INTRODUÇÃO
Com a valorização dos direitos de caráter eminentemente não-patrimonial, consubstanciados nos direitos de personalidade – como os direitos à vida, à saúde, à integridade física e psíquica, à liberdade, ao nome, à intimidade, dentre outros, e nos direitos difusos, não se concebe mais a limitação apenas ao ressarcimento em pecúnia.
Referidos direitos carecem de uma tutela preventiva, capaz de garantir o bem em si, não se satisfazendo com a mera reparação do dano, cumprindo ao Estado oferecer mecanismos adequados à tutela dos direitos de conteúdo não-patrimonial, que possam efetivamente garantir uma tutela voltada à prevenção do ilícito.
O art. 461, do CPC, introduzido pela reforma do Código de Processo Civil de 1994, constituiu um grande avanço na tutela voltada à prevenção do ilícito, revelando-se como fonte da tutela inibitória no direito brasileiro.
O presente artigo busca demonstrar a importância da delimitação da tutela inibitória atípica no direito brasileiro, tomando como base os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, precursor da tutela inibitória no Brasil.[1]
A NECESSIDADE DE UMA TUTELA VOLTADA PARA O ILÍCITO
Os direitos de personalidade são os maiores exemplos de direitos não-patrimoniais. Caracterizam-se, precipuamente, pela dependência de obrigações continuativas de não fazer ou de obrigações de fazer infungíveis, o que significa que não podem ser garantidos adequadamente por meio de uma sentença condenatória, que atue somente após a lesão do direito. Necessitam, ao contrário, de um mecanismo efetivo, capaz de atuar preventivamente, a fim de evitar a prática do ilícito ou, ao menos, sua continuação ou repetição.[2]
Contudo, o sistema tradicional de proteção dos direitos, organizado sobre o procedimento ordinário e as sentenças de classificação trinaria, revela-se insuficiente para garantia dos direitos não-patrimoniais ou prevalentemente não-patrimoniais. Surge daí a tutela inibitória, que tem como fundamento principal a necessidade de se conferir uma efetiva e adequada proteção às novas situações jurídicas, em razão da necessidade de prevenção, derivada, sobretudo, da inadequação da tutela do tipo repressivo para algumas situações de direito material.
Sua finalidade é impedir a prática, continuação ou repetição do ilícito. Não é, portanto, uma tutela dirigida à reparação do dano, mas sim do ilícito. Percebe-se, portanto, o quão importante é a distinção entre ilícito e dano para conceituação e normatização da tutela desses direitos que, não sendo dirigida ao dano causado, não tem este como requisito.[3]
A propósito, escreve Marinoni a respeito do escopo da tutela inibitória: “note-se, porém, que se o dano é uma consequência meramente eventual e não necessária do ilícito, a tutela inibitória não deve ser compreendida como uma tutela contra a probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, compreendido como ato contrário ao direito que prescinde da configuração do dano”.[4]
Diante disso, cabe ao Estado prever e disponibilizar procedimentos processuais adequados às diversas necessidades do direito substancial, em face do dever de tutelar de forma efetiva todas as situações conflitivas concretas. O art. 461, § 3º, do CPC, deu suporte à ação inibitória, apresentando-se como alternativa capaz de dar efetividade à tutela daqueles direitos que não se contentam com mero ressarcimento, mas, ao contrário, necessitam de uma tutela capaz de garantir o bem em si.
A TUTELA DO ART. 461, DO CPC E OS MECANISMOS DE ATUAÇÃO DA TUTELA INIBITÓRIA
A tutela inibitória não existe sem coerção. Para que seja prestada de forma realmente efetiva, é preciso que se disponibilizem formas de coerção que atuem sobre a vontade do obrigado, de maneira que este cumpra espontaneamente a determinação judicial.[5]
O art. 461, do CPC, coloca à disposição do juiz mecanismos capazes de influenciar na vontade do demandado, constrangendo-o a praticar ato a que não se dispunha, ou a abster-se da realização de alguma coisa que pretendia fazer. São eles especificamente: a multa e as chamadas “medidas necessárias”.
O art. 461, do CPC, a respeito da multa e das medidas necessárias, assim dispõe:
“§4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§5º Para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.
Ressalte-se que o juiz não está adstrito àquelas medidas descritas no artigo, mas poderá, também, a fim de permitir a efetiva e adequada tutela do direito do autor, determinar outras que sejam idôneas à prevenção do ilícito. Dispõe o juiz, portanto, de amplos poderes para fixar o meio coercitivo mais conveniente e adequado para alcançar a efetividade da ordem emanada.
