Sumário: 1.0 Introdução; 2.0 Sistemas Processuais; 3.0 Modelo adotado no Brasil; 4.0 Função do Ministério Público; 5.0 Ilegitimidade do MP; 6.0 Legitimidade do MP; 7.0 Conclusão.
1.0 Introdução
Antes de tecermos maiores considerações acerca da validade da investigação criminal perpetrada diretamente por órgãos do Ministério Público, convém delinearmos os contornos que o sistema acusatório adquire no Brasil, especialmente, por ser identificado como um dos pilares do sistema de garantias individuais da Constituição de 1988.
2.0 Sistemas processuais
A doutrina, de forma geral, costuma identificar três modelos de sistemas processuais, de acordo com a titularidade atribuída ao órgão de acusação: a) sistema inquisitório b) sistema acusatório c) sistema misto.
Caracteriza-se o sistema inquisitorial como sendo aquele em que as funções de acusação e julgamento se encontram reunidas em um só órgão. A prova confessional possui maior valor dentre os meios de prova. Ademais, nesse sistema, hodiernamente superado, o acusado é submetido a um processo escrito, sem debates orais, em segredo, sem contraditório e ampla defesa e tratado como objeto do processo. [1]
Ao revés, no sistema acusatório, as funções de acusação e julgamento são atribuições de órgãos distintos, garante-se o contraditório com as partes em igualdade de condições, a imparcialidade do juiz e a publicidade das decisões. Há livre sistema de produção de provas. Predomina a maior participação popular na justiça penal.[2]
Por sua vez, o sistema misto, reúne as virtudes dos dois sistemas anteriores. O processo é dividido em duas fases: 1) a instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo; 2) fase de julgamento, com destaque para o sistema acusatório. [3]
3.0 Modelo adotado no Brasil
Tendo em vista que no modelo brasileiro as funções de acusação (a cargo do MP) e julgamento (atribuída ao Poder Judiciário) são desempenhadas por órgãos distintos, a doutrina, de modo geral, costuma identifica-lo dentro do sistema acusatório.
Contudo, tal afirmação não fica incólume a algumas observações, como aquelas feitas por Eugênio Pacelli, que comprometem um enquadramento estanque no modelo acusatório, a dizer:
"Em primeiro lugar, nenhum tribunal até hoje se levantou contra a mutatio libelli do art. 384 do CPP, no qual se permite uma alteração substancial da peça acusatória, a partir de fatos e/ou circunstâncias que o juiz considere provados na instrução criminal. Assim, uma nova acusação é formulada pelo próprio juiz, com a agravante de já significar uma antecipação da valoração que ele estará fazendo do material probatório já produzido (...) Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, decidiu pela impossibilidade de o juiz poder requisitar de ofício novas diligências probatórias, quando o Ministério Público manifestar-se pelo arquivamento do inquérito (HC 82.507/SE, Rel. Sepúlveda Pertence)".[4]
Em outra passagem, o citado autor destaca o papel desempenhado pelo juiz no âmbito da distribuição do ônus da prova, comumente legitimado em prol da suposta busca da verdade real. De acordo com Pacelli, essa postura ativa do juiz traduz alguns inconvenientes que, por vezes, comprometem o princípio do juiz natural e sua indispensável imparcialidade "Com efeito, a igualdade das partes só será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado".[5]
É diante dessas e de outras observações que alguns autores caracterizam o sistema processual acusatório brasileiro como sendo mitigado relativamente, dado que o juiz pode determinar de ofício uma série de diligências, como por exemplo, as do art 156, 196, 502 e 616 do Código Processual Penal. (produz prova de ofício, decreta a prisão do acusado de ofício, se vale de elementos do inquérito produzidos longe do contraditório para formar sua convicção). [6]
Segundo esses autores, os dispositivos do CPP que conferem ampla liberdade probatória ao juiz (arts. 209, 242, 127, 311, 385 e 156 CPP) revelam um perfil inquisidor, que compromete o sistema acusatório previsto na Constituição, afinal, o núcleo do sistema processual é a gestão da prova. Seria inócua a separação inicial de funções existente.
