RESUMO: O fenômeno da globalização da mesma forma que contribuiu para uma conexão de relações econômicas, sociais, culturais, ambientais, informativas, alterando de forma significativa os acontecimentos sociais, modificou, por conseqüência, os comportamentos criminais. O avanço tecnológico proporcionado pelo fenômeno mencionado definiu novos parâmetros de comunicação, transformando as noções de espaço e tempo. O fenômeno da globalização, na medida em que faz incidir seus efeitos em diversos âmbitos não pode ser reduzido ao aspecto econômico. A globalização gerou uma crise do Estado Moderno, uma vez que reconfigurou os conceitos de soberania e território. Diante desse contexto passa a se desenvolver uma nova espécie de criminalidade, caracterizada pela transnacionalidade, e que aproveita os avanços dos meios de comunicação e interligação entre os Estados, bem como a ausência de um Direito globalizado capaz de regular os acontecimentos supranacionais. Disso decorre a expansão da criminalidade contemporânea, e que gera a denominada criminalidade organizada.
Palavras-chave: Globalização. Estado Moderno. Transnacionalidade. Criminalidade organizada.
Considerações iniciais
Sabe-se que a dogmática jurídica não pode ser compreendida de forma absoluta, como o são as ciências exatas. A ciência jurídica está sempre em processo de transformação. Por tratar-se de Ciência Social, deve o Direito acompanhar as transformações que ocorrem constantemente na sociedade.[1] Dessa forma, na medida em que se alteram os comportamentos sociais, modificam-se os considerados comportamentos anti-sociais. Isto é, a criminalidade passa a apresentar novas formas a partir do desenvolvimento social.
Sendo assim, pode-se afirmar que o fenômeno da globalização da mesma forma que contribuiu para uma conexão de relações econômicas, sociais, ambientais, informativas, modificou sensivelmente os comportamentos criminais, em especial, ao presente caso, o direito penal econômico[2]. Neste ponto, merece destaque a observação de Alberto Silva Franco, que assim refere:
De um lado, não se pode deixar de reconhecer que o modelo globalizador produziu novas formas de criminalidade que se caracterizam, fundamentalmente, por ser uma criminalidade supranacional, sem fronteiras limitadoras, por ser uma criminalidade organizada no sentido de que possui uma estrutura hierarquizada, quer em forma de empresas lícitas, quer em forma de organização criminosa, e por ser uma criminalidade que permite a separação tempo-espaço entre a ação das pessoas que atuam no plano criminoso e a danosidade social provocada.[3]
Em verdade, deve-se fazer a ressalva de que se está se referindo aqui ao processo de globalização iniciado a partir do princípio da década de 1980, caracterizado pela supressão de fronteiras entre os mercados de capitais, o qual foi proporcionado pelo excepcional avanço tecnológico ocorrido na época.[4] Isso porque o fenômeno da globalização não é novo, consoante se percebe desde a busca pela conquista de grandes Impérios na Idade Antiga, bem como nas grandes descobertas ocorridas nos séculos XV e XVI, resultantes do aperfeiçoamento das técnicas de navegação.[5]
Importante frisar, ainda, que esta intensificação do processo de globalização deriva da transformação do sistema capitalista. Esta mencionada transformação do panorama do capitalismo decorre, como nos ensina Franco, essencialmente de três pilares, quais sejam: a concentração do capital por parte de empresas transnacionais; o desaparecimento da bipolaridade mundial, em razão da “falência” das sociedades socialistas ou de inspiração marxista; por fim, a crise do Estado-Social (Welfare State), também denominado Estado Providência, o qual demonstrou-se insuficiente para afirmar a expansão dos direitos sociais, bem como para reduzir as desigualdades econômicas.[6]
Ainda no sentido de que o fenômeno da globalização não se trata de um processo recente, mas que indubitavelmente restou intensificado nas últimas décadas, veja-se a observação do professor Boaventura de Souza Santos:
Mesmo admitindo que existe uma economia-mundo desde o século XVI, é inegável que os processos de globalização se intensificaram enormemente nas últimas décadas. Isto é reconhecido mesmo por aqueles que pensam que a economia internacional ainda não é ainda uma economia global, em virtude da continuada importância dos mecanismos nacionais de gestão macro-económica e da formação dos blocos comerciais. Entre 1945 e 1973 a economia mundial teve uma enorme expansão: uma taxa de crescimento anual do produto industrial de cerca de 6%. A partir de 1973 esse crescimento abrandou significativamente [...] Mesmo assim, a economia mundial cresceu mais do pós guerra até hoje do que em toda a história mundial anterior [...][7]
Face às essas considerações iniciais propõe-se apresentar um breve conceito do fenômeno em análise da lavra de Luiz Gonzaga Silva Adolfo, in verbis:
Globalização refere-se a processos atuantes em escala global, que ultrapassam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo tornando o mundo mais interconectado. Assim, implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da sociedade como sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço.[8]
De acordo com os ensinamentos de David Held e Anthony McGrew a globalização proporciona uma redução do espaço-tempo e do espaço geográfico em virtude da velocidade dos meios de comunicação e informação (Ex. Internet), bem como pela facilidade de deslocamento promovido pelo desenvolvimento dos meios de transporte. Em razão desses fatores percebe-se uma maior interação social. Em contrapartida, a globalização apresenta-se também com um fator de desagregação, na medida em que não atinge diretamente uma grande parcela da população mundial, gerando uma massa de excluídos.[9]
Outro aspecto relevante da globalização que merece ser destacado é a interpenetração entre os fatores globais e locais, o qual pode ser demonstrado pelo fato de um acontecimento distante repercutir no plano local e vice-versa. Nesse sentido, assim observa Liszt Vieira:
A globalização redimensionou as noções de espaço e tempo. Em segundos, notícias dão volta ao mundo, capitais entram e saem de um país por transferências eletrônicas, novos produtos são fabricados ao mesmo tempo em muitos países e em nenhum deles isoladamente. Fenômenos globais influenciam fatos locais e vice-versa.
