1 INTRODUÇÃO
A função administrativa é exercida através de atos balizados pelo ordenamento jurídico, compreensivos da exteriorização da vontade do Estado. Regra geral, essa manifestação não é livre – reclama a observância à forma, à competência, ao objeto, ao motivo e à finalidade previamente definidos pelo ordenamento jurídico. Além disso, a manifestação da vontade do Estado deve primar pela impessoalidade – o Estado age na busca da concretização do interesse público, ocorrendo desvio quando um ato é praticado deliberadamente para beneficiar ou prejudicar alguém.
Embora existam normas que imponham a obrigatoriedade da manifestação do Estado quando provocado pelo administrado, prevendo, inclusive, prazo para a resposta, não são raras as vezes em que o Estado, diante de situação em que deveria decidir, queda-se inerte. Utiliza-se, neste trabalho o termo “silêncio da Administração” para indicar as hipóteses de não manifestação decisória do Estado nos casos em que ele é obrigado a emiti-la.
O silêncio na Administração tem importantes implicâncias de ordem prática: pode, por exemplo, desde que exista expresso regramento neste sentido, significar a anuência ou a discordância do pleito apresentado pelo administrado. No entanto, quando essa disciplina legal não existe, não havendo qualquer indicativo de efeito – positivo ou negativo – que deva ser conferido à inércia estatal, o comportamento omissivo da Administração apresenta-se como fenômeno gerador de grave insegurança jurídica[1], por abandonar o administrado que tem direito a uma resposta da Administração.
Este é o tema que se pretende discutir no presente estudo. Serão analisados, nesta ordem, o conceito de silêncio administrativo e a nomenclatura utilizada, a natureza jurídica do silêncio administrativo, os efeitos que podem decorrer desta inércia da administração e, por fim, a responsabilidade administrativa dos agentes públicos e a responsabilidade civil estatal para os casos em que, devendo manifestar-se, a Administração mantém-se inerte.
2 O DEVER DE DECISÃO DO ESTADO- ADMINISTRAÇÃO
Diante da existência de uma provocação do administrado, entende-se que o Estado-Administração não pode se quedar inerte, tendo o dever de analisar o pedido e proferir uma decisão sobre o caso no prazo legal (ou em prazo razoável quando não houver prazo legalmente estipulado). Esta obrigação, como será demonstrado neste tópico, é ínsita ao Estado Democrático de Direito, extraindo-se tal dever do direito fundamental de petição e da necessária observância do princípio da legalidade no atuar administrativo, bem como de expressa previsão infraconstitucional.
Com efeito, já em seu artigo 1º, a Constituição enuncia que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito. Sobre esta previsão constitucional, Lenio Luiz Streck e José Luis Bonzan de Morais destacam que:
A Constituição do Brasil de 1988 – ao lado do princípio republicano e da forma federativa do Estado, inova ao incorporar o conceito de Estado Democrático de Direito, na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo[2].
O conceito de Estado Democrático de Direito perpassa, segundo Carlos Ari Sundfeld, pela identificação dos seguintes elementos essenciais: a) é um Estado criado e regulado por uma Constituic?a?o; b) em que os agentes pu?blicos fundamentais sa?o eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; c) no qual o poder poli?tico e? exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por o?rga?os estatais independentes e harmo?nicos, que controlam uns aos outros; d) no qual a lei produzida pelo Legislativo e? necessariamente observada pelos demais Poderes; e e) no qual os cidada?os, sendo titulares de direitos, inclusive poli?ticos, podem opo?-los ao pro?prio Estado[3].
De forma semelhante, Lenio Luiz Streck e José Luis Bonzan de Morais enumeram os seguintes princípios do Estado Democrático de Direito: a) constitucionalidade, entendida como a vinculação do Estado a uma Constituição como instrumento básico de garantia jurídica; b) organização democrática da sociedade; c) sistema de direitos fundamentais, individuais e coletivos, que asseguram ao homem uma autonomia perante aos poderes públicos e garante o respeito, pelo Estado, à dignidade da pessoa humana e seu empenho na defesa e garantia da liberdade, da justiça e da solidariedade; d) justiça social como mecanismo corretivo das desigualdades; e) igualdade material; f) especialização de poderes ou de funções, ligada especialmente à produção dos resultados buscados pelos fins constitucionais; g) legalidade como meio de ordenação racional, vinculamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos, que excluem o arbítrio e a prepotência; h) segurança e certeza jurídicas[4].
Norberto Bobbio, ao analisar o conceito de Estado de Direito, destaca:
Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos.[5]
Infere-se, pois, que os direitos fundamentais são importantes elementos estruturantes do Estado Democrático de Direito. Dentre estes, um tem especial importância para esse estudo: o direito de petição, previsto no art. 5º, inciso XXXIV, letra “a” da Constituição, segundo o qual “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
Entende-se que o direito de petição faz parte do cluster right direito de acesso à justiça, ou, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um “direito geral à proteção jurídica”[6], compreendido aqui como um conjunto de direitos relacionados aos instrumentos, às formas de defesa e concretização de todos os outros direitos.
Nas palavras de André de Carvalho Ramos:
O direito de petição tem como objeto a (i) defesa de direitos e o (ii) combate à ilegalidade e os abusos de poder, sem a necessidade do pagamento de taxa ou sem que haja outro requisito (por exemplo, ter advogado etc.). Trata-se da chamada provocatio ad agendum, pois o indivíduo provoca a autoridade e inclui em sua agenda o tema da petição, exigindo resposta positiva ou negativa. Pode ser exercido de forma individual ou coletiva, para proteger direito próprio ou de terceiro (inclusive direitos difusos ou coletivos). Sua utilidade está na atuação do indivíduo para exigir que a Administração Pública atue de modo eficiente e legítimo, preservando os direitos dos interessados.[7]
No entanto, como bem ressalta Celso Antônio Bandeira de Melo, para ser interpretado em sua completude, é necessário enxergar o direito fundamental de petição sob dois prismas: ao mesmo tempo em que garante ao administrado o direito de provocar o Poder Público, gera, até por um corolário lógico, o dever do Estado-Administração de se manifestar, de decidir acerca da pretensão que lhe foi posta. Pensar no primeiro aspecto sem extrair dele o segundo é conferir eficácia e utilidade quase nulas ao direito fundamental de petição[8].
Pode-se afirmar, pois, que o dever da Administração de se manifestar quando provocada por um administrado pode ser extraído, preliminarmente, do direito fundamental de petição, o qual, inclusive, tem o status de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV). Considerando que os direitos fundamentais – especialmente aqueles que dão forma ao cluster right direito de acesso à justiça – constituem elementos estruturantes do Estado Democrático de Direito, não é difícil inferir que o dever de manifestação ou de resposta, diante da provocação do administrado, é uma obrigação imposta à Administração pela própria estrutura do Estado Democrático de Direito.
Mas, além disso, foi visto que a legalidade é outro importante elemento estruturante do Estado Democrático de Direito, como instrumento de garantia da atuação estatal em conformidade com o regramento jurídico legitimamente posto e de salvaguarda contra atos abusivos e arbitrários. Conhecido como um dos mais importantes princípios norteadores da atividade administrativa, a obrigatoriedade da observância da legalidade também tem assento constitucional formal no caput do art. 37 da Constituição.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro bem resume o princípio da legalidade, em contraponto com o princípio da autonomia da vontade: “segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. No âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe”[9].
Originariamente, o princípio da legalidade vincula-se à teoria da separação de poderes e com as ideias opositoras ao período absolutista – espelhava a imagem do Estado legiferante, traduzindo a supremacia do Poder Legislativo em relação ao Poder Executivo e a supremacia das leis sobre os atos e medidas administrativas. Ao se submeter a atividade da Administração à lei, garantia-se obediência ao regramento estabelecido pelo Poder Legislativo (e não à vontade instável da autoridade), de forma a se propiciar uma certa segurança jurídica e a limitação do poder. No entanto, essa ideia genérica de legalidade evoluiu, de forma a superar a ideia de observância da legalidade pelo simples atendimento à legalidade formal e a se verificar a justiça de uma lei não apenas pela forma, mas principalmente por seu conteúdo. Buscou-se, pois, assentar o princípio da legalidade em bases valorativas, de forma a se entender que as atividades da Administração estavam sujeitas não apenas às leis votadas pelo legislativo, mas a todos os preceitos decorrentes do Estado Democrático de Direito e aos demais fundamentos e princípios de base constitucional (além, é claro, de submeter a Administração às normas que ela própria editou).[10]
Assim, é que o Estado, através do administrador, deve agir em conformidade com todo o conjunto posto do ordenamento jurídico ao qual ele se submete – não que exista uma “tipicidade rígida, mas a conduta do Poder Público tem que ser precedida de uma regra legal que minuciosamente tenha descrito os aspectos do comportamento administrativo”[11].
