RESUMO: a autonomia judicial; vantagens da adoção da vinculação dos precedentes; desvantagens da adoção da vinculação dos precedentes; vinculação do precedente no sistema jurídico brasileiro; vinculação dos precedentes no novo CPC.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar até que ponto a aplicação dos precedentes judiciais de forma vinculante poderá exercer influência na liberdade de julgar do magistrado.
No direito brasileiro nos últimos tempos foram introduzidas mudanças no sistema processual, a exemplo do julgamento liminar de ações idênticas e da técnica de solução de recursos repetitivos, que buscam a aplicação uniforme dos precedentes judiciais firmados pelas Cortes Superiores.
O Novo Código de Processo Civil, por sua vez, ampliará as hipóteses de vinculação dos precedentes.
Questiona-se se a aplicação de forma vinculante dos precedentes judiciais poderá afetar a liberdade do julgador, na medida em que este não poderá inovar naqueles casos, mesmo que de maneira fundamentada.
A aplicação dos precedentes de forma obrigatória aos casos semelhantes poderá violar o princípio do livre convencimento motivado, bem como a garantia de independência da magistratura.
As mudanças, por outro lado, também poderão trazer aspectos positivos, a exemplo de uma maior celeridade e coerência das decisões do Poder Judiciário, além de privilegiar o princípio da igualdade de tratamento dos jurisdicionados.
2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA VINCULAÇAO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
A vinculação dos precedentes historicamente é vista sob a perspectiva dos Sistemas Jurídicos Romano-Germânico e Anglo-Saxônico.
No Sistema Romano-Germânico, adotado no Brasil, o precedente apenas pode orientar o julgamento de casos posteriores sobre a mesma matéria, pois não possuem efeito vinculante obrigatório. Os magistrados são livres para seguir ou não os julgados dos tribunais superiores sobre matéria idêntica.
No Sistema Anglo-Saxônico (common law), por sua vez, os precedentes judiciais possuem caráter de norma geral, pois serão aplicados obrigatoriamente aos casos semelhantes posteriores. Nesse sistema, o entendimento dos Tribunais Superiores vincula os seus próprios julgamentos (eficácia vinculante horizontal) e as decisões dos órgãos inferiores (eficácia vinculante vertical).
A cada julgamento, o juiz do common law deverá verificar a existência de precedente anterior sobre o mesmo tema e fazer um processo de decomposição para separar as razões de decidir (ratio decidendi) das considerações periféricas (obter dicta). Esse processo de decomposição é importante para que se possa fazer a distinção entre os casos postos em juízo, de maneira a só aplicar o precedente àqueles que realmente são semelhantes, zelando pela igualdade substancial na sua aplicação.
A ratio decidendi são os fundamentos relevantes que levam à decisão final, fazem parte dela os fatos determinantes para a decisão. O obter dictum são considerações que não dizem respeito ao núcleo da matéria a ser discutida, que não influenciarão no julgamento.
Ao verificar a existência de precedente anterior, se o magistrado constatar que existe disparidade entre os casos, afastará a aplicação obrigatória do precedente, o que se denomina de distinguishing. Esta técnica permite a distinção entre os casos postos em juízo.
No common law, com o passar do tempo poderá haver a superação do precedente, surgindo a necessidade de cancelá-lo, atribuindo-se nova interpretação àqueles casos, o que se denomina overruling.
O Direito Brasileiro tem influência Romano-Germânica, mas a vinculação dos precedentes vem sendo aos poucos introduzida no nosso país, provocando mudanças principalmente no sistema recursal, além do que, o Novo Código de Processo Civil, no Capítulo XV, tratará exclusivamente dos precedentes judiciais.
3. A AUTONOMIA JUDICIAL
O art. 95 da Constituição Federal prevê as garantias essenciais ao exercício da magistratura, a saber: vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade.
As prerrogativas previstas no art. 95 da CF são também chamadas de “garantia de independência”, pois garantem a imparcialidade dos julgamentos, na medida em que através delas os magistrados estarão livres para decidir, isentos de pressões sociais, interesses políticos ou econômicos ou de exigências dos próprios órgãos jurisdicionais.
A independência do juiz apresenta-se também como uma garantia do próprio Estado de Direito, pois um julgamento imparcial aplica a norma de forma igualitária aos cidadãos que se encontram numa mesma situação jurídica.
A atuação do juiz, no entanto, também sofre limitações, a exemplo do dever de motivar as suas decisões, conforme previsto no art. 93, IX da Constituição Federal e art. 131 do Código de Processo Civil.
Nos tópicos seguintes analisaremos a possibilidade de obrigar-se o juiz a decidir de acordo com um precedente. Há quem afirme que esta obrigatoriedade violaria a independência funcional do magistrado, na medida em que este não é obrigado a decidir em determinado sentido, ainda que a interpretação diversa da norma tenha sido conferida por um órgão jurisdicional de grau superior.
Assim, a implantação de um sistema de precedentes judiciais obrigatórios no sistema jurídico brasileiro iria de encontro à autonomia judicial.
