RESUMO: O presente artigo pretende debater a possibilidade de aplicação da detração no cálculo da prescrição da pretensão executória.
Palavras-chave: execução penal; detração; prescrição da pretensão executória.
INTRODUÇÃO
O artigo 42 do Código Penal estabelece o instituto da detração, definindo que computa-se na pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória. In verbis:
Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
Por seu turno, o artigo 113 do mesmo diploma positiva que, no caso de revogação do livramento condicional ou de evasão do condenado, a prescrição é regulada pelo restante da pena.
Art. 113. No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena.
Da análise de tais normas, põe-se em debate a possibilidade de consideração do tempo de prisão cautelar para cálculo da prescrição da pretensão executória.
DESENVOLVIMENTO
Em que pese a literalidade do artigo 113 do Código Penal, a hipótese demanda técnica de integração do ordenamento jurídico que supra a omissão legislativa e possibilite o tratamento equânime pelo operador do direito de situações similares em sua essência.
Assim, ainda que a norma mencione, expressamente, tão somente a fuga e a revogação do livramento condicional para determinação da contagem da prescrição pelo remanescente da pena, sua ratio deve ser estendida a hipóteses similares não cuidadas pelo legislador.
Com efeito, se a finalidade da norma em destaque é tratar dos casos em que já foi cumprida parte da reprimenda, natural que a determinação se estenda tempo de expiação de pena sob título executivo judicial provisório, respeitada, portanto, a detração.
Note-se que o mesmo raciocínio encontra-se presente no artigo 44, parágrafo 4º, do Código Penal, in verbis:
Art. 44, § 4º. A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
Destaca-se que a inobservância da detração no cálculo do prazo da prescrição da pretensão executória conduziria pessoas em situações semelhantes a tratamentos díspares. Exemplifique-se. Suponha-se que um apenado, condenado a 6 anos de reclusão, cumpra 3 anos da pena e empreenda fuga. O prazo prescricional seria de 8 anos. Já outro, condenado aos mesmos 6 anos de reclusão, que tenha permanecido 3 anos preso preventivamente, teria o prazo prescricional de 12 anos. Não obstante o remanescente de pena a cumprir seja idêntico, 3 anos, o lapso prescricional para quem deu fiel cumprimento às determinações judicias seria maior do que para o que violou o título executivo.
Portanto, o entendimento que melhor se adequa aos ditames da proporcionalidade e da homogeneidade do sistema é o que admite a detração para cálculo da prescrição.
Nesse sentido, vêm decidindo nossos Tribunais de Justiça:
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. DETRAÇÃO. TODA E QUALQUER PENA EXECUTADA (PRISÃO PROVISÓRIA, RESTRITIVAS DE DIREITOS ETC) DEVE SER UTILIZADA PARA EFEITO DO CÁLCULO PRESCRICIONAL. EXEGESE DOS ARTS. 42 E 113 DO CP. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Recurso de Agravo n. 2013.046964-4, da Capital, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. 17-09-2013).
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - PRETENDIDA REFORMA DA DECISÃO QUE JULGOU EXTINTA A PUNIBILIDADE DO CONDENADO ANTE O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA - DETRAÇÃO DO PERÍODO DA PRISÃO CAUTELAR PARA EFEITO DO CÔMPUTO DO PRAZO PRESCRICIONAL -POSSIBILIDADE - LAPSO REGULADO PELO SALDO DA PENA A CUMPRIR - EXEGESE DOS ARTS. 42 E 113 DO CP - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO (TJSC, Recurso de Agravo n. 2012.069961-5, da Capital, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 04-04-2013).
AGRAVO EM EXECUÇÃO - PRESCRIÇÃO - DETRAÇÃO - ARTIGOS 42 E 113 DO CP - POSSIBILIDADE - AGRAVO IMPROVIDO 1) Se pela interpretação literal do art. 113, depreende-se que ao réu que foge é assistido o direito de valer-se da detração para fins prescricionais, computando-se o prazo prescricional apenas pelo restante da pena a ser cumprida, com muito mais razão deve o mesmo direito assistir ao réu que, no início do processo, permaneceu segregado cautelarmente, não causando embaraços à instrução processual, nem furtando-se à aplicação da lei penal. 2) Em prestígio ao princípio constitucional implícito da proporcionalidade, deve tempo pelo qual o apenado remanesceu preso provisoriamente há que ser computado no cálculo de sua pena, e considerado para efeitos de prescrição. 3) Agravo improvido. (TJES, Classe: Agravo de Execução Penal, 24000133397, Relator : ADALTO DIAS TRISTÃO, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 13/05/2009, Data da Publicação no Diário: 29/05/2009)
AGRAVO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DO REMANESCENTE DA PENA. APELO DESPROVIDO. O tempo pelo qual o apenado remanesceu preso provisoriamente há que ser computado no cálculo de sua pena, e considerado para efeitos de prescrição. Não há como se acolher o pleito ministerial de que a “detração” só pode ser levada em conta a condenado que se evadiu durante o cumprimento de sua pena, fato que ofenderia ao princípio da proporcionalidade. Apelo desprovido (TJRJ, Ag. Ex. n. 2007.076.00954, rel. Des. Eduardo Mayr, j. em 4.10.2007)
Note-se que o Supremo Tribunal Federal também se manifesta pela consideração da detração no cálculo da prescrição da pretensão executória:
PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA VERSUS PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA - DETRAÇÃO. A detração apenas é considerada para efeito da prescrição da pretensão executória, não se estendendo aos cálculos relativos à prescrição da pretensão punitiva.
(HC 100001, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 11/05/2010, DJe-110 DIVULG 17-06-2010, PUBLIC 18-06-2010, EMENT VOL-02406-03 PP-00571)
Recurso ordinário em habeas corpus. Crime de lesão corporal (art. 129, § 9º). Prescrição da pretensão executória. Não ocorrência. Recurso não provido. 1. O paciente foi preso e iniciou o cumprimento da pena corporal que lhe foi imposta pelo delito praticado antes do interstício mínimo necessário à consumação da prescrição da pretensão executória. 2. Impossibilidade de desconsiderar-se a detração do período de prisão provisória do paciente no cômputo do prazo para a prescrição da pretensão executória estatal, conforme o comando legal do art. 42 do Código Penal. 3. Recurso não provido, com observação. (RHC 105504, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 02-03-2012 PUBLIC 05-03-2012)
CONCLUSÃO
Pelo exposto, entende-se que, não obstante não contemple o Código Penal expressamente a hipótese, é possível que a detração seja considerada no cálculo da prescrição da pretensão executória.
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