O global e o local se interpenetram e se tornam inseparáveis. O global investe o local, e o local impregna o global. Não se trata mais de duas instâncias autônomas que se relacionam de uma determinada maneira, influenciando-se reciprocamente mas mantendo cada uma sua identidade. Trata-se agora de um processo que engloba, em seu movimento, o local e global combinados.[10]
Nesse viés, é oportuno levantar o aspecto, destacado pelo processualista italiano Michele Taruffo, de que ao mesmo tempo em que a globalização, sobretudo a econômica, impõe a uniformização de condutas, que repercute nos contextos sociais, culturais e jurídicos, observa-se, também, um “contraempuxo”, isto é, um movimento, em sentido contrário à homogeneização decorrente da globalização, em que se recorre aos fatores sócio-culturais locais. Sendo assim, constitui-se uma tensão entre localismo/fragmentação e globalismo/uniformidade.[11]
Contudo, ao contrário do que possa parecer, essa referida tensão não corresponde a uma contradição ou a um conflito insuperável, na medida em que não há a prevalência nem dos fatores globais, tampouco dos fatores locais, desenvolvendo-se uma espécie de complementariedade “entre a integração e a parcelização, entre a globalização e a territorialização, que aparecem como fases do mesmo processo, intrinsecamente ligadas, em vez de fatores contrapostos”.[12] Nesse sentido, seria correto a utilização do termo “glocalização”, o qual exprime a idéia de que não se pode desenredar o emaranhado desses fenômenos aparentemente contraditórios, podendo-se falar, ainda, em um duplo processo, a um só tempo, de universalizar o particularismo e particularizar o universalismo. Portanto, propõe o autor italiano, que a solução para a tensão entre globalismo e localismo se encontra em um ponto de equilíbrio entre os extremos “da absoluta generalidade e da particularidade individual.”[13]
Por outro lado, Ulrich Beck afirma que a globalização da economia imprime uma lógica perversa, qual seja o aumento dos investimentos e lucros das empresas transnacionais com base na redução do pagamento de impostos por parte dessas grandes sociedades corporativas, bem como na redução dos postos de trabalho. Observa, ainda, o sociólogo alemão que o poder político passa agora dos Estados Nacionais para as mãos dos grandes conglomerados econômicos, os quais tem autonomia para decidir onde poderão pagar menos impostos, instalar fábricas em melhores condições de infra-estrutura e dispor de mão-de-obra mais barata.
Dessa forma, percebe-se que a incumbência de sustentar a política do bem estar social passa às pequenas e médias empresas, ou, ainda, aos ‘perdedores’ da globalização, uma vez que as grandes empresas transnacionais participam cada vez menos nas parcelas da receita de arrecadação de impostos.[14]
1. Globalização e globalismo
Contudo, o fenômeno em análise não pode ser reduzido a somente uma perspectiva, qual seja a econômica, assim, é mister apresentarmos uma breve distinção entre os conceitos de globalismo e globalização.[15]
Inicialmente, deve-se aduzir que a globalização corresponde a um fenômeno pluridimensional (verifica-se que há diversas globalizações: cultural, ecológica, econômica, comunicacional), enquanto o globalismo tem por propósito reduzir esta citada pluridimensionalidade ao campo econômico.[16] Nestes moldes o globalismo é encarado também como o discurso ideológico do mercado mundial.
Nessa perspectiva, a globalização como ideologia buscaria legitimar a supressão de fronteiras/barreiras entre os países de modo a sustentar um mercado mundial, livre e auto-sustentável, que visa o crescimento desses países, conforme aduz o professor Eugenio Raúl Zaffaroni[17].
Segundo o conceito cunhado por Ulrich Beck, o globalismo representaria a substituição da ação política, ou até mesmo o seu banimento, pelo mercado mundial. Dessa forma, o globalismo designaria uma “ideologia do império do mercado mundial” ou, melhor dizendo, uma “ideologia do neoliberalismo”[18], reduzindo-se a pluridimensionalidade da globalização à dimensão econômica. Nessa senda, afirma Ulrich Beck, todas as outras dimensões da globalização - ecologia, cultura, política, sociedade civil – estariam subordinadas ao domínio do mercado mundial, que, segundo, o autor, é pensada de forma linear.[19]
Verifica-se ainda, conforme acrescenta Ulrich Beck, que a essência do globalismo consiste em liquidar com a distinção entre Economia e Política, de modo a exigir, valendo-se de seu poder subordinador, que os Estados sejam geridos como uma empresa, a qual dita as condições por meio da qual ela poderá “otimizar” suas metas, denotando-se, assim, um imperialismo econômico.[20]
Por sua vez, para se compreender a concepção de globalização, de acordo com o conceito formulado por Ulrich Beck, deve-se estabelecer primeiramente o significado de globalidade, o qual, consoante o professor alemão, corresponde à idéia de que já vivemos em uma sociedade mundial, já há algum tempo, no sentido de que os Estados não estão isolados uns dos outros, de modo que as diferentes formas econômicas, culturais, políticas se entrechocam. Contudo, explica o sociólogo que: “‘Mundial’, na expressão ‘sociedade mundial’, designa então’ diferença’, ‘diversidade’, e ‘sociedade’ designa ‘não-integração’, de tal forma que se pode compreender (seguindo o argumento de M. Albrow) a sociedade mundial como ‘diversidade sem unidade’”.[21]
Nesse contexto, a idéia de globalização corresponderia ao processo em que os elementos do Estado Nacional - tais como soberania, identidade, formas de comunicação, poder - sofrem a influência e interferência cruzada de atores transnacionais. Percebe-se, ainda, a interligação entre as diversas dimensões da globalização (ecologia, cultura economia, sociedade civil, entre outras) as quais devem ser compreendidas uma a uma, em relação de interdependência, sem reduzi-las umas às outras.[22]
Nestes moldes a globalização deve ser compreendida “como um processo (‘dialético’, diríamos na moda passada) que produz as conexões e os espaços transnacionais e sociais, que revalorizam culturas locais e põem em cena terceiras culturas [...]”[23]. Complementando, aduz Ulrich Beck que globalização significa também “’negação’ do Estado mundial. Mais precisamente: ‘sociedade mundial sem Estado mundial e sem governo mundial’. Está se disseminando um capitalismo global desorganizado, pois não há poder hegemônico ou regime internacional econômico ou político.”[24]
Ainda no que pertine aos diversos âmbitos da globalização, os professores ingleses David Held e Anthony McGrew, afirmam que sob a ótica dos céticos[25], a globalização é vista como ideologia, servindo para justificar a prevalência dos postulados do capitalismo neoliberal anglo-saxão (baseado nos pilares da desregulamentação econômica e privatização, entre outros fatores). Dessa forma, a globalização estaria reduzida, essencialmente, a uma dimensão econômica.[26]
Em sentido oposto, os globalistas referem que o fenômeno da globalização apresenta diversas dimensões (militar, política, cultural, ambiental, econômica, social) embora admitam que a globalização não se desenvolve da mesma forma em todos esses aspectos.[27] Afirmam, ainda, que a globalização não teria um padrão determinado de desenvolvimento, estando suscetível a fatores conjunturais.[28] Outra característica da globalização seria o fato deste fenômeno empurrar as sociedades a diferentes caminhos, sendo, ao mesmo tempo, fator de “cooperação e conflito, integração e fragmentação, exclusão e inclusão, convergência e divergência, ordem e desordem”.[29]
