Resumo: O presente artigo analisará a viabilidade jurídica da incidência do princípio da insignificância em casos de porte de drogas para consumo pessoal. O estudo desenvolvido explora a doutrina e a jurisprudência pátria sobre o assunto, obtendo dados para a formação de uma premissa que eventualmente constitua resposta à questão da aplicabilidade do princípio da insignificância no contexto do art.28, “caput” da Lei n. 11.343/2006. Trata-se de tema controverso, cujo estudo pressupõe ao menos a análise dos fundamentos que sustentam a natureza de excludente da tipicidade do postulado, bem como do contexto dogmático que ensejou sua aplicação em matéria penal. Em última análise, as posições sobre o assunto, sustentadas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, revelará que estas cortes vêm adotando uma orientação que destoa do discurso de liberdade moral entoado pelo modelo democrático de estado.
Palavras-chave: Estado democrático de direito. Tipicidade material. Princípio da insignificância penal. Porte ilegal de drogas para consumo pessoal.
Abstract:This article will examine the legal feasibility of the incidence of theprinciple of insignificance in cases of drug possession for personal consumption.The developed study explores the doctrine and homeland jurisprudence on the matter, obtaining data for the formation of a premise that eventually constitutes answer to the question of the applicability of the principle of insignificance in the context of art.28 "caput" of Law n.11.343 / 2006. It is controversial topic, whose study requires at least the analysis of fundamentals that underpin the nature of exclusionary of the typicality postulated, as well the dogmatic context that gives rise to its application in criminal matter. Ultimately,the positions on the subject, supported by the Supreme Court and Superior Court of Justice, reveal that these courts have adopted na approach that diverges from the speech of moral freedom sung by the democratic state model.
Keywords:Democratic rule of law. Typicality stuff. Principle of criminal insignificance. Illegal possession of drugs for personal consumption.
Sumário: Introdução. 1. Princípio da insignificância e o relevo material da tipicidade. 2. A insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal. Conclusão.
Introdução
O estudo do postulado da insignificância no âmbito da dogmática jurídico-penal tem ganhado importância na medida em que seus pressupostos teóricos se coadunam aos fundamentos do Estado democrático de Direito. Por outro lado, segundo o discurso político dominante, a relevância da análise do controle penal do porte de drogas para consumo pessoal estar ligada à repercussão social da conduta nos níveis de criminalidade e de qualidade da saúde coletiva.
O estudo da aplicabilidade do princípio da insignificância em casos porte de drogas para consumo pessoal, como objetivo geral do presente artigo, traz à baila a questão da realização judicial do discurso de liberdade moral dos cidadãos entoado pelo modelo democrático de Estado na aplicação da legislação penal brasileira sobre drogas.Levando em consideração que o respeito à supremacia dos fundamentos constitucionais pelos órgãos estatais afeta a todos indistintamente, o tema abordado pelo presente artigo goza de repercussão social. Por outro lado, tratando-se de questão ainda não pacificada no âmbito da jurisprudência brasileira, o interesse individual no assunto reside em eventual contribuição com o aprimoramento do emprego concreto da legislação pátria sobre drogas.
A problemática do presente artigo orbita a viabilidade jurídica do reconhecimento da insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal. Para se chegar a um resposta sobre essa questão foi preciso traçar alguns objetivos específicos.
Uma vez atribuído ao princípio da insignificância, segundo os entendimentos majoritários da doutrina e jurisprudência brasileiras, uma função hermenêutica, com a consequência prática de exclusão da tipicidade material das condutas, cumpre analisar, como objetivo específico, a tipicidade à luz das teoriascom repercussão mais incisiva na teoria do tipo. Ademais, partindo do princípio de que a função hermenêutica do postulado e sua consequência prática não se justificam em si mesmas, caberá ainda revelar seus principais fundamentos jurídicos, a título de objetivo específico.
Outrossim, a análise das posições sustentadas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicação do postuladoda insignificância no contexto das Leis n. 6.368/76 e 11.343/2006 também assume o caráter de objetivo específico. Através das noções angariadas ao longo do desenvolvimento do artigo será possível alcançar, com a densidade de raciocínio exigida pelo assunto, um resultado parcial e provisório acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância em casos de porte de drogas para consumo pessoal, por conseguinte, conhecer a afinidade das altas cortes jurisdicionais do país para com esse resultado.
1 Princípio da insignificância e o relevo material da tipicidade
O legislador penal não tem o ideal poder de previsão que o permita determinar em descrições abstratas (tipos legais de crime) quais dos variados modos possíveis de realização na vida da conduta criminalizada merece legitimamente a intervenção penal. Nesse sentido, sustenta Melhem (2008, p.26) que os tipos “[...] jamais conseguirão abranger as infinitas mudanças sociais, as inúmeras possibilidades do mundo dos fatos, que não são apreendidas em sua totalidade por previsões abstratas”.
