Resumo: O presente artigo analisa o teto remuneratório do funcionalismo público, a garantia da irredutibilidade dos vencimentos e se os servidores públicos antigos possuem direito adquirido à continuidade do recebimento de remuneração acima do valor estabelecido como teto.
Palavras chave: teto, irredutibilidade, vencimentos, direito adquirido.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breves apontamentos sobre o teto remuneratório. 3. A garantia da irredutibilidade dos vencimentos. 4. O direito adquirido e o teto remuneratório. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
É histórica a complexidade do regime remuneratório dos agentes públicos, que é marcada pela existência de uma miscelânea de legislações, regras e exceções, tanto no plano constitucional, quanto na seara infraconstitucional.
Antes da Carta Magna de 1988, inexistiam limites constitucionais aos valores da remuneração dos servidores públicos, pois competia a cada órgão fixar a forma de composição dos proventos. Nesse sentido, prescrevia o art. 98, da Emenda Constitucional nº 01/69:
Art. 98. Os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo, para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas.
Parágrafo único. Respeitado o disposto neste artigo, é vedada vinculação ou equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público.
Além disso, no regime constitucional anterior, que legitimava o Estado autoritário imposto com o golpe militar de 1964, não havia garantia contra a irredutibilidade do valor dos vencimentos dos servidores públicos estatutários, de modo que o Poder Público poderia diminuir a remuneração dos agentes estatutários sem provocar lesão a direito. Somente existia previsão expressa da irredutibilidade de vencimentos dos juízes[1], cuja prerrogativa foi estabelecida para possibilitar o desempenho imparcial e independente da função judicante:
Art. 113. Salvo as restrições expressas nesta Constituição, os juízes gozarão das seguintes garantias:
III - irredutibilidade de vencimentos, sujeitos, entretanto, aos impostos gerais, inclusive o de renda, e os impostos extraordinários previstos no artigo 22.
Assim, visando à melhor gestão administrativa, à austeridade das contas públicas e à garantia de direitos mínimos aos agentes públicos estatutários, a Constituição da República de 1988 estabeleceu teto remuneratório e estendeu a garantia da irredutibilidade dos vencimentos a todos os servidores públicos, sem qualquer distinção.
2. Breves apontamentos sobre o teto remuneratório
A Constituição de 1988 inovou o sistema jurídico brasileiro ao consagrar, além dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, mecanismos de controle dos gastos para possibilitar o equilíbrio das contas públicas.
Nesse sentido, foi previsto na redação original do art. 37, XI, um teto limitador da remuneração dos servidores públicos:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito;
Essa regra era de eficácia limitada, porquanto sua aplicabilidade dependia da edição de norma regulamentar. No Supremo Tribunal Federal (STF), a questão relativa ao teto do funcionalismo público foi discutida pela primeira vez no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 14/89[2], que foi julgada parcialmente procedente ao determinar a exclusão das vantagens pessoais do cômputo do limite remuneratório para fins de incidência do teto.
Como várias parcelas integrantes da remuneração dos servidores públicos poderiam ser classificadas como vantagens pessoais e, por conseguinte, não estarem sujeitas ao teto, foi editada a Emenda Constitucional nº 19/98, que, dentre várias inovações administrativas, alterou a redação do art. 37, caput e inciso XI, da Constituição:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;
Tal qual a redação primária da Constituição de 1988, a aplicação do dispositivo epigrafado também dependia de regulamentação infraconstitucional, posto que se classificava como norma de eficácia limitada. Por isso, não foram observadas modificações profundas na questão do teto, permanecendo o entendimento do STF no mesmo sentido da ADI nº 14/89.
A parte final do art. 37, XI, consignava que a remuneração dos agentes públicos não poderia exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF. Contudo, nos termos do art. 48, XV, da Constituição de 1988, a fixação do subsídio dos Ministros da Corte Suprema deveria ser estabelecida por lei de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, o que nunca foi feito.
Diante das dificuldades encontradas para garantir a aplicação fática do teto remuneratório, especialmente em razão da necessidade de iniciativa quadripartite para elaboração do projeto de lei para fixação dos subsídios dos Ministros do STF, foi lançada a Emenda Constitucional nº 41/03, que alterou as redações dos arts. 37, inciso XI, e 48, XV, ambos da Carta Magna de 1988:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I.
Destarte, além da melhor especificação do teto remuneratório, que passou a prever a existência de subtetos, a nova redação constitucional passou a prescrever que a iniciativa para propositura do projeto de lei para fixação dos subsídios dos Ministros do STF seria de competência do Congresso Nacional, e não mais Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal.