Portanto, pode-se concluir que não há uma globalização, o que existe de fato, são globalizações, em diversos âmbitos, isto é, “uma pluralidade de conjuntos sociais que estão em transformação, fenômenos que acontecem simultaneamente e intimamaente interligados entre si, como a globalização da tecnologia, globalização dos mercados, globalização da cultura etc”.[30]
Verifica-se, ainda, que a globalização não se desenvolve de maneira uniforme, apresentando diversos modos de produção, com bem registra Tadeu A. Dix Silva[31], citando Boaventura de Souza Santos, de modo que haveria dois tipos básicos de globalizações, quais sejam a globalização hegemônica e a contra-hegemônica. De acordo com Tadeu A. Dix Silva a globalização hegemônica corresponderia à “intensificação de relações sociais transfronteiriças (‘crossborder’) promovidas por grupos ou instituições sociais predominantes para incrementar seus interesses”, enquanto globalização contra-hegemônica significaria “relações sociais transfronteiriças efetuadas por grupos sociais ou instituições subordinados para incrementar seus interesses, freqüentemente para contrabalançar os efeitos nocivos da globalização hegemônica sobre eles.”[32]
2 . Crise do Estado
Imprescindível dizer que a globalização compreendida como “a expressão da expansão em rede e em tempo real de informação automatizada”[33] colaborou à denominada crise do Estado Moderno. A partir da intensificação do processo de globalização, o qual pode-se perceber de forma mais nítida por meio da ênfase nas inter-relações entre as bolsas de valores mobiliários na década de 1980, o conceito clássico de Estado Moderno (povo, soberania e território) passa a ser descaracterizado. A soberania do Estado é abalada na medida em que há o surgimento de diversos órgãos supranacionais, podendo-se citar como exemplo as Organizações Não Governamentais (ONG’s), entre as quais pode-se destacar o Greenpeace e Médico Sem Fronteiras[34].Além disso, a supressão dos limites geográficos aparece no fato de que cada vez mais os países passam a agrupar-se em blocos econômicos, sendo exemplo disso, entre outros, a Comunidade da União Européia, Mercosul, NAFTA.
Outro sintoma da sobredita perda da soberania Estatal é a modificação dos centros de decisão, referentes a políticas Estatais de cunho econômico, financeiro, ambiental, monetário, que não pertencem mais ao Estados-Nação, mas, sim, aos conglomerados transnacionais.[35]
Na mesma esteira, os professores David Held e Anthony Mcgrew aduzem que na medida em que o fenômeno da globalização modifica os aspectos econômicos, sociais e políticos, de modo que esses fatores passam a transcender as fronteiras dos Estados-Nação, o conceito de território passa a ser reconfigurado. Constata-se ainda que os centros de decisão, os quais anteriormente à intensificação do processo de globalização estariam localizados no Estado Nacional, já não estão mais vinculados ao seu território, vislumbrando-se que, muitas vezes, o centro de decisão política e os locais que estão submetidos a esse poder podem estar separados por oceanos de distância.[36]
Os Estados-Nação passam a perder sua soberania e autonomia, uma vez que sofrem a influência cada vez maior de regulamentações internacionais, de modo que os centros de decisão transmudam-se para planos regionais e globais.
Diante desse quadro, constata-se que nos âmbitos militares, tecnológicos, sociais, culturais, econômicos, entre outros, o Estado-Nação passa a depender da cooperação internacional para satisfazer os anseios sociais, isto é, de seu povo. Disso decorre a impossibilidade dos Estados em estabelecer suas próprias regras e decisões, desamparados das regulamentações regionais e globais, de modo a gerar, portanto, uma crise de sua legitimidade e soberania.[37]
Isso porque ao modelo de Estado-Nação já não compete mais regular a sociedade civil nacional por meio de instrumentos jurídicos clássicos, uma vez que o Estado está cada vez mais dependente em observar a ordem internacional ou global para que possa exercer a sua normatividade de maneira eficiente. Nessa esteira, o Estado Moderno perde a sua soberania, o que acarreta em uma mudança de paradigma das ciências sociais, como bem registra Afonso, isto é, o parâmetro de análise passa a ser agora a sociedade global e não mais a sociedade nacional, na medida em que esta se torna província daquela.[38]
Para os céticos a globalização não teria poder suficiente para descaracterizar a cultura nacionalista, sendo esta compreendida no sentido de uma comunidade ligada à localidade, a fim de preservar seus próprios valores. Além disso, afirmam que não há uma sociedade global, e sim várias sociedades que se relacionam internacionalmente, mas que preservam seus próprios símbolos e tradições, não perdendo o caráter nacionalista.[39]
Contudo, os globalistas constatam que a globalização intensificou de tal forma os meios de informação e comunicação, expandindo o conhecimento, que as culturas nacionais acabam sendo influenciadas umas pelas outras, de modo que culturas de diferentes localidades passam a apresentar os mesmo hábitos. Verifica-se, ainda, que estes novos padrões sociais trazidos pela globalização não são ditados pelos Estados-Nação, mas sim por empresas (multinacionais ou transnacionais). Nessa perspectiva, pode-se afirmar que se desenvolve atualmente uma cultura global, podendo-se citar como exemplo disso as ONGs e movimentos sociais transnacionais, que não visam a preservação de direitos e garantias a um plano local ou nacional, mas sim expandem as suas pretensões a um âmbito regional e global. Nesse sentido, pode-se observar o Greenpeace que visa a atenção global ao respeito à natureza e a Anistia Internacional que propõe a extensão, a todos os povos, dos direitos humanos.[40]
3. Globalização e criminalidade
Diante dessas considerações, tem-se que a globalização não pode ser reduzida a um discurso ideológico, uma vez que a globalização, ligada à tecnologia, representa, em verdade, uma realidade de poder, tal como o foram o desenvolvimento mercantil, impulsionado pelas navegações marítimas européias e a revolução industrial proporcionada, principalmente, pelos países do centro-oeste europeu. Esta globalização compreendida como realidade, de acordo com a preleção de Eugenio Raúl Zaffaroni, apresentaria como principais características os seguintes pontos:
[...] a) el dominio a través de medidas e imposiciones económicas (pago de deudas externas siderales); b) la reducció de la violencia bélica entra las potencias lideres y el fomento de conflictos entra algunas de las subalternas; c) el despoderamiento de los estados nacionales (pérdida de primado de las políticas nacionales); d) la concentración del poder planetario en corporaciones transnacionales (pocos cientos); e) la desocupacción estructural; f) población marginada que se desplaza desde la periferia al centro y entre las propias periferias; g) producción de serios riesgos de catástrofe ecológica (porque la exportación de producción sucia a las zonas subalternas sólo retrasa los efectos de ésta), de estallidos sociales vilentos (porque margina del sistema productivo a amplo sectores, sin perspectivas de incorporación como en la acumulación originária) o de crisis financieras (por efecto de una acumulación que en buena parte se asienta en especulación y encarecimiento de cosas e servicios como exclusivo resultado de prohibiciones con las que se interviene en los mercados).[41]
Observa-se que quem detém o controle dessa realidade de poder atual (globalização) são os Estados Unidos da América, em regime de cooperação com a Europa e Japão[42]. Constata-se, por meio desses dados, que a América Latina e África nunca exerceram o controle sobre quaisquer das realidades de poder mencionadas.