A inexistência do mencionado poder de previsão constitui limitação humana inerente à técnica legislativa que faz com que o tipo legal compreenda fatos que não são suficientemente ofensivos aos bens jurídicos-penais a ponto de avalizar a violência da pena. Em outras palavras, a literalidade das descrições típicas possui uma amplitude maior que a necessária ao cumprimento da missão do Direito Penal de tutela dos bens jurídicos.
O penalista alemão Claus Roxin, atento a essa imperfeição ínsita aos tipos legais de crime, idealizou o princípio da insignificância no âmbito do Direito Penal. Tal postulado foi pensado como instrumento de interpretação restritiva dos tipos que permite aos fatos inexpressivamente ofensivos aos bens jurídicos não sofrer a subsunção da lei penal. Desse modo, se diz que o princípio da insignificância penal:“[...] permite na maioria dos tipos excluir desde logo danos de pouca importância: maus-tratos não é qualquer tipo de dano à integridade corporal, senão somente o relevante; analogamente desonesto no sentido do Código Penal é somente a ação sexual de certa importância; injúria é somente a lesão grave à pretensão social de respeito. Por violência deve-se considerar tão-somente uma agressão de certa importância, como também deve ser sensível a ameaça para adentrar o campo da criminalidade” (ROXIN, 2002, p.74, tradução nossa).
A doutrina brasileira é quase que unânime em considerar o postulado da insignificância uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Segundo Silva (2011, p.117), o princípio da insignificância em sua função interpretativa toma o tipo como possuidor de uma dimensão material, de modo que estejam excluídas do âmbito da lei penal as condutas que, embora formalmente típicas, não evidenciem qualquer relevância para o Direito Penal em virtude de sua escassa lesividade.
Somente foi possível cogitar a aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal quando a primeira categoria analítica do delito, isto é, a tipicidade, deixou de ser visualizada sob uma ótica estritamente formal, ganhando ela tambémum sentido material.
A concepção causal-naturalista de ação defendida, dentre outros, por Franz Von Liszt e Ernst Von Beling, em fins do século XIX e início do século XX, não propiciava outra noção de tipicidade, senão uma estritamente formal. Para Liszt (1899, p.194), a ação humana consistia em “fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do homem”.Conforme se observa da lição citada, os precursores do causalismo conceberam a ação nos estritos limites de um processo físico-natural segundo o qual a conduta consistiria em mera causa de um resultado (modificação do mundo exterior).
Com base nessas ideias, Beling introduziu na dogmática jurídico-penal a noção de tipo, o considerando pura descrição da conduta em seus aspectos externos. Para Beling (2002, p.77), “os elementos externos caracterizam o tipo de ilícito de cada caso e os internos as particularidades da culpabilidade que devem concorrer para redefinir o tipo de ilícito como tipo de delito”. Assim, a noção clássica de tipicidade esteve resumida a um juízo de subsunção que se afirmava quando presente no mundo a causalidade descrita no tipo, isto é, o comportamento corporal do agente e o seu respectivo resultado.
Em 1931, Hans Welzel pela primeira vez enuncia sua teoria finalista da ação, promovendo uma revisão do sistema dogmático-penal. No que concerne a base comum a todas as variações analíticas de crime, o penalista não refutou por completo a concepção causal de ação e sim agregou ela a ideia de “fim”, conforme se depreende das lições:“A ação é um acontecer “finalista” e não somente “causal”. A “finalidade” ou atividade finalista da ação se fundamenta em que o homem, com base em seu conhecimento causal, pode prever, em determinada escala, as possíveis consequências de sua conduta, e se propor objetivos de diversa índole, dirigindo sua atividade segundo um plano tendente à obtenção desses objetivos” (WELZEL, 1956, p. 39, tradução nossa).
Para a teoria finalista, a ação não podia ser compreendida como força motriz de uma causalidade puramente físico-natural. Sendo ontologicamente o agir humano dominável pela vontade de algo, a conduta deflagraria uma causalidade dirigida à consecução desse algo previamente tomado em vista pelo agente. Essas ideias permitiram a introdução das noções de dolo e culpa no âmbito do tipo, adquirindo a tipicidade a partir daí sua dimensão subjetiva. Referindo-se as consequências do conceito welzeliano de ação, asseveram os autores:“Com o finalismo de Welzel [...] o tipo penal passou a ser composto de duas dimensões: a objetiva e a subjetiva. Esta última era integrada pelo dolo ou culpa (que foram deslocados da culpabilidade para a tipicidade). No tempo do causalismo [...] o dolo e a culpa constituíam formas de culpabilidade” (GOMES; MOLINA, 2007, p.230).
