1. Introdução
Desde o surgimento das chamadas Agências Reguladoras muito se discute sobre os poderes desses órgãos, razão pela qual, se buscará fazer uma breve análise da questão.
2 A Teoria do Poderes Implícitos
As agências reguladoras brasileiras são fruto de uma alteração do modelo de Estado vigente, isto é, da passagem do Estado Empresário para o Estado Regulador, que se deu, sobretudo, com o processo de desestatização vivenciado na década de 90, quando uma série de serviços públicos ou de interesse público foram transferidos ao setor privado.
Nesse momento, o Estado deixa de explorar diretamente a maioria das atividades de interesse coletivo, passando, porém, a ter o dever de regular essas mesmas atividades, para que elas não satisfaçam apenas os interesses dos agentes econômicos que as exploram, mas também atendam às necessidades da coletividade.
Diante da constatação de que a descentralização da atividade regulatória para entidades de direito público da Administração Indireta é a forma que melhor atende ao ideal de uma regulação técnica, eficiente e despartidarizada, foram criadas, as autarquias-agências reguladoras para o desempenho dessa função.
Como não restam dúvidas quanto à razão pela qual foram previstas e instituídas as agências reguladoras, é possível supor que essas entidades devem ser dotadas, pelo simples ato de sua criação, de todos os poderes necessários para o cumprimento de sua função regulatória. Isso significa, que as atribuições previstas em suas leis de criação representam apenas as finalidades e os objetivos básicos que devem ser visados pelas agências no exercício de sua atividade. Não é a lei de criação da agência reguladora, portanto, que delega poderes à entidade, uma vez que esta terá, desde sua criação, todos os poderes necessários para o atendimento de seu fim.
Isso porque, como observa Aragão, “se, por exemplo, a Constituição estabelece que a Administração Pública deve prestar determinado serviço público (fim), não teria sentido que ela, independentemente da existência de lei ordinária, não pudesse regulamentar sua prestação (meio)”. [1]
Para esse autor, em face disso, as competências das agências reguladoras não se restringem às previstas nas leis que instituíram tais entidades, abrangendo as decorrentes, ainda que implicitamente, de todo o ordenamento jurídico. Segundo Aragão,
com isso não estamos “forçando” o conteúdo da Constituição, mas apenas aplicando o princípio dos “implied powers”, concebido por Marshall nos seguintes termos: “legítimo o fim e, dentro da esfera da Constituição, todos os meios que sejam convenientes, que plenamente se adaptem a este fim e que não estejam proibidos, mas que sejam compatíveis com a letra e o espírito da Constituição, são Constitucionais”. [2]
Nesse contexto, verifica-se uma atribuição constitucional de competências originárias às agências reguladoras, atribuição que lhes confere uma série de poderes implícitos para o exercício da atividade típica de Estado, que é a regulação.
Sob esse aspecto, é válido notar que se costuma dizer que as agências reguladoras foram dotadas de poderes quase-legislativos, quase-executivos e quase-judiciais, para bem-exercer o amplo campo de atribuições que devem assumir.[3]
De fato, conforme destaca Menezello, citando Vital Moreira, o regime regulatório pressupõe “‘três dimensões essenciais: o estabelecimento das regras, a sua implementação concreta, a sanção pelas infracções cometidas’” [4]. Ou seja, para que haja efetiva regulação estatal, é necessário que quem foi incumbido de desempenhar a atividade regulatória tenha o poder de editar normas obrigatórias de conduta, de fiscalizar o cumprimento dessas normas e impor sanções em caso de sua inobservância.
Em face disso, é válido supor que a opção mais acertada para o desenvolvimento da atividade regulatória do Estado é a consolidação das agências reguladoras, como entidades dotadas de poderes suficientes para a implementação de suas atribuições e sua manutenção em condições de bem-exercer seu papel.
Feita essa opção, a questão passa a ser de desenvolvimento de meios de controle da atuação das agências reguladoras, uma vez que ela deve se pautar pelos princípios que regem a administração pública e buscar o atendimento dos fins que justificaram a criação de tais agências.
Sob esse aspecto, Souto verifica que as agências reguladoras “se submetem a um controle finalístico”, [5] pois, apesar de essas entidades se caracterizarem pela sua maior independência em relação ao Poder Executivo, elas se submetem a essa espécie de controle, na medida em que, consoante Moraes,
a Constituição Federal, em seu art.37, inciso XIX, determina que somente por lei específica poderá ser criada autarquia; que, em face da incidência do princípio da especialidade, não poderá afastar-se, no exercício de suas atividades, das finalidades e dos objetivos determinados na lei de sua criação. [6]
Submetidas a esse controle, elas não poderão abusar dos poderes que lhes foram atribuídos e terão plenas condições para instituir uma regulação adequada e eficaz.
3. Considerações Finais
Diante do quadro apresentado no decorrer desse trabalho, constata-se que às agências reguladoras foram atribuídos amplos poderes para efetivamente cumprirem com sua função.
Sob esse aspecto, válido salientar que é decorrência lógica que as agências reguladoras receberam os poderes necessários, para bem desempenhar seu papel, que, como o próprio nome indica, é de regular atividades, inclusive normatizando-as, sempre que necessário. Se assim não fosse, pouca utilidade teriam as agências reguladoras, restando injustificada sua previsão constitucional.
Ademais, o não reconhecimento dos referidos poderes às agências reguladoras poderá gerar grandes prejuízos à prestação de serviços para a coletividade, na medida em que são essas entidades que possuem os conhecimentos técnicos e a autonomia necessária para bem regular as atividades independentemente de conflitos políticos, o que dificilmente outro órgão ou entidade conseguirá.
De fato, as agências reguladoras são as entidades que melhor podem implementar uma verdadeira regulação de Estado, ou seja, uma regulação que simbolize os objetivos visados pelo Estado, tal como idealizado constitucionalmente. No entanto, para isso, é necessário que se reconheça os poderes a elas atribuídos, legitimando-se assim sua atuação.
Notas:
[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras independentes e o Estado democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 37, n 148, p. 287, out./dez. 2000.
[3] Nesse sentido ver CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006., p. 144.
[4] MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o Direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2002., p. 126.
[5] SOUTO, Marcos Juruena Villela. A Extensão do Poder Normativo das Agências Reguladoras. In: Anais do Seminário As Agências Reguladoras, Bahia, 2004., p. 29.
[6] MORAES, Alexandre. Agências reguladoras. In: MORAES, Alexandre (Org.) et alli. Agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 25.
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