespeito à dignidade da pessoa humana e a questão da infecção criminal, problemas esses que dificultam, ou melhor, tornam quase inviável a ressocialização de um detento.
Atualmente existem muitos estudos no sentido de que, em relação aos crimes menos ofensivos, devem ser aplicadas outras modalidades de pena, diversas da privação de liberdade, e o próprio legislador brasileiro já vem aderindo a essa nova tendência, como se observa em relação às penas restritivas de direito, pena de multa, e os benefícios contidos na Lei 9.099/95.
3 - POPULAÇÃO CARCERÁRIA, ÓCIO E ÔNUS PARA O ESTADO
A população carcerária brasileira cresce em ritmo assustador.
Segundo Luiz Francisco Carvalho filho, tomando como base dados do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, o censo penitenciário de 1995 apontava a existência de 148.760 presos no Brasil: 95,4 para cada grupo de 100 mil habitantes (critério internacional para o cálculo da taxa de encarceramento). O censo de 1997 detectou uma população carcerária de 170.602 presos, com taxa de encarceramento de 108,6 pessoas para cada grupo de 100 mil habitantes e uma carência de cerca de 96.000 vagas.
E, por fim, o censo de 2001 já demonstrava a existência de 223.220 detentos no Brasil, cerca de 142,1 presos para cada grupo de 100 mil.
A estimativa é de que a população carcerária brasileira cresça na ordem de 800 (oitocentos) a 1.000 (mil) presos mês (CARVALHO FILHO, 2007).
A questão mais grave é que a maioria dos detentos vivem de forma ociosa e, sem ter o que fazer, passam os dias muitas vezes maquinando formas de fuga.
Muito embora o artigo 6º da Constituição Federal tenha instituído, entre os direitos sociais, o direito ao trabalho, hoje, são mínimos os estabelecimentos prisionais que dão ao encarcerado condições de exercer tal direito.
Inobstante o próprio legislador constituinte originário tenha reconhecido a importância social dos valores do trabalho ao instituí-lo como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, esse direito continua sendo relegado a segundo plano, mormente quando se trata daquele que se encontra encarcerado. Neste contexto, como convencer um criminoso que o crime não compensa se não lhe é oferecido outra alternativa nem mesmo no espaço destinado a sua ressocialização.
4 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Ao instituir-se a pena privativa de liberdade, o único direito constitucional que deveria ser suprimido do detento seria o direito de ir e vir, ou seja, como forma de retribuir o mal causado à sociedade, o preso teria sua liberdade cerceada por determinado lapso de tempo tal qual preceitua o artigo 38 do Código Penal: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral”, no entanto não é o que ocorre
Segundo estudo realizado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/ES concluído em 1997, percebe-se que na fase da execução da pena o Estado é omisso na garantia dos direitos dos condenados, sobretudo que são atingidos pela privação da liberdade.
E, dessa forma, abre espaço para que a vida dos daqueles que se encontram encarcerados fique entregue a regras internas dos presídios, que são criadas pelas lideranças carcerárias, liderança essa conquistada pela imposição do medo e da força, adquire-se o respeito na base da violência. Seria como se a Constituição Brasileira não fosse, ali, aplicada.
Segundo o referido estudo, as celas são precárias e inadequadas ao acondicionamento humano, sendo que, em sua maioria, funcionam em ambientes improvisados, sem as mínimas condições de acondicionamento físico, o que oferece risco aos detentos, aos policiais e para a população, contribuindo ainda para constantes fugas e rebeliões (EMANUEL, 2007). Essa realidade é uma expressa afronta ao artigo 88 da Lei de Execuções Penais que preceitua:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único: São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6m2 (seis metros quadrados).
Um fato o que demonstra o descaso com a população carcerária, e se traduz numa verdadeira inversão de valores, é a existência, em Blumenau – SC, da lei complementar nº 466/2004 que versa sobre o controle e a proteção dos animais e determina providências correlatas, que, ao regulamentar a matéria, estabelece:
Em um canil, as dimensões mínimas em um alojamento individual para cães de grande porte deverá ser de 4m2 (quatro metros quadrados) com solário de 6m2 (seis metros quadrados). Determina também, que o telhado do canil deve ter isolamento térmico, isso dentre outras disposições para higiene do espaço.
Diante do exposto, percebe-se que, no Brasil, os animais recebem tratamento mais digno do que os seres humanos que se encontram encarcerados. Trata-se de total descaso do Estado - representado pelas autoridades responsáveis pela manutenção e fiscalização dos estabelecimentos prisionais - com os indivíduos que, por motivos diversos, delinquiram e que daqui a pouco voltarão ao convívio social.
5 - INFECÇÃO CRIMINAL
Outro grande problema da pena privativa de liberdade, segundo o célebre jurista alemão Claus Roxin, é a questão da “infecção criminal”, que nada mais é do que a transmissão de conhecimentos do criminoso mais grave para o menos grave, ocasionada pela falta de seleção criminal nos presídios, onde coloca-se em um mesmo ambiente um criminoso ocasional junto ao criminoso habitual (ROXIN, 2006).
Índice oficial do Ministério da Justiça aponta que a taxa de reincidência criminal brasileira gira em torno dos 70%. Ou seja, com base nesses dados é possível afirmar que a maioria dos presos brasileiros voltarão a delinqüir e um dos motivos desse alto índice de reincidência é questão da infecção criminal associada a falta de perspectiva social.
Isso porque, ao se impor privação de liberdade genericamente a crimes graves e leves, e colocar em uma mesma cela seus autores sem nenhum tipo de seleção, torna a ressocialização um objetivo praticamente utópico (ROXIN, 2006, p.21).