Muito embora inconteste as contribuições de Welzel para a evolução da teoria geral do delito, a teoria finalista permitia inconvenientes práticos a serem corrigidos. Exemplificando a existência desses inconvenientes no âmbito da tipicidade, sustenta Roxin (2006, p.108) que o Supremo Tribunal Federal alemão (Bundesgerichtshof), adotando a concepção finalista de tipo, já chegou a entender que a venda da droga causadora da morte do usuário por overdose era uma conduta tipicamente de homicídio, pois reconhecível a causalidade entre o ato do traficante e a morte do usuário (tipicidade objetiva) e a assunção do risco de morte por um eventual uso abusivo da droga (tipicidade subjetiva), ainda que somente se conseguisse provar a culpa na maioria dos casos.
Sustentam Gomes e Molina (2012, p.619) que os penalistas europeus anteriores à década de sessenta contribuíram para a formação de um sistema dogmático-penal hermético e fechado, desenvolvido a partir do direito positivo, razão pela qual a busca pela lógica do sistema suplantou a exigência de soluções justas para os casos concretos. Contrariamente a essa orientação lógica, surgiram as teorias funcionalistas que repensam o Direito Penal, por conseguinte, o sistema dogmático-penal, a partir das funções atribuídas a esse ramo do Direito.
Umas dasconstruçõesteóricas funcionalistas que pela natureza de sua fundamentação se sobressai é a teoria constitucionalista do delito. Os adeptos dessa teoria elegem a Constituição como fundamento da difundida missão do Direito Penal de proteção aos bens jurídicos. As proposições cunhadas pelos teóricos constitucionalistas repercutiram em diferentes esferas da dogmática jurídico-penal, dentre elas, a da tipicidade.
É pressuposto do Estado constitucional que se intitula democrático de direito a efetiva garantia da inviolabilidade dos direitos fundamentais em face do poder estatal de punir. Não é menos verdade que essa efetiva garantia passe pela definição substancial da conduta que avaliza a ingerência do Jus Puniendi no âmbito dos direitos fundamentais. Movidos por essas premissas, os teóricos constitucionalistas do delito cuidaram de definir legitimamente a conduta criminosa, ou melhor, de estabelecer uma definição de cunho constitucional que imponha uma intervenção não-arbitrária do poder punitivo do Estado.
As constituições em sentido moderno apresentam a nota genérica consistente na instituição do poder punitivo sem que haja referência à essência da conduta merecedora da incidência desse poder. Tal como no Direito pátrio, essa nota característica também se faz presente no direito comparado, conforme relata o autor:“O direito do legislador de cominar penas, o ius puniendi, decorre do art. 74 n.° 1 GG [Lei Fundamental da República Federal da Alemanha], pois a competência que ali há para legislar sobre Direito Penal no âmbito da legislação concorrente permite reconhecer que o legislador constitucional pressupõe a existência de um direito de punir do Estado. Porém, com isso, não disse nada sobre como tem que estar configurada uma conduta para que o Estado atue legitimamente em sua punição” (ROXIN, 1997, p. 51, tradução nossa).
Seguindo a orientação constitucionalista do delito, sustenta Zaffaroni et al. (2003, p.225) que uma vez consagrados, em nível constitucional, a livre manifestação do pensamento, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, a proibição de qualquer privação de direitos em razão de convicção filosófica ou política e a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, não atua o Estado, no exercício do Jus Puniendi, legitimamente quando determina um modo de ser aos indivíduos – ao invés de garantir um âmbito de liberdade moral – por meio de cominações ou aplicação de sanções penais às ações que sejam realização dessa liberdade moral. Portanto, se o Estado constitucional e democrático de Direito não pode impor uma moral aos indivíduos, o poder estatal de punir extrai a legitimidade do seu exercício da incidência estrita sobre condutas concretamente ofensivas aos bens jurídicos penalmente tutelados.Nesse sentido também lecionam os autores: “Em um Estado constitucional que se define, com efeito, como democrático (no sentido de que o povo é quem ostenta a máxima soberania, e não o legislador, que deve partir do reconhecimento da autonomia do homem, que é livre para orientar seu próprio destino) e de direito (que significa que o Estado não pode fazer nada fora dos limites fixados por ele mesmo), e que tem nos direitos fundamentais seu eixo principal,não resta dúvida que sóresulta legitimada a tarefa de criminalização primária (criminalização legal feita pelo legislador) ou de criminalização secundária (feita pelo julgador) quando recai sobre condutas ou ataques concretamente ofensivos a um bem jurídico” (GOMES; MOLINA, 2007, p.192).