Extrai-se do fenômeno da globalização, ainda, o fato de que o discurso ideológico utilizado pelos Estados detentores do poder (países dominantes), no sentido da desregulamentação da Economia pelo Estado e da supressão de barreiras é propagado a países dominados, mas efetivamente não aplicado pelos próprios países dominantes, os quais mantêm a intervenção na Economia, bem como o protecionismo desta.[43]
Conforme analisa Tadeu A. Dix Silva, a globalização hegemônica tende a “colonizar” o Direito por intermédio da Economia.[44] Nesse contexto, segundo a corrente da Lei e Economia, mencionada pelo autor, o Direito é visto como um obstáculo para o desenvolvimento da globalização, na medida em que tem por finalidade regular o mercado. Em razão disso, busca-se uma maior flexibilização dos sistemas jurídicos e constata-se, até mesmo, uma tendência no sentido de aproximar os ordenamentos jurídicos dos países periféricos e semi-periféricos, que adotam o modelo romano-germânico, aos padrões da Common Law.[45]
Em verdade, visa-se com essa maior “flexibilização”, uma desregulamentação, deslegalização, desconstitucionalização, em todos os ramos do Direito. Contudo, observa-se um contra-senso a essa tendência, qual seja o Direito Penal, que trilha por caminho diverso, vislumbrando-se um aumento da atividade repressiva estatal. No que tange a este aspecto assim refere Tadeu A. Dix Silva:
[...] enquanto em todos os ramos do Direito positivo assistimos a um período de desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização, no Direito Penal se verifica a ampliação da intervenção repressiva estatal: constata-se a criação de novos tipos de delito, a criminalização de várias atividades e comportamento em inúmeros setores da vida social; a relativização dos princípios da legalidade e da tipicidade, mediante a utilização de regras com conceitos demasiadamente vagos, porosos e ambíguos; a ampliação extraordinária da discricionariedade das autoridades policiais, permitindo-lhes a invadir esferas de responsabilidade do Judiciário; aos Promotores e Juízes, a contrario sensu, são atribuídos papéis antes reservados à investigação policial; por fim amplia-se a redução de garantias processuais, como a supressão do caráter ilícito de meios de convicção obtidos em determinadas circunstâncias, e objeção a princípio de presunção constitucional, mediante a inversão do “ônus da prova”, passando-se a considerar culpado o cidadão que não puder provar a sua inocência.[46] [destaques do original]
Frente a esse cenário, torna-se patente que o fenômeno da globalização repercute no âmbito do controle social punitivo, e a crise do Estado leva a uma crise na definição da atuação dos operadores políticos. Estes, por sua vez, passam a assumir papéis, como atores, gerando uma verdadeira “dramaturgia estatal”. Releva-se aquilo que aparece, em detrimento do que de fato ocorre. O Estado passa a promover um espetáculo.[47]
Como enfatiza Alberto Silva Franco, a globalização produziu novos modelos de criminalidade, uma criminalidade supranacional, que apresenta estrutura hierarquizada (organizada), seja em forma de empresas lícitas ou de organização criminosa.[48] Registra Alberto Silva Franco, ainda, que essa nova criminalidade caracteriza-se pela desvinculação geográfica de um Estado, permitindo, também, a “separação tempo-espaço entre a ação das pessoas que atuam no plano criminoso e a danosidade social provocada.”[49]. Em razão disso, torna-se mais difícil a determinação do local da prática delitiva, bem como não menos complicada a identificação de seus autores.
Anota o professor José Faria da Costa que esta nova criminalidade (isto é, a criminalidade decorrente da globalização) caracteriza-se pela adoção de critérios de pura racionalidade de custo/benefício, em detrimento da visão romântica, enaltecida nos cinemas, dos “códigos de honra”. Adquire-se, portanto, a estrutura de empresas, grandes corporações que visam a obtenção do maior lucro possível por intermédio de práticas organizadas de crime.[50]
No que se refere à sofisticada estrutura organizacional da criminalidade transnacional, faz-se necessário transcrever a elucidativa descrição de José Faria Costa:
A teia criminosa que se tece para que se consiga um fluxo criminoso que possa desencadear lucros fabulosos não é uma programação artesanal mas antes um projecto racionalmente elaborado que passa, sobretudo, por três grupos, de certo modo independentes, mas que, é evidente, têm também pontes ou conexões entre si. Fundamentalmente, os diferentes três grupos assumem-se funcionalmente da seguinte maneira: o grupo central ou nuclear tem como finalidade principal levar a cabo o aprovisionamento, o transporte e a distribuição dos bens ilegais. Ligam-se, aqui claramente, coacção e corrupção para expansão de poder e de lucro. Um outro grupo tem como propósito primacial servir de protecção institucional a toda rede ou teia. É a tentativa de chamar à organização, de forma subtil ou directa, a política, a justiça e a economia, as quais através dos estatutos de seus representantes, permitem criar bolsas ou espaços onde a actuação criminosa se torna possível. Finalmente, surge um terceiro grupo que tem com fim primeiro estabelecer a lavagem de todo o dinheiro ilegalmente conseguido. Operam-se, por conseguinte, ligações com instituições bancárias, com casinos e ainda com outras sociedades legalmente constituídas. É grupo que funciona como placa giratória entre o mundo criminoso e o normal e o comum viver quotidiano. O que tudo demonstra a forma particularmente racional e elástica deste tipo de organização. Tão elástica e tão fluida que o facto de algumas vezes se destruir um grupo não quer de modo algum significar que toda a rede tenha sido afectada.[51]
Diante dessas considerações, verifica-se que a criminalidade atual, isto é, a criminalidade que sobejamente atenta aos direitos e bens fundamentais, não é mais a criminalidade de massa, ou de subsistência, praticada por sujeito individual, geralmente marginalizado, trata-se, sim, de uma criminalidade dos poderosos, não mais excepcional, mas inserida no contexto da realidade social.[52]
Contudo observa-se que o desenvolvimento da criminalidade a partir da globalização não foi acompanhado por um Direito Globalizado, não há uma instituição transnacional capaz de regular e enfrentar as problemáticas atuais. Em conseqüência disso, somado ao fato do declínio dos Estados Nacionais e de seu monopólio de regulamentação jurídica, afirma o professor Luigi Ferrajoli, percebe-se um vazio jurídico, uma anomia, que é assim sintetizada pelo doutrinador italiano:
Se dovessi fornire uma definizione giuridica della globalizzazione, la definirei infatti come um vuoto di diritto pubblico all´altezza delle dei nuovi poteri e dei nuovi problemi: come l’assenza di uma sfera pubblica internazionale, cioè di um diritto e di um sistema di garanzie e di istituzioni idonee a disciplinare i nuovi poteri sregolati e selvaggi così del mercato come della política.[53]
Frente a esses novos problemas decorrentes da globalização e dos novos poderes criados por ela, o Direito Penal tem-se mostrado ineficiente no combate à criminalidade transnacional. Em razão disso, o sentimento de impunidade se enfatiza, provocando um aumento, ainda, na “dramatização da violência”.