Muitos dos detentos sujeitos à pena de privação de liberdade são criminosos do acaso, pessoas que cometeram crimes por razões momentâneas, crimes muitas vezes sem muita gravidade ou munidos de violenta emoção como, v.g, uma mãe que furta para alimentar seu filho ou mesmo um pai que mata o estuprador da filha, crimes que qualquer um, em momentos de infortúnio, está sujeito a cometer.
Outros ainda nem foram julgados, estão presos apenas provisoriamente, sendo assim, nem condenados ainda foram. Mesmo diante dessas circunstâncias são colocados juntos a presos reincidentes, presos muitas vezes de alta periculosidade, presos esses que impõem a lei e a ordem no ambiente no qual se encontram. Em ambientes como esses, o mais inteligente a fazer é pertencer á maioria e procurar a todo custo contar com a simpatia dos companheiros de cárcere, pois se isso não for obtido, a vida do detento pode estar em risco. Esse contato inevitável acarretará a troca negativa de conhecimentos, e, a partir daí, o criminoso amador tornar-se-á um criminoso profissional, o criminoso ocasional tem todas as ferramentas para ingressar de vez no mundo do crime.
6 - O MAL CAUSADO PELO CÁRCERE
Todo o mal causado pelo cárcere a quem a ele é submetido pode ser resumido com uma pesquisa realizada em 1971, por um psicólogo de nome Philip G. Zimbardo, na Universidade de Stanford (Palo Alto, CA, EUA), uma pesquisa que se tornaria célebre (ZIMBARDO, 2004).
Philip e sua equipe selecionaram um grupo de 24 estudantes que haviam se apresentado como voluntários para uma pesquisa sobre a dinâmica das relações humanas em uma prisão.
O grupo selecionado correspondeu ao que de melhor foi possível encontrar entre jovens universitários de classe média.
Foram afastados previamente todos os que tivessem antecedentes judiciais ou psiquiátricos, ou que não gozassem de boa saúde.
Dividiu-se, então, o grupo, aleatoriamente, em dois subgrupos: em um deles os jovens cumpririam o papel de “presos” e, no outro, o papel de “guardas”.
Improvisou-se uma prisão em celas no subsolo do departamento de psicologia e se estabeleceu três turnos de guarda, 8 horas cada.
Os presos receberam uma espécie de avental como uniforme, que eram obrigados a usar em roupas de baixo (de maneira que se projetasse, já nesta opção, uma experiência de fragilização).
Cada um deles recebeu uma grossa corrente no tornozelo, que não podiam retirar nem durante o período de descanso noturno (de maneira que os efeitos da contenção celular fossem maximizados). Foi dito aos “guardas” que eles deveriam manter a “ordem” e que tinha total liberdade para improvisar (o que funcionou como uma medida para testar os limites morais do grupo). A experiência deveria se prolongar por duas semanas, mas teve de ser encerrada no sexto dia.
Os alunos que faziam o papel de “guardas” passaram a exercer um poder tirânico sobre os “presos”. Alguns passaram a se divertir desenvolvendo “técnicas” com as quais jogavam uns contra os outros; outros humilhavam os “presos” e os agrediam. Os jovens que faziam papel de “presos” desenvolveram uma reação depressiva e passaram a odiar os “guardas”. (Zimbardo, 1971).
Segundo o consultor da UNESCO, Marcos Rolim, (ROLIM, 2005) a “Experiência de Stanford”, como ficou conhecida, demonstrou que boas pessoas podem, rapidamente, fazer coisas abomináveis a depender da situação a sua volta. Com ela, tornou-se evidente o simplismo das abordagens que procuram tratar da violência, do desrespeito e das demais mazelas prisionais a partir da tese da “maça podre”, aquela que traria o risco de contaminação de todo o cesto. Isso não se aplica às prisões, porque nessas todas as maçãs podem ser boas, isso não fará diferença. Porque o cesto que é podre. Um cesto que, como assinalou o professor Zimbardo, “corrompe qualquer um que o toque” (ROLIM, 2005).
7 - CONCLUSÃO
Diante dessa breve análise, é possível concluir com facilidade o quanto é ineficiente e viciado o sistema prisional brasileiro. Percebe-se com clareza que dá forma como esse sistema se estrutura atualmente, sem o mínimo respeito à condição humana do detento, torna a ressocialização, enquanto fim almejado, algo improvável.
A busca por novas políticas criminais é algo que urge, e com base nesse clamor, estudos que defendem penas diversas da privação da liberdade avançam a cada dia e já demonstram seus reflexos em nossa legislação penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUBENECK, Celso. Aspectos históricos das prisões. São Paulo: Revista Prática Jurídica, ano VI, nº 65, 2007.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1.
CARVALHO FILHO, Luiz Francisco. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2003.
ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. São Paulo: Renovar, 2006.
Pos-graduado em direito público pela UnB. Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Vasta experiência na advocacia privada. Foi Defensor Público no Estado do Ceará após aprovação em Concurso Público. Foi também aprovado em concurso público para o cargo de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, não tendo assumido o cargo devido a aprovação para o mesmo cargo na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Aprovado no Concurso Público para a Advocacia Geral da União para o cargo de Procurador Federal. Atualmente é Procurador Federal responsável pela coordenação de Consultoria da Procuradoria Geral Federal Especializada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/DNIT, na Cidade de Brasília/DF.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, José Alves de. Ineficiência do modelo de aplicação das penas privativas de liberdade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39496/ineficiencia-do-modelo-de-aplicacao-das-penas-privativas-de-liberdade. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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