De outro lado, a tutela inibitória não se contenta com a sentença condenatória, necessitando de uma sentença que contenha um comando, ou seja, uma tutela imediata que confira o direito pleiteado pelo autor independente de uma ação de execução.
Assim, a sentença hábil a conferência da tutela inibitória seria a sentença mandamental, que se distingue da condenatória não apenas por conter uma ordem, mas essencialmente por tutelar direitos que não podem ser efetivamente tutelados por meio da condenação.
Com a introdução do art. 461 do CPC no ordenamento jurídico brasileiro, o juiz tem a possibilidade de dar ordens, mediante imposição de multa, proporcionando a tutela de determinadas situações, que não podem ser efetivamente tuteladas pela tradicional sentença condenatória.
Logo, o art. 461, ao permitir o emprego da multa, viabilizando uma sentença mandamental, torna-se uma base sólida e suficiente para o surgimento de uma eficaz tutela preventiva dos direitos, consubstanciada na tutela inibitória. Deve, por isso, ser analisado à luz do princípio da efetividade, não podendo se restringir apenas às obrigações de fazer e de não fazer.
Com indiscutível precisão, esclarece Marinoni a respeito do alcance do art. 461, do CPC:[6]
“Reconhece-se, no plano da teoria geral do direito, que as leis não devem ser interpretadas ao pé da letra. A norma deve ser interpretada em função da unidade sistemática da ordem jurídica; desta forma, o art. 461 tem que ser compreendido em face da nova realidade que foi construída em virtude da recente reforma do Código de Processo Civil e, como é óbvio, de acordo com o espírito que a presidiu. Na verdade, não há como não se vislumbrar na ratio, no fim do art. 461 (interpretação teleológica), a intenção da tutela de direitos que não poderiam ser adequadamente protegidos a partir de uma interpretação excessivamente comprometida com o tecnicismo da linguagem jurídica, que não é, como se sabe, a linguagem da lei, não só porque a lei é o fruto do trabalho de pessoas de diversas formações - o que não autoriza supor que a norma tenha que refletir uma tomada de posição científica -, mas também porque a lei não é dirigida exclusivamente aos juristas.
Não há dúvida de que as modificações há pouco tempo introduzidas no Código de Processo Civil – todas elas marcadas pelo princípio da efetividade – tiveram por fim conferir ao jurisdicionado um processo efetivo e adequado, capaz de assegurar de forma concreta – e não meramente formal – os seus direitos. É completamente descabido, assim, pensar que o legislador ter-se-ia preocupado com a tutela das obrigações de fazer e de não fazer, esquecendo-se dos direitos de personalidade, que, apesar da sua alta relevância, não eram adequadamente tutelados – como reconhecia Barbosa Moreira – antes das alterações que foram realizadas em nosso Código.”
CONCLUSÃO
A par das considerações acima lançadas, ficou claro que a tutela inibitória, no direito brasileiro, encontra alicerce no art. 461, do CPC, que ao permitir o emprego da multa, tornando viável uma sentença mandamental, constitui-se como base sólida e suficiente para o surgimento de uma tutela preventiva dos direitos.
Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro possui fundamento normativo suficiente para garantir a tutela inibitória atípica, capaz de proteger os direitos de personalidade e os direitos de interesse de toda coletividade.
Não se pode olvidar, portanto, que a norma inserta no art. 461, do CPC, à luz do princípio da efetividade, constitui-se como fonte normativo processual da tutela inibitória não apenas nas hipóteses de obrigação de fazer e de não fazer, mas também nos casos dos deveres lato sensu.
Do exposto, conclui-se que o art. 461, do CPC, ao permitir o emprego de multa e viabilizar a sentença mandamental, está apto a conceder a tutela preventiva e necessária à tutela dos direitos de personalidade e daqueles de interesse de toda coletividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENHART, S. C. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
GAMA, R. R. Temas do Direito Processual civil. São Paulo: Agá Juris Editora, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
________________________. A antecipação da tutela. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros editores, 1997.
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3.
_____________________. Tutela específica, arts. 461, CPC e 84, CDC. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do processo cautelar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
Notas:
[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[2] ________________________. A antecipação da tutela. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros editores, 1997.
[3] GAMA, R. R. Temas do Direito Processual civil. São Paulo: Agá Juris Editora, 2000, p. 53.
[4] MARINONI, 2000, p. 06.
[5] ARENHART, S. C. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 185-187.
[6] MARINONI, 2000, p. 74-76.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A tutela inibitória no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39745/a-tutela-inibitoria-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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