I – Introdução
Visando imprimir uma maior concretude as promessas do poder constituinte originário, relativa ao acesso universal à Justiça, várias medidas, nos últimos 20 anos, foram implementadas, tais como: i) criação e aperfeiçoamento dos juizados especiais federais e estaduais; ii) implementação e fortalecimento da Defensoria Pública e da Advocacia-Geral da União; iii) criação do Conselho Nacional de Justiça; iii) inúmeras reformas implementadas no Código de Processo Civil e na própria Constituição, tais como a ampliação dos legitimados para a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade, etc..
Com efeito, nosso sistema processual civil, cujo diploma básico é de 1973, passou por grandes reformas legislativas nas últimas décadas, sendo intuitivo afirmar que outras alterações, inclusive interpretativas, ainda estão em andamento. A previsão da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, com redação conferida pela Lei nº 8.952/94), a ampliação do rol dos títulos executivos extrajudiciais (Lei nº 8.953/94), a previsão da antecipação da tutela recursal (art.558, com redação da Lei nº 9.139/95), bem como a ampliação dos poderes do relator (art. 558, com redação da Lei nº 9.756/98) são bons exemplos dessa nova perspectiva. Houve ainda a ampliação e concretização da noção de sincretismo do processo civil, através das Leis nºs 10.444/02 e 11.232/05, de forma que, mais do que nunca, as atividades cognitiva, cautelar e executiva podem se desenvolver no seio de apenas um processo, com apenas uma relação processual.
Todas essas alterações têm como escopo a concretude da devida prestação jurisdicional, promessa do Poder Constituinte Originário, recentemente reforçada pelo constituinte reformador, com a expressa previsão no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais da CF/88 (art. 5ª, LXXVIII), no sentido de que a todos, no âmbito judicial e administrativo, ‘são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.
Fala-se, hodiernamente, em pós-positivismo e na força normativa dos princípios[1]. É nesse cenário, portanto, que a doutrina e a jurisprudência fazem uma nova leitura de vários institutos e dogmas do nosso processo civil, sob uma perspectiva constitucional, vale ressaltar, hoje visto com mais ênfase em sua faceta de instrumento para a realização dos direitos materiais; como meio e não como fim em si mesmo.
Todo esse cenário evidenciava não somente essa perspectiva de tentativa de ampliação do acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário, mas também uma tentativa de tornar célere a prestação jurisdicional, ante a crise vivenciada pelos Tribunais superiores, notadamente a Excelsa Corte e o Superior Tribunal de Justiça.
Pois bem. Uma das respostas a essa ‘crise’ experimentada pelos tribunais superiores – o Supremo Tribunal Federal recebia, em média, por ano, pelos menos cem mil novos recursos extraordinários e agravos de instrumento – impulsionou a reforma do Poder Judiciário, no bojo da qual foram introduzidos o requisito específico de admissibilidade dos recursos extraordinários (art. 102[2], §3º da CR/88, introduzido pela EC 45/2004), denominado de repercussão geral, bem como a Súmula Vinculante (art. 103-A[3], também introduzido pela EC 45/2004).
Nossa pretensão no presente trabalho, portanto, é analisar os efeitos da introdução desse novo requisito de admissibilidade para o processamento do recurso extraordinário, bem como o que sua regulamentação, levada a cabo pela Lei nº 11.418/06, poderá acarretar na dinâmica do controle difuso de constitucionalidade, tudo envolto, outrossim, com as conseqüências advindas da aplicabilidade da Súmula Vinculante e do eventual cabimento de Reclamação, quando da aplicação do regime de repercussão geral ao controle difuso de constitucionalidade.
II – do sistema de controle de constitucionalidade positivado no Brasil
Acossando o objetivo acima declinado, impõe-se tecer algumas considerações acerca do nosso sistema de controle de constitucionalidade, com ênfase no controle difuso.
Nosso sistema de controle de constitucionalidade é considerado eclético ou híbrido, posto que coexistem todas as modalidades de fiscalização admitidas pelo direito comparado.
