Resumo: O Poder Judiciário do Brasil vem adotando, em uma medida extrema, a técnica de jurisprudência defensiva a fim de impedir a análise do mérito recursal pelas instâncias superiores. Em muitas vezes, a cristalino o direito da parte recorrente de ver sua irresignação analisada pela Corte Superior, dado o preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto. Todavia, a justificativa do grande número de processos dos Tribunais não pode servir como legitimadora de uma verdadeira lesão aos direitos processuais dos jurisdicionados. O Novo Código de Processo Civil vem de encontro com essa prática dos tribunais, que positivou a prevalência da justiça sobre o formalismo exacerbado.
Palavras chaves: jurisprudência defensiva, abuso, novo código de processo civil.
1- INTRODUÇÃO
Desde o fim do positivismo, com a adoção pela doutrina majoritária pelo neoconstitucionalismo, o sistema jurídico passou a ser visto como um complexo de normas formado por regras e princípios. Presenciamos uma fase em que cada vez um maior número de decisões passou a ser proferida com base em princípios, abandonando uma época marcada pelo formalismo e legalismo exacerbado, em que era possível alegar a ausência de norma escrita para não se julgar uma causa (“non liquet”).
Os avanços dessa nova época são enormes, vez que as decisões passaram a se pautar em critérios mais justos e equânimes, dado que, por óbvio, as leis, por maior que sejam, são incapazes de abarcar, em suas exatas prescrições, as diversas situações que ocorrem no cotidiano de uma sociedade plural. Não se pode esquecer, todavia, que mesmo nas teorias contemporâneas que surgiram como uma reação ao positivismo não se prega, em regra, o descolamento do direito da norma.
Paralelamente a esse fato, a sociedade, como já era de se prever, cresceu vertiginosamente, com o aumento da expectativa de vida, bem como pelo crescimento da renda dos brasileiros vivenciado nos últimos anos. Assim, quanto maior o número de pessoas inseridas na sociedade, maior a quantidade de relações jurídicas existentes, o que gerou uma elevação significativa do número de demandas levadas a apreciação do Poder Judiciário.
É fato corriqueiro ouvirmos falar que a justiça está sobrecarregada de processos e que o número de juízes dos quadros da Justiça Estadual e Federal já não é mais suficiente para conseguir fazer frente ao crescente número de ações ajuizadas diariamente no país.
Nesse contexto, visando reduzir a quantidade de processos que é remetida para a apreciação dos tribunais superiores, entraves técnicos e burocráticos passaram a ser criados, sem que houvesse lei que os legitime. Tais medidas, que são aceitas pelos aplicadores do direito sem maiores resistências, foram criadas a fim de se evitar a transformação do Superior Tribunal de Justiça em uma 3ª. instância de análise processual, por exemplo.
Todavia, é importante ressaltar, que tais medidas não possuem amparo legal algum e, ao contrários dos princípios que são aplicados na resolução das demandas, com o advento do neoconstitucionalismo, não visam um julgamento mais justo, mas tão somente diminuir o número de processos nos tribunais superiores.
Como exemplo dessas medidas, apenas a fim elucidatório, vez que são inúmeros os mecanismos utilizados, é possível fazer referência ao teor da Súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça, que afirma que “na instância especial é inexistente recurso interposto sem procuração nos autos”, não se admitindo a juntada posterior de procuração. Ora, fato é que tal previsão contraria a literalidade dos artigos 13 e 37 do Código de Processo Civil. No mesmo sentido, há o entendimento de que sendo “ilegível o carimbo de protocolo”, o recurso interposto pela parte, para o STJ ou STF, não deverá ser conhecido, sendo inadmissível “a juntada posterior de certidão que ateste sua tempestividade”. Nota-se, inclusive, neste último caso, que tal fato sequer pode ser atribuído como culpa da parte recorrente, sendo, obviamente, uma grande arbitrariedade do tribunal.
2- AS NOVAS REGRAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O Novo Código de Processo Civil, que tramita aprovação no Congresso Nacional, parece ir de encontro com várias previsões dos Tribunais em relação à jurisprudência defensiva. Pelo que podemos ver, o texto parece abandonar certos formalismos burocráticos desnecessários e que só servem para travar os recursos na instância de origem, impedindo a legítima análise das demandas pela parte que a aproveitam. Assim, como dito, as previsões jurisprudenciais aceitas de modo passivo pela sociedade jurídica caíram por terra após a entrada em vigor do novo instrumento cível, que irá positivar a prevalência da justiça sobre o formalismo exacerbado.
