Resumo: O presente artigo visa analisar de forma sucinta a aplicabilidade do art. 730 do Código de Processo Civil (CPC) no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública frente, especialmente, as prerrogativas das pessoas jurídicas de direito pública e a supremacia do interesse público sobre o privado, tendo em vista o tratamento que é dado ao particular em situação similar.
Palavras-chave: Artigo 730 do CPC. Juizados Especiais Federais. Juizados Especiais da Fazenda Pública. Supremacia do interesse público sobre o privado. Execução por quantia certa contra a Fazenda Pública.
1. INTRODUÇÃO
A execução por quantia certa contra a Fazenda Pública possui regramento próprio constante nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil –CPC e no artigo 100 da Constituição Federal, sendo necessária à quitação do débito decorrente do título executivo judicial, a citação da Fazenda Pública para apresentação de embargos à execução, sendo certo, ainda, que o pagamento do valor devido apenas poderá ser realizado por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor (RPV) e apenas após o trânsito em julgado dos eventuais embargos (em relação aos valores controvertidos) ou diante da não apresentação destes no prazo legal.
A necessidade de observância do regramento específico acima destacado não é, a princípio, tema controverso, uma vez que se justifica ante o regime jurídico diferenciado ao qual se submete a Administração.
Todavia, no caso de ações que correm perante os Juizados Especiais Federais ou Juizados Especiais da Fazenda Pública, a questão assume maior relevância, não se tratando de matéria totalmente pacífica. Pretende-se, assim, por meio do presente trabalho, fazer uma breve análise sobre a aplicabilidade do artigo 730 do CPC no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.
2. DO DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, cumpre destacar que a lei 11.232/2005 modificou de forma substancial a execução em geral das decisões judiciais, destacando-se a adoção do princípio do sincretismo da execução no lugar do princípio da autonomia, com a substituição do processo autônomo de execução por uma fase de cumprimento de sentença, de forma que a sentença definitiva não mais põe fim ao processo, o qual prossegue até que haja a satisfação do direito reconhecido.
A fase de cumprimento de sentença introduzida pela lei 11.232/2005 está prevista nos artigos 475-I a 475-R do CPC, incidindo nos casos de obrigações de pagar o disposto no art. 475-J, o qual dispõe que o devedor condenado ao pagamento de quantia certa deverá quitar o débito no prazo de quinze dias, sob pena de incidência (a requerimento do credor) de multa de dez por cento sobre a condenação.
Não obstante as inovações decorrentes da lei 11.232/2005, como visto, no tocante à execução de dívidas pecuniárias contra à Fazenda Pública[1], permanece em vigor os artigos 730 e seguinte do CPC, que apresentam disciplina específica, restando mantida a autonomia do processo de execução por quantia certa para os casos em que a parte executada é pessoa jurídica de direito público.
Ademais, imprescindível tambéma observância do art. 100 da Constituição Federal que impõe que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas em razão de decisões judiciais “far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.
Destarte, condenada a Fazenda Pública ao pagamento de quantia por decisão judicial transitada em julgado, caberá à parte credora mover necessário processo de execução, consoante o disposto no art. 730 do CPC:
Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: (Vide Lei nº 8.213, de 1991) (Vide Lei nº 9.494, de 1997)
I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;
II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.[2]
Alguns doutrinadores entendem, porém, que o artigo 730 do CPC não teria aplicabilidade nas ações em trâmite perante os Juizados Especiais (Federais ou da Fazenda Pública). Por exemplo, para Eliana Calmon Alves:
“A Lei 10.259/2001, em matéria de execução, possui dois artigos apenas: o art. 16, que se refere às sentenças que impõem obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa certa; e o art. 17, que se reporta à obrigação de pagar.
Não há uma única palavra sobre defesa do executado, nem regra a ser seguida caso não seja cumprida a ordem mandamental, porque é assim que se tem entendido a sentença proferida nos juizados especiais: sentença com força executória e que, por isso mesmo, dispensa execução. E, não havendo execução, não há defesa, naturalmente.”[3]
A existência de controvérsias sobre a incidência do art. 730 do CPC no âmbito dos Juizados Especiais provavelmente decorre do fato deinexistirem referências expressas seja na lei 10.259/2001 (disciplina os Juizados Especiais Federais) ou na lei 12.153/2009 (Dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios) sobre a fase inicial da execução por quantia certa contra a Fazenda.
