O presente artigo tem por objetivo analisar a jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, que vem conhecendo de Embargos de Declaração interpostos em hipóteses que vão além daquelas previstas expressamente no Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 535 do Código de Processo Civil – Lei nº 5.869/73, são cabíveis embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
Conforme claramente exposto no dispositivo legal supracitado, o Legislador, ao consignar as hipóteses de cabimento de Embargos de Declaração, foi extremamente econômico, consagrando apenas aquelas situações em que houvesse na decisão omissão, obscuridade e contradição.
De uma leitura mais apressada, poderíamos concluir sobre a impossibilidade do cabimento de embargos de declaração fundado em premissa fática equivocada no decisum, eis que ausente previsão expressa neste sentido.
Entretanto, tal superficial conclusão não se coaduna com a evolução jurídica no país, tendo o Superior Tribunal de Justiça alçado papel de protagonismo ao considerar que a via declaratória não pode ser considerada tão estreita, sob pena de se gerar a necessidade de interposição de recursos a outras instâncias em razão de um fato que poderia ser revisto/corrigido pelo próprio juízo a quo.
Essa recente posição firmada pelo STJ encontra robusto amparo no texto constitucional, vez que caminha no sentido de assegurar a razoável duração do processo, permitindo a utilização de um novo meio que visa colaborar com a celeridade da tramitação da ação (art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal/1988).
O Superior Tribunal de Justiças sem dúvida dá um grande passo rumo a simplificação do processo e à entrega eficaz e eficiente da tutela judicial almejada pelo jurisdicionado.
Em que pese a necessária e devida observância ao princípio da legalidade, o modelo constitucional adotado na Constituição Federal de 1988 permite que o Poder Judiciário se valha da utilização de princípios em seu mister, não estando necessariamente atado a literalidade do texto legal.
É justamente sob esse novo prisma que a inovação jurisprudencial em questão se mostra louvável.
Sobre o tema, segue interessante precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Humberto Martins, com a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. COISA JULGADA. TESE APLICADANO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. QUESTÃORELEVANTE SOBRE A QUAL A CORTE A QUO NÃO SE MANIFESTOU. OMISSÃOCONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RETORNO DOS AUTOS AOTRIBUNAL DE ORIGEM. NECESSIDADE. 1. No julgamento da apelação, o Tribunal de origem acolheu fato novoà demanda, firmando que a ação de execução fiscal já estavaalcançada pelos efeitos da coisa julgada. 2. A Fazenda Pública Estadual opôs embargos de declaração, aduzindoque não havia similitude fática entre a ação que transitou emjulgado e a atual demanda executiva, questão esta que a Corte deorigem absteve-se de manifestar, incorrendo em violação do art. 535do Código de Processo Civil. 3. Tendo o acórdão recorrido reformado o decisum de primeiro graupara reconhecer a coisa julgada, neste momento nasceu o interessefazendário de insurgir-se contra a nova conclusão adotada, pelo quecumpria à Corte a quo manifestar-se sobre os argumentos levantadospelo estado recorrente, nas razões dos embargos de declaraçãoopostos, mormente porque o novo quadro traçado pelo TJRS – coisajulgada - surgiu somente quando do julgamento da apelação, e aalegação trazida pela embargante - quadro fático divergente - é aptaa afastar o referido fundamento. 4. A jurisprudência do STJ entende ser cabível a oposição deembargos de declaração se o acórdão embargado partiu de premissafática equivocada, podendo aplicar-lhe efeitos modificativos.Precedentes: EDcl no REsp 1011235/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves,Primeira Turma, julgado em 3.5.2011, DJe 10.5.2011; EDcl no REsp980.568/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgadoem 7.12.2010, DJe 4.2.2011.Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp: 1252310 RS 2011/0040255-4, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 28/06/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2011)
Nessa mesma toada:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREMISSA FÁTICA EQUIVOCADA. ACOLHIMENTO. 1. O acórdão embargado deu provimento ao Recurso Especial do INSS sob o único fundamento de que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que as empresas integrantes da Confederação Nacional do Comércio (art. 577 da CLT) devem contribuir para o Sesc e o Senac. 2. Ocorre que o Tribunal de origem, ao afastar a tributação, consignou expressamente que a "empresa não é ligada à Confederação Nacional de Comércio, já que não está abrangida pelo enquadramento dado pelo artigo 577 da CLT e seu quadro anexo." 3. Dessa forma, o acórdão embargado baseou-se em premissa fática equivocada, motivo por que os aclaratórios merecem acolhimento para negar provimento ao Recurso Especial do INSS. 4. Embargos de Declaração acolhidos com efeitos modificativos, tornando ineficaz a multa anteriormente aplicada.(STJ , Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 02/06/2009, T2 - SEGUNDA TURMA)”
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. ERRO MATERIAL. ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. I - O fundamento do acórdão erigido sobre uma premissa fática equivocada constitui erro material a ensejar o acolhimento dos embargos de declaração para a correção do julgado, atribuindo-lhe efeitos modificativos. [...] Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para negar provimento ao agravo interno. (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 659.484/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2007, DJe 05/08/2008)”
A vista do exposto, resta claro que a interposição de embargos de declaração fundado em existência de premissa fática equivocada já se encontra devidamente assentada na jurisprudência pátria, havendo inclusive apossibilidade de atribuir efeito modificativo aos mesmos.
Entendemos que tal aceitação representa um grande avanço na questão do direito processual civil brasileiro, guardando os tribunais pátrios extrema sintonia com os princípios consagrados pelo Constituinte Originário.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. DOU 05.10.1988.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. DOU de 17.01.1973.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, disponível em www.stj.jus.br, acesso em 01/11/2014.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 01/11/2014.
TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZACAO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, disponível em https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/ , acessado em 30/10/2014.
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