Resumo: O presente artigo destina-se a demonstrar a desnecessidade de expedição de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e de declaração do ordenador de despesa como condição prévia para a realização de licitações públicas por meio do sistema de registro de preços.
Palavras chave: Responsabilidade, fiscal, licitações, registro, preços.
Sumário: 1. Introdução. 2. O sistema de registro de preços. 3. O artigo 16, da LRF, e sua inaplicabilidade às licitações processadas pelo sistema de registro de preços. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com o objetivo de buscar o equilíbrio das contas e a estabilização do aumento do endividamento do setor público.
Em diversas passagens, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) chama a atenção para a necessidade de a Administração Pública agir de forma planejada e transparente, ou seja, impõe que a ação estatal seja fundada em planos previamente traçados e aprovados pelo Poder Legislativo.
Nesse sentido, um dos instrumentos criados para combater o crescimento desenfreado da dívida pública encontra-se no artigo 15, da Lei Complementar 101/00 (LRF), que considera não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público toda geração de despesa ou assunção de obrigação que não atenda a determinação consignada no art. 16, da LRF, que assim dispõe:
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1o Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:
I - adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;
II - compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.
§ 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.
§ 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para:
I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;
II - desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3o do art. 182 da Constituição.
De acordo com o dispositivo epigrafado, é condição prévia para a realização de licitações destinadas às aquisições de bens e serviços a existência de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e de declaração do ordenador de despesa, sob pena de o procedimento ser considerado não autorizado, irregular e lesivo ao patrimônio público.
2. O sistema de registro de preços
O artigo 15, II, da Lei 8.666/93, impõe que as compras, sempre que possível, deverão ser processadas por meio de sistema de registro de preços. Esse instituto consiste em conjunto de atos formais destinados ao cadastramento formal de fornecedores e de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para futuras, frequentes e incertas contratações.
O registro de preços é o procedimento que a Administração Pública deve adotar para cadastrar os valores de bens e serviços cuja contratação parcelada seja mais conveniente, o que encontra suporte jurídico no art. 3º, do Decreto 7.892, de 23 de janeiro de 2013, in verbis:
Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:
I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;
II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.
Portanto, o sistema de registro de preços contribui para melhoria do controle e da eficiência das contratações, permitindo à Administração Pública decidir, durante a vigência da ata e nos limites registrados, o melhor momento e a quantidade ideal a ser adquirida.
Por oportuno, ressalta-se que o artigo 15, § 4º, da Lei 8.666/93, prescreve que “a existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições”.
Logo, deflui-se que o registro de preços não se destina à contratação imediata de bens e serviços, porquanto seu objeto é apenas o cadastramento de produtos e de fornecedores, necessariamente precedido de processo licitatório, para atender futura e incerta necessidade administrativa. Nesse passo, destaca-se parte do manual de Licitações e Contratos publicado pelo Tribunal de Contas da União[1]:
Em relação às contratações convencionais, a principal diferença do sistema de registro de preços reside no objeto da licitação. No sistema convencional, a licitação destina-se a selecionar fornecedor e proposta para contratação específica, efetivada pela Administração ao final do procedimento. No registro de preços, a licitação direciona-se a selecionar fornecedor e proposta para contratações não específicas, que poderão ser realizadas, por repetidas vezes, durante certo período.
3. O artigo 16, da LRF, e sua inaplicabilidade às licitações processadas pelo sistema de registro de preços
Como forma de legitimar a geração da despesa pública e impor um mínimo de planejamento administrativo, o artigo 16, da Lei Complementar 101/00, ordena que constitui condição prévia da licitação a existência da estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva a despesa entrar em vigor, bem como nos dois subsequentes, e a declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual, compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
Todavia, como a licitação processada pelo sistema de registro de preços objetiva somente a formalização de uma ata com o cadastro de fornecedores e de valores, ela não obriga a Administração Pública a efetivar as aquisições, inclusive dentro do lapso temporal de sessenta dias após a data de apresentação das propostas.
Além disso, mesmo que exista ata de registro de preços em plena vigência, o Poder Público pode adquirir bens e serviços por intermédio de outros processos de aquisição, motivo pelo qual resta evidente a desnecessidade de respeito ao art. 16, da LRF.
Ora, é cediço que a Administração Pública pode adquirir bens e serviços em patamar muito inferior ao total registrado, o que demonstra a inviabilidade de elaborar impacto orçamentário e declaração do ordenador de despesas para o valor total da licitação.
É justamente por tais motivos que o manual de Licitações e Contratos publicado pelo Tribunal de Contas da União é explícito ao dispensar a existência de dotação orçamentária nos registros de preços[2]:
São peculiaridades do sistema de registro de preços:
(...)
