O código penal estabelece em seu artigo 250 o crime de incêndio, in verbis;
Incêndio
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Buscou o legislador proteger a incolumidade pública, particularmente o perigo comum que pode decorrer das chamas provenientes de um incêndio.
A doutrina costuma definir incolumidade pública da seguinte maneira:
“Incolumidade é o estado de preservação ou segurança de pessoas ou de coisas em relação a possíveis eventos lesivos. Ao utilizar a expressão “incolumidade pública”, o legislador incriminou condutas atentatórias à vida, ao patrimônio e à segurança de pessoas indeterminadas ou não individualizadas, ao contrário do que se verifica nos delitos disciplinados nos títulos anteriores da Parte Especial do Código Penal.”
Busca-se preservar a sociedade do perigo de fogo, independentemente do dano que se possa seguir.
Em se tratando de delito material, que exige a efetiva exposição a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de pessoas indeterminadas, é indispensável à prova da efetiva ocorrência da situação perigosa, pois cuida-se de crime de perigo concreto.
Os delitos de perigo concreto ou efetivo têm expressamente estabelecido no tipo a necessidade de que haja provocado uma situação de perigo, ou seja, um resultado de perigo. “Consequentemente, a simples provocação de incêndio não enseja, por si só, a incidência do tipo penal em apreço, se da conduta não resultar a efetiva exposição da coletividade a perigo concreto.”
Cuidando-se de crime comum, qualquer pessoa pode praticá-lo:
“inclusive o proprietário da coisa incendiada, pois a lei mostra-se indiferente se o incêndio ocorreu em coisa própria ou alheia”.
Em se tratando de crime contra a incolumidade pública, o sujeito passivo será o Estado, a sociedade, a coletividade e todos que forem atingidos pela prática incendiária.
A conduta delitiva consiste em “causar incêndio”, expondo a perigo os bens jurídicos descritos no tipo. O incêndio é tido como:
“voluntária comunicação de fogo a alguma coisa com a consciência de, assim agindo, acarretar perigo para a vida, integridade pessoal ou patrimônios alheios ou apenas provocando tal perigo de maneira imprevista em decorrência de imprudência, negligência ou imperícia.”
Outrossim, a lei de segurança nacional, Lei nº 7.170/83, traz tipo com previsões semelhantes ao dispositivo legal em estudo em seu art.20:
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.(negrejou-se)
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
Ocorre que muito tem se debatido sobre sua incidência em diversos casos de violência que assolaram o país nos últimos meses, o que acarretaria em deixar de aplicar a norma do art. 250 do CP.
Sem adentrar na discussão sobre a vigência da referida lei, que se entende vigente, já que não revogada expressamente, salvo alguns de seus dispositivos incompatíveis com a nova Ordem Constitucional instaurada em 1988, tem-se que a melhor interpretação a ser dada aos casos seria pela não aplicação da referida lei, já que não estão em perigo os bens que visa proteger:
“Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I - a integridade territorial e a soberania nacional;
Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União.
Art. 2º - Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:
I - a motivação e os objetivos do agente;
II - a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.”
Muito embora o crime previsto no art. 250 do CP se trata de crime patrimonial subsidiário, pois somente incidirá se não constituir tipo mais grave, e os fatos lastimáveis e aterradores causados pela criminalidade violenta requeiram urgente, articulada e implacável resposta do Poder Executivo, em todas as esferas e forças, se possível, e apoio do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, a utilização do tipo especial da lei de segurança não seria suficiente para a solução do problema.
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