Fundado na premissa de que a Constituição Federal de 1988 ostenta caráter formal (a constituição federal de 1988 é rígida, regra fundamental, ou seja, fundamento de validade do nosso Estado Democrático de Direito), nosso sistema de controle de constitucionalidade é concentrado, basicamente, no Poder Judiciário, nada obstante existam, ao lado desse controle exercido pela Justiça, outras formas de sujeição das normas infralegais à Constituição, exercidas pelos demais poderes, tais como o veto e a análise de constitucionalidade prévia, materializada, quando da gênese do ato legislativo, pelas comissões de constituição e justiça do Congresso Nacional. Entende-se, com efeito, que o Judiciário exerce o controle judicial, enquanto que os demais Poderes fariam uma fiscalização com feição marcadamente política.
Fala-se ainda que o controle de constitucionalidade possa ser prévio ou repressivo, sendo esse exercido quando a norma tenha adquirido vigência, enquanto aquele é realizado, por exemplo, sobre a proposta[4] de emenda à constituição ou o projeto de lei ordinária ou complementar ainda em tramitação no Congresso Nacional.
O principal aspecto de nosso controle de constitucionalidade cinge-se na possibilidade de sua materialização pela forma difusa (por qualquer juiz ou tribunal[5]), instrumentalizado pela via de exceção, suscitada como objeto incidental da atividade cognitiva, produzindo efeitos ex tunc[6] e apenas entre as partes do processo, salvo a hipótese do Senado da República resolva expandir esse efeito para todos, via resolução. Nesse tipo de controle, o juiz de 1ª Instância pode conhecer e declarar a inconstitucionalidade de uma norma, incidentalmente, isto é, como causa de pedir, sem atingir a vigência da norma que continua a produzir efeitos, normalmente, no sistema.
Ao lado dessa modalidade de fiscalização de constitucionalidade, há ainda o controle concentrado, viabilizado via ação direta a qual proporciona a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo com efeitos erga omnes e, em regra, ex tunc, podendo o STF modular os efeitos da decisão fundados em interesse púbico e para assegurar a segurança jurídica, eventualmente abalada pelos efeitos da decisão proferida. Importante sublinhar ainda que tal espécie de controle é suscitado como objeto principal da atividade cognitiva de dois órgãos judiciais, o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiças estaduais, conforme a inconstitucionalidade possa ser declarada em face da Constituição da República ou da Constituição Estadual.
Um ponto, relativo à diferença existente entre essas formas de controle, me parece importante destacar: enquanto o controle abstrato de constitucionalidade tem como parâmetro a Constituição vigente[7], no difuso essa fiscalização ocorre observando como parâmetro a Constituição vigente no momento da edição da Lei ou ato normativo, podendo, nessa forma de controle, portanto, ser exercido sobre norma da constituição já revogada.
Em linhas gerais, essas são as características do nosso sistema de controle de constitucionalidade. Passemos, então, a uma análise mais acurada acerca do controle difuso.
III – do controle difuso de constitucionalidade: transformações e influxos da ampliação do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil
Conforme leciona o professor Gilmar Mendes “As mudanças ocorridas no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro a partir de 1988 alteraram radicalmente a relação que havia entre os controles concentrado e difuso. A ampliação do direito de propositura da ação direta e a criação da ação declaratória de constitucionalidade vieram reforçar o controle concentrado em detrimento do difuso[8]”.
Com efeito, há claramente um movimento, dentro da Excelsa Corte, no sentido de reconhecer uma maior objetivação do controle de constitucionalidade incidental, produzido basicamente em sede de recursos extraordinários e que, tradicionalmente, produz efeitos apenas entre as partes e ex tunc. Pode-se concluir, portanto, que a Constituição de 1988 e o poder constituinte reformador conferiram maior ênfase ao controle concentrado, em detrimento ao difuso, considerando-se que todas as controvérsias constitucionais relevantes podem ser submetidas ao STF, mediante o controle abstrato, inclusive o direito pré-constitucional e o direito municipal, via Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
São vários os indicativos dessa postura. Primeiramente, sabe-se da possibilidade de, ao julgar um recurso extraordinário, a Excelsa Corte declarar a inconstitucionalidade de uma Lei sem que se verifique a relevância da aplicação da mesma para o caso concreto. Também se verifica a aceitação de amicus curie, bem como da aplicação do art. 27 da lei n 9.868/99, ou seja, a incidência, no controle difuso, da técnica de declaração de inconstitucionalidade, com modulação de efeitos. Todos esses aspectos são sintomáticos do processo de objetivação do controle difuso de constitucionalidade. Todas essas possibilidades atualmente existentes no âmbito de controle difuso de constitucionalidade, portanto, maximizam a feição objetiva do recurso extraordinário.
