Podemos visualizar as astreintes por dois prismas: o de coagir psicologicamente alguém a fazer ou a não fazer algo e, a principal função, permitir que o processo seja efetivo. Afinal, de nada adianta o processo passar pela fase de conhecimento e, ao final da execução, restar frustrado por conta da recalcitrância do devedor.
As astreintes podem ser entendidas como a fixação de um valor para compelir o devedor ou alguém a fazer ou não fazer algo em um processo ou algum fato que guarde grande pertinência processual.
Como exemplo da primeira situação, vislumbra-se o caso do réu que retira o feito em carga e não o devolve. O magistrado deve zelar pelo bom andamento processual e intimar a pessoa para devolvê-lo, sob pena de sofrer uma sanção.
Já como exemplo do segundo caso, verifica-se um agente responsável pelo fornecimento de extratos remuneratórios de um servidor para fins de implantação de uma pensão. Se o juiz pediu algumas vezes e não obteve a documentação necessária, é salutar que ele comine uma punição para o caso de novo descumprimento.
Um ponto importante é que a aplicação das astreintes pode ocorrer nos mais variados tipos de processos e, a depender do contexto fático, nas mais diversas ações. Assim, em um processo cuja causa de pedir seja uma questão previdenciária ou tributária, é perfeitamente possível que o magistrado fixe uma multa para garantir a devida efetividade processual.
No deferimento de uma antecipação dos efeitos da tutela pretendida é possível visualizar a importância premente de um modo de coerção. A urgência decorrente do perigo da demora e a visualização da fumaça do bom direito demandam uma atuação ágil, sob pena de perecimento da pretensão autoral.
Com isso, a astreinte é um excelente mecanismo de coagir o réu a cumprir a ordem deferida em tutela antecipada.
Atualmente não mais se admite a coerção física sobre uma pessoa para que faça ou deixe de fazer algo. Tal intento violaria cabalmente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e feriria frontalmente o núcleo básico da razoabilidade e da proporcionalidade.
Dessa forma, foi preciso encontrar algum modelo de coerção que incutisse uma pressão psicológica na pessoa a fim de que obedecesse ao comando judicial. Logicamente, a aplicação de uma multa por si só não obriga a pessoa a cumprir uma ordem, mas a visualização do acúmulo financeiro no tempo pode ocasionar uma angústia. Assim, acaba-se por cumprir a determinação.
Tendo em vista a moderna sistemática processual, a cominação pecuniária pode ser imposta por requerimento do credor ou, através da sensibilidade do magistrado, ser feita de ofício. Afinal, é do maior interesse do juiz (e da sociedade) que a lide tenha um término efetivo e eficaz, além de ser menos um processo a entupir os escaninhos jurídicos.
Mas, além de ser importante conhecer todas essas noções acerca das astreintes e de sua teórica efetividade processual, a compreensão e assimilação para o mundo prático deve apontar que elas realmente vêm tornando o feito efetivo.
Com a explosão de demandas repetitivas, especialmente na seara consumerista, alguns réus tornaram-se “clientes preferenciais” no Poder Judiciário. Recorrentemente os tribunais divulgam quem são eles: companhias telefônicas, entidades bancárias e o Poder Público.
Especialmente nos juizados especiais cíveis verificamos a quantidade imensa de ações semelhantes ou muito semelhantes. Dessa forma, há produção industrial de petições iniciais, de contestações, de sentenças e de recursos, sendo que a principal diferença costuma ser o nome da parte.
Como as ações nos juizados especiais possuem uma limitação de valor relativamente baixa, muitos litigantes contumazes não dedicam muita importância para elas. Pelo contrário, costumam terceirizar a defesa judicial em ações de massa para escritórios especializados nesse tipo de demanda, a fim de baixar o custo com “pendengas” jurídicas.
Além disso, um fator gerador para essas demandas em massa são as lesões geradas maciçamente. Ainda que se possa falar em indústria do dano moral, é imperioso estudar e compreender a industrialização causadora de danos morais, e também materiais.
Portanto, ainda que existam (e efetivamente existem) exageros por parte dos autores, tais casos não podem ser interpretados extensivamente, já que são uma exceção. Já no caso dos réus contumazes, é mais prático (e também menos custoso) gerar ou permanecer ocasionando lesões em massa.
Esse fenômeno ocorre por conta da chamada contabilidade macabra. Ela consiste em uma aritmética básica acerca do custo em tomar medidas eficazes para sanar o foco gerador de lesões versus o custo em arcar com advogados e indenizações em valores irrisórios.