Os princípios e as regras constitucionais que asseguram a liberdade moral dos indivíduos conferem validade ao axioma nullum crimen sine iniuria, ou melhor, não há crime sem ofensa. Uma das repercussões desse axioma na dogmática penal consiste em reclamar da conduta típica um resultado jurídico, nas formas de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, sem o qual não se pode concluir pela existência do crime. Nesse sentido, sustentam Gomes e Molina (2012, p.383) que a tipicidade em seu sentido material, além da conduta desvaliosa – nullum crimen sine conducta –,também demandaum resultado jurídico desvalioso, isto é, uma ofensa concreta (inadmissão das noções de lesão e perigos de lesão presumidos), transcendental (afetação de terceiros), grave (não insignificante) e intolerável ao bem jurídico-penal.
A exigência de um resultado jurídico desvalioso, sem o qual não há falar em tipicidade, é também consectário da correta interpretação do preceito contido no art. 13, “caput” do Código Penal brasileiro, segundo o qual a existência de todo crime depende de um resultado. Sabendo que nem todo delito reclama um resultado naturalístico para existir - basta pensar nos crimes formais e de mera conduta – o art.13 somente poderia estar se referindo a um resultado jurídico.
Cumpreesclarecer que resultado naturalístico (presente nos crimes materiais e eventualmente nos crimes formais) e resultado jurídico (presente em todo delito) são conceitos que não se confundem. Resultado jurídico (lesão e perigo de lesão ao bem jurídico) é conceito valorativo, ao passo que resultado naturalístico é conceito físico. O resultado naturalístico estar ligado à noção de dano ao objeto material do delito. Por outro lado, o resultado jurídico estar atrelado ao conceito de bem jurídico. Vale dizer, se o bem jurídico é produto de uma valoração – juízo de valor positivo do legislador quanto a um interesse individual ou difuso sobre uma coisa material ou imaterial – a ofensa a esse bem somente pode ser também de ordem valorativa.
Assim, a substancialização da tipicidade encontra amparo no modelo democrático de Estado. Por força desse modelo não há falar em tipicidade sem um resultado que se consubstancie em uma ofensa real, nas formas de lesão ou perigo de lesão, ao bem jurídico. Por conseguinte, tomado o tipo em seu sentido material, o princípio da insignificância surge como instrumento jurídico apto a excluir do âmbito do injusto penal condutas que não lesionem ou exponham a risco de lesão relevante o bem jurídico penalmente protegido.
2 A insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal.
Sob o regime da revogada Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976 – antiga Lei Antidrogas –, a celeuma referente ao reconhecimento da insignificância penal em casos de portede drogas para consumo pessoal já “batia as portas” das mais altas cortes jurisdicionais do país em busca de uma solução. Na vigência do referido diploma legal, o princípio da insignificância tinha sua aplicação reclamada principalmente nos casos de porte de pequena quantidade de drogas para uso próprio.
O art.16 da Lei n. 6.368/76 punia com detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa, quem era surpreendido adquirindo, guardando ou trazendo consigo, para uso próprio, substância entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Esse tratamento jurídico-penal dispensado ao usuário de drogas era decorrência direta da absorção pelo legislador do discurso reinante à época da edição da Lei n. 6.368/76.
O referido discurso defendia ações típicas da política repressiva que vislumbrava na redução da oferta e da procura o caminho a ser trilhado na construção de um utópico mundo sem drogas. Essa política repressiva foi adotada pelo tradicional modelo norte-americano de combate às drogas. Relata Carvalho (2013, p.55) que os Estados Unidos da América, considerado uma das agências centrais no início do processo de globalização da repressão às drogas ilícitas, difundiu discurso de culpabilização dos países marginais, produtores de drogas, pelo seu consumo interno. Assim, o Estado americano projetou sobre os países estrangeiros (principalmente aqueles pertencentes à América Latina) sua política militarista de combate às drogas.
O sistema de controle penal das drogas eminentemente repressivo não obstaculizou o aumento do consumo dessas substâncias no mundo. Diante dessa realidade, parcela dos países europeus(v.g., Suíça, Alemanha, Holanda, Espanha),desde os anos oitenta do século passado, implantaram uma política distinta datendência norte-americana do “wars on drugs”, a saber: a política de redução de danos. Descreve Carvalho (2013, p.223) que as ações do sistema de redução de danos vão desde projetos educativos de informações sobre os riscos aos usuários e acolhimento de dependentes em locais de tratamento até intervenções mais incisivas, como a distribuição de materiais esterilizados para consumo e prescrição de drogas, visando o contato do dependente com a rede pública de saúde e a retirada do consumidor periódico de ambientes insalubres e marginais.