E esta submissão da Administração à lei confere moldes específicos à atuação do Estado, inclusive em relação à forma como ela deve se dar. O Estado-Administração age e se manifesta, de forma principal, por meio de atos administrativos – espécie de ato jurídico, que produz efeitos jurídicos nas relações administrativas, especialmente no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade[12].
É assente na doutrina majoritária que o ato administrativo tem ao menos cinco elementos ou requisitos[13] essenciais à produção de efeitos jurídicos válidos: o agente, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade[14], afastando-se, pois, pela maior especificidade, da disciplina civil, que considera elementos do ato/negócio jurídico apenas o sujeito, o objeto e a forma. De forma simples: (i) o sujeito ou agente do ato administrativo é aquele que tem, por atribuição legal, competência para a prática do ato; (ii) o objeto ou conteúdo do ato – que deve ser lícito, moral e possível – é o efeito jurídico imediato que ele produz (a modificação que ele produz no ordenamento jurídico, originando, extinguindo ou transformando um determinado direito); (iii) a forma, entendida em sentido amplo, abrange tanto a maneira de exteriorização do ato quanto as formalidades referentes ao procedimento de sua formação e da comunicação da decisão que o ato enceta[15]; (iv) o motivo é composto pelos fundamentos fáticos e jurídicos que precedem e justificam o atuar administrativo; e (v) a finalidade é o resultado que a Administração pretende obter com a prática do ato (efeito mediato), que, em sentido amplo, sempre corresponde à concretização de um interesse público.
No conceito de forma, encontra-se a necessidade de motivação do ato administrativo, que consiste na exposição dos fatos e dos fundamentos jurídicos (e da relação de pertinência lógica entre eles[16]) que justificam a prática do ato, indicam sua “causa” – a ausência de motivação impede a verificação da legitimidade do ato administrativo[17].
Há certo dissenso na doutrina acerca da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos: se o dever de motivação aplica-se a todos os atos, se apenas aos vinculados ou se apenas aos atos discricionários. Acompanha-se, neste ponto, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que defende que a exigência de motivação dos atos administrativos deve ser tida como regra geral:
Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como regra geral, pois os agentes administrativos não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana do povo (...)” (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a “cidadania” (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.[18]
Diante de tudo que foi exposto, considerando que: (i) a observância à legalidade é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, (ii) que a atividade administrativa, segundo o ditames do ordenamento jurídico, deve se dar, de forma principal, por meio de um ato administrativo; (iii) que este ato administrativo, para produzir efeitos jurídicos, deve ser emanado de sujeito competente, observar determinadas formas de exteriorização, ter objeto lícito, moral e possível, ser motivado e ter como finalidade a concretização de um interesse público; entende-se que a inércia da Administração quando demandada não pode ser justificada em razão do princípio da legalidade e, logo, não pode ser admitida em um Estado qualificado como Estado Democrático de Direito. É que, como visto, a partir do momento em que é provocada pelo administrado, cria-se, para a Administração um dever de responder à demanda e para o indivíduo provocador o direito de obter a resposta – esta resposta virá, de forma principal, por um ato administrativo devidamente justificado, que permita inclusive o controle da atuação do Estado, não servindo, via de regra, a simples inação administrativa como resposta satisfatória nesse sentido.
Em âmbito infraconstitucional, é possível citar, ainda, a previsão constante na Lei nº 9.784/99 – lei que regula o processo administrativo em âmbito feral, mas que também representa normas gerais sobre o assunto[19] – que expressamente consagra o dever de decidir da Administração quando provocada, fixando, inclusive, prazo para ser prolatada a decisão:
CAPÍTULO XI
DO DEVER DE DECIDIR
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.
Assim, entende-se que o dever do Estado-Administração de se manifestar é corolário lógico do Estado Democrático Direito, por ser consequência direta do direito fundamental de petição e da necessária observância do princípio da legalidade, além de expressamente estar previsto no ordenamento jurídico infraconstitucional, como regra geral aplicável aos processos administrativos.
Ocorre que, como já exposto, muitas vezes, embora devidamente provocada, a Administração queda-se inerte, não emite qualquer decisão no prazo legalmente previsto ou em prazo razoável, gerando grave insegurança jurídica – e, infringindo, como se viu, seu dever de manifestação.
Necessário, pois, analisar as consequências deste silêncio da Administração, especialmente em relação ao administrado. Mas, antes, para fundamentar tal análise, passa-se a discorrer sobre o conceito de silêncio administrativo e sua natureza jurídica.
3 NOMENCLATURA E CONCEITO
Como já exposto, o objeto deste estudo é analisar não todas as formas de omissão da Administração, mas aquelas situações em que a Administração, provocada pelo administrado, queda-se inerte quando dela se espera um comportamento, uma ação, uma resposta. Não se trata, pois, de todas as hipóteses em que o Estado se omite, mas sim daqueles casos em que a Administração é chamada a se manifestar e deixa de decidir, negando ao administrado o direito de resposta e omitindo-se de praticar o ato que dela se espera. Opta-se, neste trabalho, pela nomenclatura “silêncio administrativo” ou “silêncio da Administração” para caracterizar essa situação específica de inércia da Administração.
No entanto, nem locução nem seu alcance são unânimes na doutrina.
Hely Lopes Meirelles utiliza a expressão “omissão administrativa” abrangendo tanto a inércia da Administração frente ao pleito de um administrado, como aquelas situações em que há omissão da Administração Pública quanto à implementação de políticas públicas ou negativa da prática de atos que são fundamentais para concretização de projetos sociais[20]. No entanto, ao que parece o termo omissão é mais abrangente do que se pretende neste trabalho – omissão pode indicar qualquer não atuar administrativo (qualquer ausência de conduta) e não apenas aquelas situações de omissão específica da Administração quando demandada pelo administrado.
Odete Medaur utiliza a expressão “não ato” para indicar as situações em que a Administração “deixa de tomar decisões ou de editar ato, configurando o que se denomina comumente, omissão, silêncio ou inércia da Administração”[21].. Ocorre que, da mesma forma, entende-se que o termo é mais genérico e tem maior abrangência do que o objeto deste trabalho, configurando, ao que parece, uma espécie de gênero de omissão administrativa que abarca todas as situações em que a Administração não pratica um ato, inclusive aquela da qual ora se cuida (que poderia ser entendida como uma espécie de omissão específica – daí a opção por se utilizar um termo que lhe diferencie).
A maior especificidade do termo silêncio da administração, em contraposição com a ideia de inércia da administração, já era defendida por Themistocles Brandão Cavalcanti nos idos da década de 30:
(…) É preciso, por isso mesmo, não confundir a inercia da administração na defeza dos direitos seus ou da collectividade, com o Silencio na decisão, provocada por terceiros.
No primeiro caso, pode o silencio, a ine?rcia, a falta de iniciativa importar na decade?ncia do direito. No segundo, na?o implica o silencio, necessariamente, no reconhecimento ta?cito de um direito.
Assim, na primeira hypothese, a falta do exerci?cio do poder de policia, de medidas coercitivas, de restricc?o?es ao exerci?cio de direitos, quanto a? maneira e a? forma de pratical-os, implicara?, tacitamente, no consentimento.
Mas a falta de despacho em um pedido, em um requerimento, na?o pode ser considerada assentimento ta?cito, reconhecimento impli?cito da legitimidade da pretenção de terceiros, perante o Estado ou a administrac?a?o.[22]
Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza o termo silêncio administrativo para designar as hipóteses em que a Administração “não se pronuncia quando deve fazê-lo, seja porque foi provocada por administrado que possua interesse próprio, seja porque um órgão tem de pronunciar-se para fins de controle de ato de outro órgão”[23].
