Richard Hall, através do texto intitulado “O conceito de burocracia: uma contribuição empírica” traz uma importante contribuição para a compreensão de aspectos da burocracia, como as suas dimensões.
Hall pretende analisar o conceito de burocracia como uma série de dimensões, onde as variáveis possam ser sistematicamente medidas, com o objetivo de se demonstrar o grau em que as organizações sejam ou não burocráticas.
Afirma que Max Weber, ao descrever as organizações burocráticas, enumerou uma série de atributos organizacionais que, presentes, constituiriam a forma burocrática da organização. Essas dimensões seriam: divisão do trabalho, hierarquia de autoridade, normas extensivas, separação entre administração e prosperidade, salário e promoção baseados na competência técnica. As dimensões enunciadas por Weber, segundo Hall, têm servido de base para as definições subsequentes da estrutura burocrática.
Entretanto, o autor considera melhor estudar o grau de burocratização de uma organização, segundo seis dimensões, que escolhe entre aquelas citadas pela maior parte dos doutrinadores. São elas:
1) Divisão do trabalho baseado na especialização funcional.
2) Hierarquia de autoridade definida.
3) Sistema de normas englobando os direitos e deveres dos ocupantes de cargos.
4) Sistema de procedimentos que ordenam a atuação no cargo.
5) Impessoalidade das relações interpessoais.
6) Promoção e seleção segundo a competência técnica.
Hall afirma que “na burocracia de tipo ideal essas dimensões estariam presentes em alto grau, enquanto as organizações não-burocratizadas ou simples apresentariam, idealmente, baixo grau de frequência em todas as dimensões.”
Mas, indaga se as organizações concretas se enquadram em algum desses tipos ideais extremos. Para Hall, a burocracia existe concretamente em graus que se dispõem ao longo das seis dimensões, sendo que “as dimensões burocráticas existem de fato sob a forma de contínuos, e que esses contínuos são mensuráveis.”
Para a mensuração dimensional, o autor se vale de entrevistas com os participantes de algumas organizações, formulando perguntas sobre as seis dimensões do grau de burocratização da organização.
Analisando as respostas, constatou-se que, por exemplo, na dimensão de hierarquia de autoridade, a organização mais burocratizada, que se verificou naquela ocasião, foi um grande hotel, onde existia uma rígida separação dos níveis de autoridade.
O autor afirma que, ao analisar os resultados das entrevistas, pode-se chegar à constatação de que a burocracia em geral pode ser vista como uma questão de grau, ou seja, existente em uma organização em maior ou menor grau, não sendo a burocracia uma questão de natureza, ou seja, uma organização é ou não burocrática. Assim, o necessário seria analisar o quanto de burocrática uma organização tem ou deixa de ter.
Completa dizendo que a dimensão “hierarquia” pode ser considerada a dimensão central na determinação do grau completo de burocratização, segundo os resultados desta pesquisa. Mas ressalta a importância de novos estudos e pesquisas para corroborarem estas iniciais constatações.
Outra questão verificada nas pesquisas realizadas foi o fato de que o “tamanho e a idade” da organização não guardavam relação com o grau de burocratização nas seis dimensões.
Assim, como um primeiro resultado das pesquisas efetivadas, Hall diz que as organizações concretas são compostas de dimensões de burocracia, em graus diferentes. Por este motivo “o conceito burocrático seria mais descritivamente exato se fosse reformulado nestes termos dimensionais, enfatizando-se a natureza contínua das dimensões.”
Deste modo, outro resultado das pesquisas, segundo Hall, é no sentido que muitos estudos que definiam certas organizações como sendo burocráticas, devem ser revistos. Para ele, o correto seria verificar o grau de burocratização da organização, e não simplesmente afirmar que a organização é ou não burocrática.
Sendo assim, o autor chega à conclusão de que a burocracia pode não ser aquela forma racional descrita por Weber, podendo ser sim, configurações particulares analisados no caso concreto do modelo burocrático. E que conhecer estas diferenças seria essencial para detectar os problemas de cada organização e trata-los de forma adequada.
Na minha opinião, o texto tem uma grande validade ao chamar a atenção para o fato de que nem sempre uma teoria é aplicada em sua totalidade na prática. E que o conceito de burocracia não seria tão estático como sugerido por Weber. Conhecer o grau de burocracia de uma organização é importante para conhecer seus eventuais problemas e para se tentar chegar às soluções. Entretanto, o reduzido número de organizações analisadas não confere tanta cientificidade às pesquisas realizadas. Por isto mesmo o autor sugere que novos estudos sejam feitos.
