RESUMO: No presente estudo faremos uma análise de algumas das funções decorrentes do poder de regulação conferido às agências reguladoras, com enfoque naquelas que decorrem das características próprias das entidades regulatórias.
PALAVRAS-CHAVE: PODERES. COMPETÊNCIAS. FUNÇÕES. ATIVIDADE. REGULATÓRIA. ADMINISTRAÇÃO. AGÊNCIAS. REGULADORAS.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com a dicção do art. 174 da Constituição Federal, o Estado exercerá, como agente normativo e regulador da atividade econômica, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Observa-se que o poder de regulação do Estado, introduzido na Carta Magna como nova forma de intervenção na economia, compreende não só a função normativa (função precípua da Administração Pública no exercício da atividade regulatória), mas também outras funções administrativas, como, por exemplo, a função fiscalizatória.
Na lição de Marcos Juruena Villela Souto
A função regulatória é compatível e pode integrar cada uma das funções da Administração Pública (discricionária, de direção, normativa, sancionatória), variando conforme o tipo de atividade (polícia administrativa, gestão de serviços públicos, ordenamento econômico e ordenamento social); o motivo do destaque é que as demais funções são orientadas por critérios políticos, limitados pelo conceito de organização hierarquizada da Administração, ao passo que a função regulatória é técnica e seus critérios multidisciplinares devem ser orientados por uma política regulatória legislativamente definida, mas de aplicação técnica[1].
Nesse contexto, a função regulatória incorpora diversas funções, também chamadas na doutrina de competências ou poderes, dentre as quais se identificam, além daquelas comuns à Administração Pública, algumas específicas e exclusivas da atividade de regulação exercida pelo Estado, por meio das agências reguladoras.
Marçal Justen Filho afirma ser impossível abordar, de forma abrangente, todas as formas de atuação pelas quais se manifestam as competências próprias das agências, asseverando verificar-se “heterogeneidade de atribuições entre as diversas agências e, mesmo no âmbito interno de cada qual, (...) uma pluralidade de disciplina jurídica correspondente à variação das funções exercitadas”[2].
Assim, propõe o presente artigo o estudo das principais funções inerentes ao poder de regulação conferido às agências reguladoras.
2. Função Normativa
Antes de discorrer sobre a função normativa propriamente dita, mister se faz estabelecer a distinção entre norma e lei.
Marçal Justen Filho ensina que
a expressão [lei] pressupõe o desenvolvimento de atividades próprias do Estado, cujo resultado é a formulação escrita de regras de conduta de cunho vinculante. (...) A norma jurídica é um comando acerca da conduta das pessoas, determinando que, em face da verificação de certos pressupostos, deverá (poderá) adotar-se uma conduta específica ou genérica. (...) Ainda quando a lei seja a fonte da norma, nem por isso os dois conceitos se identificam. A lei é o meio pelo qual se produz o resultado norma jurídica[3].
Daí, portanto, a diferença entre competência normativa e competência legislativa.
De acordo com a doutrina de Alexandre de Moraes, o poder normativo das agências reguladoras restringe-se aos aspectos operacionais da atividade objeto da regulação, podendo ser citados como exemplos as regras estabelecidas para licitações nos Editais, as condições exigíveis para concessões/permissões de serviço público e os aspectos referentes à chamada autonomia técnica das agências reguladoras, que constituem os parâmetros técnicos relativos a essas atividades[4].
Assim, pode-se dizer que a função normativa das agências reguladoras consiste, em poucas palavras, na elaboração de regras às quais deve necessariamente se submeter o setor regulado. Essa função normativa, no entanto, encontra limite nas disposições legais existentes no ordenamento jurídico, ou seja, as agências reguladoras jamais poderão inovar ou contrariar a ordem jurídica.
Glauco Martins Guerra assevera que “o poder normativo surge de um arrefecimento da legalidade como um parâmetro imutável da atuação administrativa. Confere-se ao administrador uma capacidade de produzir normas que, não ofensivas à ordem jurídica, instruam e executem os atos da administração pública”[5].
Aponta no mesmo sentido a doutrina de Ruth Helena Pimentel de Oliveira, segundo a qual a função reguladora exercida pelas agências (autarquias especiais) “encontra limitação em sede legislativa, sendo-lhes vedada a imposição de ônus e de penalidades que não estejam previstos em lei”[6].
