A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 37, caput, princípios expressos e específicos para a atividade da Administração Pública. São eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Importante frisar que a existência de princípios expressos não significa serem os mesmos únicos ou taxativamente previstos no referido dispositivo constitucional. Existem diversos outros princípios que estão ou não previstos na Carta Magna, mas que devem ser observados pela Administração Pública, tais como supremacia do interesse público sobre o interesse privado, razoabilidade, proporcionalidade, motivação.
Os princípios, assim como as regras, são normas jurídicas. A doutrina contemporânea distingue as regras dos princípios e é segura em conferir também a estes últimos a existência de força normativa.
No ponto, importantes as lições de Marçal Justen Filho (2009, páginas 47, 48 e 50):
"Tornou-se pacífico entre os estudiosos o reconhecimento de que o direito é um conjunto de normas jurídicas configuráveis como princípios e regras. (...)
Uma das maiores preocupações da doutrina dos últimos anos envolveu a natureza e a relevância dos princípios jurídicos. Tornou-se inquestionável sua natureza normativa, e os princípios deixaram de ser considerados como propostas irrelevantes, destituídas de cunho vinculante.
Os princípios obrigam, talvez em termos mais intensos do que as regras. Já se disse que infringir um princípio é mais grave do que descumprir uma regra. Isso deriva de que o princípio é uma síntese axiológica: os valores fundamentais são consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da Nação.
(...) a distinção entre regra e princípio não é simples. A doutrina mais recente observa que a distinção fundamental reside na sistemática de concretização e aplicação. O princípio é concretizado por meio de um processo de ponderação, enquanto a regra é aplicada por meio de um processo de subsunção."
Portanto, é inegável a importância dos princípios, seja por seu conteúdo expressar valores maiores, quanto por sua força normativa.
O princípio da legalidade objetiva firmar o entendimento de que o Estado é submetido à lei. Somente pode fazer o que ela autoriza ou obriga.
Com precisão, Hely Lopes Meireles (2004, página 87) conceitua o princípio da legalidade em sua concepção administrativa nos seguintes termos:
“a legalidade, como princípio de administração significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e as exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.”
Conforme DI PIETRO (2008, página 64), o princípio da legalidade impõe à Administração Pública a obrigação de somente fazer aquilo que a lei (lato sensu) permite; situação diferente do que ocorre com os particulares, onde o princípio da legalidade tem outra conotação, mais ligada (verdadeiramente) ao princípio da autonomia da vontade, que permite ao particular fazer tudo aquilo não proibido pela lei.
Ou seja, o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da CF/88 tem conteúdo e aplicação diversa daquele previsto no artigo 5º, inciso II, da mesma Magna Carta.
E é melhor que seja assim, pois o Estado exerce suas atividades através de seus órgãos e agentes, e cada um deve atuar estritamente dentro dos limites estabelecidos objetiva e uniformemente para todos. Isto garante maior segurança nos atos praticados pelo Estado, pois se saberá de antemão os fundamentos e razões para aquele determinado ato.
O Superior Tribunal de Justiça julgou caso interessante aplicando o princípio da legalidade em sua concepção relativa à Administração Pública, sustentado exatamente o que acima exposto: o administrador não pode ir além ou aquém do que a lei determina. Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. SERVIDORAS PÚBLICAS ESTADUAIS INATIVAS. ABONO CRIADO PELA LEI ESTADUAL N.º 12.667/03. INCORPORAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 304/05. ALTERAÇÃO AUTOMÁTICA DO VALOR VANTAGEM NOMINALMENTE IDENTIFICÁVEL - VNI. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1.º, INCISO I, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N.º 83/93. PREVISÃO LEGAL EM SENTIDO CONTRÁRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRECEDENTES.
1. O abono criado pelo art. 2.º da Lei Estadual n.º 12.667/03 foi incorporado por força do art. 1.º da Lei Complementar Estadual n.º 304/05, ou seja, quando ainda vigia a redação do art. 1.º, inciso I, da Lei Complementar Estadual n.º 83/93 dispondo, expressamente, que o valor da Vantagem Nominalmente Identificável - VNI seria mantido mesmo diante de alteração no vencimento do cargo de provimento efetivo.
2. É indevida a concessão de reajuste de 13,91% (treze vírgula noventa e um por cento) da Vantagem Nominalmente Identificável - VNI, porquanto, apenas com a edição da Lei Complementar Estadual n.º 323/06, restou determinada a atualização do valor dessa parcela nas mesmas datas e índices dos vencimentos dos cargos efetivos.
3. A Administração, por ser submissa ao princípio da legalidade, não pode levar a termo interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o dispuser de forma expressa.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e desprovido.
(RMS 30.926/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011)
(destaques acrescentados)
Inegável, assim, a aplicabilidade de referido princípio ao cotidiano do cidadão e do próprio Estado.
Portanto, o principio constitucional da legalidade mostra-se instrumento útil e efetivo para a atuação da Administração Pública, que deve atuar de forma submissa à democracia, na medida em que os representantes do povo (Poder Legislativo) elegem e editam as leis que deverão, necessariamente, ser seguidas pelo administrador, primando sempre pelo interesse público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª Edição. São Paulo. Atlas, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª Edição Revista e Atualizada. São Paulo. Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª Edição. São Paulo. Malheiros, 2004.
STJ – RMS 30.926/SC – Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011.
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