Nesse cenário, buscando uma maior racionalidade e celeridade na entrega da prestação jurisdicional, bem como objetivando promover a uma maior unidade na interpretação do direito, vem sendo incrementada, em nosso sistema positivo, a força persuasiva dos precedentes jurisdicionais.
Percebe-se, claramente, uma maior aproximação entre o nosso sistema jurídico, historicamente alinhado com o Civil Law (ou romano-germânico) com o sistema stare decisis, no qual os precedentes jurisprudenciais possuem força vinculante, ao contrário do nosso que, em regra, possui apenas força de persuasão. Fala-se na verticalização das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.
São indicativos desse processo que culminou com a introdução do regime de repercussão geral e da súmula vinculante, os seguintes artigos do Código de Processo Civil, todos frutos de reformas no nosso CPC: art. 475, 3, que dispensa a remessa necessária, quando a decisão recorrida estiver fundada em súmula de tribunal superior ou jurisprudência do plenário do STF, o art. 518, 1, que prevê a súmula impeditiva de recurso; o art. 557 que confere ao relator do recurso o poder de inadmitir, monocraticamente, recurso interposto contra decisão que se fundou em jurisprudência dominante ou súmula do STF e do STJ; o art. 557, 1, que possibilita o provimento monocrático de recurso em consonância com jurisprudência dominante ou súmula do STF ou do STJ.
Nesse cenário, não há dúvidas, portanto, do crescente processo de objetivação do controle de constitucionalidade difuso, no âmbito dos julgamentos do recurso extraordinário, de modo que a aproximação desses sistemas de controle afigura-se cada vez mais forte, tudo no escopo de racionalizar e tornar mais efetiva a prestação jurisdicional.
IV – Da repercussão geral e suas influências no controle difuso de constitucionalidade: julgamento por amostragem e efeitos vinculantes?
Como visto, foram muitas as alterações ocorridas no controle difuso de constitucionalidade, sendo evidente sua aproximação com o controle objetivo. Nessa linha, uma das alterações relativas ao controle difuso, ou seja, pertinente ao recurso extraordinário, introduzida pelo Poder Constituinte Derivado (EC 45/2004) - ao contrário das acima mencionadas, erigidas com supedâneo na atividade interpretativa da Excelsa Corte e de reformas pontuais no CPC materializadas pelo legislador ordinário - foi a introdução de novo requisito de admissibilidade, denominado repercussão geral.
Com efeito, exige o art. 102, §3º da CR/88, como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário que ‘o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros’.
Nada obstante a utilização de conceito jurídico indeterminado (repercussão geral das questões constitucionais discutidas), por determinação da própria constituição, adveio a Lei 11.418/2006[9] que considerou caracterizada a repercussão geral quando presentes, na causa judicializada e objeto do recurso extraordinário, ‘questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa’.
Percebe-se da análise da legislação que regulamentou a repercussão geral que foram utilizados, mais uma vez, conceitos jurídicos indeterminados, com uma sensível, porém maior, delimitação do tema, dês que, segundo a indigitada lei, considera-se dotada de repercussão geral as questões ‘relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico’, e que ultrapassem os interesses das partes. Destarte, a transcendência dos interesses postos no recurso extraordinário é o vetor interpretativo que guiará a Suprema Corte na materialização do juízo da existência de repercussão geral que abrirá a jurisdição do STF.
A repercussão geral, portanto, caracteriza-se por ser um filtro no escopo de racionalizar a jurisdição constitucional da Excelsa Corte, de modo que ela própria decida quais causas vai julgar, quando entender presentes a repercussão geral da tese debatida no recurso, ou seja, quando verificada que o julgamento a ser proferido finalize controvérsia jurídica que ‘ultrapassem os interesses subjetivos da causa’.