4. VANTAGENS DA ADOÇÃO DA VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES
4.1. TRATAMENTO ISONÔMICO DOS JURISDICIONADOS
Na prática judiciária brasileira é comum entre os profissionais do Direito a afirmação de que a parte teve “sorte” ou “azar” na distribuição do feito para determinado Juiz ou Turma. Isso se deve ao fato de comumente os juízes brasileiros proferirem decisões diferentes em processos que tratam de situações semelhantes. Esta prática, legítima no nosso Sistema Jurídico, leva muitas vezes à tentativa de burlar a distribuição do feito, como por exemplo, a desistência de uma ação de forma proposital para ajuizá-la novamente e provocar uma nova distribuição, para juiz diverso, que se sabe ter posicionamento mais favorável aos interesses da parte. No CPC já existem mecanismos para evitar essa tentativa de direcionar o processo para determinado juízo.
O Sistema Jurídico Brasileiro, com base no princípio do livre convencimento motivado do julgador, acaba por consentir o tratamento desigual para casos semelhantes. A lei poderá ser aplicada de forma desigual, a depender da interpretação de cada julgador, desde que a sua decisão seja fundamentada.
Tal situação acaba por ferir o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente (art. 5º da Constituição Federal), pois os jurisdicionados recebem tratamento desigual, ainda que as relações jurídicas postas em juízo sejam semelhantes, o que, logicamente, gera grande insatisfação social. Casos iguais decididos de forma diferente por um juiz, beira à arbitrariedade e à falta de imparcialidade, pois um jurisdicionado poderá obter uma decisão desfavorável, quando, em caso idêntico, outro recebe decisão favorável.
A vinculação dos precedentes judiciais poderá vir a ser uma solução para essa discrepância, pois ao constatar a existência de um precedente anterior para aquele caso, deverá o magistrado obrigatoriamente segui-lo, garantindo-se a interpretação uniforme do Direito Brasileiro.
O Judiciário também deve se submeter ao Princípio da Igualdade, no seu aspecto substancial, e, em consequência, não poderá tratar de forma desigual os que estão em situação idêntica. Ao conceder o direito a um e negar a satisfação deste pelo outro jurisdicionado, em situação idêntica, criam-se situações discrepantes e até mesmo injustas na prática.
O princípio da igualdade não pode ser visto apenas sob a perspectiva do tratamento igualitário entre as partes no processo, fazendo com que tenham as mesmas oportunidades para manifestar-se, exercer o contraditório e produzir provas. O princípio também deverá ser aplicado de forma mais ampla, no momento da decisão, cotejando-se aquela situação com outras semelhantes, que já foram analisadas pelo Judiciário.
A interpretação realizada à luz do que já foi solucionado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, no que se refere à interpretação da Constituição, e do Superior Tribunal de Justiça, acerca da interpretação da legislação federal, privilegia a igualdade substancial dos jurisdicionados.
Do contrário, a decisão será legítima, pois não há norma no nosso Sistema Jurídico que obrigue o juiz a seguir os precedentes firmados pelos tribunais superiores (salvo exceções descritas no tópico próprio), mas acaba por violar o direito fundamental à igualdade.
Todos são iguais perante a lei em tese, mas também devem ser tratados igualmente em relação à interpretação que lhe é conferida pelo Judiciário, afinal, cabe a este poder a fixação da norma jurídica do caso concreto, ao julgar as questões que lhe são postas.
Se determinada situação é constitucional ou está em conformidade com a lei federal para uns, também deverá ser assim para os demais jurisdicionados que nela se enquadrarem.
O texto legal aplicado à determinada relação jurídica pode dar margem a diversas interpretações, mas cabe ao Judiciário decidir qual delas deverá prevalecer, aplicando-a de modo uniforme às relações idênticas.
4.2. SEGURANÇA JURÍDICA
Com a adoção dos precedentes vinculantes, o jurisdicionado terá a certeza do posicionamento do Judiciário em relação àquela situação posta em juízo e saberá que em qualquer juízo competente para aquele caso, a decisão será uniforme, evitando a incerteza das decisões judiciais contraditórias no mesmo juízo ou em juízos diversos.
Para parte da doutrina, a aplicação dos precedentes de forma vinculante traz uma maior segurança jurídica.
De acordo com o doutrinador Luiz Guilherme Marinoni:
“No direito brasileiro contemporâneo há uma absurda e curiosa não percepção da contradição existente entre a mitificação do duplo grau e a ausência de respeito às decisões dos tribunais superiores. De forma acrítica, ao mesmo tempo em que se vê na obrigatoriedade dos precedentes um atentado contra a liberdade do juiz, celebra-se o duplo grau como garantia da justiça”[1].
Na realidade o julgador não é livre para decidir de forma contrária a um tribunal superior, na medida em que a sua decisão não é definitiva, pois sempre poderá ser reformada ao ser submetida ao crivo do Tribunal Superior. Há uma contradição no duplo grau no sistema jurídico brasileiro, conforme o doutrinador, pois ao mesmo tempo em que o juiz é “livre” para decidir, a última palavra será dada pelo tribunal.