Como consectário da ruptura parcial com a antiga política do “wars on drugs” e da tímida adoção da política de redução de danos, a Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, deixou de cominar ao porte de drogas para consumo pessoal pena privativa de liberdade, implantando um tratamento jurídico-penal diverso do trazido pela revogada Lei n. 6.368/76. Nos termos do art.28 da Lei n. 11.343/06, o indivíduo que venha a incorrer na prática do porte de drogas para consumo pessoal fica sujeito à advertência sobre os efeitos das drogas, à prestação de serviços à comunidade e à medida de comparecimento à programa ou curso educativo.
Com base nesse novo tratamento jurídico-penal, poder-se-ia argumentar, numa visão superficial da questão, que se tornou inútil a análise da tipicidade da conduta inscrita no art. 28, “caput” da Lei n. 11.343/06 com base em critério de insignificância penal. No entanto, uma análise apurada da questão acaba por revelar o oposto. O Supremo Tribunal Federal, mais precisamente sua primeira turma, resolvendo questão de ordem suscitada nos autos do Recurso Extraordinário n. 430.105-9/RJ[1], decidiu que a opção do legislador decominar somente penas alternativas à conduta anteriormente tipificada no art.16 da Lei n. 6.368/76 não desnaturou o caráter criminoso do porte de drogas para consumo pessoal, tendo havido assim apenas uma despenalização em sentido impróprio, isto é, a não cominação de pena privativa de liberdade para o tipo.
Muito embora tenha havido a despenalização,não deixou o porte de drogas para consumo pessoal de ser crime, o que faz conservar no contexto da Lei n. 11.343/06 todos os efeitos jurídicos-penais decorrentes de uma eventual condenação pela prática dessa conduta (v.g., pressuposto de reincidência, maus antecedentes, inaptidão para benefícios penais e etc.). Assim, a análise da tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal à luz do postulado da insignificâncianão se resume a um ideal que visualiza o princípio como forma de imunizar o usuário de drogas do extinto risco de restrição de sua liberdade.
O princípio da insignificância, enquanto instrumento interpretativo, encontra fundamentos sólidos que justificam sua importância para o Direito Penal, por conseguinte, para o Direito Penal das drogas. Sua aplicação expressa preponderantemente a realização dos caracteres da fragmentariedade, da subsidiariedade e da proporcionalidade da intervenção penal, isto é, dos caracteres de um Direito Penal mínimo, diametralmente oposto ao Direito Penal excessivamente intervencionista.
Quando o princípio da insignificância nega no caso concreto tipicidade material às condutas nímias em termos de ofensividade aos bens jurídicos-penais, estar ele atendendo ao caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, cuja tutela representa a extrema via de proteção dos bens jurídicos de alta essencialidade contra os ataques de significativa gravidade. Acrescenta ainda Zaffaroni et al. (2010, p.229) que o princípio da insignificância não representa simplesmente uma manifestação da intervenção mínima do Direito Penal, mas também do princípio da proporcionalidade, considerado requisito de correspondência racional entre a lesão ao bem jurídico e a pena. Portanto, o reconhecimentoda insignificânciarealiza o princípio da proporcionalidade na medida em que exclui do âmbito do injusto penal condutas cuja gravidade – irrisória em face da escassa afetação ao bem jurídico – se distancia do patamar de severidade da reação punitiva.
A aplicabilidade do postulado da insignificância pressupõe a análise concreta da ofensividade da conduta. No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, durante a vigência da Lei n. 6.368/76, inadmitiam a análise concreta da ofensividade da conduta inscrita no art.16 da lei, por conseguinte, a aplicação do princípio da insignificância em casos de porte de drogas para consumo pessoal, sob o argumento da presunção de perigo à saúde pública. Na vigência da Lei n. 11.343/06 essa orientação jurisprudencial é preservada. O Superior Tribunal de Justiça, diante de pleitos para o reconhecimento da insignificância penal em casos de porte de pequena quantidade de droga para consumo pessoal,assim tem se manifestado: “[...] os crimes da lei de tóxicos se caracterizam como delitos de perigo abstrato, que visam proteger a saúde pública e, assim, prescindem da comprovação da existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. A posse ou guarda de substância entorpecente não afasta o perigo à coletividade e à saúde pública, sendo indiferente a pequena quantidade de droga apreendida, pois esta é circunstância da própria essência do delito”[2]
Assevera Greco Filho (1996, p.113) que a ratio legis do portede drogas para consumo pessoal reside no perigo social da conduta, uma vez que aquele que adquire, guarda ou traz consigo droga, antes de consumí-la, coloca em perigo não apenas a sua saúde, como também a saúde pública, pois é fator decisivo na difusão dos tóxicos. Além disso, arremata o autor seu pensamento, o usuário está psicologicamente predisposto a levar outros ao consumo de droga. Ainda que o art.28, “caput” da Lei n. 11.343/06 tutele importante bem coletivo, é questionável que em um Estado constitucional e democrático de Direito esse bem reclame tamanha proteção a ponto de se presumir sua colocação em perigo em casos de porte de drogas para consumo pessoal.
