Resumo: O presente trabalho visa a traçar as distinções entre processo e procedimento, por meio da evolução histórica do processo, bem como sua transformação conceitual com o decorrer dos anos.
Palavras-chave: Processo. Procedimento.
Introdução
É muito conhecida a distinção entre processo e procedimento, na qual este consiste numa mera sucessão de atos e aquele um instrumento para o legítimo exercício do poder, estando presente nas atividades estatais, como o processo legislativo e o administrativo e em outros, como processos disciplinares de partidos políticos e de associações, processo de eleição em um condomínio etc.
Todavia, a diferenciação não pode ficar limitada de tal forma. Faz-se necessário conhecer a evolução do conceito de processo, que tem íntima relação com a evolução do conceito de ação, para se chegar ao conceito atual de processo e procedimento e se verificar se realmente é necessária tal diferenciação.
Desenvolvimento
A teoria romanista, privatista, que via o processo como uma relação jurídica, como um contrato. No direito romano, as partes firmavam um compromisso – cuja natureza jurídica era de negócio jurídico - denominado litis contestatio, escolhiam um árbitro para decidir um litígio, cujos poderes eram legitimados pelo pretor.
Dentro do seio da teoria romanista, ainda surgiu a ideia de que o processo seria um quase-contrato.
Após teoria romanista decair, o processo passou a ser visto como uma relação de direito público, em que os particulares se sujeitavam à jurisdição do Estado, conceito que passou a ser mais importante do que o próprio conceito de ação, como já visto anteriormente.
O processo da teoria romanista, antes, destarte, de sua publicização, não se dissociava do conceito de procedimento. Era considerado uma sucessão de atos, pois não havia distinção entre o direito material e o processual.
Quando o processo passou a ser a manifestação do direito público do indivíduo à jurisdição, a distinção entre processo e procedimento passou a ter relevância jurídica. O processo, a partir de então, é considerado como a manifestação do poder estatal de promover a justiça e a paz social.
Oskar von Bülow, ao explicar a natureza jurídica do processo, em sua teoria das relação jurídica processual, defendeu que o processo é constituído por uma relação jurídica entre as partes e o juiz, uma relação jurídica processual de direito público. O processualista alemão chegou a essa conclusão após analisar as exceções dilatórias em sua obra “Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias”. Ao constatar que a parte pode alegar a existência de vícios processuais, concluiu que a relação jurídica processual é evidentemente pública e não privada.
Todavia, o conceito de relação jurídica, por ser eminentemente abstrato, oriundo das ideias da escola pandectista adveio das teorias privatistas, em que o homem era apenas um dos elementos da relação. Não era considerado em si como ser humano, em termos kantianos.
O conceito de relação jurídica não leva em conta, portanto, a realidade social, com todas as suas peculiaridades. É, portanto, um conceito diferente do conceito de legitimidade pela participação, da legitimidade no procedimento e da legitimidade da decisão.
A natureza jurídica do processo também foi definida como uma “situação jurídica”, por Goldschimidt.
“...quando o direito assume uma condição dinâmica (o que se dá através do processo), opera-se nele uma mutação estrutural: aquilo que, numa visão estática, era um direito subjetivo, agora se degrada em meras possibilidades (de praticar atos para que o direito seja reconhecido), expectativas (de obter esse reconhecimento), perspectivas (de uma sentença desfavorável) e ônus (encargo de praticar certos atos, cedendo a imperativos ou impulsos do próprio interesse, para evitar a sentença desfavorável).”
Não obstante a teoria de Goldschimidt não tenha logrado êxito no meio acadêmico do direito processual, fixou conceitos importantes como ônus, sujeição e relação funcional de natureza administrativa do juiz com o Estado.
A legitimidade pela participação consiste na efetividade da participação das partes do processo na elaboração da decisão, garantidos os pressupostos necessários ao exercício do direito de participação.
O processualista italiano Elio Fazzalari, contrário à teoria da relação jurídica processual, defendia a ideia de “módulo processual”, que era o procedimento efetuado sob o crivo do contraditório, como manifestação do direito efetivo à participação.
Além da efetiva participação, a parte também possui o direito ao procedimento adequado, apto a tutelar o direito material. O legislador, portanto, tem o dever de instituir um procedimento adequado a satisfazer o direito material.
O procedimento também deve ser legitimidade perante os direitos fundamentais. O procedimento que restringe a oportunidade de manifestação do réu em relação à defesa dos direitos materiais é ilegítimo.
Já a legitimidade da decisão é um conceito que sofre divergência entre teorias textualistas, os procedimentalistas (a legitimidade pelo procedimento) e os substancialistas.
Dessa forma, o procedimento é um conceito intrínseco ao conceito de processo. Não pode ser considerado isoladamente. Isso porque o processo só será legítimo se o procedimento pelo o qual passa for adequado à satisfação do direito material e se o legislador o fez de modo eficaz a tutelá-lo.
No Código de Processo Civil vislumbramos a existência de procedimentos genéricos, que são o ordinário, sumário e monitório e os procedimentos especiais, a saber, o usucapião, ações possessórias, ação demarcatória, consignação em pagamento, ação de depósito etc. Nota-se que o código denomina os procedimentos como “ação”, dando a entender a base privatista do conceito de ação e processo. Esses procedimentos especiais contém características que visam a tutelar o direito material ante suas peculiaridades. Creio que essa tutela específica não deveria ser limitada aos ritos predeterminados em lei. Caberia ao juiz amoldar os procedimentos de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Mas esse é um tema que poderia ser desenvolvido em um trabalho mais extenso, ante a sua complexidade.
Conclusão
O processo visto meramente como relação jurídica nos remete ao Estado liberal, em que o poder de julgar era um “poder nulo”, em que o juiz era a “boca da lei”. A jurisdição, em sua conformação atual, não se limita a meramente dizer a lei, mas a garantir os direito fundamentais. Tanto é que o princípio da legalidade hoje é entendido como princípio da legalidade substancial.
Há o direito, portanto, à efetiva tutela jurisdicional, assegurada pelo procedimento legítimo, adequado à tutelar o direito material de acordo com as peculiaridades do caso concreto, e que assegure a eficácia dos direitos fundamentais.
Bibliografia
Marinoni, Luiz Guilherme, Teoria Geral do Processo, vol. 1, 3ª ed., Revista dos Tribunais, 2008.
Cintra, Antonio Carlos de Araújo – Grinover, Ada Pellegrini – Dinamarco, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, 15 ª ed., Malheiros, 1999.
Didier Jr, Fredie, Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 11ª ed., Jus Podivm, 2009.
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