1. Conteúdo e alcance
O art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, estabelece que “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade...”.
O art. 458, inc. II, do Código de Processo Civil, exige, como requisito da sentença, que o juiz mencione os fundamentos de fato e de direito em que se baseou para resolver a demanda. Outrossim, os acórdãos dos tribunais devem obedecer aos requisitos do art. 458, CPC, sendo que as decisões interlocutórias deverão ser fundamentadas, ainda que de modo conciso, como dispõe o art. 165, do mesmo Código.
A exigência constitucional de motivação das sentenças e demais decisões judiciárias liga-se ao pressuposto político da necessidade de controle das atividades do juiz.
A regra do livre convencimento confere ao magistrado a prerrogativa de valorar os elementos probatórios do processo segundo sua própria inteligência e sensibilidade, sem estar vinculado a critérios estritos e legais que predeterminasse o valor de cada meio de prova ou, menos ainda, o de cada prova em concreto. Além do mais, a ampla independência funcional do juiz deixa-o livre para tomar suas próprias decisões, sem imposições nem influências de outras pessoas ou órgãos, mesmo dos órgãos superiores da própria Magistratura.
Acerca do princípio em destaque, Dinamarco assim leciona:
Para cumprir seu objetivo político e atender às exigências da Constituição e da lei, a motivação deve ser tal que traga ao leitor a sensação de que o juiz decidiu de determinado modo porque assim impunham os fundamentos adotados, mas decidiria diferentemente se tivesse adotado outros fundamentos – seja no exame da prova, seja na interpretação do sistema jurídico. Tal é a exigência de coerência na motivação, sem a qual ela é irregular e a sentença, nula. Exige-se também que a motivação seja completa, sem omitir pontos cuja solução pudesse conduzir o juiz a cnocluir diferentemente. Sempre que a sentença seja repartida em capítulos, cada um deles consistindo no julgamento de uma pretensão, todos eles devem ser precedidos de uma motivação que justifique a conclusão assumida pelo juiz.
Nelson Nery Jr., ensina que
Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam que “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido”. Essa decisão é nula porque lhe falta fundamentação.
2. Sanção pela inobservância da motivação
A Constituição Federal é incisiva quanto à conseqüência da inobservância da motivação das decisões judiciais: a imediata nulidade. Como observa Nelson Nery Jr., “normalmente a Constituição não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres”. No entanto, a falta de motivação nas decisões judiciais constitui vício tão perigoso quanto pernicioso, que o constituinte originário variou na sua técnica de elaboração do texto constitucional, e cominou a pena de nulidade para a situação de falta de motivação.
3. Sobre “o que” motivar
A exigência de inteireza da motivação das decisões judiciais não chega ao ponto de determinar que o magistrado se manifeste especificamente sobre todos os pontos, mais relevantes ou menos, ou ainda sem nenhuma relevância, que as partes hajam suscitado no processo.
Ao revés, o fundamental consiste em motivar no tocante aos pontos relevantes e essenciais, de maneira que a motivação lançada em sentença mostre que o juiz tomou determinada decisão porque assumiu dados fundamentos com que esta guarda coerência. Como acentua Dinamarco, a regra de equilíbrio é esta: “motiva-se no essencial e relevante, dispensa-se relativamente a motivação no periférico e circunstancial”.
4. Motivação, verdade e validade no processo
Compreende-se, após tudo quanto foi dito até aqui, o valor primordial desse princípio. Como assinala Luigi Ferrajoli, “ele exprime e ao mesmo tempo garante a natureza cognitiva em vez da natureza potestativa do juízo”. Outrossim,
É por força da motivação que as decisões judiciárias resultam apoiadas, e, portanto, legitimadas, por asserções, enquanto tais verificáveis e fasificáveis ainda que de forma aproximada; que a “validade” das sentenças resulta cndicionada à “verdade”, ainda que relativa, de seus argumentos; que, por fim, o poder jurisdicional não é o “poder desumano” puramente potestativo da justiça de cádi, mas é fundado no “saber”, ainda que só opinativo e provável, mas exatamente por isso refutável e controlável tanto pelo imputado e sua defesa como pela sociedade.
De ver-se, portanto, que a exigência constitucional da motivação que se projeta sobre a teoria do direito processual civil permite a fundação e o controle das decisões seja de direito, por violação de lei ou defeito de interpretação ou subsunção, seja de fato, por deficiência ou insuficiência de provas ou por explicação inadequada do nexo entre convencimento e provas.
5. Referências
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3 ed., São Paulo: Malheiros, 2003;
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002;
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
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