Neste processo de dramatização da violência, esta deixa de ser um fenômeno real, concreto, e passa a ser explorada como um fenômeno comunicacional, havendo, até mesmo, confusão de conceitos, uma vez que a expressão violência é equiparada à idéia de criminalidade.[54]
Em decorrência disso, os meios de comunicação constroem “ondas artificiais” de criminalidade, de modo a gerar um sentimento de completa intranqüilidade e insegurança. Francesco Barata sintetiza de forma brilhante esse sentimento de insegurança geral introduzido na sociedade:
“Las clases acomodadas tienen terror a perder uma parte insignificante de su riqueza, mientras que los trabajadores temen que les roben lo poco que poseen y, además, tienen miedo a perder el trabajo o simplesmente les angustia no llegar al sueño consumista que han sido invitados. Todos tienen miedo, todos se sienten inseguros.”[55]
Por conseqüência desses apontamentos, o legislador passa a ganhar legitimidade para a construção de um Direito Penal grandiosamente repressivo, mas que possui efeito meramente simbólico, na medida em que se mostra sempre inefetivo àquilo que se propõe, isto é, o “combate” à criminalidade.
Consoante já assinalado o abalo da soberania dos Estados gera uma certa indefinição quanto às suas fronteiras territoriais. Nesse aspecto, deve-se salientar que, em se tratando de Direito Penal, em especial no direito penal econômico, mas não somente neste, o fenômeno da globalização implica na incerteza do local do delito. Não há mais lugar do crime, como bem anota José de Faria Costa[56]. Essa problemática tem como corolário a incerteza acerca de quem seria então legitimado para a construção de um sistema penal instrumental e substancial no combate a essa nova criminalidade, ante a característica da transnacionalidade dessas novas espécies delitivas.[57]
Nesse contexto exsurge uma complexa problemática, qual seja, se por um lado o Estado Nacional parece ser insuficiente ao combate dos novos tipos penais, por outro sabe-se que o combate à criminalidade é inerente a qualquer sociedade organizada. Diante desse quadro propõe José Faria Costa achar-se um ponto de equilíbrio que una as pontas do problema acima exposto, sem, contudo, romper-se com os valores do moderno Direito penal e o garantismo por ele consolidado. [58]
4 Criminalidade organizada
Extrai-se das considerações do tópico anterior que o fenômeno da globalização, ao intensificar as conexões entre as Nações mundiais, em seus diversos âmbitos (sejam culturais, econômicos, entre outros), favorecendo-se principalmente da expansão do desenvolvimento tecnológico, teve por conseqüência uma crise no conceito de Estado, bem como propiciou a criação e desenvolvimento de novas formas de criminalidade.
No bojo desses novos modos de atuação criminosa houve a formação do que de pretende denominar de “crime organizado” ou “criminalidade organizada”.[59] No que se refere ao fenômeno do crime organizado, verifica-se que este não possui um conceito definido.[60] A característica fundamental da criminalidade organizada estaria pautada no seu viés transnacional, embora se admita a ocorrência de criminalidade organizada em um âmbito restrito às fronteiras nacionais.
Observa-se, ainda, que a criminalidade organizada, desenvolve-se em diferentes modos, podendo adaptar-se a fins diversos. Desse modo, poder-se-ia afirmar que há criminalidade organizada voltada ao narcotráfico, ao contrabando de armas, ao terrorismo, entre outros. Em realidade o fenômeno do crime organizado apresenta constante mutabilidade na medida em que pode acompanhar o progresso tecnológico.[61]
Apesar de não possuir um conceito hermético e preciso, a criminalidade organizada apresenta características essenciais que a identificam como tal, quais sejam:
a) estrutura hierárquico piramidal, estabelecida no mínimo em três níveis, com a presença de um chefe, sub-chefe/conselheiro, gerentes e partícipes de outros escalões subalternos; b) divisão de tarefas entre os membros da organização, como decorrência da diversificação de atividades; c) restrição dos componentes apenas a pessoas de absoluta confiança, para melhor controlar a atuação individual; d) envolvimento de agentes públicos; e) busca constante de lucro e poder; f) “lavagem” do capital obtido ilicitamente.[62]
Contudo as características acima mencionadas não excluem a incidência de outros caracteres, na medida em que não corresponde a um rol taxativo, mas meramente exemplificativo. Imprescindível ressaltar que a criminalidade organizada não se confunde com a “prática organizada de delitos”. Enquanto aquelas possuem a característica da permanência, configurando uma verdadeira “instituição”, na medida em que ostenta uma duração maior que o tempo de vida de seus integrantes, esta volta-se para a prática organizada de diversas infrações, contudo, desfazendo-se após a perpetração dos delitos.[63]
Observa-se, também, que a criminalidade organizada pode empregar, e vem empregando na maioria das vezes, a utilização de recursos tecnológicos, o que, dificulta, por vezes, a investigação das práticas delitivas, na medida que o acompanhamento do progresso da tecnologia por parte desses grupos propicia a eliminação de vestígios da conduta criminosa.[64]
Vale salientar, ainda, a estrutura empresarial apresentada pelas organizações criminosas, uma vez que estas têm por finalidade a obtenção de auferir o máximo de lucro, por meio da atividade delitiva, passando a ser gerida como um negócio, obedecendo as regras do mercado.[65]
Além da característica da transnacionalidade que acompanha a criminalidade organizada, constata-se que este fenômeno está voltado para o propósito de atingir o acúmulo de poder e capital, sendo que muitas vezes este se demonstra como sinônimo daquele. Dessa forma, pode-se afirmar que o crime organizado insere-se no Estado, valendo-se de seus agentes, corrompendo os seus Poderes, ante a sua infiltração em setores como Legislativo, Magistratura, Executivo, Ministério Público, entre outros. O sistema financeiro internacional também tem servido como instrumento na expansão da criminalidade organizada, fundamentalmente em razão do progresso tecnológico e do advento da globalização, que em conjunto, mitigaram fronteiras, aproximando as nações, mas em contrapartida, incrementando o intercâmbio criminoso.[66]
Considerações finais
O Direito está inserido na História, estando diretamente influenciado pelas condições culturais e sociais de uma época, acompanhando, portanto, as suas transformações.[67] Sendo assim, é correto afirmar que o desenvolvimento social modifica os comportamentos sociais e jurídicos, bem como altera os denominados comportamentos anti-sociais, que podem ser classificados como condutas delitivas, passando a importar ao Direito Penal.