3. A garantia da irredutibilidade dos vencimentos
Inovação decorrente da Constituição da República de 1988, a irredutibilidade de vencimentos, que no regime anterior era uma prerrogativa exclusiva dos membros do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, passou a ser estendida a todos servidores públicos estatutários, uma vez que os empregados públicos celetistas já possuíam esse direito em razão da legislação trabalhista.
Estabelece o art. 37, XV, que “o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”, razão pela qual não é possível a redução nominal da remuneração.
Na oportunidade, vale destacar o magistério de José dos Santos Carvalho Filho[3]:
O sentido da irredutibilidade, porém, não é absoluto. Protege-se o servidor apenas contra a redução direta de seus vencimentos, isto é, contra a lei ou qualquer outro ato que pretenda atribuir ao cargo ou à função decorrente de emprego público importância inferior à que já estava fixada ou fora contratada anteriormente. Contudo, os Tribunais já se pacificaram no sentido de que não há proteção contra a redução indireta, assim considerada aquela em que: 1) o vencimento não acompanha pari passu o índice inflacionário; ou 2) o vencimento nominal sofre redução em virtude da incidência de impostos. Nessa linha, aliás, o art. 37, XV, da CF ressalva expressamente os arts. 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, que retratam, respectivamente, o princípio da igualdade dos contribuintes, a incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e os critérios da generalidade, universalidade e progressividade, inerentes ao referido tributo.
4. O direito adquirido e o teto remuneratório
Em decorrência das alterações provocadas na Constituição com a edição da Emenda Constitucional nº 41/03, que, dentre várias modificações, simplificou a iniciativa para propositura do projeto de lei para fixação dos subsídios dos Ministros do STF, em 27 de julho de 2005 foi sancionada a Lei 11.143, que regulamentou o valor do teto remuneratório dos agentes públicos. Como a partir de 1º de janeiro de 2005 o valor do subsídio mensal dos membros do Pretório Excelso foi fixado em R$ 21.500,00, esse passou a ser a remuneração máxima no âmbito do Poder Público.
Assim, surgiram dúvidas se os servidores públicos antigos que recebessem valores superiores ao limite legal deveriam ter suas remunerações reduzidas ao valor do teto ou, se em razão do direito adquirido e da garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, não poderia ser feito o corte.
Partindo de uma interpretação literal do art. 9º, da Emenda Constitucional nº 41, e do art. 17, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), concluir-se-ia pela imediata redução do valor das remunerações ao limite máximo do teto, in verbis:
Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
Segundo o art. 17, do ADCT:
Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência do STF consideraram a regra acima inconstitucional, porque a Constituição assegura a irredutibilidade dos vencimentos no art. 37, XV.
O art. 17, do ADCT, foi considerado constitucional quando do advento da Constituição, visto que o Poder Constituinte Originário inaugura uma nova ordem jurídica e, por isso, possui atuação ilimitada. Assim, à míngua de limites jurídicos, o legislador constituinte originário pode restringir direitos.
Além da regra transitória ter sido exaurida no início da vigência da Constituição, o Poder Constituinte Derivado, que é limitado por natureza, não pode repristinar norma constitucional de eficácia exaurida, que seja limitadora de direitos previstos na própria Constituição.
Igualmente, foi o entendimento do STF no julgamento do Mandado de Segurança 24.875/DF[4], cuja parte da ementa segue transcrita:
(...). V. Magistrados: acréscimo de 20% sobre os proventos da aposentadoria (Art. 184, III, da L. 1.711/52, c/c o art. 250 da L. 8.112/90) e o teto constitucional após a EC 41/2003: garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos: intangibilidade. 1. Não obstante cuidar-se de vantagem que não substantiva direito adquirido de estatura constitucional, razão por que, após a EC 41/2003, não seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos submetido, aos impetrantes, porque magistrados, a Constituição assegurou diretamente o direito à irredutibilidade de vencimentos - modalidade qualificada de direito adquirido, oponível às emendas constitucionais mesmas. 2. Ainda que, em tese, se considerasse susceptível de sofrer dispensa específica pelo poder de reforma constitucional, haveria de reclamar para tanto norma expressa e inequívoca, a que não se presta o art. 9º da EC 41/03, pois o art. 17 ADCT, a que se reporta, é norma referida ao momento inicial de vigência da Constituição de 1988, no qual incidiu e, neste momento, pelo fato mesmo de incidir, teve extinta a sua eficácia; de qualquer sorte, é mais que duvidosa a sua compatibilidade com a "cláusula pétrea" de indenidade dos direitos e garantias fundamentais outorgados pela Constituição de 1988, recebida como ato constituinte originário. 3. Os impetrantes - sob o pálio da garantia da irredutibilidade de vencimentos -, têm direito a continuar percebendo o acréscimo de 20% sobre os proventos, até que seu montante seja absorvido pelo subsídio fixado em lei para o Ministro do Supremo Tribunal Federal. VI. Mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal: questões de ordem decididas no sentido de não incidência, no caso, do disposto no artigo 205, parágrafo único e inciso II, do RISTF, que têm em vista hipótese de impedimento do Presidente do Supremo Tribunal, não ocorrente no caso concreto. 1. O disposto no parágrafo único do art. 205 do RISTF só se aplica ao Ministro-Presidente que tenha praticado o ato impugnado e não ao posterior ocupante da Presidência. 2. De outro lado, o inciso II do parágrafo único do art. 205 do RISTF prevê hipótese excepcional, qual seja, aquela em que, estando impedido o presidente do STF, porque autor do ato impugnado, o Tribunal funciona com número par, não sendo possível solver o empate.