Sobre o procedimento de execução por quantia certa, a lei 10.259/2001 prevê em seu artigo 17 que:
Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
§ 1o Para os efeitos do § 3o do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3o, caput).
§ 2o Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.
§ 3o São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1o deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.
§ 4o Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1o, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.
A lei 12.153/2009, por sua vez, estabelece em seu artigo 13:
Art. 13. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou
II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.
§ 1o Desatendida a requisição judicial, o juiz, imediatamente, determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão, dispensada a audiência da Fazenda Pública. (...)
Percebe-se que ambas as leis simplesmente mencionam que o pagamento deverá ser efetuado no prazo de 60 dias a contar da requisição por ordem do juiz à autoridade citada para a causa.
Assim, a partir de uma interpretação literal e isolada, considerando-se exclusivamenteas normas acima referidas, alguns entendem que seria bastante a simples intimação do ente público executado para pagar o débito em 60 dias, independentemente de qualquer iniciativa da parte interessada, não se conferindo, ainda, oportunidade para a Fazenda executada se pronunciar sobre a regularidade do título executivo.
Tal entendimento, porém, ainda que a pretexto de conferir primazia ao princípio da celeridade processual, não se mostra compatívelcom os princípios processuais que regem nosso ordenamentojurídico, mister quando se trata de causa em que é parte a Fazenda Pública, diante do regime jurídico diferenciado a que esta se submete (supremacia do interesse público sobre o privado, indisponibilidade do interesse público, impenhorabilidade dos bens, impessoalidade, submissão à legalidade estrita, etc.).
Neste contexto, é primordial lembrar que a lei 10.259/2001 estabelecea aplicação subsidiária da lei 9.099/1995, e a lei 12.153/2009 a aplicação subsidiária dessa e do código de processo civil.
Por sua vez, dispõe o art. 52, IX da lei 9.099/95:
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
(...).
IX - o devedor poderá oferecer embargos, nos autos da execução, versando sobre:
a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia;
b) manifesto excesso de execução;
c) erro de cálculo;
d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença.
Veja-se também a dicção do enunciado n.º 121 do FONAJE:
"Os fundamentos admitidos para embargar a execução da sentença estão disponibilizados no art. 52, inciso IX, da Lei 9.099/95 e não no art. 475-L do CPC, introduzido pela Lei 11.232/05."
Ora, se nos Juizados Especiais Cíveis o particular pode oferecer embargos à execução, não se justificaria que estes não fossem possíveis nos Juizados da Fazenda Pública, e com maior razão, uma vez que se visa a defesa do erário. Importante destacar que o prazo para pagamento nas ações sob rito sumaríssimo é extremamente exíguo, de modo que a realização de defesa por simples petição, sem suspensãoda execução, poderia ensejar pagamentos indevidos, em prejuízo à toda coletividade.
Ou seja, entende-se que não seria razoável, nem consentâneo com o princípio da isonomia, submeter a Fazenda Pública, cujos interesses são submetidos a tratamento constitucional e legal totalmente diferenciado, destacando-se a indisponibilidade do interesse público e impenhorabilidade de seus bens, a procedimento mais gravoso do que aquele instituído para os particulares.
Apenas a título exemplificativo é comum o reconhecimento no âmbito administrativo de certos direitos antes não conferidos,os quais se tornaram objeto de demandas repetitivas, e cuja jurisprudência favorável ao administrado se tornou pacífica. É o caso do reconhecimento por meio de despacho do Governador do direito à sexta-parte aos servidores contratados pela lei n.º 500/1974 do Estado de São Paulo, tratando-se o referido ato normativo de causa modificativa superveniente à sentença, com repercussão direta no valor a ser executado nas ações respectivas ainda em trâmite. Outro exemplo são as sentenças proferidas de forma ilíquida, a despeito da proibição legal.
Em síntese, não há como, do ponto de vista processual, e especialmente no caso do tema em pauta, se tratar de forma mais rigorosa a Fazenda do que os particulares, ainda que considerada a simplificação dos ritos processuais em favor de uma justiça mais célere, em detrimento da segurança jurídica, a qual assume especial relevância ante a indisponibilidade do interesse público.