Guilherme de Souza Nucci defende que o sistema adotado no Brasil foi o sistema misto, pois inclui como fazendo parte do sistema processual a fase do inquérito policial, onde predominam as características do sistema inquisitorial.[7]
Impende ressaltar, contudo, que o CPP prevê como medida excepcional a iniciativa probatória do juiz. A regra não é essa, logo, não pode ser utilizada para caracterizar todo o sistema como se fosse dominante. Até porque, como sistema, deve ser observada a filtragem constitucional. As garantias constitucionais não podem ser desconsideradas com o intuito de enquadrar o sistema processual brasileiro como sendo de matiz inquisitorial. O sistema é o conjunto, o resultado de valores políticos e históricos.
Por outro lado, como se pretende caracterizar o sistema processual penal brasileiro e já que toda fase processual é permeada pelos princípios e garantias fundamentais previstos implícita ou explicitamente na Constituição, pode-se dizer que o sistema escolhido foi o acusatório e não o sistema misto como defende Nucci.
4.0 Função do Ministério Público
A função do processo penal não é punir, mais antes, servir de instrumento para concretização das garantias constitucionais. O processo é caminho legitimante do poder. Logo o processo também é instrumento de garantia e segurança para todas as partes. [8] Sendo o Ministério Público guardião da ordem democrática, num Estado Democrático de Direito, nada mais justo que ele possa desempenhar de forma mais ampla possível o seu mister constitucional.
Seu objetivo deve ser a apuração dos fatos, da melhor maneira possível, para angariar dados substanciais ao seu convencimento, observados o devido processo legal e os direitos fundamentais do cidadão. A finalidade é garantista. Para Ferrajoli, expoente máximo do garantismo, o Parquet pode investigar porque é forma de garantir os direitos do cidadão.[9]
No direito comparado, é comum em alguns Estados a iniciativa investigatória do Ministério Público. Na Alemanha, o MP é o encarregado das investigações, só que ele delega à polícia judiciária a execução. Em Portugal, o MP dirige o inquérito. [10] E não se trata apenas de transpor modelos estrangeiros, como se fossem puramente adequados e aplicáveis a realidade brasileira. Mas, sem dúvidas, servem de indicativo salutar, considerada a amplitude do papel ministerial revelado na Constituição brasileira de 1988.
Importante fazer uma distinção necessária: o MP não pode agir com pessoalidade, sob pena de responsabilização. Para o Supremo Tribunal Federal, o MP é parcial, é parte.Ele é parcial, mais impessoal. Ele não tutela direitos individuais, mas interesses coletivos. È parcial, no sentido de que ele deve proteger os direitos do cidadão.
Nesta linha, afirma Pacelli, "O Ministério Público não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para acusação, nas ações penais públicas (...) Enquanto órgão do Estado e integrante do Poder Público, ele tem como relevante missão constitucional a defesa não dos interesses acusatórios, mas da ordem jurídica (...)" . [11]
5.0 Ilegitimidade do Ministério Público r
Luís Roberto Barroso elenca [20], de forma sistematizada, os argumentos daqueles que se opõem à legitimidade do Ministério Público, quais sejam: (a) O art.144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição atribui de forma expressa às Polícias Federal e Civil a apuração de infrações penais. Cuida-se de exigência do devido processo legal a competência da polícia judiciária no procedimento investigatório criminal. (CF, art. 5º, LIII); (b) A Constituição atribui ao Ministério Público a função de exercer o controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII) e não de substituí-la; (c) O escopo do inciso VI do art. 129 da CF/88 está restrito aos inquéritos civis públicos e outros também de natureza administrativa. O inquérito criminal é tratado em dispositivo diverso (VIII) e nesse ponto, a atuação do Ministério Público se limita à requisição de instauração do próprio inquérito e de diligências investigatórias; (d) A promoção da ação penal não engloba a investigação criminal. Não se aplica a lógica dos poderes implícitos; (e) Apenas uma emenda à Constituição poderia atribuir competência investigatória ao Ministério Público; (f) Em toda evolução histórica do Brasil a competência para realizar as investigações preparatórias da ação penal sempre foi da Polícia. As inúmeras tentativas de modificar esse regime foram frustradas; (g) A atribuição de competência investigatória pelo MP concentraria excessivo poder numa única instituição; (h) A concentração de atribuições prejudica a impessoalidade e o distanciamento crítico que o membro do MP deve manter no momento de decidir pelo oferecimento ou não da denúncia; (i) A ausência de disciplina legal, sujeita os envolvidos ao império dos voluntarismos e caprichos pessoais; (j) O Ministério Público já dispõe de instrumentos suficientes para suprir deficiências e coibir desvios da atuação policial.
