RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar a diferença entre os atos de litigância de má fé, os atos atentatórios à dignidade da justiça e os atos atentatórios ao exercício da jurisdição.
Palavras-chave: litigância de má-fé; atos atentatórios à dignidade da justiça; atos atentatórios ao exercício da jurisdição.
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil prevê três modalidades de violação do dever geral de proceder com lealdade e boa-fé na relação processual: os atos de litigância de má-fé, os atos atentatórios à dignidade da justiça e os atos atentatórios ao exercício da jurisdição.
Cândido Rangel Dinamarco ressalta que o descumprimento de um imperativo de conduta no processo compromete o correto e eficiente exercício da jurisdição e, nesse sentido, viola o interesse público[1].
Portanto, é importante estabelecer as diferenças conceituais entre tais atos e as respectivas sanções a fim de viabilizar a aplicação no caso concreto.
ATOS DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Os atos de litigância de má-fé causam potencial dano a uma das partes e dano marginal ao Estado-juiz.
Os casos de litigância de má-fé estão previstos no artigo 17 do Código de Processo Civil, em rol exemplificativo:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados; VII – interpuser recursos com intuito manifestamente protelatório.
As sanções estão contidas no artigo 18 do CPC: multa não excedente a 1% sobre o valor da causa, cumulada com perdas e danos (indenização de até 20% sobre o valor da causa), honorários advocatícios e despesas processuais.
ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA
Por sua vez, os atos atentatórios à dignidade da Justiça violam o necessário respeito às decisões do Poder Judiciário ou à autoridade judiciária no que se refere à execução forçada.
Conforme observa Fredie Didier, “a execução é um dos ambientes mais propícios para a prática de comportamentos desleais, abusivos ou fraudulentos”[2].
Os atos atentatórios à dignidade da justiça estão enumerados no artigo 600 do Código de Processo Civil:
I – frauda a execução; II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III – resiste injustificadamente às ordens judiciais; IV – intimado, não indica ao juiz, em 5 dias, quais e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.
As sanções estão previstas no artigo 601 do CPC: multa não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo das sanções de natureza processual e material.
Nesse sentido, Fredie Didier defende que a multa do artigo 601, devida à parte adversária, pode ser cumulada com a multa do artigo 14, parágrafo único, devida ao Estado[3].
Todavia, ressalva que a multa do artigo 601 não pode ser cumulada com aquela prevista no artigo 18 do CPC já que ambas possuem a mesma natureza processual e são revertidas para o adversário[4].
ATOS ATENTATÓRIOS AO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO
Por fim, os atos atentatórios ao exercício da jurisdição também violam o necessário respeito ao Poder Judiciário ou à autoridade judiciária, mas quanto ao cumprimento dos provimentos mandamentais em geral, especialmente aqueles previstos nos artigos 273 e 461 do CPC[5].
Os atos atentatórios ao exercício da jurisdição estão previstos no artigo 14, inciso V, do CPC:
Art. 14. (...)
(...)
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
O parágrafo único do artigo 14 do CPC dispõe que será devida multa não superior a 20% do valor da causa, sem prejuízo das demais sanções.
Nesse sentido, a referida multa, devida ao Estado, também pode ser cumulada com a multa prevista no artigo 18, parágrafo único, do CPC, devida à parte adversária, pois de naturezas diversas, conforme jurisprudência a seguir:
Ementa: MULTAS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ E POR PRÁTICA DE ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CUMULAÇÃO. LEGALIDADE. É o próprio parágrafo único do art. 14 do CPC que autoriza a cumulação da multa nele estipulada com as demais "sanções criminais, civis e processuais cabíveis". Assim, uma vez evidenciado que a reclamada não apenas alterou a verdade dos fatos em contestação, deduzindo defesa contra fato incontroverso, como insistiu, em sede recursal, na alegação comprovadamente inverídica de que o período de estabilidade teria sido respeitado, demonstrando sua renitência em observar as regras da boa conduta processual, não se vislumbra ilegalidade na cominação cumulada das penalidades previstas nos artigos 14 , parágrafo único , e 18 , caput, do CPC. (TRT, TRT-10 - ROPS 1238200801810001 DF 01238-2008-018-10-00-1 (TRT-10). Data de publicação: 18/05/2009).
O descumprimento de provimento mandamental tem sido chamado de contempt of court (“desacato à Corte”), assim como na common law, e nesse caso a lei determina expressamente que a multa não paga seja inscrita na dívida ativa da União ou do Estado.
Contudo, conforme observa Fábio Milman, os atos atentatórios ao exercício da jurisdição do Código de Processo Civil brasileiro são considerados “contempt of court à brasileira”[6], pois ressalvam os advogados da responsabilização no mesmo processo.
BENEFICIÁRIOS DAS SANÇÕES
Quanto aos beneficiários das sanções, discute-se se seria a parte prejudicada ou o Estado.
Helena Najar Abdo observa que, em regra, a sanção pecuniária sempre reverterá em favor da parte prejudicada, tanto nos casos de litigância de má-fé quanto nos atos atentatórios à dignidade da Justiça (art. 601, CPC)[7].
Todavia, ressalta a existência de duas exceções nas quais a sanção pecuniária é revertida em favor do Estado: a) ato atentatório ao exercício da jurisdição (parágrafo único, do art. 14, do CPC), pois a lei prevê expressamente que reverterá em favor do Estado; e b) quando o abuso for cometido antes que o adversário integre o Processo[8].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As sanções previstas para os atos de litigância de má-fé não devem ser confundidas com a indenização, bem como com as sanções aos atentatórios à dignidade da Justiça e ao exercício da jurisdição.
Desde que a natureza das sanções sejam diversas, ora devidas à parte contrária ora ao Estado, não há óbice para a cumulação.
O descumprimento dos imperativos de conduta processual pode acarretar prejuízos tanto à parte contrária quanto ao Estado-juiz e, a partir do enfoque publicista do processo, viola o interesse público que visa ao correto e eficiente exercício da jurisdição.
Portanto, tais atos devem ser coibidos como forma de garantir o respeito à lealdade e à boa-fé e, consequentemente, a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação.
REFERÊNCIAS
ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIDIER JR., Fredie et. al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. 4. ed. Salvador: JusPodivim.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado e Anotado. 3. ed. São Paulo: Manole, 2011.
MILMAN, Fabio. Improbidade processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 215.
[2] DIDIER JR., Fredie et. al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. 4. ed. Salvador: JusPodivim, p. 50.
[3] DIDIER JR., Fredie et. al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. 4. ed. Salvador: JusPodivim, p. 334.
[4] Ibidem, p. 334.
[5] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado e Anotado. 3. ed. São Paulo: Manole, 2011, p. 262.
[6] MILMAN, Fabio. Improbidade processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 2.
[7] ABDO, Helena Najar. O Abuso do Processo. São Paulo: RT, 2007, p. 237.
[8] Ibidem, p. 237.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TSUTSUI, Priscila Fialho. Diferença entre os atos de litigância e os atos atentatórios no processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39705/diferenca-entre-os-atos-de-litigancia-e-os-atos-atentatorios-no-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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