O entendimento do STF era pacífico no sentido de que, a fim de respeitar a garantia da irredutibilidade dos vencimentos, o servidor público que recebesse remuneração superior ao teto não sofreria redução direta, mas permaneceria com seus vencimentos congelados, sem ter direito a aumentos, até que o valor ficasse inferior ao limite máximo de pagamento do funcionalismo público.
Entretanto, no recente julgamento do Recurso Extraordinário 609.381/GO, realizado em 02 de outubro de 2014, a Corte Suprema, por maioria de votos, mudou o entendimento ao chancelar a redução do valor da remuneração dos agentes públicos ao limite do teto, pois isso representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Como a decisão ainda não foi publicada segue reprodução de parte do Informativo Semanal de Jurisprudência nº 761[5]:
EC 41/2003: fixação de teto constitucional e irredutibilidade de vencimentos - 1
O teto de retribuição estabelecido pela EC 41/2003 é de eficácia imediata, e submete às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. Esse o entendimento do Plenário, que, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a aplicabilidade da referida emenda constitucional a servidores públicos que percebessem remuneração acima do teto constitucional. Na espécie, servidores estaduais aposentados e pensionistas, vinculados ao Poder Executivo local, tiveram seus rendimentos submetidos a cortes, após a vigência da EC 41/2003, promovidos com o propósito de adequar suas remunerações aos subsídios do Governador. (...)
EC 41/2003: fixação de teto constitucional e irredutibilidade de vencimentos – 2
(...)
Em seguida, e no tocante à aplicabilidade da EC 41/2003, o Plenário asseverou que o teto de retribuição constituiria norma constitucional de estrutura complexa, porque estabelecida pela conjunção de diferentes dispositivos do texto constitucional, cujo sentido normativo seria chancelado por quatro principais ingredientes constitutivos: a) a limitação da autonomia de cada ente federativo, ao se apresentar um ápice remuneratório que deveria ser obrigatoriamente seguido; b) a abrangência inclusiva do teto, a compreender tudo o quanto viesse a remunerar o trabalho do servidor, a qualquer título; c) o recado normativo complementar, presente no ADCT e nos artigos 29 da EC 19/1998 e 9º da EC 41/2003, a determinar que aquilo que sobejasse da incidência do teto constituiria excesso, cuja percepção não poderia ser reclamada, ainda que o direito a ela tivesse sido licitamente adquirido segundo uma ordem jurídica anterior; e, por fim, d) a disposição, que decorreria do sistema constitucional, no sentido de que a garantia da irredutibilidade de proventos não ampararia a percepção de verbas remuneratórias que desbordassem do teto de retribuição. Frisou que esta última assertiva seria depreendida da parte final do inciso III do art. 95, e da alínea c do inciso I do § 5º do art. 128, todos da CF, em sua redação originária [“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: ... III - irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; Art. 128. O Ministério Público abrange: ... § 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: I - as seguintes garantias: … c) irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I”], e, além disso, da atual redação do inciso XV do art. 37, também da CF (“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ... XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”). Assinalou que, ao condicionar a fruição da garantia de irredutibilidade de vencimentos à observância do teto de retribuição (CF, art. 37, XI), a literalidade dos citados dispositivos constitucionais deixaria fora de dúvida que o respeito ao teto representaria verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Concluiu que nada, nem mesmo concepções de estabilidade fundamentadas na cláusula do art. 5º, XXXVI, da CF (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), justificariam excepcionar a imposição do teto de retribuição.