Como defensor dessa tese, Nucci afirma "cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando à apuração de infrações penais e de sua autoria".[13] E mais adiante, referindo-se ao promotor, "o que não lhe é constitucionalmente assegurado é produzir, sozinho, a investigação, denunciando a seguir quem considerar autor de infração penal, excluindo, integralmente, a polícia judiciária e, conseqüentemente, a fiscalização salutar do juiz".[14]
6.0 Legitimidade do Ministério Público
Dentre as diversas formas de investigações criminais se encontra o inquérito policial. Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria.[15] Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também, a colheita de provas reputadas urgentes. A presidência do inquérito policial cabe à autoridade policial.
As outras investigações criminais podem ser presididas por outras autoridades conforme dispuser a lei. Existem vários diplomas legais com tal previsão, por exemplo, o art.33, parágrafo único, da LC35/79. Outros exemplos: receita federal, COAF, Controladoria Geral da União, CPI. [16] Não é competência exclusiva da polícia investigar, é função prioritária.
O MP não pode presidir inquérito, não há dúvida.Isso não significa que ele não possa utilizar procedimentos investigatórios. A constituição não diz que a investigação compete exclusivamente à polícia. Para doutrina e jurisprudência, o inquérito policial é facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação [17] Na prática, o promotor pode lastrear a denúncia com peças de informação fruto de requisição de diligências.
Segundo Luís Roberto Barroso [18] outros argumentos podem ser sintetizados, a saber, (a) A Constituição atribui ao Ministério Público o poder de expedir notificações, tanto na esfera cível quanto na criminal, nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos pra instrui-los; (b) O sistema do art. 129 CF buscar fornecer ao MP autonomia para levar a cabo a apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia; (c) Várias normas constitucionais fundamentam a atribuição dessa competência ao MP, por exemplo, art.127, caput; art.129, II e IX; art.144, caput; arts. 1º, 3º, 5º; (d) A investigação pelo MP só será empregada quando estritamente necessária; (e) A atuação direta do MP pode conferir maior celeridade a atividade investigatória, pois, o contato pessoal com a prova facilita a formação de seu convencimento; (f) A atuação do Parquet é recomendável devido a sua independência em relação aos poderes estatais. Os problemas estruturais que envolvem as corporações policiais e o contato mais direto com a criminalidade, por vezes, resultam no envolvimento de policiais em casos de corrupção e de crime organizado.
Por fim, ressalta-se que o MP não é apenas o Estado acusador - é antes o Estado garantidor dos direitos fundamentais do cidadão. Assim, em hipóteses excepcionais, extraordinárias, se for compatível com suas finalidades, ele pode investigar diretamente.
7.0 Conclusão
Primeiramente, cumpre destacar que o debate em tela exige o afastamento das posições apaixonadas ou corporativas. É certo que quem dispõe de algum poder não quer perde-lo e quem tem algum poder busca sempre amplia-lo. Desse modo, é preciso ponderar as vantagens e desvantagens de uma eventual legitimidade do MP para, na medida do possível, se chegar a um consenso que objetive a conformação ao Estado Democrático de Direito.
Após a exposição das teses doutrinárias, e antes de um posicionamento conclusivo sobre o tema, faz-se necessário observar como a questão vem sendo tratada pela jurisprudência.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a celeuma acerca da legitimidade ou não da investigação criminal implementada pelo Ministério Público já foi objeto de discussão em diversas oportunidades sem que se tenha até o momento uma decisão definitiva do Plenário da Corte.
