Ao se tratar de direitos fundamentais, o cuidado e as limitações em relação ao que dizemos acerca de suas restrições requer a máxima atenção. Premissas básicas na análise de possibilidades ou não de restrição são a preservação do núcleo essencial, o respeito à dignidade da pessoa humana e a consciência de que nenhum direito é absoluto.
O sigilo de correspondência é um direito fundamental de defesa contra ingerências de qualquer tipo na intimidade da pessoa humana. A respeito de sua possível restrição, é silente nossa Lei Maior. Porém, em razão da interpretação sistemática de nossa Constituição, somos forçados a reconhecer que nenhum direito fundamental é absoluto, por isso, admitimos que exista, implicitamente, reservas ao sigilo de correspondência. Entendemos que o artigo 5º, inciso XII, é uma norma constitucional de eficácia contida implícita, sendo possível, pois, que a lei tratasse dos casos excepcionais de violação à correspondência, sempre precedidos de autorização judicial.
No caso dos presos, a Lei de Execuções Penais preceitua ser possível a suspensão e a restrição às suas correspondências, por meio de dispositivo recepcionado pela Constituição Federal, na medida em que preserva o núcleo essencial do direito, qual seja, o segredo das cartas. Porém, o que ocorre no Brasil é que, a Administração penitenciária, com fundamento na preservação da ordem pública, rotineiramente devassa o conteúdo das correspondências dos detentos, partindo da premissa de que todas elas contém ilicitudes.
Esse comportamento, a nosso entender, afigura-se inconstitucional, pois viola o núcleo essencial do direito ao sigilo de correspondência – não atingido pela sentença penal condenatória. Se não há lei que permita a quebra, no mínimo, deveria ser esta precedida de autorização judicial que ponderasse cada caso concreto.
Sugerimos, para legitimar os casos em que a quebra do sigilo da correspondência aparente-se necessária, quer pelo comportamento do preso, quer por denúncias de práticas ilícitas na penitenciária, em não havendo permissão legal, que toda quebra seja acompanhada de uma decisão judicial devidamente fundamentada, que a justifique.
Toda interceptação não amparada por lei – no caso, pela Lei de Execução Penal - ou quebra não amparada por autorização judicial, será por nós considerada violação à Lei Maior de nosso ordenamento jurídico, o que significa dizer, inconstitucional. Se a lei que regulamenta uma restrição não existe ou não é suficiente para autorizar uma restrição grave de um direito, há de se considerar, pela máxima de que nenhum direito individual fundamental é absoluto, a possibilidade de quebra, desde que devidamente amparada por autorização judicial fundamentada, com a real finalidade de se garantir a conveniência da instrução criminal, a segurança jurídica ou a ordem pública, principalmente no caso por nós discutido, em que tratamos do preso, pessoa humana que já é privada de direitos em relação aos quais nem mesmo o melhor dos presídios seria capaz de amenizar a dor da perda. Injusto seria permitir a indiscriminada violação a direitos que não foram por ele perdidos.
Toda restrição a direito fundamental, seja pela colisão com outro direito ou com outro valor constitucional, deve pautar-se na legalidade e funcionalidade do ato. No caso de nossa análise, a LEP permite que se restrinja ou limite a correspondência do encarcerado, sempre de forma justificada. Porém, não há autorização para o devassamento de sua correspondência, o que faz que ela não se justifique sem motivos justos, a cada caso concreto, analisados pela autoridade judiciária. Há valores constitucionais em jogo. Segurança jurídica, instrução criminal e ordem pública, sem dúvida, permitem restrições na aplicação de outros direitos, mormente por se tratarem de garantir o bem maior a ser preservado que é a coletividade. Porém, uma vez sendo desnecessárias, para a garantia de tais valores, violações a direitos fundamentais, estas não deverão ocorrer.
Encontramos apoio nas palavras Fernando Facury Scaff, quando afirma que
“Qualquer ato ou norma que venha a infringir os princípios fundamentais da Constituição Federal, como os que estabelecem os objetivos fundamentais à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional erradicando a pobreza e a marginalização e reduza as desigualdades sociais e regionais, deve ser considerado inconstitucional, através de controle difuso ou concentrado, por magistrado de qualquer instância, a fim de permitir que a Constituição prevaleça, e que a vontade do povo ao instituir aquele documento não seja posta de lado.”
É assim - tendo por base o que dita nossa Carta Magna, bem como a inexistência de lei que permita a violação do sigilo epistolar - que pugnamos pela aplicação da reserva de jurisdição, sempre que um diretor de estabelecimento penitenciário veja a necessidade de se violar a correspondência de um detento em nome da ordem pública. Concluímos, no presente trabalho, que o sigilo das correspondências é um direito fundamental que possui reserva restritiva implícita, face à não-absolutez dos direitos.
Sendo assim, a Lei de Execuções Penais, que regulamentou a possibilidade de restrição às correspondências dos presos, corretamente, não previu a possibilidade de quebra do sigilo.
Portanto, ao se vislumbrar administrativamente, no caso concreto, a necessidade de quebra do sigilo epistolar de um detento por fundadas suspeitas de práticas ilícitas, o diretor do estabelecimento deverá remeter ao juízo competente o pedido de autorização para que tal quebra seja permitida. A jurisdição é quem fiscalizará e dirá da necessidade de se violar ou não um direito fundamental em seu núcleo essencial, determinando os casos em que o interesse público realmente seja prevalente ao particular, de forma a evitar injustiças e maiores humilhações do que aquelas às quais o cárcere naturalmente já submete o ser humano.
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