O Judiciário deve ser visto como um todo, um só poder, que deve dar uma interpretação uniforme para determinada questão. Se o sistema é estruturado em níveis, é contraditório que uma causa seja decidida por um juiz ou tribunal sem observância das decisões do STJ e STF.
A interpretação de modo uniforme das leis faz com que exista uma Ordem Jurídica mais coerente, mais uniforme, dando maior previsibilidade aos administrados quanto à interpretação adotada pelo Judiciário.
Uma ordem jurídica instável, onde cada juiz pode decidir como bem entender, sem uma visão ampla de como está sendo interpretada a norma no seu próprio Tribunal e nos Tribunais superiores, causa insatisfação dos jurisdicionados e até injustiças sociais.
Não se pode negar que os juízes possuem autonomia para decidir, mas estes também devem respeito às decisões dos tribunais superiores e tal não viola a sua independência funcional, pois se deve atentar para o fato de que o juiz faz parte de um sistema, que é visto como um só Poder pela sociedade.
4.3. CELERIDADE PROCESSUAL
A duração razoável do processo é um direito fundamental, previsto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal.
O respeito aos precedentes poderá trazer maior agilidade ao Judiciário, na medida em que permitem que processos posteriores que tratam de situações idênticas sejam solucionados de forma mais rápida, pois o magistrado aproveitará todo estudo já realizado pelos Tribunais superiores. Ao constatar a paridade de situações, o julgador aplicará o precedente, o que permite com que o magistrado tenha mais tempo para se dedicar aos outros casos que exigem solução individualizada.
Quando o Judiciário tem entendimentos diversos acerca de uma mesma questão jurídica, os jurisdicionados tentarão todos os recursos possíveis, na esperança de ver aplicado ao seu caso o posicionamento que lhe é mais favorável.
O mesmo ocorre em relação ao ajuizamento de novas ações, se não há tese que prevaleça, todos que estão na mesma situação irão propor ações judiciais, na esperança de que o seu pedido seja julgado procedente.
Ambas as situações colaboram para o aumento do número de processos, geram maiores despesas para o Judiciário e o tornam mais lento.
Se a parte tiver certeza que a sua pretensão não será acolhida pelo Judiciário, não arcará com os custos do processo e nem perderá tempo em busca de uma tutela que sabe que será infrutífera.
Quando os tribunais inferiores estão obrigados a decidir de acordo com os tribunais superiores, os recursos apenas serão admitidos em casos excepcionais e a parte não correrá o risco de ter que levar o seu caso aos tribunais superiores para que a tese destes prevaleça.
Evita-se o trabalho e o custo de ter que recorrer de uma decisão que será fatalmente reformada. A tutela do direito da parte poderá ser-lhe conferida de plano, abreviando o caminho e com custos menores para a parte e para o próprio Judiciário.
O Sistema Jurídico brasileiro atual acaba por estimular a propositura de ações e a interposição de recursos, pois não existe unidade de interpretação da norma, muitas vezes num só tribunal existem posicionamentos diversos. Tal situação favorece a criatividade judicial, o debate jurídico e colabora para a evolução do direito brasileiro, mas por outro lado provoca uma maior lentidão do Judiciário.
5.ASPECTOS NEGATIVOS DA VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES
5.1. OBSTÁCULO À INOVAÇÃO DO DIREITO
Questiona-se até que ponto a obrigatoriedade da aplicação do precedente poderia dificultar a mudança do entendimento judicial, ainda que de forma fundamentada.
A obrigatoriedade da vinculação dos precedentes poderá tolher a criatividade judicial, na medida em que o juiz não poderá inovar nas suas decisões. Diz-se que o magistrado poderá ser impedido de demonstrar a evolução do seu posicionamento no decorrer do tempo e de decidir determinada questão jurídica da forma que achar a mais adequada àquele contexto social e temporal.
A obrigatoriedade do precedente poderia gerar uma imobilização da jurisprudência, o que impediria a evolução do Direito no decorrer do tempo, tornando-o inadequado às novas realidades sociais.
A solução da questão poderia consistir na previsão no próprio sistema jurídico de técnicas que permitam a sua mudança. Nos sistemas que adotam a vinculação dos precedentes existem técnicas capazes de proporcionar a transformação do direito, a exemplo da técnica do overruling, adotada no Common Law.
Assim como as leis, os precedentes poderão ser revogados gradativamente, com a evolução da sociedade, permitindo-se o desenvolvimento do direito, adequando-o à realidade.
A obrigatoriedade dos precedentes não significa torná-los imutáveis, pois eles poderão ser modificados, excepcionalmente, em razão, por exemplo, da transformação dos valores, do desenvolvimento da ciência e do surgimento de novas tecnologias.
Nos países que adotam o common law, a obrigatoriedade dos precedentes não impede a sua revogação em razão da evolução da sociedade, pois, com o passar do tempo poderá haver a superação do precedente, surgindo a necessidade de cancelá-lo. Através do que se denomina overruling, pode-se atribuir nova interpretação àqueles casos.
5.2. VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA JUDICIAL
Sustenta-se que obrigar o juiz a decidir de acordo com um precedente violaria a sua independência. Ser independente no sistema jurídico brasileiro significa poder interpretar a lei da maneira que achar correta, desde que de maneira fundamentada.