Inicialmente [19], no HC nº 75.769-3 MG (1ª Turma, rel. Min. Octávio Gallotti. DJU, 28 nov. 1997), o Supremo não enfrentou diretamente a questão, mas admitiu a tese exposada pelo tribunal a quo acerca da legitimidade. Posteriormente, no RE nº 205.473-9 AL (2ª Turma, rel. Min. Carlos Mário Velloso. DJU 19 mar. 1999), a possibilidade de investigação direta foi expressamente rejeitada. Três anos depois, no RE nº 233.072-4 RJ (2ª Turma, rel. para acórdão Min. Nelson Jobim. DJU, 03 mai. 2002), mais uma vez o Supremo rechaçou a tese, assim como no ROHC nº 81.326-7 DF (2ª Turma, rel. Min. Nelson Jobim. DJU 01 ago.2003) cuja ementa deixou assentado:
"A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, III). A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria.Recurso conhecido e não provido".
Mais recentemente a questão esteve afeta à discussão pelo Plenário da Corte no Inquérito 1968-DF de relatoria do Min. Marco Aurélio. O julgamento teve início, havendo votado os Min. Marco Aurélio e Nelson Jobim contrariamente a legitimidade do Ministério Público e os Min. Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto a favor. Contudo, em razão da extinção do mandato do deputado federal indiciado, cessou a competência do Supremo para dirigir o inquérito e, mais uma vez, a análise do tema pelo Plenário restou prejudicada.
Por fim, no julgamento do RHC 97.926, iniciado em outubro de 2013, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, seguindo o voto do relator Min. Gilmar Mendes, por unanimidade, concluiu que o Ministério Público pode fazer investigações. Ressaltou ainda que a inexistência de vedação à investigação no artigo 129 da Constituição Federal somada a interpretação sistemática do Código de Processo Penal e da Lei Complementar 75/1993, ampara a tese de que o Ministério Público pode investigar.
De acordo com o relator, ministro Gilmar Mendes, as regras constitucionais sobre a investigação não impedem que o Ministério Público presida o inquérito ou que faça a própria investigação, desde que essa atuação seja controlada e regulamentada. Da mesma forma, nada impede que o réu colha provas para compor sua defesa no processo criminal.In verbis:
“Considerando o poder-dever conferido ao Ministério Público na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da Constituição), afigura-me indissociável às suas funções relativa autonomia para colheita de elementos de prova como, de fato, lhe confere a legislação infraconstitucional”
O ministro rebateu também o argumento de que a investigação pelo MP causaria um desequilíbrio entre acusação e defesa. Para Gilmar Mendes a investigação pelo MP não desequilibra o jogo, pois sempre estará sujeita ao controle judicial “simultâneo ou posterior”. Isso decorre, segundo o ministro, do fato de ser “ínsito ao sistema dialético do processo” a possibilidade da a parte colher provas para instruir a própria defesa. “Ipso facto, não poderia ser diferente com relação ao MP.”
Gilmar Mendes acrescentou que a atuação deve ser subsidiária, ocorrendo apenas nos casos em que não for possível ou recomendável que a investigação seja feita pela polícia judiciária. O órgão só deve ser acionado nos casos em que a polícia não puder investigar, ou quando não for “recomendável” sua atuação no caso. Exemplos citados por Gilmar Mendes são apurações de lesão ao patrimônio público, de excessos cometidos por policiais (como abuso de poder, tortura ou corrupção) ou de omissão da polícia.
O ministro ainda sugere que uma regulamentação da investigação pelo MP deve obrigar o órgão a formalizar o ato investigativo; comunicar formalmente, assim que iniciadas as apurações, o procurador-chefe ou procurador-geral; numerar os autos de procedimentos investigatórios, para que haja controle; publicidade de todos os atos; formalização de todos os atos; assegurar a ampla defesa, entre outros.
Note-se, entretanto, que a questão do poder de investigação do Ministério Público ainda não foi analisada pelo Plenário do STF.