Nesse contexto, pode-se dizer que o fenômeno da globalização, ao mesmo tempo em que deu novo conceito às noções de espaço e tempo, serviu também para produzir novas figuras criminosas, assim como novos modos de perpetração dos delitos. Aparece, assim, uma outra espécie de criminalidade, caracterizada pela transnacionalidade e organização, adquirindo, muitas vezes, a estrutura de verdadeiros conglomerados empresariais que transcendem as fronteiras de um território, de modo a acarretar o desenvolvimento de novos desafios ao Direito e, em especial, à persecução penal.
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[1] SILVA, César Antonio da Silva. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 111.
[2] COSTA, José Faria. O Fenómeno da Globalização e o Direito Penal Económico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 9, n. 34, p. 11, abr./jun. 2001.
[3] FRANCO, Alberto Silva. Globalização e Criminalidade dos Poderosos. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, n. 31, p. 120, jul./set. 2000.
[4] FRANCO, Alberto Silva. Globalização e Criminalidade dos Poderosos, p. 105-106.
[5] Ibid., p. 103-104. Neste ponto, o autor faz um breve escorço histórico acerca das “ondas de mundialização” ocorridas no milênio passado.
[6] Ibid., p. 106.
[7] SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 289.
[8] ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 54.
[9] HELD, David; MCGREW, Anthony. Prós e Contras da Globalização. trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 11-14.
[10] VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. 5ª ed. Rio de Janeiro, Record, 2001. p. 71.
[11] TARUFFO, Michele. Dimensões Transculturais da Justiça Civil. Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco, Recife, v. 5, n. 11, p. 311-313., jan./jun., 2000.
[12] Ibid., p. 311.
[13] Ibid., p. 311-313.
[14] BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globlalismo: respostas à globalização. trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 13-23.
[15] Aqui, cabe mencionar que, em verdade, não se pode falar em uma separação entre os âmbitos econômico e jurídico, na medida em que se estabelece uma interligação entre esses campos. Conforme aduz o ilustre professor Joaquim José Calmon de Passos, o jurídico não pode ser compreendido como se estivesse apartado da Política ou da Economia, de modo que não há “pureza” no Direito. Visto isso, chega-se à conclusão de que, nas palavras do professor baiano, “toda teoria jurídica tem conteúdo ideológico”. PASSOS, J. J. Calmon de. Democracia, Participação e Processo. In: GRINOVER, Ada Pelegrini (Coord.); DINAMARCO, Cândido Rangel. (Coord.); WATANABE, Kazuo. (Coord.). Participação e Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988. p. 84. Portanto, é correto afirmar que os fenômenos sociais, como a globalização, econômicos e políticos repercutem no âmbito jurídico, assim como este influencia as aludidas searas, estabelecendo-se uma interconexão que não pode ser desprendida.
[16] FRANCO, Alberto Silva. Globalização e Criminalidade dos Poderosos, p. 109.
[17] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Globalización y sistema penal en america latina: de la Seguridad nacional a la urbana. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 5, n. 20, p. 17, out./dez. 1997.
[18] BECK, Ulrich. O que é globalização?, p. 27.
[19] Ibid., p. 27-28.
[20] Ibid., p. 28.
[21] Ibid., p. 29-30.
[22] Ibid., p. 30.
[23] BECK, Ulrich. O que é globalização?, p. 31.
[24] Ibid., p. 33.
[25] Aqui, o termo céticos serve para representar aqueles que não enxergam a globalização como um fenômeno real, mas apenas como uma ideologia, se contrapondo à visão dos globalistas. Essas expressões, que correspondem a pontos-de-vista diversos e antagônicos acerca da globalização são utilizadas pelos professores David Held e Anthony McGrew na obra, aqui já citada, Prós e Contras da globalização, os quais apresentam e exploram as duas óticas supramencionadas no livro referido.
[26] HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p. 16-17.
[27] Ibid., p. 18-19.
[28] Ibid., p. 21.
[29] Ibid., p. 21.
[30] SILVA, Tadeu A. Dix. Globalização e Direito Penal Brasileiro: Acomodação ou indiferença?. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 6, n. 23, p. 82, jul./set. 1998. No mesmo sentido, importante verificar os ensinamentos de Liszt Vieira, o qual, não pretendendo esgotar os âmbitos da globalização, estabelece que as principais dimensões deste fenômeno são em número de cinco, quais sejam: Econômica, Política, Social, Ambiental e Cultural. VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização, p. 80-100.
[31] SILVA, Tadeu A. Dix. Globalização e Direito Penal Brasileiro: Acomodação ou indiferença?, p. 82.
[32] Ibid., p. 82-83.
[33] COSTA, José Faria. O Fenómeno da Globalização e o Direito Penal Económico, p.12.
[34] BOLZAN, José Luis Bolzan de. As Crises do Estado e da Constituição e a Transformação Espacial dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 27-30.
[35] FRANCO, Alberto Silva. Globalização e Criminalidade dos Poderosos, p. 107.
[36] HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p. 22-23.
[37] HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p. 24-36.
[38] ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e Estado Contemporâneo, p. 112-113.
[39] HELD, David; McGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p. 37-47.
[40] Ibid., p. 37-47.
[41] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Globalización y sistema penal en america latina: de la Seguridad nacional a la urbana, p. 18-19.
