A visão das elites brasileiras
É do conhecimento de todos que vivemos em um país muito desigual, em que o absmo entre a riqueza e a pobreza é muito grande. Um mundo de luxo convive com um outro de miséria total, dentro de uma sociedade que é considerada como a de maior concentração de renda no planeta. Enquanto milhares de brasileiros possuem uma renda mensal que não ultrapassa um salário mínimo, alguns poucos conseguem tirar de cem mil a um milhão de reais ou mais por mês, segundo a Receita Federal. Esses últimos são os brasileiros que correspondem ao 0,01% da população considerados como milionários do país. Piorando esse quadro de disparidade, há muitas evidências de declarações com redução dos valores de mercado dos bens, e lembrando que os sonegadores não estão nos dados da Receita, pode-se dizer que a desigualdade no Brasil é muito maior do que se imagina.
Para que a situação começasse a dar sinal de melhora, primeiramente seria preciso alguns estudos sistematizados, como sobre: a dinâmica da estrutura da desigualdade, a formulação e aplicação de programas sociais e o modo como determinados grupos interpretam a pobreza e a desigualdade. Os trabalhos nessas áreas têm se revelado insuficientes, preferindo-se a prática em detrimento da teoria, e assim desconsiderando-se aspectos cruciais na implementação de projetos.
E já que existe uma elite, e tendo em mente que é ela a detentora do poder no país, é preciso analisar como ela enxerga a pobreza e a desigualdade, pois é dessa visão que são planejadas e implementadas políticas sociais. Em se tratando de causas sociais, princípios morais são esquecidos e medidas em prol da massa populacional são postas em prática somente quando é do interesse dessa elite. Não há no Brasil qualquer coisa parecida com solidariedade social ou cooperação entre os grupos, o que contribui para a eternização da desigualdade. A elite não está disposta em dividir nada, e para dissimular usa argumentos que serão discutidos mais à frente, visando à manutenção do status quo.
As pesquisas feitas mostram que a elite atribui grande importância à questão da poreza e da desigualdade. A questão social é apontada como um dos problemas principais do país, como ameaça à ordem democrática e como objetivo principal em médio prazo. A educação, principalmente, é citada nesses aspectos, e também vista como solução à falta de recursos por parte dos mais pobres. Diferentes setores da elite vêem nos investimentos na educação a possibilidade de dotar os mais pobres de condições para competir por um lugar melhor na estrutura social sem envolver uma ativa redistribuição de renda e riqueza. Ou seja, deseja-se criar igualdade de oportunidade e não oportunidade de igualdade na nossa sociedade.
O argumento da disseminação do acesso à educação esconde a preocupação de não haver mobilidade descendente da elite. Pode haver ascensão social dos setores mais baixos, mas não deve haver prejuízo para os mais altos. Um exemplo disso é a rejeição à criação de sistemas de discriminação positiva em favor de minorias. Prega-se a iniciativa universalista, confirmando-se a preferência à igualdade de oportunidade. Na disputa por um emprego, por exemplo, um homem branco, classe média alta, que estudou em escolas particulares, com certeza é preferido a um negro que passou grande parte de sua vida escolar em bancos de escola pública. A igualdade de oportunidade defendida pela elite esconde muitas vezes, então, o preconceito ao pobre, como também a qualidade do acesso à formação que recebeu, muito inferior à do rico.
Em se tratando de soluções para o problema da desigualdade, amplos setores da elite citam a reforma agrária como solução, excluindo-se a elite empresarial, proprietária de latifúndios. Mais umas vez vemos que os interesses pessoais dessa camada populacional estão em jogo. Habitando áreas urbanas e conhecendo seu inchaço decorrente do êxodo rural, a elite prefere a volta dos migrantes ao campo, já que cresce assustadoramente os índices de violência nas grandes cidades.
Qual a razão do fracasso das políticas sociais para a elite? Por que não são criadas condições de igualdade de oportunidade? O Estado é apontado como grande culpado. É também expressiva a proporção daqueles que responsabilizam a falta de vontade política. Embora o fato de a elite considerar grave o problema da pobreza, não há pressão de sua parte pelo cumprimento das funções do Estado. Isso porque não se sente responsável pelos problemas discutidos, transferindo para o Estado a tarefa de solucioná-los. A elite não se vê como parte de um todo, e muito menos que a falta de vontade e a omissão política cabe à ela também. Em suma, a elite carece de responsabilidade social. Daí vemos também que não pode existir interdependência social na sociedade brasileira, e, por conseguinte solidariedade e cooperação entre grupos citados no início do artigo.
Comparando elites nacionais
Tendo por base informações obtidas das elites de Bangladesh e África do Sul, podemos afirmar que as opiniões da elite brasileira estão mais próximas das do último país. Ambas, por exemplo, vêem a pobreza como conseqüência de um crescimento econômico insuficiente. Em Bangladesh, esta visão é atenuada por uma noção de responsabilidade pessoal. Temos também que no Brasil e África do Sul as elites preferem a atuação do poder público no combate à pobreza, desacreditando no terceiro setor na área social ou desconfiando de organizações não-governamentais. Em Bangladesh, diferentemente, as ações voluntárias e filantrópicas têm bastante credibilidade no combate à miséria e pobreza. A razão dessa diferença de opiniões pode ser explicada em termos religiosos, culturais e políticos. Como a filantropia é um princípio forte do Islamismo e essa religião é verdadeiramente praticada em Bangladesh, é mais fácil para a população crer na seriedade das ONG’s, diferentemente dos outros dois países em que a religião não é tão levada a sério. Por outro lado podemos dizer também que as estruturas estatais abaladas de Bangladesh, em contradição com as consolidadas no Brasil e África do Sul, ajuda na confiança no terceiro setor.
As diferenças de opinião continuam: para as elites do Brasil e África do Sul, a violências e a insegurança são os principais motivos pelos quais é necessário combater a pobreza. Já para as de Bangladesh, a violência é produto do vício consumista de classes mais favorecidas. Os pobres são tidos como pessoas íntegras e menos ambiciosas. Até mesmo os investimentos em educação têm razões diferentes para os dois grupos: Brasil e África do Sul só enxergam a possibilidade de conquista de mercado enquanto Bangladesh crê na conscientização e mobilização.
Conclusão
As elites não reconhecem a interdependência entre elas e os demais setores da população e muito menos da necessidade de coletivização de soluções sociais.
As elites atribuem a responsabilidade de ação no combate à pobreza ao Estado buscando se ausentar do compromisso social.
As elites reconhecem que investimentos sociais trariam benefícios ao mercado, mas não inclui isso em seus interesses pessoais.
O modo como a elite de ua país vê a solução para a pobreza está diretamente relacionado com sua visão sobre a capacidade do Estado em implementar políticas públicas.
A opinião das elites sobre a pobreza e a desigualdade tem haver com a resposta da sociedade como um todo para o problema.
Referências Bibliográficas
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