- licitação para o SRP pode ser realizada independentemente de dotação orçamentária, pois não há obrigatoriedade e dever de contratar.
Ao comentar o art. 16, da Lei Complementar 101/00, preleciona Marçal Justen Filho[3]:
8.3) As exigências do art. 16 da LRF
Por outro lado, é imperiosa a observância das exigências do art. 16, que são condições não apenas para empenho, mas também para licitação (§4°). Isso significa que a criação de qualquer despesa deve ser acompanhada da estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em vigorará (e, se for o acaso, nos dois subseqüentes) tal como a declaração do ordenador da despesa de que a obrigação compatibiliza-se orçamentária e financeiramente com a legislação orçamentária.
(...)
8.3.4) Ressalva: licitação para sistema de registro de preços
As considerações acima realizadas não se aplicam à hipótese de licitação que tenha por objeto a seleção de propostas para registro de preços. E que, nesse caso, a licitação não gerará necessariamente uma certa contratação, mas propiciará a formação de uma espécie de cadastro de fornecedores. Na hipótese, haverá a contratação se e quando houver recursos disponíveis. Logo a licitação para registro de preços não envolve a perspectiva imediata e determinada da realização de uma contratação.
Para Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[4]:
Não há necessidade de que o órgão tenha prévia dotação orçamentária, porque o Sistema de Registro de Preços, ao contrário da licitação convencional, não obriga a Administração Pública, em face à expressa disposição legal nesse sentido, como visto no subtítulo 1.4 do capítulo 1, deste último.
No sistema convencional de licitação, a Administração tem que ter prévia dotação orçamentária, porque há um compromisso que só em caráter excepcional pode ser revogado e anulado.
Igualmente, dispõe o art. 7º, § 2º, do Decreto 7.892/13:
Art. 7º A licitação para registro de preços será realizada na modalidade de concorrência, do tipo menor preço, nos termos da Lei nº 8.666, de 1993, ou na modalidade de pregão, nos termos da Lei nº 10.520, de 2002, e será precedida de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Na licitação para registro de preços não é necessário indicar a dotação orçamentária, que somente será exigida para a formalização do contrato ou outro instrumento hábil.
Como é dispensável a existência e a indicação de prévia dotação orçamentária para licitar com o sistema de registro de preços, também não é condição para a realização do certame a juntada da estimativa de impacto orçamentário-financeiro e da declaração do ordenador de despesas.
O artigo 16, da LRF, é cristalino ao exigir referidas providências tão somente para os casos em que haja criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que gere aumento de despesa. Ora, é patente que licitação por meio do sistema de registro de preços, por não implicar a obrigatoriedade de contratar, servindo apenas para formalizar uma espécie de cadastro de preços e de fornecedores, não cria, expande ou aperfeiçoa ação governamental capaz de gerar/aumentar a despesa pública, o que faz com que não seja necessária a expedição de estimativa do impacto orçamentário-financeiro e de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira.
O artigo 16, da Lei Complementar 101/00, somente deverá ser atendido no futuro, quando a Administração Pública decidir adquirir o bem ou serviço cadastrado na ata de registro de preços, porquanto neste caso haverá criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa pública, mas não no momento da condução do processo de seleção.
4. Conclusões
Com o escopo de equilibrar as contas e evitar o constante crescimento do endividamento público, a Lei Complementar 101/00 prevê uma série de medidas de austeridade fiscal e de planejamento da ação estatal.
Assim, em obediência ao artigo 16, da LRF, a criação de despesa pública e a realização de licitação devem ser precedidas da estimativa de impacto orçamentário-financeiro e da declaração do ordenador de despesas de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual, compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, sob pena de serem consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao erário.
Entretanto, como a licitação processada pelo sistema de registro de preços não resulta na obrigatoriedade da aquisição imediata dos bens ou serviços, pois serve somente para formalizar um cadastro de preços e de fornecedores, o cumprimento do artigo 16, da LRF, somente será exigido quando da futura contratação.
5. Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto 7.892, de 23 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em 21 de novembro de 2014.
______. Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em 21 de novembro de 2014.
______. Lei Ordinária 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acesso em 21 de novembro de 2014.
______. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasilia: TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.
JOSÉ DOS SANTOS, Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2006.
[1] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasilia: TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010, p. 243.
[2] Op. cit., p. 243.
[3] Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.
[4] Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Especializando em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Luís Henrique Assis. A inaplicabilidade do artigo 16, da Lei de Responsabilidade Fiscal, às licitações processadas sob o sistema do registro de preços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41987/a-inaplicabilidade-do-artigo-16-da-lei-de-responsabilidade-fiscal-as-licitacoes-processadas-sob-o-sistema-do-registro-de-precos. Acesso em: 22 nov 2024.
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