Para instrumentalizar e viabilizar a racionalização pretendida pelo legislador constituinte derivado, a Lei nº 11.418/2006 introduziu, também, o art. 543-B[10] ao Código de Processo Civil, o qual, por sua vez, remeteu parte da regulamentação dessa novel sistemática de julgamento ao Regimento Interno do STF (regulamentada pela Emenda Regimental nº 21 de 2007). Trata-se de sistemática que a doutrina vem denominando como julgamento por amostragem. Essa forma de julgamento revela, em verdade, mais uma faceta do processo de objetivação do controle difuso de constitucionalidade. De acordo com essa sistemática, admitida a repercussão geral do recurso extraordinário, em decorrência da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia (transcendência), abrem-se várias possibilidades procedimentais em face da observância do disciplinado no art. 543-B do CPC e do julgamento do recurso paradigma.
Caso o STF entenda pela inexistência de repercussão geral, os demais casos que estavam sobrestados na origem (art. 543-B, § 2º) serão automaticamente inadmitidos. Quando a Corte Suprema reconhecer a repercussão geral e julgar o recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos tribunais de origem, que poderão declará-los prejudicados, casos as decisões recorridas estiverem em conformidade com o pronunciamento do STF, ou retratar-se, caso o julgamento do Supremo seja contrário ao firmado nos acórdãos objeto de recursos extraordinários idênticos (art. 543-B § 2º).
É exatamente os efeitos transcendentais que o julgamento desses recursos, submetidos ao procedimento do art. 543-B do CPC, vem causando dúvidas na prática forense, bem como alimentando a discussão em torno da objetivação do controle difuso de constitucionalidade, com todas as implicações práticas que decorrem disso.
Divaga-se: as razões de decidir de um julgado submetido ao procedimento do art. 543-B possuem efeitos vinculantes? Caso positivo, caberá reclamação constitucional, quando o Tribunal a quo aplicá-lo indevidamente? Ou se está diante de precedentes com efeitos persuasivos especiais?
A reclamação constitucional, como cediço, caracteriza-se por ser uma ação de competência originária dos tribunais superiores[11], prevista pela Carta Magna, que tem por escopo garantir a autoridade das decisões destes tribunais e preservar a competência deles. Para nosso objetivo aqui perseguido, não nos interessa a análise do cabimento da reclamação manejada pela própria parte, em face de descumprimento, pelo Judiciário, posto que não existem dúvidas acerca do cabimento de reclamação constitucional, quando a própria parte do processo de feição subjetiva acossa sua garantia, acusando o descumprimento por algum órgão do Judiciário[12]. A questão que se põe é: julgado um recurso extraordinário, com reconhecida repercussão geral, sob o rito do art. 543-B, suas razões de decidir podem gerar o direito ao ajuizamento de reclamação constitucional por qualquer parte, notadamente daquelas que sofram os efeitos desse julgado paradigma nos tribunais inferiores?
Caso positivo haveria o reconhecimento da força vinculante das razões de decidir contidas nos julgamentos em recursos extraordinários submetidos ao rito do art. 543-B. Seria a objetivação máxima do controle difuso de constitucionalidade, levado a cabo pela Excelsa Corte. Há alguns problemas, entretanto. Como defender a existência desses efeitos vinculantes, em sede de RE, quando o poder constituinte derivado previu o instrumento da Súmula Vinculante?
Note-se que o art. 102, §3º da CR/88 exige, para a edição da súmula com efeitos vinculantes para todos, apenas que exista ‘reiteradas decisões sobre matéria constitucional’, de modo que a Excelsa Corte está autorizada a atribuir tais efeitos a julgamentos materializados em sede de RE, inclusive daqueles recursos julgados pela sistemática do art. 543-B.
Não se desconhece que existe corrente no âmbito da Excelsa Corte que defende a existência de efeitos vinculantes nas razoes de decidir nos julgamentos, pelo plenário, de recurso extraordinário. Defende-se a mutação constitucional do art. 52, X da CR/88, o qual não teria mais utilidade, diante de declaração de inconstitucionalidade pelo plenário do STF, mesmo que em sede de recurso extraordinário. Essa linha de pensamento, entretanto, é minoritária, tanto que existem inúmeros precedentes daquela Corte no sentido de não cabimento de reclamação quando a decisão paradigma foi proferida em sede de RE e o reclamante não foi parte no processo principal. Sintomáticos desse entendimento os julgados na RCL 5628[13] e na RCL 8221[14]. Nesse mesmo sentido a RCL 5735, rel. Min. Eros Grau, julgada pelo plenário do STF em 25/11/2010.