No nosso sistema, de tradição romano-germânica, o juiz poderá dar significado à Lei, ainda que exista posicionamento reiterado em outro do sentido, fixado pelo tribunal. Isso não violaria o direito da parte, pois esta tem à sua disposição os recursos e outros meios de impugnação das decisões judiciais.
A questão da vinculação dos precedentes, por outro lado, coloca em confronto a garantia do exercício autônomo da magistratura e a necessidade dos jurisdicionados de obter do Judiciário uma resposta uniforme quanto a uma determinada questão jurídica controvertida, diante de casos semelhantes.
Invocar a independência funcional para justificar decisões díspares para casos semelhantes seria o mesmo que concordar com respostas diferentes emanadas do mesmo Poder Judiciário ou com a existência de várias normas aplicáveis a uma mesma situação.
Na realidade o objetivo da vinculação dos precedentes não é subordinar um juiz inferior a um superior, mas fazer com que o Judiciário como um todo respeite os seus precedentes, uniformizando as decisões num determinado sentido.
Poderia questionar-se se o fato de o juiz inferior não poder revogar o precedente, violaria a sua autonomia, mas isso faz parte da estrutura de um sistema que consagra o duplo grau de jurisdição. Assim como o juiz de primeiro grau pode ter a sua decisão reformada por um tribunal superior, pode-se determinar que desde já os precedentes daquela Corte sejam respeitados.
A jurisdição é una, os juízes e tribunais compõem uma só estrutura, portanto, o Judiciário poderá fixar o seu entendimento a respeito da interpretação de uma lei, prestando a tutela jurisdicional com uma maior coerência, oferecendo à sociedade uma só resposta para a questão posta em juízo.
No Estado de Direito brasileiro, onde se adota um regime democrático, o juiz deve ser livre para decidir, pois possui autonomia funcional garantida pela Constituição Federal. Por outro lado, a Constituição Brasileira também prevê o princípio da igualdade de todos perante a Lei, que deve ser visto não só em abstrato, mas também em relação à sua interpretação nos casos concretos.
De acordo com Luiz Henrique Volpe Camargo:
“O respeito aos precedentes não fere a autonomia funcional do juiz. A garantia da independência funcional do juiz existe para assegurar a liberdade de julgar, livre de pressões políticas e do medo de represálias (subsídio reduzido, transferência para a inatividade, etc.). Existe para que o juiz possa decidir a favor de quem realmente tem direito, é uma garantia do juiz em benefício do jurisdicionado e não do próprio magistrado em si”[2].
Todos têm direito a um julgamento por juiz sem vínculos com casos anteriores. Ocorre que, não há como admitir várias decisões sobre casos idênticos ou várias interpretações sobre uma mesma norma legal, o que gera instabilidade social.
A garantia da independência funcional, portanto, também deve ser vista sob a perspectiva dos jurisdicionados, conferindo-lhes direito a um julgamento imparcial. A imparcialidade também existirá quando, em casos semelhantes, o juiz deva conferir igualdade de tratamento.
6. A VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES NO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO
6.1 O JULGAMENTO LIMINAR DE AÇÃO IDÊNTICA
O julgamento liminar de ação idêntica está previsto no art. 285-A do Código de Processo Civil:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (BRASIL, Lei nº 5869/17973).
O julgamento liminar do pedido está ligado à força vinculante dos precedentes, pois o magistrado poderá julgar com fundamento em decisão de improcedência anterior, e indeferir, de plano, o pedido que fatalmente seria rejeitado após a instrução.
A norma se refere apenas às sentenças de improcedência que foram proferidas pelo juiz de primeiro grau, em casos idênticos. Há quem afirme que, diante das mudanças realizadas no sistema recursal, que privilegiam a vinculação dos precedentes, o dispositivo poderia ser aplicado não apenas quando existe julgamento em primeiro grau, mas também quando há precedente de tribunal superior contrário ao pedido da parte.
O juiz poderia julgar liminarmente procedente ou improcedente a ação, com base em entendimento pacífico nos tribunais, materializado em súmula ou jurisprudência consolidada, tendo em vista que fatalmente isso ocorrerá se houver prosseguimento do feito. Esta postura traria maior celeridade ao Judiciário, pois a questão seria resolvida de plano.
O instituto privilegia os princípios da celeridade e eficiência e, portanto, justifica a ampliação da sua abrangência, mediante a inclusão das hipóteses acima referidas.
O Novo Código de Processo Civil trará grande evolução neste ponto e, na esteira do que já vinha defendendo a doutrina, amplia as hipóteses de improcedência liminar do pedido. De acordo com o art. 333 do NCPC:
CAPÍTULO III
IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO
Art. 333. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que:
I – contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – contrariar acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – contrariar frontalmente norma jurídica extraída de dispositivo expresso de ato normativo;
V – contrariar enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
§ 2º Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em
julgado da sentença, nos termos do art. 241.
§ 3º Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em cinco dias.
§ 4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu para apresentar resposta; se não houver
retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de quinze dias.
