Sumário: Introdução[1]; 1. Os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé; 2. Especificidades e peculiaridades do princípio da confiança legítima; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo expor, em breve síntese, os conceitos de três princípios de suma importância para o direito administrativo, em especial nas relações envolvendo a Administração Pública e o particular, que são os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé.
No desenvolvimento deste breve estudo, serão apresentadas notas distintivas entre os aludidos princípios, a fim de melhor perceber seus contornos jurídicos. Em seguida, o princípio da proteção da confiança legítima será objeto de maior esmiuçamento.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a bem compreender os princípios mencionados, essenciais que são para o estudo e prática do da ciência jurídica, notadamente no âmbito do direito administrativo.
1. Os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé.
O princípio da segurança jurídica possui dois sentidos. O primeiro, de natureza objetiva, tem a ver com a estabilização do ordenamento jurídico, a partir do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada; já o segundo, de jaez subjetivo, relaciona-se com a proteção da confiança do cidadão frente às expectativas geradas pela Administração Pública.
No que atina a este artigo, importa destacar que a essência subjetiva do princípio da segurança jurídica está nitidamente relacionada ao princípio da confiança legítima, muito embora com ele não se confunda, conforme lição da doutrina:
“Enquanto a segurança jurídica possui caráter amplo, sendo aplicável às relações públicas e privadas, a confiança legítima tutela, tão somente, a esfera jurídica particular, protegendo-o da atuação arbitrária do Estado”[2].
Um exemplo da necessidade de proteção à confiança é extraído do artigo 54, da Lei 9.784/99 (Lei do processo administrativo da União), o qual impõe um prazo (decadencial) à possibilidade de a União anular atos administrativos. Trata-se, pois, de uma limitação ao poder/prerrogativa de autotutela da Administração, em razão da necessidade de se preservar a confiança legítima do administrado frente aos atos do Poder Público.
O princípio da boa-fé também possui dois sentidos. O primeiro, objetivo, refere-se à lealdade e correção da atuação dos particulares; já o segundo, subjetivo, trata da crença do particular de que atua conforme as normas jurídicas do país.
Nesse sentido, o princípio da confiança legitima-se a partir da boa-fé do administrado, eis que, sem esta não há expectativas verdadeiras em relação à Administração. O
Nesse contexto, explica a doutrina, acerca da relação intrincada desses princípios, que:
“Não obstante a enorme dificuldade de diferenciação entre os princípios da boa-fé e da confiança legítima, é possível afirmar que a boa-fé deve pautar a atuação do Estado e do particular, e a confiança legítima é instrumento de proteção do administrado. (...) O princípio da segurança jurídica, em virtude de sua amplitude, inclui na sua concepção a confiança legítima e a boa-fé.”[3].
Portanto, com apoio da doutrina, percebe-se que os princípios ora debatidos, conquanto guardem estreita sintonia, possuem contornos jurídicos próprios, distintos.
2. Especificidades e peculiaridades do princípio da confiança legítima
Extremamente interessante mergulhar um pouco mais na essência do princípio da confiança legítima, o que se fará a seguir, com base na sistematização desenvolvida por Rafael Carvalho Rezende Oliveira[4].
O primeiro ponto que merece destaque é a caracterização da confiança legítima, que, para se configurar, demanda o preenchimento de alguns requisitos, do quais destaca-se:
a) a confiança do administrado de que a Administração agiu legalmente e de que suas expectativa são razoáveis;
b) a confiança deve ter causa idônea, eis que não pode ser gerada por mera negligência, tolerância ou ignorância da Administração;
c) o administrado deve cumprir os deveres/obrigações que lhe cabem, naquilo que envolve o ato da Administração que lhe gerou confiança legítima a ser protegida.
Há, entretanto, dois limites à confiança legítima:
a) como visto anteriormente, não se pode falar em confiança legitima nas hipóteses de má-fé do particular, eis que é exatamente a boa-fé do administrado o aspecto psicológico legitimador da confiança que demanda a proteção do direito;
b) a confiança legítima não pode ser extraída de mera expectativa (simplificada) de direito, que não gera proteção do ordenamento jurídico, mas sim uma expectativa qualificada, como consequência da presença/cumprimento de requisitos, como exemplificado acima.