A reforçar o entendimento pela aplicabilidade do artigo 730 no rito do Juizado Especial da Fazenda Pública, acrescenta-se o argumento reiteradamente encontrado na jurisprudência no sentido de impossibilidade de o juízo da execução determinar o pagamento direto, e ainda de ofício, do valor da condenação no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, uma vez que a requisição de pequeno valor é ato de competência exclusiva do Presidente do Tribunal competente:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Precatório - Pedido de pagamento por ordem de preferência - A Requisição de Pagamento é encaminhada pelo Juiz da execução para o Presidente do Tribunal - Imposibildade do Juízo singular para determinar o pagamento imediato, de ofício – Recurso não provido” (Agravo de Instrumento nº. 90.10.181067-0; 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo; Desembargador Relator Peireti de Godoy; j.12.05.2010).
“PROCESSO Execução contra a Fazenda Pública - Pequeno valor - Requisição - Competência - Juiz da execução - Imposibildade: - A requisição de pequeno valor é ato de competência exclusiva do Presidente do Tribunal de Justiça” (Agravo de Instrumento nº 0418428-19.2010.8.26.00, 10ª Câmara de Direito Público, Relatora Desembargadora Teresa Ramos Marques, j. 20.09.2010).
“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR FEITA PELO PRÓPRIO JUIZ DA EXECUÇÃO DIRETAMENTE AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVER DE OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 730 DO CPC. ATO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL A QUE O JUIZ ESTÁ VINCULADO. 1. A questão debatida nos autos gira em torno da possibilidade de magistrado de primeiro grau determinar diretamente a requisição de pequeno valor a chefe do Poder Executivo local, sem a interferência do Presidente do Tribunal competente. 2. Primeiramente, registra-se que o ato impugnado pelo mandado de segurança não é a decisão interlocutória que determinou o pagamento dos honorários, mas sim o ofício que comunicou tal decisão ao Presidente do Tribunal; logo, não há falar em inadequação da via eleita. 3. A interpretação sistemática dos arts. 100, § 3.º, da Carta Magna e 730, I e II, do CPC denota que, não obstante tratar-se de obrigação de pequeno valor e, por isso, insuscetível de expedição de precatório, a requisição deve ser ordenada pelo Presidente do Tribunal no afã de privilegiar a ordem cronológica de habilitação dos créditos oponíveis contra a Fazenda. Isso quer dizer que a requisição do pagamento das obrigações devidas pela Fazenda Pública é de competência exclusiva do Presidente do Tribunal a que está vinculado o juízo da execução, cabendo a este o cumprimento do disposto no artigo 730 do CPC, tanto nos pagamentos realizados por meio de precatórios como por requisições de pequeno valor. (Precedente: REsp 705.331/RS, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 27 de março de 2006). 4. Embora tenha a Lei 10.259/2001, dos Juizados Especiais Federais, conferido, em seu artigo 17, § 2º, poderes ao juiz singular para que, em substituição ao Presidente do Tribunal, determine o pagamento de requisição de pequeno valor, tal procedimento não pode ser aplicado nas execuções dos demais órgãos do Poder Judiciário, por ausência de expressa previsão legal. 5. Recurso ordinário provido” (STJ - RMS: 27889 PB 2008/0214779-8, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 17/03/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2009)
Destarte, diante de todo acima exposto, conclui-se que a aplicação subsidiária dos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil no tocante à execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, além de autorizada pela lei, observa o princípio da razoabilidade e não representa prejuízo à celeridade processual e aos objetivos das leis 10.259/2001 e 12.153/2009.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Arakende. Manual da Execução. 10 ed. São Paulo: RT. 2006
CÂMARA, Alexandre de Freitas. A Nova Execução de Sentença. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006.
CUNHA, José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 5ª ed. São Paulo: Dialética. 2007.
TEIXEIRA, Eduardo Didonet, Coord. Juizados Especiais Federais: Primeiras Impressões. Curitiba: Gênesis, 2001. p.
[1]Apenas as execuções de pagar quantia contra a Fazenda são regidas pelos artigos 730 e 731 do CPC, as demais obedecem ao disposto no Capítulo X (“do cumprimento da sentença”).
[2]o prazo para apresentação de embargos pela Fazenda será de trinta dias e não de apenas 10, tendo em vista o disposto no art. 1º-B da lei 9.494/97: Art. 1o-B. O prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo Civil, e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a ser de trinta dias (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Procurador Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Clélio de Oliveira Corrêa Lima. Aplicabilidade do Art. 730 do Código de Processo Civil no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42077/aplicabilidade-do-art-730-do-codigo-de-processo-civil-no-ambito-dos-juizados-especiais-da-fazenda-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.