§ 5º Na aplicação deste artigo, o juiz observará o disposto no art.521 (BRASIL, Projeto de Lei nº 8046/2010)
A Novo CPC permitirá, portanto, que o pedido seja julgado liminarmente improcedente pelo juiz de primeiro grau, se estiver em desconformidade com Súmula de Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. O Novo Código inclui ainda outras hipóteses em que o juiz poderá aplicar os precedentes, de plano, sem necessidade de citação ou instrução processual, a exemplo da aplicação de entendimento firmado em acórdãos do STF e STJ em julgamento de recursos repetitivos.
Essas novas permissões proporcionarão uma maior celeridade ao processo de conhecimento e poderão reduzir o tempo de espera do jurisdicionado por uma resposta do Poder Judiciário.
6.2 A SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO
A súmula impeditiva de recurso é outra técnica prevista no CPC que privilegia a vinculação dos precedentes judiciais dos Tribunais Superiores.
O art. 518, parágrafo 1º do CPC afirma que “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.
A norma, além de proporcionar maior unidade às decisões judiciais, colabora para uma maior celeridade na medida em que impede a multiplicação de recursos acerca de questão já pacificada nos tribunais superiores, colaborando para a diminuição de recursos pendentes de julgamento nos tribunais superiores.
6.3 A VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ao Supremo Tribunal é atribuída pela Constituição Federal a função de uniformização da interpretação das normas constitucionais, através da realização do controle de constitucionalidade.
O controle de constitucionalidade pode ser difuso ou concentrado.
No controle concentrado, a constitucionalidade da norma é analisada como objeto principal da ação, através de processo objetivo (ADIN, ADIN por Omissão, ADC ou ADPF). Trata-se de controle abstrato, com efeito vinculante e eficácia erga omnes.
O controle difuso pode ser realizado por qualquer órgão jurisdicional e realizado de forma concreta, como fundamento para a resolução de determinado caso apresentado em juízo, ou seja, como questão incidente, resolvida na fundamentação da decisão. Este tipo de controle pode ser realizado pelo STF e por todos os juízes e tribunais.
No STF, o controle difuso é efetuado através do Recurso Extraordinário e a decisão sobre a questão constitucional terá eficácia apenas “inter partes”. Excepcionalmente, poderá ser atribuída eficácia erga omes à decisão que decreta a inconstitucionalidade neste tipo de controle, através do mecanismo previsto no art. 52, X da CF, que permite que o Senado suspenda a eficácia da norma declarada inconstitucional pelo STF.
Apesar da interpretação da norma constitucional no controle difuso tradicionalmente se restringir ao caso concreto, nos últimos tempos o recurso extraordinário passou adotar técnicas que dão caráter objetivo à questão constitucional discutida nos autos. Não se pretende outorgar efeito “erga omnes” ao dispositivo da decisão, mas aos seus motivos determinantes ou à “ratio decidendi”, vinculando os demais órgãos jurisdicionais. É o que vem se denominando de “objetivação do Recurso Extraordinário”.
Trata-se de tornar vinculante o controle de constitucionalidade, ainda que realizado no caso concreto.
No controle difuso isso é algo novo no Brasil e tem por objetivo a concessão de efeito vinculante às decisões tomadas em recurso extraordinário, em razão de se supor que, independentemente de se tratar de controle difuso ou concentrado, a interpretação do STF sobre a constitucionalidade de uma norma deve ser respeitada.
A eficácia da interpretação da norma constitucional deve ir além das partes do processo, de modo que as razões de decidir sejam observadas por todo o Judiciário.
A seguir descreveremos algumas técnicas utilizadas pelo STF que demonstram o desejo do legislador de conferir eficácia vinculante à interpretação da norma constitucional, ainda que fixada no controle difuso de constitucionalidade.
6.3.1 A REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
A exigência de demonstração da repercussão geral da matéria a ser discutida no Recurso Extraordinário está prevista no parágrafo 3º do art. 102 da constituição Federal. De acordo com o dispositivo:
Art.102/CF
(...)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (BRASIL, Lei nº 5869/17973)
Trata-se de mais um pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário, mas com análise afeta apenas ao Supremo Tribunal Federal.
A exigência de demonstração da repercussão geral buscou restringir a competência do STF apenas às questões constitucionais de alta relevância, além de dar maior celeridade aos julgamentos do STF.
O relator poderá admitir a participação do amicus curiae, técnica própria do controle concentrado, devido à possibilidade de eficácia futura da decisão em relação a casos idênticos.
A técnica da demonstração da repercussão geral foi retratada no art. 543-A do Código de Processo Civil, abaixo transcrito.
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. (BRASIL, Lei nº 5869/17973)
O parágrafo 5º do art. 543-A do CPC consagra a eficácia vinculante negativa da repercussão geral, pois se esta não for admitida, a decisão valerá para todos os recursos que versem sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente. A negação da repercussão geral tem eficácia vinculante, pois obsta a admissibilidade dos recursos pelo tribunal de origem, impedindo de plano que o recurso suba ao STF.