Assim, por conta dos valores indenizatórios baixos, é muito mais vantajoso para os grandes litigantes deixar a situação do jeito que está ou apenas tomar medidas maquiadoras do problema.
Inserido dentro do contexto da contabilidade macabra encontramos as astreintes. Ainda que não guarde uma pertinência frontal, o valor global delas pode servir como medida para que o réu, além de cumprir a ordem judicial, entabule medidas que evitem novos processos pela mesmíssima razão.
A fixação das astreintes pode ocorrer das mais diversas freqüências: diariamente, semanalmente... O magistrado, ao fixar o valor, deve analisar o tipo de demanda e também o porte do réu, de modo a estipular um valor que realmente acarrete uma coação.
Afinal, de nada adianta fixar uma multa em um valor extremamente baixo, ainda que a periodicidade seja diária, contra um banco de enorme poderio econômico. Também é muito contraproducente estipular multas extremamente elevadas para uma microempresa que ocasionalmente é ré no processo judicial.
Se o juiz cravar um valor baixo contra um banco, automaticamente a contabilidade macabra entrará em ação. Um dos meios mais interessantes e curiosos de incidência dela é o devedor deixar o valor acumular bastante (deixando de cumprir imediatamente ou em um prazo razoável a ordem do juiz).
Com o acúmulo em um valor bem significativo, que geralmente ultrapassa em muito o valor total da demanda, o litigante descumpridor peticiona argumentando que o valor da multa atingiu uma cifra muito desproporcional à demanda e que enriquecerá indevidamente o autor.
Infelizmente, esse raciocínio vem encontrando guarida nos tribunais superiores. Ora, há toda uma multiplicidade de fatores que o próprio réu originou e, no fim das contas, ele acaba sendo beneficiado pela própria torpeza.
Se desde o início não houvesse ocorrido uma lesão moral ou patrimonial ao autor, não existiria processo judicial. Se as condenações fossem em valores significativos e que pudessem gerar a sensação de que o réu precisa mudar a sistemática produtiva, também não existiriam tantos processos.
E, talvez o mais importante, se houvesse o cumprimento adequado dos provimentos judiciais, o valor total da multa não atingiria “cifras desproporcionais” e não haveria necessidade de pleitear a redução por conta de uma suposta disparidade entre o valor da causa e o valor da multa.
Essa dinâmica gera uma situação um tanto quanto esquizofrênica, já que é o próprio Judiciário contribuindo para o aumento de processos. O mais instigante é que poderiam ser adotadas medidas efetivas e eficazes pelo Judiciário nos processos para cessar a produção industrial em massa de feitos.
Importante destacar que, por exemplo, se as multas de alto valor fossem executadas por inúmeros autores, certamente os grandes réus passariam a dar mais atenção para essas demandas repetitivas. Além disso, adotariam medidas para resolver os processos internos que acarretam no assoberbamento jurídico.
Uma conseqüência indireta muito favorável a todos, levando-se em conta uma análise econômica, é que os custos para se manter uma estrutura judiciária para julgar milhares e milhares de ações semelhantes seriam diminuídos. Outro ponto é que as demandas realmente fundamentais terão mais atenção e o trabalho dos operadores do direito serão direcionados para feitos relevantes.
Somado a tudo isso, o autor da ação acaba por se sentir frustrado, pois além de ter sofrido uma violação moral e material, sente-se tolhido no direito à reparação adequada.
Mais um ponto que o Judiciário não se atenta é que as empresas lesam no atacado e ressarcem no varejo. A magnitude dos danos é muito ampla e dificilmente todos os atingidos procuram o Judiciário. Isso ocorre por diversos fatores, tais como a demora judicial, a falta de consciência ou o trabalho em ter que ajuizar um processo.
Ainda que a redução das astreintes não seja a panacéia para todos os males da efetividade e celeridade do processo, elas certamente são um dos fatores que os grandes litigantes levam em conta para verificar se compensa ou não interromper ou consertar os motivos que acarretam em danos individuais com grande amplitude.
Referências:
NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito Processual Civil. Método, 6ºed. 2014.
Advogada da União lotada na Procuradoria Regional da União - PRU 1ª Região, em Brasília, atuando na COSEP - Coordenação Regional de Servidores Públicos. Atuação em processos envolvendo servidores públicos federais, tais como processos administrativos disciplinares e ações coletivas envolvendo sindicatos. Foi, também, oficial de Justiça e Avaliadora Federal da Justiça do Trabalho. Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito. Graduada em Direito pela UNIFACS - Universidade Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fernanda Pereira Costa. Redução de astreintes gera a sensação de frustração no credor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41983/reducao-de-astreintes-gera-a-sensacao-de-frustracao-no-credor. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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