Por oportuno, importante destacar que a interpretação constitucional não pode ser pontual - deve ser sistemática. Se de um lado não se pode simplesmente concluir que a Constituição atribui diretamente ao MP a legitimidade investigatória, de outra banda também não se pode concluir que essa atribuição compete exclusivamente a Polícia Judiciária.
Acrescente-se ainda que, sob a ótica do sistema acusatório, é plenamente possível a investigação criminal levada a cabo por membros do Ministério Público, especialmente porque no modelo brasileiro toda atividade investigatória (pré-processual) é dirigida à formação do convencimento do encarregado da acusação (obviamente se o conjunto probatório revelar material suficiente para subsidiar eventual acusação pelo MP).
Não se vislumbra nenhuma incompatibilidade com as características próprias do inquérito, tais como a falta de contrariedade da defesa, a discricionariedade na colheita das provas, entre outras. Todo o sistema constitucional de garantias restará observado oportunamente na fase processual, sob a fiscalização da autoridade julgadora.[20]
Um ponto resta claro: não há óbice a atuação do MP na investigação, desde que seja suplementar. O Parquet não pode virar o presidente do inquérito policial. Não é esse o seu papel constitucional. Deve existir uma regulamentação, via lei, de quando o MP poderá atuar, sob pena de pinçar, naturalmente, os casos notórios de efeitos midiáticos. Se o Ministério Público abusar de suas atribuições caberá a punição dos responsáveis.
Alguns temas não poderiam ser esquecidos numa eventual regulamentação, tais como, a necessidade de acesso aos autos numa eventual investigação implementada pelo MP, afinal, o contraditório abrange o direito de informação e participação. O direito a informação restaria plenamente garantido. O direito de participação seria restringido na medida que fosse necessário ao não comprometimento das investigações realizadas, assim como ocorre no inquérito policial.
Ademais, em termos práticos e apesar dos avanços, não se pode fazer vista grossa as dificuldades e deficiências do quadro policial. É inolvidável que questões salariais e estruturais aliadas ao contato mais de perto com a criminalidade contribuem, sobremaneira, para o comprometimento das atividades policiais na atual conjuntura nacional. E que, nesse aspecto, o MP goza de maiores prerrogativas, o que reduz (e não elimina!) as eventuais chances de corrupção. Obviamente não se pretende defender a manutenção do status quo - resta claro que o aparelhamento da polícia afastaria uma parcela das críticas que lhe são desafiadas. Mas a idéia é analisar o quadro tal como ele se apresenta atualmente.
Por outro lado a defesa intransigente e cega da legitimidade do MP o sujeitaria, a longo prazo, aos mesmos problemas hoje sofridos pelas corporações policiais. O acúmulo de atividades investigatórias no Parquet demandaria recursos materiais e humanos, ampliando a carreira e seus custos, contribuindo cada vez mais para seu enfraquecimento. O contato mais estreito com a criminalidade também deixaria os membros do MP suscetíveis a investidas criminosas e afetaria a credibilidade que, bem ou mal, a instituição construiu com o passar dos anos.
Dessa forma é preciso analisar com cautela o atual sistema constitucional e os limites impostos, com intuito de se chegar ao meio termo, afinal, a virtude está no meio. É preciso estipular requisitos legais para a atividade investigatória implementada diretamente pelo Ministério Público, de modo que esta fique restrita a hipóteses necessárias, excepcionais e extraordinárias.
Frise-se a necessidade de edição de um diploma legal, e não meramente a edição de resoluções internas pelo CNMP, como pretendem alguns, ao argumento de que (a) a edição de uma lei seria uma alternativa demorada, que poderia comprometer a licitude das investigações anteriores a ela que não atendessem a todos os critérios disciplinados; (b) O CNMP é órgão composto por diversas entidades; (c) As resoluções que violassem o devido processo legal poderiam ser objeto de ADC ou ADI.
Para resolver a questão da demora no trâmite legislativo bastaria vontade política e a atuação engajada do MP no Congresso Nacional. O que não se pode é, sob esse argumento, maquiar uma regulamentação que, enquanto se mantiver no âmbito interno da instituição, restará inútil, na medida que sofrerá as mesmas resistências quanto a sua legitimidade.