[42] Percebe-se, atualmente, a inserção da China como grande potência mundial, o que resulta na expansão de sua influência no cenário global, sobretudo no que respeita ao âmbito econômico.
[43] ZAFFARONI, Globalización y sistema penal en america latina: de la Seguridad nacional a la urbana, p. 18-19. Verifica-se que em todas as realidades de poder são utilizados “discursos” como forma dos “dominantes” exercerem o controle em relação aos “dominados”. Eugenio Raúl Zaffaroni destaca que o critério utilizado é semelhante em todas as realidades de poder, qual seja a suposta inferioridade biológica. Por exemplo, no que se refere ao colonialismo, as mulheres e colonizados foram eleitos como inferiores: os primeiros em razão da inferioridade genética, os últimos por serem considerados infiéis. Esses mesmos personagens são subjugados pelo neocolonialismo, que agora passa a definir os colonizados como inferiores no que pertine a sua raça. Por sua vez, na globalização os dominados são representados pelos excluídos, os quais passam a ser considerados, como destaca o renomado professor Zaffaroni, “incapaces de competir debido a su desorden y menor nivel moral, provocado por la ‘droga’ y otras taras genéticas que ‘se están invetigando’.”
[44] SILVA, Tadeu A. Dix. Globalização e Direito Penal Brasileiro: Acomodação ou Indiferença?, p. 84.
[45]Ibid., p. 84. Nesse ponto o autor destaca que: “nesse sentido pode-se constatar a abertura de linhas de financiamento pelo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América e de alguns membros da União Européia, para as reformas dos sistemas jurídicos e judicial dos países periféricos e semiperiféricos, cujo Direito ainda não está vinculado aos arquétipos anglo-saxônicos”
[46] Ibid., p. 85.
[47] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Globalización y sistema penal en america latina: de la Seguridad nacional a la urbana, p. 19.
[48] FRANCO. Alberto Silva. Globalização e criminalidade dos poderosos, p.120.
[49] Ibid., p.120.
[50] COSTA, José Faria. O fenómeno da globalização e o direito penal económico, p. 18.
[51] COSTA, José Faria. O fenómeno da globalização e o direito penal económico, p. 17.
[52] FERRAJOLI, Luigi. Criminalità e globalizzazione. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 11, n. 42, p. 80-81, jan./mar. 2003.
[53] Ibid., p. 80. “Se devesse formar uma definição jurídica da globalização, a definiria de fato como um vazio do direito público à altura dos novos poderes e dos novos problemas: como a ausência de uma esfera pública internacional, isto é de um direito e de um sistema de garantias e instituições idôneas a disciplinar os novos poderes desregulados e selvagens tanto do mercado como da política.” [tradução livre]
[54] FRANCO, Alberto Silva. Globalização e Criminalidade dos Poderosos, p. 112.
[55] BARATA, Francesco. La violência y los mass media – Entre el saber criminológico e las teorías de la comunicación. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, n. 29, p. 256, jan./mar. 2000.
[56] COSTA, José Faria. O Fenómeno da Globalização e o Direito Penal Económico, p.14. O referido autor cita como exemplo a lavagem do capital proveniente do tráfico ilícito de entorpecentes. Aduz que durante as fases de compra, transporte e distribuição de drogas ocorre uma pluralidade quase infindável de delitos, os quais possuem lugares definidos. No entanto, refere que “a rede de narcotraficantes, em si mesma, verdadeiramente não tem lugar”. [destaques do original]
[57] COSTA, José Faria. O fenómeno da globalização e o direito penal económico, p. 15-16.
[58] Ibid., p.16. Percebe-se que, na tentativa de se buscar soluções à criminalidade atual, decorrente do fenômeno da globalização, a doutrina penal tem se preocupado em construir teorias que possam atingir esse referido “ponto de equilíbrio”. Contudo, em razão do estreito objeto desta monografia não se poderá abordar, no bojo do presente trabalho, aspectos mais detalhados dessas respostas apresentadas na contemporânea doutrina penal. Nem por isso, entretanto, pode-se deixar de mencionar a “idéia” essencial de duas das principais teorias que pretenderam propor alternativas para os elementos que constituem a criminalidade contemporânea, quais sejam o “Direito de Intervenção” cunhado por Wilfried Hassemer e o “Direito Penal de duas velocidades”, da lavra de Jesús-María Silva Sánchez. Veja-se primeiro, de forma extremamente sintética e reduzida, a proposta oferecida por Wilfried Hassemer. Segundo o doutrinador alemão, o Direito penal é incapaz de solucionar os modernos problemas da criminalidade, de modo que a solução para o combate desses novos conflitos que surgem estaria fora do âmbito do Direito penal. Isso porque a nova criminalidade é muito flexível, não se compatibilizando com os Princípios de Direito penal. A utilização de princípios clássicos de Direito penal como culpabilidade, individualização da pena, in dubio pro reo, juízo de certeza, não se coadunam no combate ao novo modo de atuação introduzido pela contemporânea criminalidade. E a flexibilização desses princípios consagrados, em prol do combate a essas novas formas de criminalidade, redundaria na destruição do Direito penal, o qual perderia o seu caráter de protetor jurídico. Indaga o autor: como se poderia admitir a aplicação da culpabilidade e da individualização da pena em delitos que apresentam pluralidade de agentes? O princípio do in dubio por reo também obstaria o efetivo combate às modernas formas delitivas, uma vez que se a aplicação das sanções ficarem vinculadas a uma inexistência de dúvida, os novos problemas trazidos pela criminalidade moderna tornar-se-iam insolúveis. Da mesma forma ocorre quanto ao juízo de certeza. Como se exigir certeza no combate a um campo totalmente flexível, que se modifica a cada dia? A certeza exige uma legislação clara, contudo, tal medida não poderia ser adotada em oposição a uma realidade que apresenta constante mutabilidade. Wilfried Hassemer cita como exemplo disso o problema das drogas, referindo que a cada dia são elaborados novos tipos de drogas. Sendo assim, não se poderia exigir um juízo de certeza para um efetivo combate a essas condutas. Anota, ainda, o doutrinador alemão que há na criminalidade contemporânea um déficit de execução, visto que a criminalidade organizada, econômica, ambiental, apresentam pontos obscuros. Exemplo disso é que, na quase totalidade das vezes, não se consegue punir os verdadeiros “chefões” dessa nova criminalidade, pune-se sempre os chamados “peixes-pequenos”. Por conseqüência, as sentenças impingem penas, quase sempre, no limite do mínimo legal, pois se não se consegue punir os grandes responsáveis pela prática dos delitos, não se poderia impor todo o rigor da lei a um dos milhares de infratores. Diante dessas considerações esposadas, Wilfried Hassemer sugere a adoção de um Direito de Intervenção, que estaria situado entre o Direito penal e o Direito administrativo, estando, portanto, localizado fora do âmbito do