Outra importante obra para a compreensão do tema burocracia é o artigo “Estrutura burocrática e personalidade”, de Robert Merton.
O autor inicia seu artigo dizendo que uma estrutura social, racionalmente organizada, envolve padrões de atividade claramente definidos, onde as ações estão funcionalmente relacionadas com os propósitos da organização e que na organização existe uma série de cargos hierarquicamente organizada.
Afirma que a autoridade é inerente ao cargo e que existe um sistema de relações entre os cargos, onde estão presentes a formalidade e a distância social. Ressalta, inclusive, que desta forma o subordinado fica protegido de eventual ação arbitrária do seu superior, uma vez que as ações de ambos devem se processar dentro de um conjunto de regras.
Assevera que o tipo ideal desta organização formal é a burocracia. Max Weber, em sua conceituação clássica, dizia que a burocracia envolve a divisão de atividades integradas, como obrigações inerentes ao cargo. Lembra ainda as características da burocracia weberiana como, por exemplo, processos formais, impessoais, estrutura de autoridade hierárquica, cargos burocráticos estáveis, vitalícios, e eficiência técnica.
Merton destaca que devido à grande burocratização o homem é, em um grau alto, dominado pelas relações sociais em relação aos instrumentos de trabalho. Afirma que as pessoas para trabalhar precisam, muitas vezes, estar empregadas em burocracias públicas ou particulares. Por consequência, afirma que é preciso ser empregado das burocracias para ter acesso às ferramentas e trabalhar para viver. Neste sentido, a burocratização separa os indivíduos dos instrumentos de produção.
Feita esta introdução, Merton passa então a analisar as disfunções da burocracia. Para analisar os aspectos negativos da burocracia, vale-se da aplicação do conceito de Veblen sobre a “incapacidade treinada”, da noção de Dewey sobre a “psicose ocupacional” e da opinião de Warnotte sobre a “deformação profissional”.
A incapacidade treinada refere-se à condição de alguma pessoa somente conseguir trabalhar segundo os treinamentos e condicionamentos feitos no passado, neste caso, quando as condições se modificam, esta pessoa não consegue desenvolver adequadamente o seu trabalho. A psicose ocupacional seria resultado da rotina diária de trabalho e se desenvolveria pelas exigências feitas ao indivíduo pela organização.
Segundo Merton, a estrutura burocrática exerce pressão constante sobre o funcionário para que ele seja “metódico, prudente e disciplinado”. A rigidez na disciplina pode levar ao formalismo excessivo e ao tecnicismo do funcionário, que passa a atuar com uma adesão literal às regras, sendo incapaz de lidar com situações novas ou não previstas.
Acrescenta que a exacerbada preocupação do funcionário com a estrita observância dos regulamentos leva à timidez, atitudes conversadoras e tecnicismo.
Mais adiante, Merton afirma que outro aspecto da estrutura burocrática é a despersonalização de relações. Explica que o padrão de personalidade do burocrata é centralizado na impersonalidade, ou seja, na forma impessoal que ele atende as demandas trazidas pelos cidadãos. Por isto muitas vezes, os cidadãos consideram que os burocratas são arrogantes e insolentes.
Diante de todas estas questões, o autor propõe que a interação entre burocracia e personalidade seja objeto de mais estudos a fim de compreendermos melhor esta estrutura social. Questiona até que ponto determinados tipos de personalidades são selecionados e modificados pelas diferentes burocracias.
Como visto, o texto traz importantes considerações sobre a estrutura da burocracia e suas consequências sobre a personalidade, como o tecnicismo exacerbado, a falta de criatividade e a vinculação a modelos anteriores. Entretanto, ao gestor, seja público ou privado, cabe a árdua tarefa de apresentar soluções de como resolver estas questões, através de práticas e modelos alternativos, que sejam capazes de superarem as disfunções da burocracia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HALL, Richard. O conceito de burocracia: uma contribuição empírica. In: CAMPOS, Edmundo (Org.) Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1978.
MERTON, Robert. Estrutura burocrática e personalidade. In: ETZIONI, Amitai (Org.) Organizações complexas. São Paulo: Atlas, 1971.
Procurador Federal; Procurador-chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social em Contagem/MG; Coordenador do Serviço de Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Previdenciário; Mestrando em Administração Pública - Fundação João Pinheiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARMANDO, Anibal Cesar Resende Netto. Burocracia: dimensões e personalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39874/burocracia-dimensoes-e-personalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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