A Fazenda Pública, em virtude de sua particularidade de lidar com o dinheiro público, possui uma lei específica disciplinando sobre as condenações a ela impostas, qual seja, a Lei n° 9.494, de1997.
Justamente em razão da indisponibilidade do interesse público, o artigo 1°-F da referida lei preceituava que o percentual de juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública era de 6% ao ano, de modo diverso daquele estabelecido em regra geral pelo artigo 406 do Código Civil, de 12% ao ano.
Entretanto, com o advento da Lei n°11.960, de 2009, o artigo 1º-F sofreu alteração significativa, uma vez que além de disciplinar sobre juros de mora, também passou a estabelecer norma relacionada ao índice de correção monetária a ser aplicado nas condenações produzidas contra a Fazenda Pública, pagas por meio de precatórios, da seguinte forma:
“Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”
Da leitura do dispositivo legal supracitado, observa-se que a correção monetária e os juros a serem aplicados às condenações impostas à Fazenda Pública correspondem aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
De acordo com a legislação atual (artigo 12 da Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991, com a redação dada pela Medida Provisória nº 567, de 3 de maio de 2012, e artigo 7º da Lei nº 8.660, de 28 de maio de 1993), a remuneração dos depósitos de poupança é composta de duas parcelas: 1) de remuneração básica, dada pela Taxa Referencial - TR, e 2) de remuneração adicional, correspondente a 0,5% ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for superior a 8,5% ou 70% da meta da taxa Selic ao ano, vigente na data de início do período de rendimento, enquanto a meta da taxa Selic ao ano for igual ou inferior a 8,5%.
Atualmente, tendo em vista a taxa Selic corresponder em média a 10% ao ano, o critério utilizado de pagamento pela Fazenda Pública devedora é a aplicação do índice de correção monetária de remuneração básica da caderneta de poupança, qual seja, a TR acrescida de juros de mora de 0,5% ao mês.
Quando da vigência da Lei n° 11.960/09, discutiu-se sobre sua aplicação imediata a todos os processos em andamento, em que a Fazenda Pública era devedora, ou se somente aos processos ajuizados após a publicação da referida legislação ou ainda se somente àqueles que se encontravam na fase de execução.
Em que pese a discussão jurídica sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do ERESP n° 1.207.197, decidiu pela aplicação imediata da Lei n° 11.960/09 mesmo às ações judiciais propostas antes da aludida lei, por se tratar de lei de cunho processual, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. DIREITO INTERTEMPORAL. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ARTIGO 1º-F, DA LEI Nº 9.494/97. MP 2.180-35/2001. LEI nº 11.960/09. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO.
1. A maioria da Corte conheceu dos embargos, ao fundamento de que divergência situa-se na aplicação da lei nova que modifica a taxa de juros de mora, aos processos em curso. Vencido o Relator.
2. As normas que dispõem sobre os juros moratórios possuem natureza eminentemente processual, aplicando-se aos processos em andamento, à luz do princípio tempus regit actum. Precedentes.
3. O art. 1º-F, da Lei 9.494/97, modificada pela Medida Provisória 2.180-35/2001 e, posteriormente pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/09, tem natureza instrumental, devendo ser aplicado aos processos em tramitação. Precedentes.
4. Embargos de divergência providos.” (grifo da autora)
Superada essa questão, recentemente o Supremo Tribunal Federal, por maioria, declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 1°-F da Lei n° 9.494/97 por arrastamento, alterada pela Lei n°11.960/09, por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 4357 e 4425, no sentido de não ser devida a utilização da TR (taxa de remuneração das cadernetas de poupança) como índice de correção monetária dos precatórios pagos pela Fazenda Pública, sob o fundamento de que o uso da referida taxa viola o direito fundamental de propriedade (artigo 5°, inciso XXII, da Constituição Federal) “na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)” (item 5 da ementa da ADI 4357).
Não obstante a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, encontra-se suspenso o julgamento quanto ao alcance dessa decisão em virtude do pedido de vista do Ministro Dias, Toffoli, restando pendente, portanto, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional n° 62/2009.
Desse modo, atualmente, enquanto não forem modulados os efeitos da aludida decisão pelo Supremo Tribunal Federal (ex nunc ou ex tunc), o entendimento majoritário na esfera jurídica é pela continuidade da aplicação da TR como índice de correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública, com fulcro na Lei n° 11.960/09.
Isso porque, conforme já ventilado pelos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal, é possível que o julgamento das Ações Diretas de Inconsticionalidade passe por alguma modulação temporal, podendo inclusive não ser aplicado aos precatórios já inscritos, ou mesmo aos processos que já estejam em curso.
Inclusive, o Ministro Fux já decidiu em sede de Reclamação que:
(...), tendo em vista que ainda pende de decisão a questão alusiva à modulação dos efeitos da decisão, o que influenciará diretamente o desfecho da presente reclamação, defiro a liminar para suspender efeitos da decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do RESp 1.248.545-AgR, determinando que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública sejam efetuados observada a sistemática anterior à declaração de inconstitucionalidade parcial da EC Nº 62/2009, até julgamento final desta Corte relativamente aos efeitos das decisões nas mencionadas ações diretas de inconstitucionalidade. Comunique-se. Publique-se.
(STF, RCL 16.980, Min. LUIZ FUX, decisão de 18/12/2013)
Com isso, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade parcial do sistema de precatórios trazido pela Emenda Constitucional n° 62/2009, o posicionamento mais acertado é pela permanência da aplicação da Lei n° 11.960/09, com a utilização da TR como índice de correção monetária enquanto não for julgada a modulação dos efeitos das referidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
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