EC 41/2003: fixação de teto constitucional e irredutibilidade de vencimentos - 3
O Plenário destacou que a garantia da irredutibilidade, que hoje assistiria igualmente a todos os servidores, constituiria salvaguarda a proteger a sua remuneração de retrações nominais que viessem a ser determinadas por meio de lei. O mesmo não ocorreria, porém, quando a alteração do limite remuneratório fosse determinada pela reformulação da própria norma constitucional de teto de retribuição. Isso porque a cláusula da irredutibilidade possuiria âmbito de incidência vinculado ao próprio conceito de teto de retribuição, e operaria somente dentro do intervalo remuneratório por ele definido. Esclareceu que a irredutibilidade de vencimentos constituiria modalidade qualificada de direito adquirido. Todavia, o seu âmbito de incidência exigiria a presença de pelo menos dois requisitos cumulativos: a) que o padrão remuneratório nominal tivesse sido obtido conforme o direito, e não de maneira juridicamente ilegítima, ainda que por equívoco da Administração Pública; e b) que o padrão remuneratório nominal estivesse compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição. Aduziu que os excessos eventualmente percebidos fora dessas condições, ainda que com o beneplácito de disciplinas normativas anteriores, não estariam amparados pela regra da irredutibilidade. Ressaltou, ademais, que o pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição, além de se contrapor a noções primárias de moralidade, de transparência e de austeridade na administração dos gastos com custeio, representaria gravíssima quebra da coerência hierárquica essencial à organização do serviço público. Lembrou, por fim, que o fato de o art. 9º da EC 41/2003 ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ainda pendente de apreciação, não impediria, contudo, que o STF fizesse impor a força normativa do próprio art. 37, XI, da CF, cujo enunciado seria suficiente para coibir situações inconstitucionais de remuneração excessiva. (...)
Desse modo, nos termos do julgamento do RE 609.381/GO, o atual entendimento do STF é no sentido de que os servidores públicos antigos que recebem valores superiores ao limite legal do teto devem ter suas remunerações reduzidas.
5. Conclusões
É certo que a Constituição de 1988 é um marco divisor no ordenamento jurídico pátrio, porque, além de garantir inúmeros direitos e garantias fundamentais ao cidadão e ser o diploma normativo que conferiu legalidade à redemocratização do país, fixa as balizas mínimas necessárias ao equilíbrio e austeridade das contas públicas.
Nesse sentido, o teto remuneratório estabelece o valor máximo dos proventos a serem percebidos pelos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo um critério de legalidade e de legitimidade do pagamento da folha salarial.
Por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança 24.875/DF, o STF entendeu que o servidor público antigo que percebesse remuneração superior ao teto não sofreria redução direta, mas permaneceria com seus vencimentos congelados, até que o valor ficasse inferior ao limite máximo de pagamento do funcionalismo público.
Todavia, a jurisprudência da Corte Suprema evoluiu e, no recente julgamento do Recurso Extraordinário 609.381/GO, restou decidido que os agentes públicos antigos que recebem valores superiores ao limite legal do teto devem ter suas remunerações reduzidas.
6. Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Emenda Constitucional 01, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc41.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Lei Ordinária 11.143, de 26 de julho de 2005. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11143.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14-4/DF, Relator Ministro Célio Borja. Data do Julgamento: 28.09.1989. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=266158>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Informativo Semanal de Jurisprudência nº 761. Data de Divulgação: 15.10.2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/ documento/informativo761.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 24.875/DF. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Data do Julgamento: 11.05.2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarjurisprudencia.asp?s1=%2824875%2ENUME%2E+OU+24875%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ld6qjmf>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
[1] Por força do art. 72, § 3º, da Emenda Constitucional nº 01/69, os Ministros dos Tribunais de Contas também gozavam dessa prerrogativa, visto que eram dotados das mesmas garantias, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 14-4/DF, Relator Ministro Célio Borja. Data do Julgamento: 28.09.1989. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=266158>. Acesso em 25 de outubro de 2014.
[3] Manual de Direito Administrativo. 20 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 687.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 24.875/DF. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Data do Julgamento: 11.05.2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar Jurisprudencia.asp?s1=%2824875%2ENUME%2E+OU+24875%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ld6qjmf> Acesso em 27 de outubro de 2014.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo Semanal de Jurisprudência nº 761. Data de Divulgação: 15.10.2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo761.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2014.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especializando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Luís Henrique Assis. O teto do funcionalismo público e o direito adquirido à remuneração integral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41524/o-teto-do-funcionalismo-publico-e-o-direito-adquirido-a-remuneracao-integral. Acesso em: 22 nov 2024.
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