3. Função de outorga
Floriano de Azevedo Marques Neto denomina “poder de outorga” a prerrogativa das agências reguladoras de emitir, de acordo com as políticas públicas aplicáveis ao respectivo setor, licenças, autorizações, injunções, objetivando franquear ou interditar o exercício de determinada atividade regulada a um particular[7].
Cumpre destacar, neste ponto, que compete aos entes reguladores a emissão da outorga, ficando reservada ao Poder Executivo a competência para estabelecer as políticas públicas às quais as outorgas estarão vinculadas.
Cite-se como exemplo, o caso da Agência Nacional de Águas – ANA: balizada na Política Nacional de Recursos Hídricos e no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituídos pela Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, compete àquela autarquia especial exercer o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água, por meio de outorgas do direito de uso de recursos hídricos.
4. Função de fiscalização
A função de fiscalização origina-se não só no poder/função de outorga das agências reguladoras, mas também no poder de polícia inerente à atividade regulatória.
Com efeito, a fiscalização exercida pelas entidades regulatórias subsume-se na teoria do poder de polícia da Administração, no qual, segundo Alexandre Aragão e Patrícia Sampaio, está inserida a competência para editar atos normativos com vistas à organização e fiscalização das atividades reguladas[8].
Tal função, conforme leciona Floriano Marques Neto, consiste tanto no controle da execução dos serviços públicos prestados pelos outorgados como no monitoramento das próprias atividades reguladas (condições econômicas, técnicas e de mercado do setor)[9].
Da atividade fiscalizatória decorre, logicamente, a função sancionatória.
5. Função de sancionatória
Sempre que se verificar o descumprimento de normas ou contrariedade às políticas públicas estabelecidas para o setor regulado, poderão as entidades regulatórias aplicar sanções que podem se traduzir em mera advertência ou até mesmo a decretação de caducidade do contrato firmado com o particular.
6. Função de conciliação
A doutrina é uníssona no reconhecimento da função conciliatória das agências reguladoras.
Luís Roberto Barroso inclui, dentre as “tarefas” das agências, o “arbitramento dos conflitos entre as diversas partes envolvidas: consumidores do serviço, poder concedente, concessionários, a comunidade como um todo, os investidores potenciais etc”[10].
Floriano Neto, igualmente, insere nos “poderes de conciliação” das agências reguladoras a capacidade de conciliar ou mediar conflitos entre os interessados (operadores regulados, consumidores, agentes econômicos que, de alguma forma, se relacionam com o setor regulado)[11].
7. CONCLUSÃO
Pelo exposto, observa-se que diversas são as funções inerentes ao poder de regulação da Administração Pública, exercidas por meio das agências reguladoras, dentre as quais se inserem as funções administrativas típicas e as funções específicas das autarquias especiais. No entanto, mesmo as funções, ou também chamados poderes, exclusivos das agências devem ser pautados nas políticas públicas criadas pelo Poder Executivo para o setor regulado e nos parâmetros fixados em lei.
[1] SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002, p. 67
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética. 2002, p. 481.
[3] Op. cit. pp. 485-486
[4] MORAES, Alexandre de (Org.). Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas. 2002, pp. 55-56
[5] GUERRA, Glauco Martins. Princípio da Legalidade e Poder Normativo: Dilemas da Autonomia Regulamentar. in ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense. 2ª ed. 2011, p. 73
[6] OLIVEIRA, Ruth Helena Pimentel de. Entidades Prestadoras de Serviços Públicos e Responsabilidade Extracontratual. São Paulo: Atlas. 2003, p. 128
[7] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências Reguladoras Independentes. Belo Horizonte: Fórum. 2009, p. 60.
[8] ARAGÃO, Alexandre Santos de. SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Omissão no Exercício do Poder Normativo das Agências e a Concorrência Desleal. in ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Forense. 2ª ed. 2011, p. 405
[9] Op. cit. p. 60.
[10] BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as Agências Reguladoras. in MORAES, Alexandre de (Org.). Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas. 2002, p. 120
[11] Op. cit. p. 61
Procuradora Federal. Pós-graduada em Direito Processual Civil - Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL - conclusão em junho/2008. Graduada em Direito - Universidade Federal de Uberlândia - UFU - conclusão em janeiro/2000.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Letícia Mota de Freitas. As funções inerentes ao poder de regulação da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41353/as-funcoes-inerentes-ao-poder-de-regulacao-da-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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