Se repercussão geral for acolhida, não significa, no entanto, que o próprio julgamento da questão constitucional objeto do recurso extraordinário terá eficácia vinculante, pois não há previsão legal para tanto.
A decisão do STF sobre a questão principal poderá exercer influência, mas a vinculação não é obrigatória para os casos semelhantes futuros, o juiz será livre para decidir de modo diverso. O efeito vinculante, portanto, é apenas em relação à decisão do STF pela inexistência de repercussão geral. Esta impede a remessa de recursos extraordinários sobre matéria idêntica ao STF. A parte poderá interpor agravo interno para demonstrar que o seu caso é diferente do paradigma (distinguishing).
O Novo Código de Processo Civil ampliará as hipóteses de presunção absoluta de repercussão geral:
Art. 1048.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso:
I – impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal;
II – contrariar tese fixada em julgamento de casos repetitivos;
III – questionar decisão que tenha reconhecido a inconstitucionalidade
de tratado ou lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição da República. (BRASIL, Projeto de Lei nº 8046/2010)
Haverá repercussão geral sempre que o recurso contrariar tese fixada em recurso repetitivo, privilegiando a solução dos conflitos nos casos de maior repercussão social.
6.3.2 A MULTIPLICIDADE DE RECURSOS COM FUNDAMENTO EM IDÊNTICA CONTROVÉRSIA
O art. 543-B permite que o tribunal, diante da multiplicidade de recursos com idêntica controvérsia, selecione um ou mais e os encaminhe ao STF, suspendendo os demais, até o julgamento definitivo da Corte.
Após o julgamento, os recursos que haviam sido sobrestados serão julgados no mérito pelos respectivos tribunais, que poderão declará-los prejudicados, quando o recurso extraordinário foi julgado em desacordo com a decisão recorrida, ou se retratar, quando o STF julgou o mérito de acordo com a decisão recorrida.
Os tribunais ao julgarem os recursos que estavam sobrestados, estarão vinculados ao julgamento do mérito do recurso extraordinário. Se o tribunal contrariar a decisão do STF, este poderá cassar ou reformar liminarmente o acórdão contrário à orientação firmada. Eis aqui uma hipótese clara de objetivação do controle difuso e de vinculação do precedente proferido pelo tribunal superior, ainda que restrita aos recursos que foram sobrestados.
O art. 543-B do CPC regula tais questões:
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. (BRASIL, Lei nº 5869/17973)
No Novo CPC o incidente de demandas repetitivas formará precedente vinculativo, não se restringindo aos processos que foram suspensos, mas a todos que tratarem de matéria idêntica, ampliando mais uma vez as hipóteses de vinculação dos precedentes.
De acordo com os dispositivos do novo código, que tratam da matéria:
Art. 988 É admissível o incidente de resolução de demandas repetitivas, quando, estando presente o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, houver efetiva ou potencial repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito material ou processual.
Art. 990 Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao juízo de admissibilidade do incidente, levando em consideração a presença dos pressupostos do art. 988.
§ 1o Admitido o incidente, o relator:
I – suspenderá os processos pendentes que tramitam no Estado ou na Região, conforme o caso;
II – poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo em que se discute o objeto do incidente, que as prestarão em quinze dias;
III – intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de quinze dias.
Art. 992 O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de quinze dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifestar-se-á o Ministério Público.
Art. 995. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos que versem idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal.
§ 1.º A tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo tribunal a revise.
§ 2.º Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão ou à agência reguladora competente para fiscalização do efetivo cumprimento da decisão por parte dos entes sujeitos a regulação.
§ 3.º O tribunal, de ofício, e os legitimados mencionados no inciso II do § 3.º do art. 988 poderão pleitear a revisão da tese jurídica, observando-se, no que couber, o disposto nos §§ 1.º e 2.º art. 508.
§ 4.º Contra a decisão que julgar o incidente caberá recurso especial ou recurso extraordinário, conforme o caso. § 5.º Se houver recurso e a matéria for apreciada, em seu mérito, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, a tese jurídica firmada será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem no território nacional.
§ 6.º Julgado o incidente na hipótese do § 9.º do art. 988, a solução da questão fática será aplicada a todos os processos em que essa questão seja relevante para resolução da causa. (BRASIL, Projeto de Lei nº 8046/2010)
No Novo CPC, caberá Reclamação como meio de garantir a aplicação da tese fixada no julgamento de demandas repetitivas, de acordo com o artigo 1000 do Projeto.
6.3.3 A SÚMULA VINCULANTE
A Súmula vinculante também é um mecanismo que visa a fixação da interpretação do direito constitucional, tornando-a obrigatória em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública.
Esta técnica processual está prevista o art. 103-A da CF:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (BRASIL, Constituição Federal/1988)
A Súmula Vinculante objetiva impedir a multiplicação de processos sobre questão que está gerando “controvérsia atual” e insegurança jurídica.
A “controvérsia atual” se apresenta quando há discussão contemporânea acerca da “ratio decidendi” de determinada questão constitucional, ou seja, não se refere ao objeto das ações, mas à dúvida sobre os fundamentos que embasarão o seu resultado.