Direito penal. Esse Direito de Intervenção admitiria a aplicação de sanções, mas não de penas privativas de liberdade, o que permitiria uma flexibilização das garantias consolidadas no Direito Penal. Outra característica fundamental desse Direito de Intervenção seria o fato deste possuir caráter eminentemente preventivo, buscando a não ocorrência das lesões, diferenciando-se do Direito penal que apresenta um maior caráter repressivo. Para Wilfried Hassemer deve-se buscar a prevenção dos danos, uma vez que remediá-los após a sua ocorrência não satisfaz as pretensões sociais, na medida em que torna, quase sempre, inviável a restauração das lesões. Isso porque se está tratando de bens universais, coletivos e não individuais. Cf. HASSEMER, Wilfried. Perpectivas de uma moderna política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 2, n. 8, p. 41-51, out./dez. 1994. Jesus-Maria Silva Sanchez, por sua vez, diferentemente da proposta de Wilfried Hassemer, propõe que a solução para os novos problemas introduzidos pela contemporânea criminalidade estaria no interior do sistema penal. O modelo defendido pelo autor espanhol seria um Direito penal de duas velocidades. Isto é, em um plano colocar-se-ia o fato e conseqüência jurídica mais grave do sistema penal, qual seja a pena privativa de liberdade, e de outro, o fato e conseqüências jurídicas que se aproximam de sanções administrativas. Nesse último caso, admitir-se-ia, uma flexibilização das regras de imputação e das garantias político-criminais. Nas palavras do autor: “Uma primeira velocidade representada pelo Direito Penal ‘da prisão’, na qual haver-se-iam de manter rigidamente os princípios político-criminais clássicos, as regras de imputação e os princípios processuais; e uma segunda velocidade, para os casos em que, por não tratar-se já de prisão, senão de penas de privação de direitos ou pecuniárias, aqueles princípios e regras poderiam experimentar uma flexibilização proporcional a menor intensidade da sanção.” No entendimento de Jesús-María Silva Sánchez este modelo que mitiga em parte as garantias político-criminais deve ser mantido dentro do Direito penal, a fim de preservar o caráter penal dos injustos e sanções sem a gravidade social de uma pena privativa de liberdade, bem como em razão de aproveitar a dimensão simbólico-comunicativa do Direito penal. Outro aspecto que contribui para a manutenção deste sistema, que apresenta maior flexibilização garantística, no bojo do sistema penal, é o fato do Direito penal apresentar-se menos suscetível a influências políticas e econômicas, as quais servem como “técnicas de neutralização do juízo de desvalor”. Deve-se referir, ainda, que após essa teoria de Jesús María Silva Sanchez, foi atribuída ao Direito Penal uma terceira velocidade, desenvolvida por Günther Jakobs, a qual corresponderia ao “Direito Penal do Inimigo”. Para uma melhor compreensão do “Direito Penal de duas velocidades” e a influência dos aspectos trazidos pela globalização no Direito penal, ver: SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A Expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002.
[59] Aqui considera-se que a criminalidade organizada, de acordo com as características que a identificam atualmente, não nos permite compreender que a sua origem nos remete aos tempos da Antiguidade ou da Idade Média. Nesse sentido compactuamos com o entendimento de Francis Rafael Beck, que assim aduz: “As organizações criminais hoje se ajustaram ao processo de globalização da economia, o que implica um fluxo relativamente livre de capitais por meio de sistemas informatizados. Em outras palavras, as dimensões e as formas de organização do crime no mundo contemporâneo em nada se assemelham com aquilo que existia há duas ou três décadas.” BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização de garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004, p. 59.
[60] Essa constatação extrai-se da tendência dos poderes estatais em tentarem definir métodos de prevenção e repressão ao denominado crime organizado, o que acarreta na inserção, em seus contextos legislativos, de normas que teriam por escopo o combate a esta nova espécie delitiva. Em se tratando da realidade brasileira, percebe-se que a Lei 12.850/2013, que revogou a Lei 9.034/1995, explicitou o conceito de organização criminosa, podendo-se dizer que, nesse aspecto (definição de organização criminosa) a Lei 12.850/2013 revoga, ainda que tacitamente, a Lei 12.694/2012. Nesse ponto, observe-se a redação do artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013: “Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
[61] Nas palavras de Francis Rafael Beck: “A cada dia existe a possibilidade de surgimento de novas formas de criminalidade organizada, potencializadas pela constante evolução tecnológica. Quase como um grave vírus, que cada vez mais aparece em uma nova roupagem, pouco se sabe sobre ‘como’, ‘onde’ e’ quando’ age e, principalmente, quais as ‘formas para isolá-lo e controlá-lo’. Por outro lado, são sabidas as devastadoras conseqüências que ocasiona ou pode ocasionar” BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização de garantias, p. 69.
[62] BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 35-36.
[63] Parafraseando Vinícius de Moraes, Miguel Reale Júnior acrescenta que os grupos de prática organizada de crimes “são associações permanentes enquanto dura a prática dos delitos planejados, mas sem que o grupo se institucionalize, cristalizando uma organização dotada de poder e hierarquia.” REALE JÚNIOR, Miguel. Crime Organizado e Crime econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 13, p. 182-183, jan./mar. 1996.
[64] BECK, Francis Rafael. Perspectivas de controle ao crime organizado e crítica à flexibilização de garantias, p. 82.
[65] PITOMBO, Antonio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 24-26. Antônio Pitombo ainda acrescenta que: “Na criminalidade organizada, portanto, encontra-se gestão nos moldes empresariais, direcionada ao acúmulo de capital, por meio do fornecimento de bens e serviços ilícitos. Exploram-se a proteção, o jogo de azar, as drogas, a venda de armas, a prostituição, a pornografia, a agiotagem, a imigração ilegal, enfim tudo mais que for proibido e lucrativo. [...] Em outras palavras, a criminalidade organizada está, de modo direto, interrelacionada com o contexto socioeconômico e cultural. Para alguns, seria o próprio subproduto da vida política, econômica e social, constituindo-se de tarefas imorais e ilegais, que correspondem a necessidades coletivas.”
[66] Ibid., p. 29-30.
[67] REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do Delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 13.
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. Globalização e criminalidade organizada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40341/globalizacao-e-criminalidade-organizada. Acesso em: 22 nov 2024.
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