Indicativo desse entendimento o recente julgado no RESP 1096244, no qual o Superior Tribunal de Justiça asseverou: “6. De acordo com a interpretação do § 3º do art. 543-B do CPC, nada impede que esta Corte adote orientação interpretativa que entender mais correta à norma infraconstitucional, uma vez que as decisões proferidas em sede de repercussão geral não têm efeito vinculante. 7. Manutenção do entendimento adotado por esta Corte por ocasião do julgado do mérito do presente Recurso Especial representativo da controvérsia”.
Não parece, realmente, ser sustentável, sob o prisma dogmático, a existência de efeitos vinculantes e para todos, nos julgamentos de recursos extraordinários, mesmo que julgados pelo plenário, pela novel sistemática da repercussão geral. Ora, se dogmaticamente não é viável, haja vista a inteligência dos artigos 103-A e do parágrafo 3 do art. 102, todos da Constituição Federal de 1988 e a jurisprudência do Supremo Tribunal rejeita essa tese, não há como defendê-la, a não ser como lege ferenda.
Com efeito, no julgamento da RCL 7569, em novembro de 2009, o plenário da Excelsa Corte afastou qualquer dúvida acerca do tema. Veja-se a clareza da ementa:
“RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação. Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, não conheceu da reclamação, cassada a liminar concedida. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Eros Grau e, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Britto. Plenário, 19.11.2009”.
Note-se que, segundo orientação fixada no julgado acima referido, “a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil’. Nesse mesmo julgado, a Excelsa Corte entendeu que a competência para conhecer e processar qualquer ação cautelar tendente a evitar lesão grave e de difícil ou incerta reparação é do Tribunal de origem, sendo certo que a jurisdição do STF somente é viável, quando o Tribunal a quo mantém decisão em desconformidade com o entendimento firmado pela Corte Suprema, quando do julgamento do RE. Necessário, porém, o exaurimento da jurisdição do tribunal de origem, através da interposição de agravo interno.
IV – Conclusão
Ante todo o exposto até aqui, percebe-se que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no âmbito da qual foram ampliados os direitos e garantias fundamentais, o fortalecimento do controle de constitucionalidade concentrado, em detrimento do controle difuso, a busca da efetividade na concretude desses direitos, do direito à razoável duração do processo, inaugurou-se toda uma nova perspectiva jurídica no Brasil.
Nessa esteira, nosso Código de Processo Civil também passou por várias alterações legislativas, sempre visando assegurar maior efetividade ao processo e, ao cabo, aos direitos subjetivos tutelados pelo Poder Judiciário. São exemplos dessa nova perspectiva a ampliação dos títulos executivos extrajudiciais, a previsão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, inclusive em sede recursal, bem como a implementação do sincretismo entre as funções jurisdicionais cognitiva, cautelar e executiva.
Busca-se, em todas as fronteiras, a ampliação do acesso ao Judiciário e a efetivação dos direitos fundamentais. Fala-se no pós-positivismo e na força normativa dos princípios.
Ampliando ainda mais esse escopo por racionalidade e efetividade na prestação jurisdicional, foram introduzidos em nossa sistema a súmula vinculante e a repercussão geral das questões discutidas no Recurso Extraordinário, como novo requisito de admissibilidade. Reforça-se com esses mecanismos a força persuasiva dos precedentes jurisdicionais dos tribunais superiores. Verifica-se uma maior aproximação de nosso sistema ao modelo norte-americano denominado de sistema stare decisis, no qual os precedentes jurisprudenciais possuem força vinculante.
Apesar de toda essas alterações, não perece defensável que os julgamentos desses recursos extraordinários submetidos ao regime do art. 543-B do CPC (julgamento por amostragem) sejam dotados de efeitos vinculantes e erga omnes, mas que ostentam maior poder de persuasão frente aos demais órgãos do Poder Judiciário e, no caso da súmula vinculante, aos demais Poderes do Estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR, Fredie, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, Curso de Direito Processual Civil. Ed. 2007, Salvador, Jus PODIVM, Volume 2.