Tomar o porte de drogas para consumo pessoal como crime de perigo abstrato, dispensando a análise da efetiva ofensa da conduta à saúde pública, como critério material da tipicidade, faz exsurgir um Direito Penal paternalista que assume o papel de instrumento jurídico impositor de comportamentos virtuosos em si mesmos. A separação do direito da moral, segundo leciona Ferrajoli (2002, p.178), constitui princípio político do liberalismo morderno que impede Direito e Estado de perseguirem fins morais desvinculados dos interesses das pessoas, isto é, sem utilidade concreta em favor dos cidadãos, sem garantir-lhes os direitos e a segurança. Assim, o Estado paternalista, por conseguinte, o Direito Penal no âmbito do qual se desenvolve, perseguefins morais desconsiderando a utilidade dos mesmos para os cidadãos e impõe aquilo que deveria ser objeto de livre escolha das pessoas (v.g., opção religiosa, sexual e ideológica). Por outro lado, o Estado liberal, assegurando um âmbito de liberdade moral aos indivíduos, somente autoriza a intervenção do Direito Penal nos casos em que o exercício dessa liberdade passa a afetar terceiras pessoas.
O Supremo Tribunal Federaldeu guarida à tese da presunção de perigo para excluir a possibilidade de reconhecimento da insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal. De acordo com o majoritário entendimento da Suprema Corte, ainda que ínfima a quantidade de droga portada, não é possível reconhecer a insignificância penal da conduta, porquanto sua periculosidade social presume-se da circunstância de ser condição para a manutenção do comércio ilegal de drogas. Nessa direção foi o julgado da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal: “[...] o porte ilegal de drogas é crime de perigo abstrato ou presumido, de modo que, para sua caracterização, não se faz necessária efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. [...] Essa presunção de perigo decorre da própria conduta do usuário que, ao adquirir a droga para seu consumo, realimenta esse comércio nefasto, pondo em risco a saúde pública. [...] Por fim, observo que, para o reconhecimento do princípio da insignificância, há que se verificar a presença dos seguintes requisitos, de forma conjugada: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Ao meu ver, na hipótese sob exame, não há falar em ausência da periculosidadesocial da ação, pois, como anteriormente destacado, trata-se de crime em que o perigo é presumido, razão pela qual afasta a aplicação do princípio da insignificância”[3](grifo nosso).
O entendimento acima sustentado é temerário, porquanto possibilita ressuscitar no âmbito do Direito Penal das drogas a famigerada responsabilidade penal objetiva. Segundo relata Ferrajoli (2002, p.390), a responsabilidade objetiva remonta à fase arcaica do Direito Penal (primitivo direito grego e direito hebreu), período em que a pena era considera “vingança de sangue”, isto é, um direito-dever da parte ofendida, exercível solidariamente em face do ofensor e de seus parentes, como consequência exclusiva de uma lesão, e não da imputação direta ao seu autor, nem sequer de suas intenções. Desde o surgimento do direito romano a noção de responsabilidade penal impessoal ou objetiva foi abandonada, tomando seu lugar a responsabilidade pessoal ou subjetiva. Partindo da premissa de que a evitabilidade de qualquer ato humano pressupõe a sujeição do mesmo ao poder de decisão de seu autor, alguém somente pode ser responsabilizado penalmente por ato de sua autoria, isto é, por aquilo que estava sobre o seu domínio.
Conquanto visto com bons olhos o discurso político de que não há tráfico ilícito de drogas sem o consumo dos usuários, sob um prisma dogmático-penal esse mesmo discurso não é válido. Quando se entende que o fator decisivo para a punição do porte de drogas para consumo pessoal reside na conservação de uma realidade fática frontalmente perigosa à saúde pública – o comércio ilegal de drogas – responsabiliza-se objetivamente o usuário por perigo cuja produção se encontra sob o domínio de outro autor, a saber: o traficante de drogas. Alinhando-se a esse entendimento sustenta o autor: “aceitar como justificativa para a incriminação dos consumidores a necessidade de punição do tráfico (ou mesmo de outros crimes) significa adotar critério de responsabilidade objetiva, na medida em que se reprime alguém (consumidor de drogas) por atos de terceiros (traficantes ou autores de delitos relacionados ao consumo ou comércio de drogas). O resultado potencialmente lesivo não pode ser atribuído ao autor original, o que viola o princípio da responsabilidade penal pessoal” (HIRSCH, 2007, p.25-26, apud MARONNA, 2012, p.4).