Neste trabalho, como já adiantado, serão utilizadas as expressões “silêncio da Administração” e “silêncio administrativo” não para indicar quaisquer hipóteses de inércia da Administração, mas para tratar daquelas situações em que, diante de um pleito do administrado que gera o dever de se manifestar e decidir, a Administração queda-se inerte[24].
4 NATUREZA JURÍDICA DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO
O estudo da natureza jurídica de um instituto significa buscar aquilo que lhe é essencial, o que por hermenêutica não possa ser degenerado, sob pena de ser corrompido.
Na investigação acerca da natureza jurídica do silêncio administrativo, mostra-se importante conceituar as categorias jurídicas em que ele supostamente possa se enquadrar: especificamente, as de fato e ato administrativo.
Fato é um acontecimento no mundo, como o nascimento ou a morte. Este acontecimento pode ou não atingir a órbita do Direito – caso atinja será considerado um fato jurídico. Nesse sentido, o civilista Nelson Rosenvald:
Em sentido lato, o fato jurídico importa em qualquer acontecimento que provoque o nascimento, a modificação ou a extinção de um direito. A evolução jurídica da humanidade resultou, principalmente, de uma espécie de fato jurídico: o ato jurídico. Cuida-se de uma manifestação de vontade direcionada à produção de efeitos jurídicos que se mostrem adequados ao direito positivo.[25]
Percebe-se que o conceito de fato jurídico enquanto gênero engloba todos os eventos que se apresentam relevantes ao Direito, que sejam capazes de gerar efeitos jurídicos (produzir aquisição, modificação ou extinção de direitos), o que torna a definição carecedora de maior especificação. Em razão disso, o fato jurídico é dividido pela doutrina privatística em fato jurídico strico sensu e ato jurídico lato sensu[26].
O fato jurídico em sentido estrito é todo acontecimento natural ou do homem, mas independente da vontade humana, que tem aptidão de deflagrar efeitos jurídicos[27]. Doutra feita, ato jurídico, em sentido amplo, designa acontecimentos que têm em seu suporte fático a presença de elemento volitivo – esta vontade pode estar direcionada a aderir a efeitos preestabelecidos pelo ordenamento (atos jurídicos em sentido estrito) ou pode se voltar à criação de novas categorias jurídicas que devem decorrer dos fatos (negócios jurídicos)[28] [29].
Ocorre que essa classificação é típica do Direito Privado, que tem como base a autonomia da vontade, lógica completamente diferente da que rege o Direito Público. Com efeito, o Direito Público rege-se pela legalidade, razão pela qual não é possível trazer para esse âmbito, em perfeita analogia, os conceitos antes citados de fato e ato jurídico. Assim, é importante mencionar o que seja fato administrativo, fato da administração e ato administrativo.
Se o acontecimento atingir uma fatia específica do mundo jurídico, o Direito Administrativo, este acontecimento será chamado de fato administrativo. Assim, o fato administrativo nada mais é do que aquele fato que, além de atingir a órbita do Direito (fato jurídico), atinge também o âmbito do Direito Administrativo. Toma-se como exemplo o falecimento de um servidor público, que acarreta a vacância do cargo, gerando também possibilidade de nova investidura. Nas palavras de Raquel Melo Urbano de Carvalho:
No Direito Administrativo, o fato jurídico é denominado fato administrativo. Trata-se do acontecimento, voluntário ou não, que repercute, na realidade jurídico-administrativa, tendo em vista as normas em vigor. O fato administrativo involuntário pode ser resultado de um evento da natureza que produziu consequências no âmbito do Direito. Trata-se de um fato natural a que a ordem jurídica reage. O fato administrativo, quando voluntário, decorre da conduta de certa pessoa, física ou jurídica, e poderá se apresentar como um negócio jurídico, ato ilícito, ou como ato administrativo em sentido estrito.[30]
Por outro lado, denomina-se fato da administração aquele que não produz qualquer resultado jurídico relevante. Na lição da mesma Raquel Melo Urbano de Carvalho, o fato da administrac?a?o “pode se tratar de mera ocorrência da natureza inócua para o direito ou simples realização material que nenhuma importância tem para o regime jurídico administrativo”[31]. Se da manifestação de vontade de um agente público nenhuma efeito relevante trouxer ainda assim se tratará de fato da administração.
Já o ato administrativo, como já adiantado, é uma espécie de ato jurídico, que produz efeitos jurídicos nas relações administrativas, especialmente no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade. Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta as seguintes características do conceito de ato administrativo: (i) trata-se de uma declaração jurídica (isto é, uma manifestação que produz efeitos de direito); (ii) que provém do Estado ou de quem esteja investido em prerrogativas estatais; (iii) que é exercido no uso das prerrogativas públicas, sob a regência do Direito Público; (iv) que consiste em providências jurídicas complementares da lei ou excepcionalmente da própria Constituição, sendo aí estritamente vinculadas, a título de lhes dar cumprimento (afastando-se, pois, do conceito de lei); e (v) sujeito a exame de legitimidade por órgão jurisdicional[32].
Verifica-se, pois, que, enquanto o ato jurídico do direito privado tem como elemento essencial a manifestação de vontade do agente, no direito público, ele se caracteriza por ser uma declaração jurídica estatal (não sendo possível se falar em manifestação volitiva pessoal do agente público que pratica o ato). Com efeito, a administrador, ao exercer sua função, o faz de acordo com a previsão da norma, não lhe sendo permitido manifestar sua vontade pessoal, pois no âmbito do Direito Público, ao contrário do Direito Privado, age-se conforme determinação legal (princípio da legalidade). Nas palavras do eminente professor Luis Filipe Colaço Antunes:
Em extrema síntese, a única vontade que manifestam os actos é a vontade da lei, que a Administração deve cumprir rigorosamente, o que justifica o princípio da legalidade-fundamento (princípio da precedência da lei). A peculiaridade da declaração de vontade no direito administrativo reside no facto de não constituir uma declaração de vontade, porque o seu conteúdo, cria, modifica ou extingue relações jurídicas determinadas normativamente, que não resultam do estado psicológico ou intelectual do agente.[33]
A Administração atua, portanto, para atender ao interesse público. O agente público não dirige as medidas administrativas de acordo com sua vontade particular, sob pena de desvio de finalidade. Mesmo nas situações de discricionariedade é vedado ao agente público agir de acordo com interesse individual, devendo atuar conforme juízo de conveniência e oportunidade voltado para o interesse público. Em outras palavras: tanto na atuação vinculada quanto na conduta discricionária, a manifestação de vontade da Administração nada tem a ver com vontade individual do agente público, o elemento volitivo do agente público não será considerado quando da manifestação da Administração – ao contrário do direito privado, em que há predominância do elemento volitivo do agente, no direito administrativo, os atos são voltados à ideia da finalidade geral de sua prática, que é o atendimento do interesse público.
Postas tais considerações, passa-se à analise do objeto específico deste tópico: a natureza jurídica do silêncio da Administração Pública.
Silenciar significa nada pronunciar, é a ausência de declaração. Quem silencia nada diz, nada decide, nada declara, nada prescreve. No entanto, há no ordenamento brasileiro diversos exemplos de consequências jurídicas que podem ser criadas pela omissão do agente – veja-se, como exemplo, as seguintes previsões do Código Civil de 2002:
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Ocorre que, ao que parece, o simples fato de a lei estabelecer efeitos jurídicos para a inexistência de manifestação não transforma o silêncio em um ato jurídico – especialmente no âmbito do direito administrativo, no qual, como ressaltado anteriormente, a atuação do Estado se dá, via de regra, por atos administrativos, que possuem como elementos (ou requisitos) essenciais à sua validade a observância ao sujeito competente, objeto lícito, possível e moral, motivo, forma e finalidade (interesse público). Defende-se, pois, neste trabalho não ser possível qualificar o silêncio como como ato administrativo[34].
Também entende-se não ser possível qualificar o silêncio como ato omissivo ou ato tácito. O silêncio não obedece ao elemento ou requisito essencial da forma dos atos administrativos – nem em relação ao conjunto de providências que envolve a prática do ato administrativo nem quanto ao meio pelo qual o ato se exterioriza (ressaltando-se que, em regra, no direito administrativo, exige-se a forma escrita). Nem há que se falar aqui, ao que parece, em aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, pois este se refere à forma em sentido amplo e no silêncio não há, na verdade, qualquer forma. Ademais, o silêncio é exatamente a ausência de manifestação, que impede que se vislumbre a motivação da prática do ato (diminuindo, assim, a possibilidade de fiscalização de sua legitimidade/legalidade).