CUNHA, Leonardo José Carneiro. A fazenda Pública em Juízo. 7ª Edição; editora Dialética.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 22ªed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.
Bases Científicas para um renovado Direito Processual, Volume 2. Instituto Brasileiro de Direito Processual. Organizadores: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio Calmon.
MENDES, Gilmar Ferreira, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. 5ª Edição; editora Saraiva.
MEDINA, José Garcia Medina. Prequestionamento e Repercussão Geral e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5 edição; RT
[1] "Administração pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. Proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. (...) Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. Precedentes. RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante de cargo em comissão." (RE 579.951, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 20-8-08, DJE de 24-10-08)
[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (....)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[3] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº 11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."
[4] Nesses casos, há ainda a possibilidade desse controle prévio ser judicializado. Segundo entendimento jurisprudencial, apenas o membro do Congresso Nacional tem legitimidade para impetrar mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que se invoca direito liquido e certo do parlamentar de não participar de deliberação legislativa que esteja, em tese, afrontando o processo legislativo ou que seja daquelas hipóteses em que é vedada até mesmo a propositura de tal proposta, como por exemplo, no caso de uma proposta de emenda constitucional que fosse tendente à abolir alguma cláusula pétrea.
[5] No caso dos Tribunais, a CR/88 exige a observância da cláusula de reserva de plenário, para que o Tribunal possa declarar a inconstitucionalidade de uma norma, pela via incidental.
[6] Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha modulado os efeitos de decisão proferida em sede de controle difuso, para determinar que a decisão produza efeitos ex nunc, ou seja, pro futuro, ampliando a sensação de que a objetivação do recurso extraordinário é uma tendência irreversível. Por todos o julgado no RE 197.917.
[7] Tanto que a alteração do parâmetro de controle – alteração da norma constitucional, via emenda – provoca a prejudicialidade da ADI.
[8] MENDES, Gilmar Ferreira in Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Artigo disponibilizado pelo IDP.
[9] Artigo Art. 543-A do Código de processo Civil: O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
[10] Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 3o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
[11] NO caso do STF encontra-se previsto no art. 102, I, ‘L’ da CR/88
[12] Caso o descumprimento seja verificado por outra esfera do Estado (autoridade administrativa, v.g), o caso se resolve no âmbito do Juízo de primeiro grau em que tramita a execução do julgado.
[13] Rcl 5628 AgR / SP - SÃO PAULO AG.REG. NA RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 06/05/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DA RECLAMATÓRIA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS AO SEU CABIMENTO. EFEITO ERGA OMNES. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ENTRE O ATO RECLAMADO E O OBJETO DA DECISÃO DESTE TRIBUNAL PRETENSAMENTE DESRESPEITADA. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. ARTIGO 102, I, "l", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Não cabe reclamação para assegurar a autoridade de ato judicial que não possui efeito erga omnes. Artigo 102, I, "l", da Constituição do Brasil. 2. Ausência de identidade entre o objeto do ADI n. 1.976 e a decisão reclamada. A via processual eleita é inadequada para atender a pretensão dos reclamantes. Agravo regimental a que se nega provimento.
[14] Rcl 8221 AgR / GO - GOIÁS AG.REG.NA RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 25/02/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE COM TRÂNSITO EM JULGADO. EX PREFEITO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO NA RECLAMAÇÃO 2.138 E NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO 6.034. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. As decisões proferidas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nas Reclamações 2.138/DF e 6.034/SP têm efeitos apenas inter partes, não beneficiando, assim, o ora Agravante. 2. Inviável o agravo regimental no qual não são impugnados todos os fundamentos da decisão agravada. 3. Não cabe Reclamação contra decisão com trânsito em julgado. Súmula STF n. 734. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
Advogado da União, bacharel em Direito pela Universidade católica de Pernambuco em 2004, pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP, atualmente ocupa o cargo de Procurador Regional da União na 5ª Região.<br>Recife, Pernambuco.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VELOSO, Rodrigo Cunha. Os efeitos da repercussão geral no controle difuso de constitucionalidade sob o enfoque do eventual cabimento de reclamação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39800/os-efeitos-da-repercussao-geral-no-controle-difuso-de-constitucionalidade-sob-o-enfoque-do-eventual-cabimento-de-reclamacao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.