Como visto anteriormente, a opção constitucional por um modelo democrático de Estado se traduz penalmente no axioma nullum crimen sine iniuria. Pela repercussão particular desse axioma no Direito Penal das drogas, a realização material do tipo do art.28, “caput” da Lei n. 11.343/06 guarda relação com a potencialidade ofensiva da substância entorpecente (objeto material da conduta incriminada). O perigo de lesão que o porte drogas para consumo pessoal gera à saúde pública se consubstancia na possibilidade de circulação de uma substância efetivamente nociva à incolumidade física e psíquica dos demais indivíduos. Nesse sentido sustenta o autor: “Mister se faz, para a consumação da infração, constatar a idoneidade (periculosidade) do próprio objeto material da conduta. Se a droga concretamente apreendida não reúne capacidade ofensiva nenhuma, em razão de sua quantidade absolutamente ínfima e da sua finalidade (uso pessoal), não há se falar em infração (pouco importando a sua natureza, penal ou “parapenal”). Não existe, nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante” (GOMES, 2013, p. 138).
É possível dizer ainda que a periculosidade da conduta criminalizada no art. 28, “caput” da Lei n. 11.343/06 reside na possibilidade da droga obtida para o uso do próprio portador se descaminhar ao consumo de indeterminada pessoa (coletividade). Desse modo, se as circunstâncias do caso concreto revelam a exclusão da remota possibilidade de difusão da droga portada pelo usuário (v.g., quantidade ínfima de droga que permita seu uso imediato pelo usuário, excluindo o risco decorrente de um eventual depósito, consumo em local de difícil acesso por outras pessoas, evitando o perigo de propagação da droga), não há falar em conduta penalmente relevante, em perigo de lesão à saúde púbica, sendo a ação afastada do âmbito da descrição típica do art.28, “caput” da Lei n. 11.343/06 por força do princípio da insignificância penal.
Apesar da densidade de raciocínio encontrada no posicionamento favorável à aplicação do princípio da insignificância em casos de porte de drogas para consumo pessoal, o entendimento oposto que se nutre principalmente da singela técnica da presunção de perigo tem prevalecido no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, com vistas a uma constante evolução da dogmática jurídico-penal, não se pode dizer que essa tendência jurisprudencial subtraiu da problemática o poder de suscitar discussões sobre a acertada solução.
Conclusão
A idealização do postulado da insignificância no âmbito da principiologia do Direito Penal não seria viável sem que a tipicidade fosse, ao longo da evolução da teoria do tipo, tomada em seu sentido material. A dogmática jurídico-penal, enquanto imbuída exclusivamente das ideias causal-naturalista e finalista, esteve preocupada em desenvolver um sistema lógico, o que na teoria do tipo repercutiu na admissão de uma tipicidade mecanicista, resumida a um juízo lógico-formal de subsunção da conduta à letra da lei penal.
Na busca pelo desenvolvimento de uma dogmática jurídico-penal estruturalmente lógica, mas também promovente da justiça nos casos concretos, as teorias funcionalistas enriqueceram a teoria do tipo. A filtragem constitucional a que se submeteu a dogmática jurídico-penal através das teorias constitucionalistas do delito conferiu base legítima ao reconhecimento do relevo material da tipicidade, ganhando o desvalor do resultado jurídico um destaque equivalente ao desvalor da conduta.
A substancialização da tipicidade é consequência lógica do modelo democrático de Estado. Em um Estado democrático de direito que assegure em nível constitucional a liberdade moral de seus cidadãos (a escolha daquilo que se quer ser conforme sua consciência), o instrumento jurídico de controle social mais gravoso deve se voltar exclusivamente contra os comportamentos humanos que atentem contra essa autonomia do indivíduo revestida pelo Direito Penal na forma de bens jurídicos. Essa ideia reitora do liberalismo moderno se traduz penalmente no axioma nullum crimen sine iniuria. Não há falar em delito sem ofensa a terceiros. Por força desse imperativo, a realização material do tipo reclama da conduta um resultado jurídico, isto é, uma ofensa concreta nas formas de lesão ou perigo de lesãoaos bens jurídicos penalmente tutelados.
Assim,nos limites doEstado democrático de direito somente pode haver oportunidade ao desenvolvimento de um Direito Penal mínimo, cuja intervençãose revele fragmentária, subsidiária e proporcional. Outrossim,sabendo que os tipos legais de crime não são capazes de abranger através de descrições abstratas as diferentes circunstâncias fáticas sob as quais se materializam as condutas criminalizadas, o postulado da insignificância exclui da subsunção típica essas condutas quando praticadas sem relevância ofensiva aos bens jurídicos-penais, evitando assim o desencontro entre aintervenção penal prática e odiscurso entoado pelo modelo democrático de Estado.
