A compreensão sobre Administração Pública passa por uma ruptura do modelo até então concebido. Antes, preocupada com o controle (preservação do patrimônio público); hoje, voltada para uma administração de resultados, sem se esquivar, contudo, de mecanismos que garantam a probidade com a coisa pública.
O fenômeno da terceirização pode ser encarado como uma das projeções dessa mudança de paradigma. Com ela o Administrador centraliza toda sua força para a consecução de suas políticas públicas. Afastada a absorção pelo Estado, de atividades que, embora necessárias para a administração de toda a estrutura, não tem significação em suas ações.
A terceirização foi então amplamente aceita pelo Administrador Público, valendo-se, principalmente, da liberdade de contratação concedida pelo Constituinte de 67/69 (art. 104). O Decreto-Lei 200/67 não deixa qualquer dúvida quanto a adoção irrestrita da terceirização:
art. 10. ----
§7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.
Bem se percebe que, a despeito de ser até possível caracterizar um núcleo de atividades terceirizáveis na ordem passada, o Legislador acabou pecando por omitir uma caracterização mais restrita. O que entender por tarefas de supervisão? E planejamento?
O resultado disso é de todos conhecido. A liberdade foi mal utilizada pelo Administrador, valendo-se dela para descumprir a regra do concurso público. O Ministério do Planejamento estima que existem mais de 20.000 (vinte mil) terceirizados nos Ministérios e na Presidência da República, o que gerou um gasto, em 2013, de cerca de R$ 4,3 bilhões, conforme reportagem publicada na revista Istoé.
O Constituinte de 1988, atento a essas distorções, tinha como objetivo afastar a ampla liberdade dada ao Administrador em contratar mão-de-obra, reforçando a regra do concurso para o ingresso na Administração Pública. Entendimento que, por óbvio, seria adotado pelo Tribunal de Contas da União:
Quanto às funções de planejamento, supervisão e controle (fiscalização) seria de bom alvitre que as mesmas fossem executadas diretamente pela Autarquia, e não como vêm sendo realizadas, seja por imposição de contratos internacionais de financiamento (BID/BIRD), seja por decisão administrativa do Departamento, mediante terceirização.
(TCU, Plenário, decisão 595/96, processo TC 014.694/95-6, DOU 15.10.1996)
A terceirização não foi, contudo, afastada, mesmo porque o Estado não desistiu da adoção de um modelo gerencial de administração pública. Certo é que ocorreu uma clara determinação das atividades terceirizáveis, com limitação, inclusive, de seu alcance. O Administrador continua a desvincular-se dos trabalhos de cunho meramente materiais, os quais estão à margem das ações da Administração. O Decreto 2.271/97 revela o que poderia ser compreendido como terceirizável:
art. 1º. ----
§1º. As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
Embora o texto seja exemplificativo, os serviços ali enumerados estão de tal forma relacionados, que permitiriam ao leitor uma clara compreensão do que seria terceirizável.
E o mais importante: não se terceiriza mais pessoas, mas sim, serviços. Deve-se, inclusive, perquirir, não ao que vem declarado, mas, principalmente, à natureza da atividade terceirizada. Para que ações que impliquem na burla a exigência constitucional de concurso público; escapa às normas constitucionais sobre servidores públicos; cobra taxas de administração incompatíveis com os custos operacionais, com salários pagos e com os encargos sociais; contrata servidores afastados de seus cargos para prestarem serviços sob outro título; não sejam mais praticadas.
A terceirização dos serviços, ao contrário, em nenhum momento sofreu censura do Legislador, sendo perfeitamente possível no âmbito da Administração Pública. E é de serviços que trata o texto legal antes mencionado.
Como já colocado, a terceirização é vedada quando se tratar de mão-de-obra. Não se podendo desejar alocá-la, ainda que encoberta em uma empresa de prestação de serviços. Ações nesse sentido implicam em lesão ao princípio da legalidade (exigência de concurso público) e ao princípio da economicidade, pois que, quanto ao último, além da exorbitante margem de lucro comumente praticada pelas empresas terceirizadas, a Administração acaba por onerar seus custos, em face da enorme e frequente rotatividade dos funcionários contratados.
Ora, a resposta da ordem jurídica para ações como essa - porque onde não há sanção, não há Direito - seria a punição dos responsáveis. A Lei de Improbidade Administrativa pode até não se aplicar ao Administrador incauto que, cometendo alguma irregularidade, não chega a prejudicar o erário (STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, REsp. 213.994-MG, D.J. 27.09.1999). Mas tem plena eficácia para aquele que, ciente da irregularidade do ato, o pratica, lesando o patrimônio público. Nessas hipóteses tem-se como indiferente o fato de inexistir alguma vantagem para o agente.
Dispositivos abertos que impliquem na indeterminação das atividades devem ser evitados, pois que os serviços terceirizáveis estão bem definidos no Decreto 2.271/97, exigindo-se elementos objetivos e claros para sua definição.
Quanto às demais atividades da Administração (atividades fins), a sugestão para solucionar o déficit de pessoal passa, necessariamente, pela realização de concurso público em todos os níveis e esferas. Não há dúvida que essa é a maneira mais decente, democrática e constitucional de seleção de servidores para o Executivo, para o Legislativo e para o Judiciário.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1967).
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL. Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967.
BRASIL. Decreto 2.271, de 07 de julho de 1997.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública, 4ª ed., Atlas.
Precisa estar logado para fazer comentários.