Ademais, como demonstrado, a Administração tem como dever decidir e concluir o procedimento administrativo, o que não se compatibiliza com o silêncio administrativo[35] - nestas hipóteses de inércia da Administração não há qualquer declaração ou decisão. Se o Estado permanece inerte diante da provocação do administrado, o que há apenas é a total apatia.
No entanto, não se pode ignorar, a relevância do silêncio administrativo para o Direito – ele existe, é um fato, uma omissão que causa séria insegurança jurídica. Assim, considerando-o como um fato relevante para o direito administrativo, entende-se que o silêncio da Administração deve ser tratado como um fato administrativo.
Neste ponto, pois, segue-se de perto a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo a qual o silêncio da administração não configura um ato jurídico, mas quando produz efeitos jurídicos, pode ser considerado um fato jurídico administrativo:
O silêncio não é ato jurídico. Por isto, evidentemente, não pode ser ato administrativo. Este é uma declaração jurídica. Quem se absteve de declarar, pois, silenciou, não declarou nada e por isto não praticou ato administrativo algum. Tal omissão é um “fato jurídico” e, in casu, um “fato jurídico administrativo”. Nada importa que a lei haja atribuído determinado efeito ao silêncio: o de conceder ou negar. Este efeito resultará do fato da omissão, como imputação legal, e não de algum presumido ato, razão por que é de rejeitar a posição dos que consideram ter aí existido um “ato tácito”.[36]
No mesmo sentido é a lição de José dos Santos Carvalho Filho:
Urge anotar, desde logo, que o sile?ncio na?o revela a pra?tica de ato administrativo, eis que inexiste manifestac?a?o formal de vontade; na?o ha?, pois, qualquer declarac?a?o do agente sobre sua conduta. Ocorre, isto, sim um fato juri?dico administrativo, que, por isso mesmo, ha? de produzir efeitos na ordem juri?dica.[37]
Assim, por entender que o silêncio não pode ser qualificado como ato administrativo (nem como ato administrativo tácito) – em razão de não ser constituído pelos elementos ou requisitos essenciais à produção de efeitos válidos –, mas por admitir a existência de casos de inércia da Administração perante provocação do administrado, situação capaz de gerar efeitos jurídicos no âmbito administrativo, defende-se, na esteira da doutrina citada, que, nesses casos, o silêncio da Administração deve ser entendido como um fato administrativo.
5 EFEITOS DO SILÊNCIO ADMINISTRATIVO
A priori, o silêncio, por si só, por não representar qualquer manifestação, pronunciamento ou declaração, não tem qualquer significado no âmbito do direito administrativo. No entanto, pode a lei determinar que essa inércia da administração tenha efeitos positivos ou negativos (silêncio positivo ou negativo). Isso significa que, se determinada norma estipular que, decorrido um prazo determinado, o silêncio implicará na aprovação[38] ou denegação do pedido apresentado pelo postulante, essa será a solução da demanda – que fica dependente, pois, da hipótese apontada pela lei.
Assim, o silêncio positivo funciona como a efetivação do brocardo “quem cala consente”. Nesse caso, há previsão legal de que, ultrapassado o lapso temporal previsto na norma sem que haja manifestação do administrador, será deferido o pedido feito pelo administrado. Muito pertinentes são as observações de André Saddy acerca do silêncio positivo:
A produção de tais efeitos não autoriza que o administrado ultrapasse os limites do quanto requerido, por isso, o correto seria só se falar de efeitos positivos quando a solicitação fosse de tal forma nítida que não permita dúvidas acerca do que se obtém, daí porque se proclama que tais efeitos não se operam em providências discricionárias, só podendo tratar de efeitos positivos do silêncio quando a omissão administrativa seja de caráter vinculado. Além de tal dificuldade, os efeitos positivos do silêncio administrativo apresentam problemas ao pensar-se em sua comprovação. Normalmente, não terá o administrado um documento, a não ser o protocolo de sua petição, dessa maneira, ficará vulnerável às circunstâncias, caso necessite comprovar tais efeitos.
Doutra feita, o silêncio negativo é interpretado como recusa ao pedido formulado. Desta forma, havendo expressa estipulação legal nesse sentido, ultrapassado o lapso temporal previsto para a decisão, ao silêncio da administração devem ser conferidos os efeitos de um indeferimento, possibilitando, inclusive, a caracterização do interesse de agir do administrado para buscar tutela jurisdicional, postulando a invalidação do ato, se julgar que tem vício de legalidade[39].
No entanto, a norma pode não trazer qualquer previsão em relação aos efeitos do silêncio administrativo – pode simplesmente estipular um prazo para a Administração atuar, sem indicar quais os efeitos da não atuação dentro do lapso previsto ou nem mesmo isso. São estes os casos que merecem maior atenção, por criarem situação de inegável insegurança jurídica – não se poder deixar o administrado à mercê da Administração inerte, silente.
Não há no direito brasileiro uma norma geral que preveja consequências positivas ou negativas ao silêncio administrativo. Há apenas, como já ressaltado, uma condenação geral da inércia administrativa no art. 48 da Lei nº 9784/99 (que trata dos processos administrativos federais, mas também estabelece normas gerais sobre a matéria), sem, no entanto, previsão de efeitos: “a Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.” O art. 49 da citada lei chega mesmo a prever o prazo máximo de manifestação, mas de igual forma, não atribui qualquer efeito nos casos em que este prazo não é observado: “concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada”.
Assim, na falta de uma lei geral sobre a matéria, será necessária a análise das leis esparsas que regulam o procedimento referente ao pedido deduzido – existem algumas previsões específicas que visam socorrer o administrado prejudicado pela inércia da Administração. Veja-se, a título de exemplo, que o art. 8º, p. ú, I da Lei nº 9.507/2007 (lei que regula o o direito de acesso a informações e o rito processual do habeas data) traz a previsão de silêncio negativo: segundo a regra citada, devem instruir a petição inicial do habeas data a comprovação da recusa ao acesso às informações requeridas ou a prova do decurso de mais de dez dias sem decisão. Ou seja, nesta hipótese, prevê a lei que o silêncio da administração em prazo superior ao estipulado para a decisão (10 dias) gera efeito jurídico semelhante ao indeferimento do pedido, configurando, pois, o interesse de agir do autor para buscar a tutela jurisdicional.
No entanto, não havendo previsão geral nem específica acerca dos efeitos do silêncio da Administração, entende-se ser possível que o administrado busque tutela jurisdicional que possa lhe amparar frente à inércia do Estado-Administração. Para tanto, defende-se, ele deve demonstrar seu interesse de agir (necessidade e utilidade da prestação jurisdicional) que, na hipótese em análise se consubstancia: (i) na demonstração de que a Administração foi regularmente provocada a se manifestar e a decidir; (ii) na comprovação de que foi ultrapassado o prazo legal estipulado para a prolação da decisão administrativa sem qualquer manifestação decisória; ou no caso de não haver prazo legal indicado, que foi ultrapassado prazo razoável para que a decisão fosse proferida, tendo em vista que o direito à razoável duração do processo é um direito fundamental expresso (art. 5º, LXXXVIII). Nesse último caso, considera-se que o conceito de prazo razoável deve ser interpretado, a priori, à luz da norma geral da Lei nº 9.784/99, aplicando-se, por analogia, o prazo de decisão previsto em seu art. 49 (30 dias)[40] [41].
Assentada, pois, a possibilidade de que administrado busque tutela jurisdicional no caso de comprovada inércia da administração em responder o pleito que lhe foi posto, resta analisar em que medida esse pedido pode ser satisfeito pelo Poder Judiciário. Há dissenso na doutrina, que transita entre aqueles que defendem que, ao menos nos casos de atos vinculados, poderá o juiz suprir a vontade do administrador (já que estes atos não dependem de juízo de valor) e resolver sobre o pedido do administrado, suprindo a omissão, e aqueles que entendem que o magistrado apenas poderá determinar que a Administração pratique o ato, sob pena de multa diária, não podendo o juiz se substituir na atividade do administrador[42].