Válido destacar, ainda, os efeitos gerados pelo princípio da proteção da confiança legítima, os quais podem ser divididos em dois grupos:
a) efeitos negativos – a Administração abstém-se de produzir atos restritivos ou supressivos dos direitos dos particulares, a exemplo, como dito anteriormente, da limitação do poder (exercício) da autotutela, em razão do prazo decadencial previsto em lei.
b) efeitos positivos – necessidade de a administração gerar atos administrativos que beneficiem (reconheça, criem, ampliem) os direitos dos particulares ou que permitam o ressarcimento daqueles que tiveram sua confiança violada, em virtude da conduta da Administração.
No ponto, cumpre destacar lição da doutrina que relaciona os efeitos gerados pelo princípio da confiança e a redução da discricionariedade do administrador público:
“Nesse contexto, em ambos os efeitos (negativos e positivos), o princípio da confiança funciona como um mecanismo de redução da discricionariedade do administrador. Em algumas hipóteses, é possível conceber a redução total da discricionariedade (“redução da discricionariedade a zero”), quando as diversas possibilidades de escolhas colocadas pela norma, em abstrato, são reduzidas, tendo em vista as condições jurídicas em jogo, de modo a se retirar, na hipóteses concreta, a discricionariedade do administrador. Mencione-se, exemplificativamente, a hipótese em que o Poder Público promete deduções fiscais e autorizações de funcionamento para empresas que atuam em determinado segmento empresarial com o objetivo de desenvolver a região. Confiante na promessa sólida do Poder Público, uma empresa faz investimentos importantes na região e requer os benefícios prometidos. Não poderia o Poder Público se negar a conceder tais benefícios, sob o argumento de que desistiu de desenvolver a região, pois tal conduta contraria a confiança legítima.
A proteção da confiança do administrado por meio da exigência de atuação legal e coerente do Estado ocorre, ainda, a partir da teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium), que é aplicável, modernamente, ao Direito Administrativo.[5]”
Trata-se, pois, de princípio cujo conhecimento não se limite à esfera meramente teórica, sendo nitidamente perceptível suas implicações práticas no âmbito das relações administrativas, entre o particular e o Estado.
Como se pode perceber, os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e boa-fé, embora guardem semelhança, possuem nítidas distinções, sintetizadas abaixo:
a) o princípio da segurança jurídica, por ser mais abrange, engloba os da proteção da confiança legítima e da boa-fé.
b) o princípio da segurança jurídica, no aspecto subjetivo, muito se identifica com o princípio da proteção da confiança legítima, mas ainda assim é mais abrangente, englobando-o, eis que aplicável às relações públicas e privadas, enquanto este último aplica-se unicamente à esfera privada, como instrumento de proteção do cidadão.
c) já o princípio da boa-fé, notadamente no sentido subjetivo, de cunho psicológico, é condição sine qua non para se qualificar de legítima a confiança do administrado, viabilizando a pretensão de sua proteção.
Procurou-se, ainda, destacar alguns aspectos interessantes acerca do princípio da proteção da confiança legítima, tais como os requisitos necessários à caracterização da confiança como legítima, bem como os limites impostos à tal caracterização; bem como os efeitos gerados pelo referido princípio e sua relação com a discricionariedade administrativa.
Com isto, espera-se fornecer elementos que ajudem a bem compreender os princípios mencionados, essenciais que são para o estudo e prática do da ciência jurídica, notadamente no âmbito do direito administrativo.
Bibliografia
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014.
[1] A essência deste estudo está baseada na obra de OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. 2ª. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2014. Págs. 44/49.
[2] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 44.
[3] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 45.
[4] Ob. Cit. Pág. 46 a 48.
[5] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ob. Cit. Pág. 46 e 47.
Procurador Federal e Professor de Processo Civil da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Pós-graduado em Direito Público (UnB/AGU), em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas - FGV) e em Relações Internacionais (Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Bruno César Maciel. Os princípios da segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé: breves notas distintivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41417/os-principios-da-seguranca-juridica-confianca-legitima-e-boa-fe-breves-notas-distintivas. Acesso em: 22 nov 2024.
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