É de conhecimento de todos os dizeres da Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê a inadmissibilidade de o recurso especial ser interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação. Todavia, a doutrina já questionava tal previsão, principalmente nos casos em que o recurso de embargos fossem rejeitados ou, quando procedentes, não alterassem significativamente a decisão. Assim, combatendo a jurisprudência defensiva, prevê o Novo Código de Processo Civil (artigo 1.039, parágrafo 2º, na versão da Câmara dos Deputados, correspondente ao artigo 980, parágrafo 3º, da versão do Senado) que “se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado e julgado independentemente de ratificação”.
Ainda contra a jurisprudência defensiva que aduz serem intempestivos os atos praticados antes da publicação da intimação, prevê o projeto que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo” (artigo 218, parágrafo 4º, na versão da Câmara, correspondente ao artigo 186, parágrafo 1º, na versão do Senado).
Uma grande inovação, ainda, pode ser mencionada pelos artigos 986 e 987 do NCPC (versão do Senado). Sabemos que, em algumas hipóteses, a matéria recorrida no tribunal de 2º. Grau não é totalmente clara quanto ao parâmetro a ser mencionado, se lei federal, caso em que caberá recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, ou se norma constitucional, oportunidade em que deverá ser aviado recurso extraordinário para o STF. Nesses casos, o projeto prevê a possibilidade de conversão do Recurso Extraordinário em Recurso Especial, ou vice-versa. Assim, aduz o projeto que “Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente deduza as razões que revelem e existência de repercussão geral, remetendo, em seguida, os autos ao Supremo Tribunal Federal, que procederá à sua admissibilidade, ou o devolverá ao Superior Tribunal de Justiça, por decisão irrecorrível”.
Sobre o prequestionamento, analisando os julgados, é possível aferir que o STF possui jurisprudência aceitando o “prequestionamento ficto”, enquanto o STJ nega a sua admissibilidade, exigindo o prequestionamento expresso e explícito, sob pena de negativa da análise dos recursos. O projeto, como dito, também nesse ponto, abandona a exig~encia do formalismo burocrático, prevendo que “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade” (artigo 979 na versão do Senado; correspondente ao artigo 1.038 na versão da Câmara dos Deputados).
Interessantíssima, ainda, a previsão do artigo 983, artigo 2º. Do Novo Código (versão do Senado Federal), que faz uma previsão genérica visando o aproveitamento de atos praticados por erros não graves, e, assim, apesar de não obedecerem o rigos da técnica jurídica, possuem vícios sanáveis, ao dispor que “quando o recurso tempestivo contiver defeito formal que não se repute grave, o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal poderão desconsiderar o vício, ou mandar saná-lo, julgando o mérito”. Nota-se que tal previsão é a positivação do princípio da economia processual, vez que excessos de formalismos, às vezes, muito mais do que o número de recursos, são os responsáveis pelos entraves de julgamentos.
Ainda se pode destacar o artigo 76, § 2º do NCPC, que informa que o regramento do artigo 13 do atual Código de Processo Civil se aplica à instância recursal; dessa forma, em caso de incapacidade processual ou irregularidade de representação da parte, deverá o relator possibilitar a correção do vício em prazo razoável, antes que não conheça do recurso ou determine o desentranhamento das contrarrazões. Perceba-se que não mais cabe a alegação de que seria inexistente o recurso interposto sem procuração nos autos. Por fim, e não menos importante, cabe ainda citar o artigo 1020, § 2º do NCPC que prevê que o erro no preenchimento da guia de custas, como, por exemplo, a falta de referência ao número do processo na origem, não acarretará na aplicação da pena de deserção, devendo o relator, em caso de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício em cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador.
3- CONCLUSÃO
Por tudo isso e por outros tantos avanços, o Novo Código de Processo Civil é considerado um documento de suma importância no cenário jurídico atual, positivando princípios como o da cooperação e trazendo ao diploma o processo constitucional civil, em que se prioriza mais o conteúdo do que a forma, dando aos princípios jurídicos a importância que o neoconstitucionalismo já os reverenciou há tempos, contudo ainda não havia sido devidamente positivado.
REFERÊNCIAS
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STF - voto do Min. Gilmar Mentes no RE nº 591.033, em 16 de novembro de 2010.
STJ – AgRg no AREsp 122.832/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 48 atualizado até a Lei nº. 11.441/2007. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 1.
Procuradora Federal, Graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais- PUC-MG, e pós graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília- UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Mariana Savaget. A jurisprudência defensiva no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40263/a-jurisprudencia-defensiva-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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