A partir da interpretação conferida pelo STF através da edição da Súmula Vinculante, os tribunais inferiores terão que aplicar o precedente aos casos semelhantes, evitando nova discussão sobre a questão que fundamentará as suas decisões.
Poderia surgir o questionamento sobre a possibilidade de a Súmula Vinculante violar a criatividade judicial, obrigando os juízes a interpretar uma questão de uma determinada forma. A Súmula Vinculante, no entanto, não nega a natureza transitória do direito e a sua evolução, pois há previsão no parágrafo 2º do Art. 103-A da possibilidade de sua revisão ou cancelamento, permitindo desenvolvimento da interpretação do Direito Constitucional.
6.4 OS PRECEDENTES NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ao Superior Tribunal de Justiça cabe a uniformização da interpretação da lei federal em todo o território federal.
Se a Constituição Federal confere ao STJ o dever de uniformizar a jurisprudência dos tribunais brasileiros, é contraditório que os Tribunais Regionais Federais e de Justiça possam aplicar interpretação diferente da Corte Superior, em nome da liberdade de julgamento dos magistrados. É descabida a interpretação de normas jurídicas federais de forma diferente para casos iguais, provocando discrepância na resolução dos conflitos postos em juízo.
Em consonância com a função de uniformização do STJ, surgiram técnicas no âmbito do Recurso Especial que tornaram os precedentes desta Corte obrigatórios, o que faz com que todos os tribunais de justiça e regionais federais devam seguir a interpretação fixada. A norma processual coerência à previsão da Constituição Federal, tornando mais efetiva a vinculação dos precedentes do STJ.
6.4.1 A TÉCNICA DA SOLUÇÃO DOS RECURSOS REPETITIVOS
A técnica de julgamento de uma só vez dos “recursos repetitivos” trouxe maior celeridade às “causas de massa” e proporcionou maior uniformização da interpretação da lei federal pelo STJ.
A resolução de questão de direito discutida em vários recursos, através do julgamento de um ou alguns recursos selecionados evita a interpretação de normas jurídicas de forma diferente para casos iguais.
Trata-se de mais uma forma existente no direito brasileiro de privilegiar a obrigatoriedade dos precedentes.
A técnica está prevista no artigo 543-C do Código de Processo Civil:
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. § 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.
§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.
§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo. (BRASIL, Lei nº 5869/17973)
Diante do acúmulo de recursos repetitivos, o Presidente do Tribunal ao qual couber o juízo de admissibilidade do Recurso Especial (ou o relator no STJ, na hipótese do parágrafo 2º do art. 543-C do CPC) tem o poder-dever de escolher um ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão admitidos e remetidos ao STJ. Os demais recursos especiais sobre a matéria serão suspensos até o julgamento definitivo pela Corte Superior da questão controvertida.
Quando houver sobrestamento indevido, cabe à parte que se diz prejudicada interpor agravo interno, devendo demonstrar a distinção do seu caso com a matéria tratada no recurso repetitivo.
A possibilidade de participação do “amicus curiae”, prevista no parágrafo 4º do art. 543-C, demonstra o grande alcance que se quer dar à interpretação do precedente, saindo da discussão apenas “inter partes”, mesmo sendo ele formado no âmbito do controle difuso, no âmbito do Recurso Extraordinário.
Julgado o recurso amostra e publicado o seu acórdão, estará definida a tese a ser aplicada pelo tribunal de origem no exame do mérito da decisão recorrida.
Se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ, os recursos especiais sobrestados terão seguimento denegado. Se o recurso sobrestado divergir da orientação do STJ, serão novamente examinados pelo tribunal de origem, agora de acordo com a interpretação fixada.
Os Tribunais de Justiça e Regionais Federais ao julgar o mérito dos recursos que haviam sido sobrestados, estão obrigados a seguir o precedente formado através da técnica dos recursos repetitivos, a não ser que demonstrem que o precedente firmado não se aplica ao caso em exame (“distinguishing”), de maneira bem fundamentada.
A doutrina denomina esses precedentes, fixados de forma diferenciada, de “precedentes fortes”, pois deverão influir na decisão dos casos semelhantes futuros.
Quanto aos casos semelhantes cujos processos foram distribuídos após a fixação do precedente forte, o CPC não prevê a obrigatoriedade de vinculação, mas segundo a doutrina, para julgá-los de forma contrária ao entendimento fixado pelo STJ, o juiz deverá demonstrar a necessidade de revisão do caso paradigma.
Somente nos casos de alterações econômicas, políticas ou sociais importantes é que se admitirá a revisão da tese firmada no precedente forte. A lei não prevê o procedimento para revisão da tese, a doutrina afirma que será aplicado o procedimento de cancelamento ou revisão da súmula vinculante ou o procedimento de revisão da tese de repercussão geral, previsto no parágrafo 5º do art. 543-A.
Conforme descrito no tópico 5.3.2, no Novo CPC o incidente de demandas repetitivas formará precedente vinculativo, não se restringindo aos processos que foram suspensos, mas a todos que tratarem de matéria idêntica, adotando o que já era defendido pela doutrina e ampliando mais uma vez as hipóteses de vinculação dos precedentes. Além do que, caberá Reclamação se houver desrespeito à tese fixada.