Celso Antônio Bandeira de Mello faz parte daquele primeiro grupo de doutrinadores – entende que, em se tratando de ato com conteúdo discricionário, o administrado faz jus a uma decisão motivada, razão pela qual o juiz deverá determinar à Administração que se pronuncie; ao contrário, caso o objeto do pedido refira-se a ato com conteúdo vinculado, poderá o juiz suprir a omissão administrativa[43]. Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho encontra-se dentre aqueles que defendem o segundo entendimento, entendendo que o órgão jurisdicional não pode se substituir ao órgão administrativo em qualquer hipótese, mas apenas obrigá-lo a emitir a decisão, arcando o administrador com as consequências de eventual descumprimento[44].
Este estudo filia-se também a este segundo entendimento, por entender que permitir que o Poder Judiciário se substitua na prática da atividade administrativa é infringir o princípio da separação de poderes, em sua moderna concepção de princípio-garantia das competências expressamente previstas na Constituição. Assim, atribuir ao Poder Judiciário a decisão sobre um pleito administrativo sobre o qual a Administração não se pronunciou equivale a esvaziar a função administrativa, em uma confusão não salutar de atividades típicas. Entende-se, pois, que melhor se amolda ao princípio da separação dos poderes a decisão judicial que condena o administrador omisso ao cumprimento da obrigação de fazer – decidir, ou seja praticar o ato administrativo – usando, claro, os meios coercitivos cabíveis para garantia do cumprimento (nomeadamente, a cominação de multa diária)[45].
6 A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA E CIVIL EM VIRTUDE DO SILÊNCIO DA ADMINISTRAÇÃO
Considerado o exposto no item 1 deste estudo e admitindo que a Administração tem o dever de se manifestar, é possível concluir que quando não o faz, mantendo-se inerte diante da provocação do administrado, viola o Direito[46], praticando, pois, ato ilícito.
Passa-se a analisar, nesta ordem, quais as consequências deste ilícito em termos administrativos (responsabilidade administrativa do agente que se omite) e civil (responsabilidade civil do Estado pela inércia administrativa).
A priori, o agente responsável pela análise do pleito que deixa de se manifestar pratica, como visto, ato ilícito, violando ao menos dois de seus deveres funcionais: o de exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo e de observar as normas legais e regulamentares. Para os servidores públicos federais, tais deveres estão previstos no art. 116, I e III da Lei nº 8.112/90, havendo expressa cominação de sanção (aplicável após regular procedimento disciplinar) para os casos de sua inobservância.
Discute-se, ainda, a possibilidade de responsabilização do agente quando a manifestação se deu em prazo considerado fora do razoável ou tolerável. Como demonstrado, para os processos administrativos no âmbito federal, o prazo de decisão estabelecido é de 30 dias, nos termos do art. 48 da Lei nº 9.784/99, tendo se sugerido acima que, nas hipóteses em que a lei não prescreva expressamente o prazo de decisão, tome-se como parâmetro, para aferimento da razoabilidade do prazo de decisão, o referido prazo legal. Entende-se que, nos casos de manifestação a destempo, há possibilidade de responsabilização se a demora na prolação da decisão foi intolerável e se a utilidade e a eficácia da decisão foram reduzidas ou eliminadas em virtude desta demora desproporcional. A referida responsabilização se justificaria diante da garantia constitucional – incluída entre os direitos fundamentais – da razoável duração do processo, nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal[47]. No entanto, defende-se que será necessário, para a responsabilização do agente, a análise do caso concreto em ocorreu a demora da manifestação, devendo ser ponderados todos os aspectos que envolvam a situação fática específica, como, por exemplo, a complexidade e a peculiaridade do caso submetido a análise (que poderão justificar o maior prazo para a decisão) e a quantidade de trabalho que esteve sob a responsabilidade do agente e as condições de trabalho a que ele esteve submetido durante o curso do prazo de manifestação.
Além disso, se a omissão administrativa gerar dano jurídico ao administrado, tal inércia poderá levar à responsabilização patrimonial do Estado e, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição[48] (isto é, em casos de dolo ou culpa), à responsabilização patrimonial do próprio servidor.
A hipótese de responsabilização do Estado pela conduta de seus agentes deriva da previsão da primeira parte do dispositivo constitucional supracitado: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros”. Assim, a responsabilidade civil do Estado tem como pressuposto o dano (material ou moral) e dá ensejo a uma sanção, que é a indenização, entendida como a reparação do prejuízo causado.
No âmbito da responsabilidade civil do Estado, predominava a ideia, até meados do século XIX, de que o Estado não deveria ser responsabilizado pelos atos praticados por seus agentes, o que refletia as condições políticas da época, de um Estado Liberal que tinha atuação muito limitada, pouco intervindo na relação entre particulares. No entanto, este entendimento, extremamente gravoso para os administrado, não perdurou por muito tempo – a qualificação do Estado como Estado de Direito teve por consequência a atribuição, ao ente estatal, de direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas. Nesse cenário, a primeira teoria levantada foi a da responsabilidade com culpa (em semelhança à teoria civilista da culpa), de forma que só se reconhecia a responsabilidade estatal nos casos de ação culposa de seu agente e quando o ato se enquadrasse dentre os atos de gestão do Estado – aos casos de atos de império, aplicavam-se as tradicionais normas de direito publico, protetivas da figura estatal. Especialmente diante das dificuldades de se distinguir, na prática, atos de império e atos de gestão, bem como de se divisar as faltas dos agentes que estivessem ou não atreladas à função pública, a teoria da responsabilidade com culpa foi perdendo força e legitimidade. Em um estágio evolutivo seguinte, consagrou-se a teoria da culpa administrativa, que, abandonando a importância da distinção entre atos de império e de gestão, consagrava que, para ter direito à reparação, o lesado deveria comprovar a falta do serviço (compreendendo as ideias de inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço público), o nexo entre esta e dano sofrido e a atuação culposa do Estado. Embora representasse importante avanço em matéria de responsabilidade civil, a citada teoria ainda impunha ao lesado o pesado ônus de comprovação do elemento culpa. Por fim, modernamente, prepondera a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que dispensa a verificação de culpa em relação ao fato danoso. Por isso, incide tanto em caso de prática de atos ilícitos, mas também nos casos de atos lícitos geradores de dano, bastando a comprovação da relação causal entre o fato e o dano[49].
A responsabilidade objetiva do Estado se fundamenta na teoria do risco administrativo, que pode ser exposta a partir do seguinte raciocínio: (i) nas relações entre o Estado e os administrados, as partes ocupam, via regra, posições sem paridade: em geral, os administrados encontram-se em situação de sujeição, não tendo mecanismos para se prevenirem da atuação estatal; por outro lado, o Estado assume posição de superioridade – com mais poder e mais prerrogativas que os particulares; (ii) diante desta patente desigualdade de armas, não seria justo impor-se ao administrado gravosos ônus de prova para que pudesse ter direito à reparação de um dano causado pelo Estado; (iii) por estar em situação de incontestável superioridade, o Estado deve arcar com o risco de sua atividade administrativa – assim, caso, no exercício de sua função, lese terceiros, terá o dever de indenizá-los.
Hely Lopes Meireles divide a teoria do risco em duas modalidades: a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo. Pela teoria do risco integral, o Estado responde objetivamente sempre, não se admitindo qualquer excludente de responsabilidade – ou seja, o Estado responde pelo dano suportado pelo terceiro, ainda que esta lesão tenha sido resultante de comportamento culposo ou doloso da vítima. Nos termos da teoria do risco administrativo, embora a responsabilidade objetiva do Estado seja considerada como regra, há a possibilidade de que determinadas causas possam vir a afastar a responsabilização, admitindo-se, pois, a existência de excludentes de responsabilização. Desta forma, pela teoria do risco administrativo o Estado não está obrigado a indenizar o dano em todo e qualquer caso; a teoria apenas dispensa ao administrado a prova da culpa da Administração, não retirando, desta, no entanto, a possibilidade de demonstrar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso (o que afastaria parcial ou totalmente a responsabilização estatal)[50]. Parece mais acertado, até pelo seu caráter mais gravoso, que a teoria do risco integral somente se aplique quando houver expressa disposição legal autorizativa[51], utilizando-se, para a resolução de todos demais casos, o raciocínio da teoria do risco administrativo.
No entanto, é necessário discorrer sobre como deve se dar a responsabilização do Estado diante de uma conduta omissiva de seus agentes que tenha causado dano a alguém – deve ser adotada a regra da responsabilidade objetiva mesmo sem qualquer conduta?