Do estudo acerca da aplicabilidade do postulado da insignificância em casos de porte de drogas para consumo pessoal infere-se primeiramente que o abrandamento do tratamento jurídico-penal incidente sobre o usuário de drogas, promovido pela Lei n. 11.343/06, não serve de pretexto a uma aplicação puramente formalista do art.28, “caput” desse diploma penal, desconsiderandoa tipicidade material da conduta. A opção do legislador em despenalizar (em sentido impróprio) a conduta anteriormente tipificada no art.16 da revogada Lei n. 6.368/76 não desnaturou o caráter criminoso do porte de drogas para consumo pessoal, o que exige do juiz na aplicação do art. 28 da atual Lei Antidrogas a mesma racionalidade empregada na aplicação das demais leis penais, evitando que os efeitos estigmatizantes de eventual condenação sejam acionados indevidamente.
Por sua vez, a análise do posicionamento do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça evidenciou que o entendimento segundo o qual o porte de drogas para consumo pessoal não comporta a aplicação do princípio da insignificância em razão do perigo presumido gerado pela conduta à saúde pública consagra um direito penal das drogas paternalista, incompatível com o modelo democrático de Estado. Em outras palavras, esse entendimento jurisprudencial avaliza a intervenção penal sobre o porte de drogas para uso pessoal sem que não se tenha a necessária certeza de sua periculosidade a outras pessoas, impondo por via oblíqua um comportamento moral desvinculado de qualquer utilidade para os cidadãos, por conseguinte, aplicando o art. 28 da Lei n. 11.343/06 com um indevido fim pedagógico.
Ademais, tão equivocado quanto sustentar a natureza de crime abstrato do porte de drogas para consumo pessoal, excluindo a aplicabilidade do princípio da insignificância no contexto do art. 28, “caput” da Lei n. 11.343/06, é entender que a periculosidade social dessa conduta se presume de sua condição de meio à manutenção do tráfico ilícito de drogas. Com base nesse entendimento, o porte de drogas para uso próprio é punido não em virtude do perigo que a conduta possa gerar diretamente à coletividade, mas pela sua consequência reflexa de viabilizar os atos frontalmente perigosos à saúde pública, isto é, os atos de tráfico ilícito. Do ponto vista dogmático o entendimento configura verdadeiro contorcionismo punitivo, pois, além de desconsiderar o animus de uso, torna o usuário autor de um perigo à saúde pública, cuja produção não se encontra sob seu poder de decisão, sendo por ele responsabilizado objetivamente.
Ao se admitir a periculosidade social como critério para excluir a aplicabilidade do postulado da insignificância no contexto do art. 28, “caput” da Lei n. 11.343/06, o entendimento que extraia essa periculosidade do objeto material da conduta e demais circunstância fáticas concorrentes é o mais acertado. Assim, se a quantidade ínfima de droga, bem como as demais circunstâncias sob as quais se realiza a conduta revelarem a impossibilidade da droga portada para uso pessoal se descaminhar ao consumo de terceiros não há falar em perigo de lesão penalmente relevante, sendo a conduta materialmente atípica pela incidência do princípio da insignificância.
Entender pela aplicabilidade do princípio da insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal não significar vulnerar a proteção jurídica que o legislador pretendeu conferir à saúde pública quando manteve o caráter criminoso da conduta sob égide da Lei n. 11.343/06. Pelo contrário, a utilização do critério de insignificância penal nesses casos corrigi a amplitude da descrição típica, permitindo que a aplicação do art.28 da nova Lei Antidrogas se dê dentro dos limites necessários ao cumprimento de sua missão de proteção à saúde pública, por consequência, evitando que a gravosa tutela penal seja utilizada para institucionalizar uma moral desvinculada de qualquer interesse para os cidadãos.
Assim, acompanhando o desenrolar das doutrinas e jurisprudência aqui analisados, restou evidente que o resultado parcial e provisório desse artigo converge para a possibilidade de se reconhecer a insignificância penal em casos de porte de drogas para consumo pessoal. Enquanto essa conduta for criminalizada pelo direito penal das drogas brasileiro, não excluir peremptoriamente a aplicação do postulado no contexto do art.28 da Lei n. 11.343/06 é o entendimento mais razoável, porquanto não prega uma intervenção penal exacerbadamente legalista, com repressão a todo custo.
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[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem em Recurso Extraordinário nº 430.105-9/RJ, Primeira Turma. Brasília. DF.13 de fevereiro de 2007. Diário de Justiça Eletrônico de 27 de abril de 2007.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 34.466/DF, Sexta Turma. Brasília. DF. 14 de maio de 2013. Diário de Justiça Eletrônico de 27 de maio de 2013.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 102.940/ES, Primeira Turma. Brasília. DF. 15 de fevereiro de 2011. Diário de Justiça Eletrônico de 06 de abril de 2011.
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Estadual de Roraima.
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