7.VINCULAÇÃO DOS PRECEDENTES NO NOVO CPC
O Novo CPC, no art. 521, afirma que para dar efetividade aos princípios da legalidade, segurança jurídica, duração razoável do processo, proteção da confiança e isonomia, serão adotadas normas que objetivam uniformizar a jurisprudência.
O novo Código privilegia a adoção de um sistema de vinculação aos precedentes, ao tratar exclusivamente do assunto, no capítulo XV, que traz mecanismos próprios do common law, como o Overruling (Inciso V do art. 882) e o distinguishing (§ 6º do art. 521).
De acordo com o Novo CPC os tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Com esses objetivos, os juízes e tribunais seguirão obrigatoriamente as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, bem como, os precedentes fixados através do controle difuso de constitucionalidade.
O NCPC torna de vinculação obrigatória: os acórdãos de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; os precedentes do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade; os precedentes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.
A modificação do entendimento sedimentado apenas será possível através de procedimento próprio, semelhante ao Overruling, adotado no Common Law.
A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.
O precedente apenas não será seguido quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa (distinguishing).
O NCPC adotou expressamente técnicas próprias do Common Law, o que seu claro intutito de conferir força obrigatória aos precedentes judiciais, ainda que fixados no controle difuso.
8. CONCLUSÃO
No Ordenamento Jurídico Brasileiro a liberdade do julgador ainda prevalece sobre a obrigatoriedade de vinculação das decisões dos tribunais superiores, salvo raras exceções.
Em regra, a obrigatoriedade da vinculação dos precedentes emana do controle concentrado, através da modulação dos efeitos da decisão. No controle difuso, as únicas formas de se conferir eficácia “erga omnes’ e efeito vinculante às interpretações fixadas pelos tribunais superiores, atualmente, é através da edição de resolução pelo Senado (art. 52, X da CF) ou mediante a aprovação dos enunciados de Súmula Vinculante.
Mesmo nos julgamentos realizados com o prévio reconhecimento da repercussão geral, não existe autorização legal ou constitucional para se conferir o efeito vinculante ao resultado do julgamento acerca da questão constitucional, mas o que percebemos é que já existem avanços nesse sentido, pois além da legislação (nos casos mencionados), a jurisprudência e a doutrina estão desenvolvendo a tese da vinculação dos precedentes, que já é bem aceita no Ordenamento Jurídico Pátrio.
Apesar de não existir norma que obrigue os juízes a decidirem de acordo com o STF, existiria o que o Ministro Gilmar Mendes denomina “efeito vinculante virtual”, que emana da formação do precedente forte e do prestígio do STF – voto do Ministro na RE363852/AC.
Os precedentes fortes exercem apenas grande influência na interpretação das normas pelos tribunais inferiores, mas o poder de tornar obrigatória uma determinada interpretação pelo Judiciário só é possível através da edição da súmula vinculante ou das ações declaratórias de constitucionalidade/inconstitucionalidade.
O Processo Civil Brasileiro, portanto, talvez por tradição e respeito à autonomia judicial, até o momento não conseguiu utilizar a vinculação dos precedentes como um grande aliado na luta por uma maior celeridade processual ou como instrumento para realizar a igualdade substancial na aplicação da lei, mas caminha nesta direção.
O Novo Código de Processo Civil trará grande avanço no que diz respeito à obrigatoriedade da vinculação dos precedentes. Não apenas as decisões proferidas no controle concentrado e a Súmula Vinculante deverão ser seguidas pelos juízes e tribunais. Os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, bem como os precedentes do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade e da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional serão vinculativos.
Em conclusão, as mudanças ocorridas nos últimos tempos demonstram que a instauração de um sistema de vinculação dos precedentes é possível, sem que isso signifique a violação da autonomia judicial. O juiz não terá a sua liberdade de criação tolhida, tendo em vista que o próprio sistema trará formas de modificação dos precedentes, embora mais rígidas.
A vinculação obrigatória dos precedentes também poderá trazer maior estabilidade e coerência às decisões, pois o Judiciário apresentará uma só resposta para as questões sociais relevantes e que causam grande controvérsia na atualidade. A resposta também poderá ocorrer de forma mais rápida, no próprio controle difuso, conferindo maior celeridade e efetividade ao Judiciário Brasileiro.
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[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2010, p.132-133.
[2] VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique. A Força dos Precedentes no Moderno Processo Civil Brasileiro . In Direito Jurisprudencial. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo:RT, 2012, p.553/674
PROCURADORA FEDERAL DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, ATUANTE NO NÚCLEO DE MATÉRIA FINALÍSTICA DA PROCURADORIA-FEDERAL DA 1ª REGIÃO, EM BRASÍLIA-DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTO, Geruza Ribeiro do Espirito. A vinculação dos precedentes judiciais no direito brasileiro e a autonomia judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41159/a-vinculacao-dos-precedentes-judiciais-no-direito-brasileiro-e-a-autonomia-judicial. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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