José dos Santos Carvalho Filho defende que, em casos de condutas omissivas, o Estado somente será responsabilizado naqueles casos em que houver dever legal de impedir a ocorrência do dano. Logo, só haverá responsabilização estatal por omissão quando presentes os elementos que caracterizam a culpa, a qual, no caso, origina-se do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Além disso, há a necessidade de se demonstrar a presença de nexo direto de causalidade entre o fato e o dano sofrido pela vítima e que se trata de omissão estatal específica (ou seja, a Administração devia e podia praticar o ato, mas não o fez, causando o dano), uma vez que omissões genéricas não geram, no entendimento do autor, o dever de indenizar[52].
Em sentido semelhante, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanela Di Pietro também adotam a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado em caso de dano gerado por omissão. Com efeito, o autor citado destaca que, em casos de omissão, só faz sentido responsabilizar o Estado se houve o descumprimento do dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo – considerando que a atuação do Estado deve estar pautada pelo princípio da legalidade, a omissão estatal, diante da existência de uma imposição legal de agir é ilícita, de forma que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito do Estado, a qual, por sua vez, é necessariamente subjetiva (em razão da necessidade da presença de dolo ou culpa)[53]. Maria Sylvia Zanella di Pietro, por sua vez, defende que, para que ocorra a responsabilização do Estado em virtude de omissão é necessário que existam tanto o dever de agir por parte do Estado quanto a possibilidade de agir para evitar o dano, possibilidade esta que só pode ser analisada em cada caso concreto – daí não se poder de se falar em responsabilidade objetiva do Estado nos casos de omissão[54].
Acompanha-se, neste ponto, o entendimento dos autores citados, ressaltando-se, entretanto, que são análises referentes aos casos de omissão do Estado em geral. No caso específico do silêncio administrativo, já se demonstrou no tomo 1 deste estudo que o Estado tem o dever de decidir quando provocado pelo administrado, obrigação consectária do Estado Democrático de Direito, especialmente em virtude do princípio da legalidade e do direito fundamental de petição (diante da inutilidade prática do referido direito se dele não se extraísse o dever estatal de decisão). Assim, assente o dever de decidir, para a responsabilização caberia a comprovação do nexo causal entre o dano e o silêncio da Administração, sendo possível, no entanto, o afastamento da responsabilização, caso fique demonstrado, no caso concreto, a impossibilidade de agir para evitar o dano.
Havendo responsabilização civil do Estado em virtude do silêncio administrativo, é cabível o direito de regresso contra o agente que deveria ter decidido, mas se manteve inerte, nos termos da parte final do § 6º do art. 37 da Constituição: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Ora, a Administração se manifesta através de seus agentes, que exteriorizam a vontade consubstanciada pela lei – assim, na hipótese de silêncio administrativo, o direito de regresso do Estado contra o agente causador do dano, que culposa ou dolosamente tenha se omitido em decidir, se fundamenta na prática de ato ilícito, já que, como dito inúmeras vezes, é dever da Administração se posicionar expressamente quando provocada pelo administrado.
7 CONCLUSÃO
De todo o exposto, é possível verificar a importância do estudo do “silêncio administrativo” e das formas de não se deixar o administrado à mercê da inércia do Estado em decidir sobre seu pleito.
Foi demonstrado que, em um Estado qualificado como Estado Democrático de Direito, a Administração, quando provocada pelo administrado, tem o dever de decidir, que é consectário do direito fundamental de petição e do princípio da legalidade. Nestes casos, mantendo-se inerte, há omissão estatal ilícita.
No entanto, admitindo-se que o silêncio da Administração ocorre na prática e pode ser apto a produzir efeitos no âmbito jurídico, especificamente no âmbito administrativo, foi necessária a discussão acerca de sua natureza jurídica. Conclui-se, nesse ponto, que o silêncio da Administração é um fato – e não um ato – administrativo, por não se constituir dos elementos/requisitos necessários à produção de efeitos jurídicos válidos de qualquer ato administrativo, especialmente a forma (já que o silêncio não possui forma nenhuma) e a consequente impossibilidade de identificação de sua motivação, o que impede a fiscalização da legalidade/legitimidade da decisão.
Considerando, pois, que o silêncio, como um fato, pode atingir juridicamente fatia específica do Direito – o Direito Administrativo – passou-se a analisar quais os efeitos a inércia da Administração poderia produzir. Foi demonstrado que a própria lei pode indicar que o silêncio administrativo deve ter efeitos de deferimento ou indeferimento do pedido apresentado (silêncio positivo ou negativo), caso em que, se a Administração não decidir no prazo legal, esta deve ser a solução aplicável à demanda. No entanto, verificou-se que, em muitos casos, a lei não indica os efeitos da inércia administrativa, apontando, quando muito, o prazo para prolação da decisão. Nestes casos, defendeu-se que o administrado pode se socorrer da tutela jurisdicional para minimizar os danos do silêncio, demonstrando seu interesse de agir com a prova da regular provocação administrativa e da ausência de resposta no prazo legal ou em prazo razoável. No entanto, ficou consignado que, nestas hipóteses, entende-se, não pode o Poder Judiciário, sob pena de mácula ao princípio da separação de poderes (entendido como salvaguarda das competências constitucionalmente definidas), substituir-se ao Administrador, devendo prolatar decisão no sentido de condenar a Administração à prática do ato, utilizando os meios coercitivos cabíveis no caso (nomeadamente, aplicação de multa diária), sem prejuízo, se for o caso, da condenação à indenização do lesado pelo silêncio.
Também foram analisadas as responsabilidades administrativa e civil em caso de inércia administrativa diante do pleito do administrado. Demonstrou-se que poderá haver responsabilização administrativa do agente que deixou de se manifestar, quando deveria fazê-lo, uma vez que tal omissão, como visto, é ilícita e pode revelar o descumprimento dos deveres funcionais do servidor. Por outro lado, demonstrou-se que, em caso de dano, há possibilidade de responsabilização patrimonial do Estado pela lesão – aplicando, nesse caso, excepcionalmente, a teoria da responsabilidade subjetiva –, o qual tem direito de regresso contra o servidor faltoso, em caso de culpa ou dolo, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição.
Por fim, é importante ressaltar que tanto a atribuição legal de efeitos ao silêncio quanto o o reconhecimento do interesse de agir do administrado em buscar a tutela jurisdicional em casos de omissão visam diminuir os efeitos danosos causados causados ao particular pela inércia administrativa.
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[1] SCIORILLI, Marcelo. Silêncio e Administração Pública. Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/19199-19200-1-PB.pdf>. Acesso em 14 set. 2014.
[2] STRECK, Lenio L. E MORAIS, José Luis Bolzan de. Comentário ao art. 1º. In: Canotilho, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.) Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 113.
[3] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito pu?blico. 4ª ed. Sa?o Paulo: Malheiros, 2010, p. 53 e 54.
[4] STRECK, Lenio L. E MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., 2013, p. 114.
[5] BOBBIO, Norbeto. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1998, p. 18.
[6] CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA Vital. Constituic?a?o da Repu?blica Portuguesa anotada. Vol. I. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 409.
[7] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. Ebook. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1156.
[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 409: “A Constituição consagra o direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”) e este presume o de obter resposta. Com efeito, simplesmente para pedir ninguém precisaria de registro constitucional assecuratório, pois não se imaginaria, em sistema algum, que pedir fosse proibido. Logo, se o administrado tem o direito de que o Poder Público se pronuncie em relação a suas petições, a Administração tem o dever de fazê-lo.” No mesmo sentido, os doutrinadores alemães PIEROTH, Bodo e SCHLINK (Direitos Fundamentais. Trad. Antônio Francisco de Sousa e Antônio Franco. Ebook. São Paulo: Saraiva, 2012, Série IDP, p. 660) destacam que o direito de petição “não é só um direito de defesa; contém um direito a uma decisão material sobre a petição e, nesta medida, constitui um direito de participação”. Da mesma forma, André SADDY (O silêncio administrativo no direito brasileiro. Ebook. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 69) salienta que: “resultaria sem efeitos práticos a existência do direito de petição consubstanciado na faculdade de dirigir-se aos Poder Públicos por meio de petição para defender-se de direitos ou demonstrar ilegalidades ou abuso de poder, se não existisse o direito ao recebimento de informações dos órgãos públicos, ou melhor, o direito de acesso à informação, bem como o direito de resposta da Administração em um tempo razoável, caso contrário, estar-se-ia ferindo o direito ao contraditório e à ampla defesa.”
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 65.
[10] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 143 e 144.
[11] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 59.
[12] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 158. Afirma a autora que assumir a noção de ato administrativo como forma de atuação do Estado é reconhecer que “a Administração não mais atua por operações materiais imediatas à vontade pessoal do governante; as decisões devem ser afirmadas por manifestação prévia ao resultado concreto, de acordo com parâmetros antes fixados, que visam a assegurar o respeito a direitos dos particulares.” José dos Santos CARVALHO FILHO (Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 94) afirma que, embora não exista unanimidade quanto a um conceito de ato administrativo, há três pontos que são essenciais à sua caracterização: (i) a vontade deve emanar de agente da Administração Pública ou dotado de prerrogativas desta; (ii) o conteúdo deve propiciar a produção de efeitos jurídicos com fim público; e (iii) toda essa categoria de atos deve ser regida basicamente pelo direito público.
[13] Não se desconhece acerca da divergência quanto à terminologia: elementos ou requisitos. No entanto, para os fins deste trabalho, não se enfrentará esta discussão.
[14] Por todos, veja-se: Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 209), que elenca como elementos do ato administrativo o sujeito, o objeto, a forma, o motivo e a finalidade; Odete MEDAUAR (Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 159 a 163), que enumera como elementos do ato administrativo: agente competente, objeto, forma, motivo e fim; José dos Santos CARVALHO FILHO (Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 100 a 116), cita como elementos – embora reconheça que dentre eles alguns efetivamente se qualificam como elementos enquanto outros têm natureza de requisito de validade – competência, objeto, forma, motivo e finalidade; já Celso Antônio Bandeira de MELLO (Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 387 a 407) distingue como elementos do ato o conteúdo e a forma (ressaltando que sem os elementos não há ato algum, administrativo ou não), como pressupostos de existência (sem os quais não há o necessário para a produção jurídica daquele objeto constituído pelos elementos) o objeto e a pertinência à função administrativo e como pressupostos de validade (sem os quais não haverá ato administrativo válido), o sujeito, o motivo, os requisitos procedimentais, a finalidade, a causa e a formalização.
[15] Nas palavras de José dos Santos CARVALHO FILHO (Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 106), “o aspecto relativo à forma válida tem estreita conexão com os procedimentos administrativos. Constantemente, a lei impõe que certos atos sejam precedidos de uma série formal de atividades (é o caso da licitação, por exemplo). O ato administrativo é o ponto em que culmina a sequência de atos prévios. Por ter essa natureza, estará sua validade comprometida se não for observado todo o procedimento, todo o iter que a lei contemplou, observância essa, aliás, que decorre do princípio do devido processo legal, consagrado em todo sistema jurídico moderno.”
[16] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 395.
[17] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 215.
[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 396. Em sentido semelhante: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 218: “Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado.”
[19] MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4ª ed. Niterói: Ed. Impetus, 2010, p. 243.
[20] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 93.
[21] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 177. Nas palavras da autora: “O termo não ato significa as situações em que a Administração deixa de tomar decisões ou de editar ato, configurando o que se denomina, comumente, omissão, silêncio ou inércia da Administração. São hipóteses em que a Administração deveria editar um ato administrativo, no entanto mantém-se inerte. Muito frequentes são os casos em que requerimentos ou recursos formulados por particulares ou servidores não recebem resposta alguma . Mesmo havendo previsão legal de prazos para resposta, não são atendidos. Deve-se lembrar que, tratando-se de exercício do direito de petição, com base no art. 5º, inc. XXXIV, a, da CF, não pode a autoridade deixar de pronunciar-se sobre a solicitação, pois o direito de petição inclui o dever, por parte da autoridade, de responder.”
[22] CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A teoria do Silêncio no Direito Administrativo. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, Maio-Agosto de 1938, volume XXXIV – fasc. II, p. 122 a 130.
[23] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 407.
[24] Segue-se, neste ponto, o entendimento de André SADDY. O silêncio administrativo no direito brasileiro. Ebook. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 172 e 173.
[25] ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 36.
[26] Não se descuida, no entanto, da existência de uma terceira categoria: ato-fato jurídico, que, na forma como defendido por Pontes de Miranda., seriam comportamentos humanos que não são voluntários nem conscientes, mas deflagram efeitos na órbita jurídica. Assim, não seria fato, pois o comportamento é humano, nem ato, porque não há voluntariedade, nem consciência na conduta. Daí o enquadramento entre as duas classificações, como ato-fato. No entanto, para efeitos dos objetivos deste trabalho, utiliza-se apenas as duas categorias principais.
[27] Nesse sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – parte geral. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 339.
[28] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD Nelson. Curso de direito civil. Vol. 1. 10ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2012, p. 570.
[29] Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de MELLO (Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 370): “Atos jurídicos são declarações, vale dizer, são enunciados; são falas prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre dada coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações; portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele. Donde a distinção entre ato jurídico e fato jurídico é simplicíssima.”
[30] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 372.
[31] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 372.
[32] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 380 e 381.
[33] COLAÇO ANTUNES, Luis Filipe. A teoria do Acto e a Justiça Administrativa. Coimbra: Almedina, 2006, p. 100 a 101.
[34] De acordo com Fernanda MARINELA (Direito administrativo. 4ª ed. Niterói: Ed. Impetus, 2010, p. 242), este é o entendimento predominante na doutrina: “Para a doutrina majorita?ria, o sile?ncio administrativo na?o produz nenhum efeito, salvo quando a lei - reconhecendo o dever da Administrac?a?o de agir, atribui esse resultado, admitindo-se, nesse caso, a possibilidade de uma anue?ncia ta?cita, ou ate?, de efeito denegato?rio do pedido, contrariando o interesse de peticiona?rio. Nessas hipo?teses - em que a lei atribui efeito ao sile?ncio - o mesmo na?o decorre do sile?ncio, e sim da previsa?o legal. Segundo essa orientac?a?o, o sile?ncio na?o e? ato juri?dico e, por conseguinte, na?o e? ato administrativo, porque ambos dependem de uma declarac?a?o juri?dica,de uma manifestac?a?o, faltando, assim, a condic?a?o para a sua existe?ncia que e? a exteriorizac?a?o da vontade. Se, por hipo?tese, fosse admitido o sile?ncio como ato, ele seria, no mi?nimo, ilegal em raza?o da ause?ncia de formalizac?a?o e de motivac?a?o e deveria ser retirado do ordenamento juri?dico.”
[35] COLAÇO ANTUNES, Luis Filipe. A reforma do contencioso administrativo: o último ano em Marienbad. Disponível em: <rca.cejur.pt/_RCA/Documents/doc11.doc>. Acesso em 26 ago. de 2014.
[36] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 408. No entanto, vale destacar que esse entendimento não é unânime, havendo autores que consideram o silêncio ato administrativo ou lhe atribuem esse caráter no caso de expressa previsão legal de efeitos. Veja-se, a título de exemplo, PACHECO, Clarissa Dertonio de Sousa. O controle jurisdicional do silêncio administrativo. 2008. 160 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. Disponível em <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-23022012-131518/pt-br.php> Acesso 24 ago 2014: “Não parece inadequado admitir que o silêncio administrativo possa caracterizar um ato administrativo, se a lei, de antemão, previr que o escoamento de determinado prazo implica o acolhimento ou a denegação da pretensão do administrado. Ora, em tais casos as conseqüências do decurso do prazo sem manifestação serão, rigorosamente, idênticas àquelas que ocorreriam se a Administração apreciasse expressamente o pleito. Se o silêncio tem caráter negativo, isto é, denegatório do pleito do administrado, este poderá ingressar em juízo, exatamente como faria, se seu pedido houvesse sido recusado pela Administração. De outro lado, em se cuidando de silêncio positivo, concessório da pretensão do interessado, este poderá exercitar o direito daí decorrente, tal qual faria se o deferimento houvesse sido expresso. A objeção referente à falta de declaração não parece suficiente para que se afaste, sem mais, o caráter de ato administrativo do silêncio positivo ou negativo. Isso porque, nesses casos, a declaração é presumida e decorre da própria lei. Vale dizer: a lei determina que, na omissão da administração, entende-se praticado determinado ato – concessivo ou denegatório. De qualquer modo, o importante é deixar evidenciado que, quando a lei determina o significado do silêncio administrativo, as conseqüências desse silêncio são as mesmas da emissão do ato omitido, que se presumiu praticado.” Veja-se, ainda, o entendimento de André SADDY (O silêncio administrativo no direito brasileiro. Ebook. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 131): “Para que o ato administrativo exista é necessária uma declaração de vontade, e esta não existe no silêncio, pelo contrário, o que existe é uma ausência dela. Assim sendo, entende-se que o silêncio administrativo é uma ficção jurídica em que ora se aplicará o regime do ato administrativo (ato ficcional); e outras vezes se lhe outorgará apenas efeitos processuais. A ideia é 'fingir' que existe um ato administrativo dotado de uma vontade administrativa quando esta não existe ou não se encontra exteriorizada. Trata-se de ficção, pois esta constitui um processo de extensão de um regime jurídico a uma realidade que não preenche os requisitos para que este seja-lhe aplicável. Tal ficção é o mecanismo legal destinado a associar a uma determinada realidade os efeitos de um ato. Finge-se a existência de um ato expresso, apto a produzir efeitos, mas é certo que este não se verifica.”
[37] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 97.
[38] SADDY, André. O silêncio administrativo no direito brasileiro. Ebook. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 206 e 207.
[39] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 98. O autor acrescenta que, nesse caso, “a pretensão tem cunho constitutivo, porquanto objetiva extinguir a relação jurídica decorrente do fato denegatório tácito”.
[40] Nesse mesmo sentido, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 410). O autor, até a 16ª edição de seu livro, entendia que prazo razoável seria de 120 dias, em analogia ao prazo para impetração do mandado de segurança. No entanto, mudou seu posicionamento, entendendo ser razoável o prazo de 30 dias, aplicando a lei de processo administrativo no âmbito federal (Lei nº 9.784/99)
[41] Veja-se, a respeito, decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região: ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINSITRATIVO. SILENCIO DA ADMINISTRAÇÃO. FIXAÇAO DE PRAZO. ARTIGO 49 DA LEI 9784/99. APELAÇAO PROVIDA. 1. Existência de Existe sim o interesse de agir da parte no exato momento em que o apelante tem o direito de ver solucionado o seu pleito perante a Administração Pública. 2. O processo administrativo é uma sucessão encadeada de atos administrativos que tendem a um resultado final e conclusivo. Par que haja processo administrativo cumpre que haja uma seqüência de atos conectados entre si, armados em uma ordenada sucessão visando um ato final. 3. Segundo a doutrina o processo administrativo atende a dois objetivos, resguarda os administrados e concorre para uma atuação administrativa mais clara, principalmente com a fixação de prazos para cumprimento dos atos. 4. Inércia da Gerência de Patrimônio da União em liberar certidão requerida pela parte. O silêncio administrativo dá ensejo à impetração de mandado de segurança para determinar à autoridade pública a apreciação do pedido. 4. A Lei 9.784/99 impõe à administração o dever de decidir os processos administrativos de sua competência, estabelecendo, para tanto, o prazo de 30 dias, para decisão, podendo ser prorrogado por igual período se manifestamente motivado, nos termos do art. 49. 5. Apelação provida. Aplicação do artigo 515, parágrafo 3º do CPC. (TRF-5 - AC: 459927 RN 0005274-08.2008.4.05.8400, Relator: Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo (Substituto), Data de Julgamento: 18/05/2010, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico - Data: 27/05/2010 - Página: 896 - Ano: 2010)
[42] MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 4ª ed. Niterói: Ed. Impetus, 2010, p. 244.
[43] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 410
[44] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 98.
[45] Nesse sentido, veja-se decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROFESSOR. PROMOSSÃO E PREGRESSÃO NA CARREIRA. SILÊNCIO DA ADMINISTRAÇÃO. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA. I - O silêncio da administração aponta para um fato administrativo que pode ou não ter efeitos jurídicos, desde que regulamentados em lei. II - A omissão administrativa tem conseqüências jurídicas que podem ensejar a impetração de mandado de segurança, porém, fica o Judiciário adstrito a questões de legalidade não podendo deferir ou não pleito administrativo, sob pena de se substituir ao administrador. III - A demora do Administrador em solucionar o pleito administrativo da impetrante viola o ordenamento jurídico administrativo e o caput, do art. 37, da Constituição Federal, devendo, o Poder Judiciário fixar prazo para a apreciação definitiva o pleito. IV - Segurança concedida em parte. Unanimidade. (TJ-MA - MS: 166122007 MA , Relator: MARIA DAS GRAÇAS DE CASTRO DUARTE MENDES, Data de Julgamento: 03/09/2008, SAO LUIS)
[46] Nesse sentido, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 409.
[47] “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
[48] “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
[49] O breve resumo evolutivo da evolução da responsabilidade civil do Estado toma em consideração as lições de CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 522 a 524.
[50] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 551.
[51] Exemplo comumente citado de aplicação da teoria do risco integral é nos casos que se enquadrem no artigo 21, XXIII da Constituição, em razão do estatuído na letra “d”: “Art. 21. Compete à União: (…) XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...) d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.” Veja-se, a respeito, o que diz Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 702): “Ocorre que, diante de normas que foram sendo introduzidas no direito brasileiro, surgiram hipóteses em que se aplica a teoria do risco integral, n o sentido que lhe atribuiu Hely Lopes Meirelles, tendo em vista que a responsabilidade do Estado incide independentemente da ocorrência das circunstâncias que normalmente seriam consideradas excludentes de responsabilidade. É o que ocorre nos casos de danos causados por acidentes nucleares (art. 21, XXIII, d, da Constituição Federal e na hipótese de danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, conforme previsto nas Leis nº 10.309, de 21-11-2001, e 10.744, de 9-10-2003. Também o Código Civil previu algumas hipóteses de risco integral nas relações obrigacionais, conforme artigos 246, 393 e 399”.
[52] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21ª ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 538 a 540. Sobre as omissões genéricas, o autor adverte que: “Ouvem-se, de quando em vez, algumas vozes que se levantam para sustentar a responsabilidade integral do Estado pelas omisso?es gene?ricas a ele imputadas. Tais vozes se tornam mais usuais a? medida em que se revela a ineficie?ncia do Poder Pu?blico para atender a certas demandas sociais. A soluc?a?o, pore?m, na?o pode ter ranc?os de passionalismo, mas, ao contra?rio, deve ser vista na o?tica eminentemente poli?tica e juri?dica. Na?o ha? du?vida de que o Estado e? omisso no cumprimento de va?rios de seus deveres gene?ricos: ha? care?ncias nos setores da educac?a?o, sau?de, seguranc?a, habitac?a?o, emprego, meio ambiente, protec?a?o a? maternidade e a? infa?ncia, previde?ncia social, enfim em todos os direitos sociais (previstos, alia?s, no art. 6º, da CF). Mas o atendimento dessas demandas reclama a implementac?a?o de poli?ticas pu?blicas para as quais o Estado nem sempre conta com recursos financeiros suficientes (ou conta, mas investe mal). Tais omisso?es, por gene?ricas que sa?o, na?o rendem ensejo a? responsabilidade civil do Estado, mas sim a? eventual responsabilizac?a?o poli?tica de seus dirigentes. E? que tantas artimanhas comete o Poder Pu?blico na administrac?a?o do interesse pu?blico, que a sociedade comec?a a indignar-se e a impacientar-se com as referidas lacunas. E? compreensi?vel, portanto, a indignac?a?o, mas o fato na?o conduz a que o Estado tenha que indenizar toda a sociedade pelas care?ncias a que ela se sujeita. Deve, pois, separar-se o sentimento emocional das soluc?o?es juri?dicas: sa?o estas que o Direito contempla.”
[53] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 100 e 1003. Nas palavras do autor: (…) sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver), que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva. Não bastará, então, para configurar-se a responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatatal) e dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significa pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dado, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar o evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.”
[54] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 709 a 712.
Procuradora Federal; Procuradora-Chefe substituta da Divisão de Assuntos Disciplinares da PGF. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal. Doutoranda em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto/Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GONTIJO, Danielly Cristina Araújo. O silêncio da Administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/41998/o-silencio-da-administracao. Acesso em: 22 nov 2024.
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